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nazistas durante a Ocupação, a polícia holandesa chegou a Meegeren, então um próspero proprietário de um
clube noturno. Meegeren declarou à polícia que sua fortuna provinha da venda de seis Vermeer, que adquirira
de uma família italiana.
Apesar de tentar justificar que não houvera colaborado com os nazistas, Meegeren, sob pressão,
confessou que o Vermeer encontrado na coleção de Goering na verdade era um Meegeren pintado de forma
a parecer um Vermeer. Em seguida, confessou ter falsificado obras de Hals, Hoock e Vermeer, totalizando 14
obras-primas, entre as quais se incluía Cristo e os Discípulos em Emaús. Com essa declaração, Meegeren
abalou a reputação de Bredius e de todos os conhecedores da arte holandesa do século XVII. E, para provar
que não estava mentindo, pintou, na prisão, seu último Vermeer -O Jovem Cristo Ensinando no Templo- que
não deixa dúvida de que Meegeren era dotado de incrível talento para falsificação de obras de arte.
Na prisão, Meegeren trabalhou num estúdio fechado –ao qual ninguém tinha acesso- e, sob olhares
permanentes de um grupo de testemunhas oficiais, foi-lhe permitido usar o seu conjunto habitual de produtos
químicos para reproduzir os pigmentos da época de Vermeer. As acusações de colaboracionismo foram
retiradas, e Meegeren acabou sendo acusado de falsificar assinaturas.
O curioso caso desse falsificador holandês poderia ficar apenas para o anedotário. E a história da
cultura, aliás, está repleta de anedotas que, fora do pitoresco, não têm implicações que vão além da
curiosidade ou das incursões psicanalíticas. Assim, há evidente curiosidade em saber até que ponto Hitler
efetivamente flertou Leni Riefenstahl, quando esta apresentou o projeto para filmar O Triunfo da Vontade, ou
saber se Hemingway e Fitzgerald mediram suas respectivas virilidades num banheiro de Paris, como é descrito
pelo primeiro em Paris É uma Festa.
Desses episódios, além da anedota ou de supostos condicionantes psicanalíticos, não se pode inferir,
com segurança, caminhos que sejam reveladores das obras de Riefenstahl, Hemingway ou Fitzgerald.
Verdadeiros ou falsos, episódios como esses apenas realçam a curiosidade em torno do caráter do artista.
Contudo, o caso Meegeren, para além do anedotário (sim, pois um verbete qualquer sobre Vermeer pode
incluir, a título de curiosidade, que um holandês ganhou notoriedade falsificando Vermeer e esse episódio não
afetar a aura das obras reconhecidas como autênticas), envolve embaraços, quando se tem em vista coisas
como autenticidade de uma obra de arte e correlatos, como critérios para classificá-la, descobri-la, e a
fronteira entre conhecimento e crença de que uma obra não é fruto de engano.
Senão vejamos, Meegeren ficou para a história como um mago na arte da falsificação. Mas ele
falsificou o quê? Ora, ele simplesmente falsificou assinaturas? Os quadros de Hals, Hooch e Vermeer que ele
diz ter falsificado não são autênticos porque não têm a assinatura Hans van Meegeren? O que se sabe é o que
ele confessou, ou seja, que ele não copiou um Vermeer, mas que pintou um quadro como se fosse um Vermeer
e falsificou a assinatura.
A partir do relato, o que se sabe, então, é que os quadros pintados por Meegeren não são autênticos
porque a assinatura não corresponde à do autor -no caso, à assinatura de Meegeren- e não porque ele tenha
copiado, com a máxima fidelidade, um quadro qualquer de autoria reconhecida de Vermeer. O caso é que os
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Vermeer que Meegeren diz ter pintado (Cristo e os Discípulos em Emaús, Mulher Surpreendida em Adultério
e outros quatro) não estavam no catálogo das obras de Vermeer e passaram a fazer parte do catálogo tão logo
foram reconhecidos por especialistas. Por causa da autoridade da crítica, um Vermeer descoberto, como
qualquer obra que escapa ao catálogo de um artista, passa a ser autêntico.
O fato de, aparentemente, Meegeren não ter copiado e sim pintado quadros idênticos aos que
Vermeer faria multiplica as dúvidas. Se fosse um copiador, seu gênio seria de outro tipo e, quanto a isso,
bastaria contrapor um quadro original à cópia para ver a precisão com que ele reproduziria um original.
Deixaria marcas ou faria uma cópia perfeita? (Não é o caso considerar que Meegeren pode ter copiado
supostos quadros desaparecidos de Vermeer, pois uma cópia e um quadro idêntico de Vermeer rondando
pela Europa, é óbvio, causaria alvoroço). De modo que, não sendo um copiador, vejamos os embaraços
provocados pela situação.
Por que infortúnio Meegeren estaria impedido de possuir um autêntico Vermeer? Como saber que
Cristo e os Discípulos em Emaús não é um Meegeren e sim um Vermeer? Do fato de Meegeren pintar
exatamente como Vermeer não se pode dizer que entre os Vermeer aos quais, supostamente, ele emprestou
a assinatura, não estivesse um Vermeer efetivamente pintado pelo próprio Vermeer. Meegeren poderia, sem
problemas, e para se vangloriar como falsificador genial -eis o sentido mais irônico de sua arte-, afirmar que
um Vermeer autêntico é uma falsificação. E quem não descobriu que um Vermeer autêntico é falsificado, não
teria, do mesmo modo, como descobrir que um Vermeer falsificado é autêntico.
O caso ficaria mais simples se Meegeren apenas tivesse copiado fielmente um quadro já reconhecido
de Vermeer, mas, por azar, não é esse o caso. E, a não ser que se descubram técnicas absolutamente precisas
(e isso é apenas uma disposição bastante forte) para a certificação da data de um quadro, não há como dizer
que um Vermeer do século XVII não é um Vermeer do século XX.
Se a questão da autenticidade pode levantar uma série de embaraços no caso Meegeren, tais
embaraços não se esgotam, contudo, nesse ponto (está claro que, se um acidente histórico não o obrigasse a
falar -e, mesmo assim, ele bem poderia não ter falado-, a posteridade ficaria com um falso Vermeer por
autêntico). Ora, já que a imaginação permite, pensemos na situação em que -uma vez que Meegeren falsificou
a assinatura- estivéssemos diante de uma tela sobre a qual diversos matizes de tinta estivessem sobrepostos
ao acaso reproduzindo um Jackson Pollock ou um Wilhelm de Kooning e, por azar, com a assinatura Vermeer.
Se, por obra da imaginação, isso ocorresse, não haveria quem pudesse atribuir a Vermeer os quadros
descobertos. E, talvez, sequer fosse necessário lançar mão de técnicas para comprovar que as tintas utilizadas
não eram do século XVII e sim do XX. Para um caso bizarro assim, teríamos uma falsificação de Pollock ou de
Kooning com uma brincadeira agregada: a assinatura de um pintor do século XVII. Ocorre que não há razão
alguma para não supor que artistas contemporâneos falsifiquem uma assinatura para criar polêmica em torno
de suas obras. A situação é esdrúxula e colocaria um autêntico Pollock sob suspeita, caso o próprio artista não
viesse a publico para relatar a farsa.
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O incômodo sobre a falsificação, no caso, ganharia outros contornos. Pollock estaria falsificando o
quê? Como Meegeren, apenas a assinatura? Mas, para fazer um quadro idêntico ao que ele próprio faria com
a assinatura Pollock? Sendo assim, apelando para o bom senso, não é possível falar em falsificação. Claro que
só um excêntrico ou um insano para expor um Pollock ou um Kooning com uma assinatura de Vermeer como
se fosse um Vermeer falsificado. Isso seria absurdo, ainda que, num lance de dados, de fato o próprio Vermeer,
num acesso de fúria em conseqüência do fracasso de levar adiante um quadro, tivesse jogado tinta na tela e,
por obra do acaso, a assinatura tivesse ficado intacta. Mas isso só porque a imaginação permite pensar numa
situação como essa.
O caso Meegeren -e com ele a arte da falsificação- dá margem a outras inquietações. Como não
reconhecer o gênio Meegeren e não colocá-lo lado a lado com os grandes mestres da pintura holandesa do
século XVII? Esse anacronismo causa perplexidade, mas se é possível dizer quais são os critérios para afirmar
quem são os mestres da pintura na época de Rembrandt, a ausência de Meegeren é uma falha gritante.
O que falta em sua arte, e que não foi percebido pelos especialistas em 1937, para que Meegeren não
seja um mestre tanto quanto Vermeer, Hals e Hoock, dos quais falsificou a assinatura? Creio não ser possível
notar o que falta a um Meegeren, pois nada falta à pintura de Meegeren e que esteja presente nos artistas
que ele falsificou. Bem entendido, ninguém descobriu que um Meegeren não é um quadro do século XVII. Foi
o próprio Meegeren que disse que havia pintado um Meegeren parecido com um Vermeer. Então, um
autêntico Meegeren deve expressar a sua genialidade, o que desconforta, porque se trata, na mesma medida,
de um engenho do embuste.
Meegeren é aquele cujo êxito consistiu em enganar. Mas quem engana à perfeição, justamente, não
engana, pois o engano não pode ser outra coisa senão uma falta. Se alguém realizar algo para enganar, não
disser que sua obra tem por artifício enganar e esse artifício não for descoberto, não se pode dizer, sem o risco
de se cair num absurdo, que houve o engano. Por isso, se há engano diante do caso Meegerem, este consiste
em não inclui-lo como um mestre da pintura holandesa do século XVII, já que ele apenas revelou que é um
gênio.
Um último aspecto embaraçoso do caso Meegeren a ser destacado aqui é o que se refere à aura.
Seguindo Benjamin, o que a arte clássica tem e que permanece é a aura. Vale dizer: a aura possibilita o
sentimento de que a experiência propiciada pela presença de uma obra de arte não se repete a qualquer
momento, em qualquer lugar e em qualquer circunstância.