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Abstract The scope of this work was to illustrate Resumo Este trabalho buscou apresentar o que a
what dietary modernity represents for sociology modernidade alimentar representa para a socio-
and anthropology, which is a subject based on a logia e a antropologia, questão que é discutida a
bibliographic review that is discussed in this ar- partir de revisão bibliográfica. Considera-se ini-
ticle. Initially, the presence of the theme of food cialmente a presença do tema alimentação nos
and nutrition was assessed in studies in the social estudos das ciências sociais, enfocando-se as abor-
sciences, by focusing on the approaches related to dagens relacionadas à modernidade alimentar,
dietary modernity, especially as found in the works especialmente o trabalho de Claude Fischler. Pri-
of Claude Fischler. The main subjects of discus- vilegiou-se o registro das questões relacionadas à
sion were related to food and nutrition and chang- alimentação e às mudanças no mundo do traba-
es in the work environment, the expansion of lho, ampliação do comércio, feminização da soci-
1
Programa de commerce, the feminization of society and the edade e a questão das identidades. Ao compreen-
Pósgraduação question of identity. By understanding the food der o fenômeno alimentar e o seu consumo em
em Educação em
phenomenon and consumption thereof using a uma abordagem mais qualitativa pode-se avan-
Ciências e Saúde, Núcleo de
Tecnologia Educacional more qualitative approach, it is possible to make çar na construção das ciências nutricionais, pri-
para a Saúde, Centro de progress in configuring the nutritional sciences, vilegiando-se uma abordagem compreensiva so-
Ciências da Saúde,
adopting a comprehensive approach to food and bre o alimento e a alimentação nos dias atuais.
Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Av. Carlos nutrition in this day and age. Future studies Como recomendação os estudos atuais devem se
Chagas Filho, 373 - UFRJ/ should be dedicated to investigating food con- dedicar à investigação do consumo alimentar
CCS/NUTES - Bl.A/28.
sumption as a social phenomenon in order to ag- como um fenômeno social para que se agreguem
21941-902 Rio de Janeiro
RJ. abrasil@ufrj.br gregate new analytical components with a bio- novos componentes analíticos ao conjunto de re-
2
Departamento de Nutrição medical emphasis to the body of results. sultados com o enfoque biomédico.
Social, Instituto de
Key words Anthropology, Food, Feeding Behav- Palavras-chave Antropologia, Alimentação,
Nutrição,
Universidade do Estado do ior, Food Consumption, Sociology Comportamento alimentar, Consumo alimentar,
Rio de Janeiro. Sociologia
3
Programa de Pós-
graduação
em Nutrição,
Instituto de Nutrição Josué
de Castro, Centro de
Ciências da Saúde,
Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
3854
Fonseca AB et al.
que, até pouco tempo, eram consideradas femi- ção que possui: lembranças familiares, livros e
ninas, a exemplo da prática de dietas para ema- revistas, dicas de amigos e parentes recorrendo
grecer e do consumo de refeições mais leves18, em tanto à tradição oral como à tradição escrita,
consonância com a preocupação dietético-cosmé- num processo de reaprendizagem individual que
tica existente na modernidade alimentar3. As pode expressar influências culinárias diversas e
mulheres têm um papel importante nessa ado- sincréticas3. Somado a esse processo, o comensal
ção de novos hábitos, já que são elas, em sua moderno deve, ainda, dialogar com as orienta-
maioria, que continuam conduzindo as deman- ções dietéticas, cada vez mais presentes nas recei-
das alimentares da família14, como compras e tas culinárias, sendo estimulado a elaborar pra-
organização do cardápio, além de serem reco- tos criativos e originais, como forma de experi-
nhecidas como cuidadoras da saúde da família mentação lúdica da cozinha enquanto ambiente
por intermédio da alimentalização: há dieta para de lazer.
diferentes patologias e necessidades e diferentes A alimentação passa a ser um espaço de múl-
teores e qualidades são elencadas para alimentos tiplos significados e informações, situação em que
que passaram a ser funcionais. o estabelecimento de referências se torna um pro-
É importante destacar que, além da indústria cesso de maior complexidade. Neste contexto,
ter identificado e explorado esse novo consumi- discutir o papel das identidades pode represen-
dor masculino, ela também alterou suas estraté- tar uma importante abordagem ao considerar-
gias de publicidade e marketing junto ao público mos o tema da alimentação na contemporanei-
feminino. No passado, as propagandas se dirigi- dade, questão que trataremos a seguir.
am às mães de família encarregadas da tarefa de
fazer as escolhas em função dos gostos da famí- Resignificação das identidades
lia. Hoje, a mulher se converteu em uma consu- e sociedade gastro-anômica
midora direta, com suas próprias preocupações,
necessidades e demandas. Nesta perspectiva, a Apesar de todas as transformações ocorri-
indústria vem desenvolvendo uma série de pro- das nos processos de aprendizagem e realização
dutos alimentares, voltados a atender às diver- das práticas culinárias e da diversidade inerente
sas demandas existentes. Para ilustrar as dife- aos sistemas alimentares, um aspecto é funda-
renciações de necessidade de consumo de alimen- mental na significação da alimentação: a identi-
tos, é interessante citar alguns nichos identifica- dade. O comensal precisa se identificar com o
dos pelo mercado: o dos produtos que propor- alimento para reconhecê-lo e significá-lo. Porém,
cionam saúde ao consumidor, o dos produtos no contexto contemporâneo, é muito difícil iden-
que oferecem praticidade e rapidez no manejo e tificar os alimentos: sua origem é desconhecida,
preparação das refeições e o dos produtos diet e distante; sua preparação escapa ao controle do
light, cujo consumo vem aumentando vertigino- consumidor final.
samente nos últimos anos19. Esta situação de desconhecimento da origem
Outro aspecto relevante associado às trans- e do conteúdo dos alimentos e das formas de
formações ocorridas no universo feminino diz res- preparo tem gerado um conflito interno no co-
peito à transmissão do saber e das habilidades culi- mensal: ao mesmo tempo que os alimentos re-
nárias3. Tradicionalmente, esta transmissão se re- cém lançados são atrativos, pela novidade e pra-
alizava de mãe para filha, pela participação destas ticidade, eles se tornam objetos misteriosos,
quando pequenas nos trabalhos domésticos e em trazendo à tona a desconfiança do onívoro, pois
seguida, pela iniciação nas práticas culinárias e de ao desconhecer sua origem se estabelece a possi-
aprendizagem de receitas familiares, passadas de bilidade de incorporação do objeto mau.
geração em geração. Pesquisa, ainda em desenvol- Uma das principais críticas feita ao alimento
vimento, realizada por parte dos autores encon- industrializado, é que estes seriam uma trapaça.
trou que entre 809 estudantes de nutrição da cida- Nas palavras de Fischler3: o alimento moderno já
de do Rio de Janeiro, 77,3% afirmou ter aprendido não tem identidade, pois não é identificável. Tal
a cozinhar com a mãe, 11,54% com avós e 3,8% acontecimento se configura como uma das fon-
com tias. O pai foi citado por apenas 4,3% dos tes profundas de mal-estar da modernidade ali-
entrevistados. Isso numa amostra composta por mentar: se trata de um transtorno de identidade.
uma significativa maioria feminina (92,2%), pa- Também indaga se a fórmula ‘diga o que comes
drão que acompanha o perfil do curso. que te direi quem és’ reflete [...] uma verdade não
Na experimentação culinária o indivíduo pode só biológica e social, mas também simbólica e sub-
utilizar e integrar as diversas fontes de informa- jetiva, temos que admitir que o comensal moder-
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saudáveis. Ao mesmo tempo, percebemos que leiras –, Barbosa14 afirma não ter identificado
esta polifonia dietética tem feito com que os co- situações de gastro-anomia por parte dos entre-
mensais se questionem se suas escolhas alimen- vistados e que a profusão de informações parece
tares estão corretas ou não e, se o que irão con- não levar necessariamente a tensão ou a momen-
sumir trará resultados benéficos ou prejudiciais tos de angústia pela indefinição diante de varia-
à saúde, numa postura de reflexividade que en- das opções. Segundo a autora, a alimentação foi
contra ressonância com o tempo presente24. geralmente relacionada ao prazer, à união fami-
Ao pensar no comensal moderno, que vive liar e à comensalidade.
num grande centro urbano, observa-se que ele é Ao se pensar o consumo de alimentos na so-
alvo direto ou indireto do assédio da mídia inte- ciedade brasileira contemporânea é preciso con-
ressada em mediar seus produtos ou informa- siderar tanto a existência de cenários sociais em
ções. Desse modo, a polifonia dietética e a caco- que as pessoas experimentam a gastro-anomia,
fonia alimentar fazem surgir uma infinidade de como também situações em que se associa o pra-
critérios, proibições e prescrições alimentares que zer e o encontro à alimentação. No caso brasilei-
passam a compor um mosaico particular do co- ro não é possível se esquecer das situações de
mensal que irá orientar suas escolhas e práticas fome e pobreza35, as quais comportam várias
alimentares25. outras possibilidades, como, por exemplo, as
Por fim, interessa-nos um desenvolvimento sensações e estratégias alimentares que se expres-
teórico elaborado por Fischler3, que possui um sam na escassez de alguns alimentos ou mesmo
interessante jogo linguístico, é a diferenciação entre em sua ausência.
sociedades gastro-nomicas e gastro-anômicas. Para
ele, as sociedades tradicionais que seguem regras As transformações no mundo do trabalho
alimentares – elementares e estruturais – rígidas, e a reordenação do tempo
podem ser classificadas como sociedades gastro-
nomicas. Inversamente, ele qualifica as tendênci- A partir de meados do século XX, estabele-
as mais modernas da alimentação como gastro- ceu-se uma nova composição social, marcada
anômicas, pois tendem a flexibilizar as regras e pela urbanização e pelo desenvolvimento de no-
permitem uma maior liberdade individual. Nes- vas tecnologias, que alteraram os modos de pro-
sa situação, a aplicação das condutas alimenta- dução e as relações de trabalho de uma forma
res tradicionais, já não faz mais sentido para al- geral em todo o mundo. No Brasil, os anos de
guns comensais que vivem nas grandes cidades. 1950 vivenciaram o início de significativo êxodo
Estudos tanto no âmbito da epidemiologia nu- rural e a implementação da industrialização pe-
tricional26-28, saúde pública29,30, sociologia31 e an- sada, o que fez surgir nacionalmente um novo
tropologia 32, têm identificado mudanças nos padrão de desenvolvimento econômico. Houve
hábitos alimentares e nas refeições. melhor integração das cidades, ampliação do
A flexibilização da regularidade, da composi- transporte público, ampliação da cobertura tele-
ção e da realização das refeições como, por exem- visiva e radiofônica, e, neste contexto de mudan-
plo, a simplificação do jantar e a irregularidade ças, também houve aumento da valorização do
dos horários, seriam alguns dos indicadores de consumo.
uma espécie de desordem que ocorre na alimen- Num primeiro momento, os objetos de con-
tação33,34. É importante ressaltar, que outros au- sumo tinham foco nos equipamentos facilitado-
tores informam que esta desestruturação não é res das tarefas domésticas, ou poupadores das
geral, pelo contrário, o sistema tradicional das atividades físicas cotidianas, e que promoviam
refeições (café da manhã, almoço e jantar), suas maior facilidade no deslocamento em grandes
regras de composição (acompanhamento, prato distâncias (eletrodomésticos e automóveis, por
principal ou mistura e sobremesa) e seus horá- exemplo). Posteriormente, se priorizou um con-
rios continuam sendo amplamente praticados, sumo mais hedonista, valorizando o lazer e o
porém flexibilizações e adequações à época tam- consumo cultural. Estes novos mercados, do tu-
bém têm sido identificadas4. rismo e da indústria cultural, experimentaram
No Brasil, a partir dos resultados da pesqui- um grande crescimento nas últimas décadas3.
sa Hábitos Alimentares na Sociedade Brasileira – Os modos de produção, no contexto urba-
realizada pelo Centro de Altos Estudos de Pro- no, demandam do indivíduo pouco esforço físi-
paganda e Marketing da ESPM (CAEPM) e pela co e baixo gasto energético, configurando um
Toledo & Associados, que foi concluída em 2006 estilo de vida pouco ativo, que marca uma época
e entrevistou 2.136 pessoas de 10 capitais brasi- e que tem sido cada vez mais recorrente entre as
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