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12/02/2018 Alberto Mussa: A crise narrativa das escolas de samba - 12/02/2018 - Opinião - Folha

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CARNAVAL (HTTP://WWW1.FOLHA.UOL.COM.BR/FOLHA-TOPICOS/CARNAVAL)

Alberto Mussa: A crise narrativa das escolas


de samba   
Criadores de enredo precisam estudar mais, explorar novos horizontes temáticos

12.fev.2018 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (//www1.folha.com.br/fsp/fac-simile/2018/02/12/)

Alberto Mussa

Escolas de samba são, na essência, uma forma particular de rancho. Apesar


de terem música e coreografia peculiares, herdaram de seus antepassados,
entre outros elementos, a ideia fundamental que justifica um desfile: o
enredo (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/01/1949829-conheca-os-sambas-enredos-das-escolas-de-samba-
que-desfilarao-em-sp.shtml).

Na base de um conjunto complexo de artes plásticas, musicais, dramáticas e


coreográficas, está a narrativa, que contém três níveis superpostos: a letra do
samba; a figuração do enredo (por meio de alegorias, fantasias, adereços); e
um roteiro, peça literária (obrigatória para o júri) que define a tese e esboça
a sequência do desfile.

Embora seja a porta de entrada para as ideias contidas no enredo, a letra do


samba é secundária, como parâmetro da criatividade narrativa, pois seu
alcance estético sempre dependeu do enredo.

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Primeiro dia de desfile do grupo especial em São Paulo

No que denominamos (Luiz Antonio Simas e eu) de período clássico do


samba de enredo, as letras, em si, não tinham beleza.

Foram as melodias que atingiram patamares de extraordinária sofisticação,


talvez para compensar o inventário imutável de vultos e efemérides extraído
de insossos manuais escolares: muitas Iracemas, múltiplos Guaranis,
incontáveis bandeirantes, Santos Dumonts e Rui Barbosas, além da
interminável Guerra do Paraguai.

Só a partir dos anos 1960, com uma ampliação do espectro temático (mitos
indígenas e africanos, cultura popular e regional, obras literárias, episódios
históricos e personagens não canônicos), as letras se desenvolveram.

Boas composições poéticas, portanto, dependem de um bom enredo. E esse


enredo entrou em crise, em meados dos anos 1990. Uma das razões talvez
seja o relativo esgotamento daquele manancial, depois de 30 anos de
exploração.

Creio, no entanto, que o motivo dominante seja outro: sinto (com poucas
exceções) certa preguiça intelectual nos criadores de enredo, que podem ser
os próprios carnavalescos (https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/carnaval-2018/2018/02/figurinos-de-
anitta-durante-carnaval-serao-inspiradas-nos-seus-hits-veja-fotos-do-primeiro-dia.shtml?

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E isso é ainda mais grave
hoje, quando o tema nacional deixa de ser obrigatório.

Não se justifica, assim, que o enredo, depois de involuir ao nível de simples


tema, tenha se apequenado ainda mais, para chegar a mero mote. Como, por
exemplo, num hipotético "petiscos brasileiros". Pessoalmente, ficaria em
dúvida sobre qual alegoria pôr na frente: se a do croquete ou a do bolinho de
bacalhau.

Houve também uma profusão de enredos irrelevantes, em geral vinculados a


patrocinadores, como gás ou iogurte. Não há como exigir dos compositores
um bom samba. Não há como fazer exibição plástica que emocione.

Outro problema grave, de natureza intelectual, é a permanência de uma


certa teoria das três raças, segundo a qual o índio é guerreiro e o negro lutou,
mas trouxe samba, acarajé e Iemanjá. O branco, naturalmente, é o
responsável pelo resto. No século 21, sinceramente, chega a ser
constrangedor.

Do ponto de vista estritamente semiótico, a figuração do enredo sofre a


limitação imposta pelo espaço e por sua natureza sequencial, embora não
necessariamente cronológica. Como os enredos e as abordagens estão muito
estagnados, a narrativa plástica não tem como se renovar, salvo no que
possui de menos relevante: os suportes.

O fenômeno tomou impulso com a chamada verticalização de carros


alegóricos; e culmina hoje com o emprego abusivo da tecnologia, como
homens voadores ou efeitos de luz e fumaça, que podem ser um espetáculo
em si, mas nada acrescentam de substancial à narrativa.

Criadores de enredo precisam estudar mais, explorar novos horizontes


temáticos e investir na dramatização propriamente dita.

Se sucumbirem à tecnologia, em detrimento da arte (que é humana), as


escolas de samba perderão seu sentido. Na concorrência há coisa bem
melhor.

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