Año XXVIII, Nº55. Lima-Hanover, 1er. Semestre del 2002; pp. 274-278
RESEÑAS
Teresa Cabañas. A poética da tensões podem ser lidas como um
inversão. Representação e simu- desejo de modernização e atualização lacro na poesia concreta. que ultrapassava os limites da vida Goiânia: UFG, 2000, 151 pp. cultural e se projetava sobre toda a vida social brasileira. Em Alguns aspectos da teoria da Seja como for, esse problema se poesia concreta, dissertação de mes- recoloca com a publicação de A poé- trado defendida em 1982 e publicada tica da inversão, de Teresa Cabañas sete anos depois, Paulo Franchetti que, em sua “Apresentação”, indica comenta o fato de pertencer a uma que vai fazer uma tentativa de in- geração que fez uma leitura da poe- verter o binômio teoria-poesia. “Meu sia concreta sempre antecedida pela estudo debruçase, então, sobre a produção teórica do grupo Noigan- leitura e a análise dos poemas con- dres. A própria divulgação dos poe- cretos, com a ressalva de que se trata mas, feita através de edições de cir- daqueles exemplos pertencentes à culação muito restrita, aliada à pu- chamada ‘fase ortodoxa’, ou seja, os blicação dos textos teóricos pela mais claramente geométricos” (p. grande imprensa, contribuiu para 12), diz a autora, para só depois des- essa preponderância da teoria. Fran- tacar o papel que a leitura da cha- chetti especula se, no futuro, alguém mada teoria da poesia concreta terá que teve contato primeiro com os em sua leitura dos poemas: “o ca- poemas e, depois, com os textos teó- minho aqui escolhido foi conectar a ricos, poderia fazer uma leitura do análise e a interpretação desses movimento diferente da sua. Obser- poemas aos postulados teóricos ela- vação semelhante faz Heloísa Buar- borados pelos seus autores” (p. 12). que de Holanda em suas Impressões Mais do que isso, no entanto, o de viagem. estudo de Teresa Cabanãs faz um É claro que o problema do en- esforço bem sucedido de localizar o trelaçamento entre a produção poé- projeto concreto dentro da tradição tica e a crítica – e a eventual preva- da lírica moderna no ocidente. lência desta sobre aquela – na poesia Apoiada, por um lado, no estudo clá- concreta envolve outros fatores, o ssico de Hugo Friedrich sobre a poe- principal deles sendo a pretensão do sia moderna e, por outro, em textos grupo de apresentar ao país, mais do de Fredric Jameson, Octavio Paz e que um projeto poético, um verda- Max Bense, entre outros, sobre a deiro projeto de renovação cultural, pós-modernidade, a autora revê a articulado pelo menos com setores da formulação, tão em voga, de que a produção musical e do campo das poesia concreta seria um fruto da artes plásticas. No limite, essas pre- lírica moderna, para pensá-la como 275 REVISTA DE CRITICA LITERARIA LATINOAMERICANA
um fenômeno pós-moderno. Um constatação, ao invés do chama-
deslocamento como esse pode parecer mento à interpretação e à reflexão pequeno, e alguém poderia mesmo típico da lírica moderna. dizer que insignificante, mero esforço Uma outra implicação: sendo um de periodização literária. Mas, na produto colado aos mecanismos de verdade, esse pequeno deslocamento mercado do capitalismo da segunda tem grandes implicações, que apro- revolução industrial, a poesia con- fundam a crítica à poesia concreta creta não pode mais ser entendida, elaborada por Roberto Schwarz e como propôs Iumna Simon, como Iumna Simon, por exemplo. manifestação que integre a “tradição Pensemos numa dessas implica- empenhada” que, segundo Antonio ções, que é o tipo de valor que se dá à Candido, vinca fortemente a tradição proposição dos concretos de que sua literária brasileira. A poesia concreta poesia pretendia ser estritamente não tem relação com qualquer coisa objetiva, apagando de sua fatura fora do mundo das formas e, sendo qualquer marca de subjetividade, a assim, é o oposto de um projeto de ponto de nem sequer necessitar da intervenção social. assinatura do autor. Pensada como A contribuição de A poética da uma atitude que dialoga com o pro- inversão para o entendimento da ex- blema da desagregação do sujeito na periência concreta é, portanto, a de modernidade, tal proposição pode ser ampliar e aprofundar uma impor- vista como uma tentativa de trabal- tante linha de análise de seu signifi- har num universo simbólico mínimo cado social, por assim dizer. que poderia ser comparti-lhado por Fica faltando, entretanto, aquilo um grande número de sujeitos que que se anunciou: um estudo que vivem a experiência dessa desagre- priorizasse uma leitura dos poemas gação. Assim, a utopia do projeto secundada pelas formulações teóri- concreto seria a de tentar um ca- cas do grupo. São poucos os poemas minho diferente daqueles tentados analisados e pouco desenvolvidas as por poetas que criam seu próprio análises. E nem poderia ser dife- universo simbólico, com isso pro- rente. Ora, se aceitamos, como faz a duzindo uma poesia de comunicação autora, que a poesia concreta se re- difícil que aprofunda e critica essa cusa à interpretação, tudo que pro- desagregação – o fracasso sartreano. curaremos é o tipo de constatação Tomada, no entanto, no contexto da que ela produz. Assim, não por coin- pós-modernidade, tal postura, como cidência, a análise mais detalhada defende Teresa Cabañas, não passa que se vai ler é a de um poema de da abdicação completa do eu e con- Augusto de Campos, “sem um nú- seqüente adesão irrestrita ao modus mero”, tomado menos como objeto de operandi do capitalismo – e, note-se, análise e muito mais como exemplo a não do capitalismo industrial, e sim partir do qual se poderia elaborar daquele da alta tecnologia, de tal generalizações. Ela opera um esva- forma que o poema concreto deixa de ziamento semântico até mesmo da ser pensado como algo montado palavra ou da sentença isolada. numa linha de produção e passa a Assim, a expressão “um sem nú- ser visto como processo informati- mero”, que fecha o poema e toda zado. Daí adviria a frieza do poema gente entende como expressão quan- concreto. Descuidando do eu e do titativa a indicar um grande número mundo, restringindo-se à sua pró- (algo muito diferente do “sem um pria formulação, ele perderia qual- número” que abre o poema e do “o” – quer valor ontológico, reduzindo a zero – que se vê em seu centro), é leitura a uma simples operação de levantada na análise, mas descar- RESEÑAS 276
tada logo em seguida porque, “tendo da direta para a esquerda, que é,
um zero à esquerda, nada temos, como se sabe, o sentido oposto ao da encontrando-nos a rigor no âmbito de leitura corrente no nosso sistema de ‘sem um número’” (p. 100). Por que escrita. Como ler essa velocidade que simplesmente descartar o sentido da não nos impulsiona à frente, antes expressão utilizada ao invés de pen- nos joga de volta para o início? Cer- sar nela como um valor que pode ser tamente não como a celebração da invertido? Porque é preciso provar modernidade e do rápido caminho que o poema concreto em geral ape- redentor para o futuro. nas apresenta algo e que este especi- O mesmo se pode dizer de um ficamente se reduz a dizer – ou apre- poema de Augusto de Campos, “qua- sentar –, de muitas formas, o nú- drado”, utilizado por Teresa Cabañas mero zero. Para o projeto da autora como exemplo máximo de “otimi- não cabe pensar que um poema con- zação” informacional, no sentido de creto pode criar uma tensão valora- com um mínimo de informação de tiva. entrada (as letras “o” e “t” operando Por mais instigante que seja a sobre a matriz geradora “quadra”) idéia de que um poema concreto pode produzir um máximo de informação ser lido como uma forma geométrica formal (as palavras “quatro”, “qua- abstrata, é questionável a atitude de dro”, “quarto” formando quadrados pensá-lo apenas como forma geomé- no espaço). Aqui a própria figura trica, ou, como diz a autora, como geométrica estática pode ser lida algo que se constituísse em “imagem como um desejo de superação do li- que se quer projetar como pura rea- mite estrito da forma. O poema, em lidade visual, puras linhas de con- sua feição global, é feito de quadra- junção que impressionam de ma- dos compos-tos por aquelas palavras neira instantânea nossa retina e que de cinco letras. No entanto, algo fura podem ser reduzidas à simples dia- o espaço restrito das quatro paredes gramação de um esquema geomé- do quadrado – da quadra, do quadro, trico” (p. 95). Se é verdade que um do quarto. A sílaba “do”, que forma, a poema como “se nasce morre”, de partir da matriz “quadra”, a palavra Haroldo de Campos, um dos exem- “quadrado”, liga entre si os diversos plos dados, pode ser visto como dois quadrados fechados de quatros, qua- triângulos que se tocam por um de dros, quadras e quartos, como se a seus vértices, é também verdade que própria forma geométrica, insatis- esses triângulos ganham seu lugar feita com seu fechamento, buscasse no espaço da página pela palavra ligação com outros quatros, outros que, queria ou não a teoria da poesia quadros, outras quadras, outros concreta, queira ou não o crítico da quartos. Ora, como a fria pedra de teoria da poesia concreta, será lida e Drummond permite leituras bas- interpretada. No mínimo, a palavra tante quentes do ponto de vista on- dá dinâmica, movimento à forma tológico, o quadrado frio de Augusto geométrica, transformando-a em mo- de Campos pode ser lido – mesmo tion picture. Isso é perceptível até que a teoria da poesia concreta não o mesmo em poemas extremamente queira – como um quente movimento simples como “velocidade”, de Ro- existencial de busca de um outro, naldo Azeredo, que Teresa Cabañas também fechado entre quatro pare- vê apenas como um quadrado atra- des em sua experiência de homem vessado por um traço diagonal. Ora, moderno. Essa leitura, aliás, cai o poema é mais que isso: percorrido como uma luva para a produção de pelo olho de alto a baixo (ou o contrá- Augusto de Campos: lembre-se que a rio), sugere um curioso movimento sua série de poemas ortodoxos se 277 REVISTA DE CRITICA LITERARIA LATINOAMERICANA
fecha com um poema-concreto- gramas prediletos. Mesmo que
pessoano sobre a questão da expe- tenhamos tido o comportamento riência humana do recolhimento e da nada usual de guardar por 40 anos o multiplicação do eu: “caracol”. manual de instrução. É no desvão das leituras dos A velha pergunta, afinal, sempre poemas que se encontra o grande se renova: como analisar um texto impasse deste A poética da inversão. que antes de ser lido já foi entendido, O ensaio reenquadra a teoria da ex- e vedadas as evocações que ele possa periência concreta, recusando a vali- trazer? A solução muitas vezes tem dade daquilo que entende como seus sido, no caso da poesia concreta, a pressupostos básicos e, no entanto, transformação do poema numa espé- faz uso desses mesmos pressupostos cie de elemento vazado através do na análise dos poemas. Assim, ao qual se olham outros elementos da mesmo tempo que afasta a possibili- paisagem: os textos da famosa teoria dade de um objeto qualquer – inclu- da poesia concreta e as táticas do sive o objeto-poema – ter seus usos e grupo para garantir uma posição de aplicações previstos pelos mecanis- destaque e, se possível, de hegemo- mos que o produziram, já que a ex- nia no ambiente – ou mercado? – cul- periência humana atribui valores, tural brasileiro. Nesse sentido, A inclusive sentimentais, aos objetos poética da inversão se localiza como projetados por uma inteligência uma contribuição importante dentro produtiva, Teresa Cabañas opera de um pensamento já consolidado com o poema dentro dos limites es- sobre a poesia concreta, embora a tritos da inteligência produtiva que o leitura que propõe para os poemas gerou. Ela chega mesmo a afirmar pareça não concretizar aquele salto uma indissociabilidade entre a teoria diferenciador que há quase 20 anos da poesia concreta e os poemas, acei- Paulo Franchetti imaginava poder tando que “os limites que as regras ver e que sua “Apresentação” apa- impõem à leitura (...) executam um rentemente anuncia. estrangulamento da especulação su- gestiva, da operação evocativa, quer Luís Gonçalves Bueno dizer, de qualquer conteúdo sublimi- Universidade Federal do Paraná nar provocado pelo texto na memória do leitor” (p. 91), aceitando uma analogia pensada por Fernando Vi- llarraga segundo a qual a teoria da poesia concreta serviria como uma espécie de “manual de instruções” para o uso do poema, exatamente como acontece com os aparelhos ele- tro-eletrônicos. Ora, associar ou não qualquer poema a qualquer aparato teórico, não importa se vindo do poeta ou de outra fonte, é uma opção crítica, nunca uma fatalidade – e é impossí-vel frear “operações evocati- vas na memória do leitor”. Como se sabe, nenhum manual de instruções pode nos proibir de evocar, diante de um velho televisor, a pessoa querida, já morta, que o comprou ou que cos- tumava assistir nele aos seus pro-