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28/02/2019 A arte do inacreditável

A arte do inacreditável
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Fotos: detalhes de Sem Título (2019), colagem de Nino Cais

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28/02/2019 A arte do inacreditável

Na era da espetacularização de tudo e da quebra de con ança nas


narrativas o ciais, a arte tem o poder de deslocar os estereótipos e colocar
em risco as novas noções prontas
Por Helena Bagnoli

No dia 5 de outubro de 2018, o quadro Girl With Balloon, do artista britânico


Banksy, foi arrematado por mais de um milhão de libras – quase 5 milhões
de reais – na Sotheby’s de Londres. Batido o martelo, a obra começou a
escorregar por um triturador de papel escondido na moldura. Metade virou
tirinhas. “Vai-se, vai-se, foi-se”, escreveu o artista na legenda da imagem
postada no Instagram. Foi esta a maior sensação no mundo das artes no
ano que passou. E o abonado comprador que a adquiriu não mudou de
ideia: a obra em si dava lugar a uma obra histórica.

Crítica à mercantilização da arte ou não, a audácia de Banksy ilustra o


papel do artista dos tempos atuais, em que os efeitos colaterais de uma
obra, levados à ribalta, têm mais impacto do que ela mesma. O engano ao
vivo e a incredulidade diante da efemeridade calculada, aqui, ganham valor
estético. E reverberam tempos de impossibilidade de de nir verdades,
tanto nas narrativas políticas – sustentadas pelas redes sociais, pelas fake
news e pela corrosão da credibilidade da imprensa – como na arte, cujas
certezas sobre sua natureza começou a ruir há muito tempo. Sem contar
sua vocação de colocar em xeque a noção do falso e do verdadeiro, per se.

Há um caso ainda mais elucidativo desse fenômeno. Em abril de 2017, o


também britânico Damien Hirst inaugurou em Veneza uma mostra
monumental, Treasures From the Wreck of the Unbelievable (Tesouros do
Naufrágio do Inacreditável). Distribuída por dois dos maiores museus de
cidade italiana, a exposição reunia 189 peças de materiais diversos –
 bronze, mármore, malaquita, cristal de rocha, prata, ouro – que contavam
uma história rocambolesca.

Fantasia e fato se misturavam na jornada de Cif Amotan II (anagrama para I


am ction), escravo que teria vivido entre os séculos 1 e 2 d.C. em Antioquia,
atual Turquia. Grande colecionador, precisou criar um espaço para guardar
e contemplar sua coleção de artefatos de várias culturas – egípcia, grega e
romana, entre outras. Na história, as peças, embarcadas em um grande
navio, foram por água abaixo em um naufrágio no Oceano Índico. Em 2008,
uma equipe de arqueólogos marinhos teria descoberto o navio e sua carga
de tesouros na costa da África Oriental.

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O leilão do quadro Girl with Baloon, de Banksy

Treasures from the Wreck of the Unbelievable, de Damien Hirst

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Além das fake views


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As tecnologias emergentes de imagem, do controle por computação visual
e de um inédito formato de domesticação dos corpos são as ferramentas
para dominar o olhar nos tempos de pós-verdade
Giselle Beiguelman

A pós-verdade é a erva daninha da era da inteligência arti cial. Floresce


nas redes sociais, o terreno mais fértil para sua disseminação. Não se trata
de um novo nome para mentira, pois é um fenômeno complexo, que
depende do agregado de informações e inputs relacionados ao per l do
sujeito na internet. Isso porque, no mundo da pós-verdade, os fatos não
importam. As opiniões se constroem com base nas emoções. Emoções
estas que calçam as identidades entre os grupos nas redes, nas quais
vivemos dentro das famosas bolhas algorítmicas e vemos apenas nossos
iguais.

Pós-verdade e fake news são dois lados da mesma moeda e de um


processo em curso de colonização das afetividades. Mas não basta se
apropriar das mentes, dos discursos e da cultura visual, como a
mimetização da política tem demonstrado. É preciso ir além. Dominar o
olhar, instituir novos estatutos de hiper-realidade. E isso está a cargo das
tecnologias emergentes de imagem, do controle por computação visual e
de um inédito formato de domesticação dos corpos.

The Normalizing Machine (2018), do artista israelense Mushon Zer-Aviv,


questiona os métodos de padronização algorítmica dos sistemas de
reconhecimento facial. Nessa instalação interativa, cada participante é
apresentado a um conjunto de quatro vídeos de outros participantes
gravados anteriormente e solicitado a apontar o visual do mais normal
entre eles.

Continuar lendo texto


de Giselle Beiguelman

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Na época, em entrevista à revista Vulture, Hirst contou que a premissa para


o trabalho fora seu mergulho numa série de podcasts britânicos, A História
do Mundo em 100 Objetos, cuja pedra de toque era a ideia de que a história
da humanidade poderia ser mais bem expressa pelo que se fez em vez do
que se escreveu. “A exposição é sobre acreditar. Acreditar no passado.
Acreditar em Deus. Acreditar em deuses. Ou não acreditar. E a crença é
algo estranho, porque não há verdade absoluta. Os artistas não têm
respostas, os cientistas não têm respostas, a religião não tem respostas.
Mas de alguma maneira, coletivamente, criamos alguma verdade”, resume
Hirst no documentário homônimo da Net ix sobre a exposição.

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The Normalizing Machine (2018), do artista israelense Mushon Zer-Aviv

Embora de maneiras distintas, o autoterrorismo de Banksy e a cção de


Hirst tratam da espetacularização da arte, que compõe o cenário cultural
responsável pela criação de celebridades, mitos e heróis instantâneos, o
que tem causado danos irreparáveis. Desde a década de 1960, com o pós-
modernismo, discute-se a não existência de verdades universais em
detrimento das pequenas verdades pessoais.

O problema é a que a isso se somou uma queda progressiva de con ança


nas instituições e narrativas o ciais, o que abriu caminho para que razão e
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fatos fossem defenestrados. O conhecimento passou a ser substituído pelo


instinto, com ideias frequentemente delirantes a respeito do
funcionamento do mundo. A questão foi se tornando cada vez mais radical,
até o ponto de ser tragada pela pós-verdade, fenômeno que já se insinuava
antes que a expressão casse corrente. Ainda em 1951, Hannah Arendt
escrevia em Origens do Totalitarismo que “o súdito ideal do governo
totalitário não é o nazista convicto nem o comunista convicto, mas aquele
para quem já não existe a diferença entre o fato e a cção”.

A lósofa alemã, aliás, foi a inspiração para a exposição Entre Pós-Verdades


e Acontecimentos, na Trienal Frestas, realizada pelo Sesc Sorocaba em
2017 e que reunia 60 artistas de diferentes países e gerações que
trabalham direta ou indiretamente com ambiguidades. A ideia já era
discutir a impossibilidade de de nir verdades tanto na arte como nos
discursos políticos globais.

Retornar ao real
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O crítico norte-americano Hal Foster diz que estamos no meio de uma
batalha política, e que é preciso – artistas incluídos – insistir na realidade
Andrei Reina

O que resta para os artistas na era da pós-verdade? Abraçar a nova


condição e operar dentro de seus limites ou dar um passo atrás e insistir no
realismo? Para discutir os impasses da arte contemporânea, a Bravo!
conversou com o crítico norte-americano Hal Foster. Professor da
Universidade de Princeton e editor da October, publicação acadêmica
in uente na crítica de arte de esquerda, Foster é conhecido por mobilizar
autores da teoria crítica e da psicanálise para compreender a arte
contemporânea em sua relação com a história, a política e a subjetividade.

Ao ar livre, na posse de seu computador no ensolarado inverno de Los

Transver o mundo
Angeles, Foster falou por videoconferência a respeito de sua liação
teórica, delineou a psicologia de massas envolvida nas eleições de Donald
Trump e Jair Bolsonaro, revisitou alguns dos capítulos do livro O Retorno do
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Real, publicado em 1996, e sobre a necessidade, hoje, de insistir na verdade
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e na realidade. “Minha compreensão de realismo é aquela que vem de


Brecht, segundo a qual é preciso insistir no real, mas ao mesmo tempo
estranhá-lo, para que se possa vê-lo de forma nova”, diz.

A chamada era da pós-verdade exige que vejamos o mundo da arte


contemporânea de um jeito diferente?

Acho que é um momento muito difícil. Uma das caricaturas do pós-


modernismo era de que ele de alguma forma se opunha à verdade, de que

Continuar lendo texto


de Andrei Reina

A curadora, Daniela Labra, usou como texto base uma série de artigos,
Truth and Politics, escrita por Arendt em 1967 para a revista New Yorker,
discutindo como os poderes vigentes são responsáveis pela construção de
um discurso apenas tido como verdadeiro. “A arte não traz uma verdade,
traz posicionamentos. A verdade em uma obra de arte é algo muito relativo
porque arte não é ciência – esta tem uma preocupação com o alcance de
resultados exatos e empíricos. A arte não está nesse lugar. Ela aponta para
resultados variáveis", explica.

Variável também tem sido a noção de ética, agora que os algoritmos são os
curadores do mundo. Nesse contexto, talvez a arte possa ser uma brecha
de salvação, assim como na trilogia Matrix, que baseia todo o plano de
redimir o mundo no fato de que ninguém consegue distinguir o real de
uma ilusão. Um fenômeno que está devastando este início do século 21,
sustentando-se na ideia criada pelas redes sociais de que só é verdadeiro
se estiver no meu grupo. Nesse mundo em que a “verdade afetiva” das
multidões tomou o lugar do conhecimento, nublando os limites entre fato e
opinião, o necessário, como diria Manoel de Barros, é “transver o mundo”. O
que conhecíamos já não existe.

A arte, com seu poder dissolvente e instaurador de enigmas, consegue


deslocar os estereótipos, colocar em risco as novas noções prontas e
questionar rmemente os fatos. Talvez o melhor lugar para o artista agora
seja o de retratar com precisão este mundo em que a verdade é
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irrelevante, para que, por meio da mentira, possamos recuperá-la de


alguma forma – um pensamento difundido à exaustão por Pablo Picasso.

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A nossa capacidade de distinguir entre imitação e real, falso e verdadeiro,


está cada vez mais frágil. Vozes já podem ser recriadas a partir de amostras
de áudio, fotogra as podem ser adulteradas com perfeição, expressões
faciais podem ser alteradas por programas de inteligência arti cial. Diante
disso, manipular cou fácil.

Ao longo da história, não são raros os casos de experts, curadores e


acadêmicos enganados por cópias perfeitas de obras. No documentário F
for Fake (1973), de Orson Welles, valor e autoria se desmancham na história
do talentoso Elmyr de Hory, que teria vendido mais de mil falsi cações
para galerias e museus de renome nos anos 1950. Hory nunca foi
processado: nenhum museu poderia arriscar a humilhação de admitir que
haviam comprado telas de Manet, Cézanne e Picasso fajutos.

Nada mudou tanto desde lá. Em novembro de 2017, uma das principais
casas de leilão do mundo, a Christie’s, vendeu por 450 milhões de dólares o
quadro Salvator Mundi, atribuído a Leonardo da Vinci. A obra passou por
um longo e complexo processo de restauração e foi leiloada com o valor
mais alto da história, mas a autenticidade ainda é contestada por inúmeros
críticos e acadêmicos.

O fato é que a verdade sempre relativa da arte agora se aplica a toda e


qualquer estrutura, ainda que só ela possa rede nir os contextos
sociopolíticos e mitológicos, renomear as coisas e os lugares circunscritos
entre essas bordas. E os artistas não têm resistido ao chamado.

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R de relativo
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O pós-país da pós-verdade
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Paulo Miyada

Lista dez obras de arte e outros documentos da cultura que pontuam, até alcançar o perturbador
agora, nossa longa tradição brasileira de verdade enquanto cção – e vice-versa.

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O paulista Stephan Doitschino , por exemplo, trabalha com estruturas de


poder e símbolos que desenham os dias atuais. Criou o Culto do Futuro,
projeto que tem como intenção desenvolver uma seita-igreja que se
apropria de linguagem das liturgias desenvolvidas há séculos. Usando as
mesmas estruturas simbólicas, confeccionou inúmeros objetos – fardas,
medalhas, hinos, joias, publicações, manifestos – que culminam em
cerimônias, marchas e procissões realizadas de tempos em tempos. Assim
como nos templos religiosos que tomam conta do país, um dos itens-chave
é o engajamento. Em 2018, Doitschino alugou um espaço no Stand Center
na avenida Paulista (labirinto de lojinhas de réplicas e eletrônicos), em São
Paulo, e montou um balcão de adesão em que as pessoas se liavam ao
culto, saindo de lá com uma carteirinha de membro e habilitadas a
participar das próximas ações.

A fotojornalista espanhola Cristina de Middel, injuriada por seu trabalho


com a verdade não ter impacto e constatar a facilidade de construir
histórias, desistiu de fazer parte dessa construção o cial e foi
explicitamente brincar com cção e fatos em sua produção: passou a
exagerar ao máximo os estereótipos e clichês e constatou a força de uma
boa mentira. Uma de suas séries mais conhecidas, Os Afronautas, é uma
fotorreportagem de cção sobre os primeiros passos do programa
aeroespacial da Zâmbia, nos anos 1960. Virou marco.

Middel teve uma longa estadia no Brasil, onde fotografou por um tempo o
cotidiano das favelas cariocas pós-paci cação pelas UPPs (outra pós-
verdade?), trabalhando com a ideia de “habitantes da favela como peixes
de arrecife de um lado, policiais da UPP como tubarões de outro”, e o
resultado foi o livro Sharki cation, espécie de fábula subaquática dos
morros da capital uminense que revela mentiras tragicamente reais.

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A potência da arte se expressa principalmente pela capacidade de reunir


as dimensões de real e imaginário, criando ordens alegóricas capazes de
alterar o tráfego dos sentidos. Importa menos o que ela propõe do que o
que é contaminado pelo olhar, sempre nutrido de subjetividade, e que faz
com que cada um a perceba a partir do próprio repertório. E é com este
que se constroem as verdades individuais.

Daniela Labra de ne muito bem o papel da arte, ainda que esclareça que
ela não existe para ter papel ou missão. “Na história da humanidade a arte

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torna poesia episódios que não são nada poéticos e dá vazão à criatividade,
à delicadeza, causa fricção com a realidade, algo que não serve para nada,
mas que é fundamental para ter consciência crítica”, diz.

Na perspectiva atual, questionar, denunciar, “desrealizar” e maleabilizar são


gestos inescapáveis. Içar o verdadeiro ao lugar do pretensamente falso,
mesmo que não haja como comprovar, também está valendo. Merecem
mais evidência gestos performáticos que mostrem como a verdade pode
ser mais inconstante do que o poder das proclamações factuais. Assim,
nunca houve tantos reexames, incluindo personalidades já catapultadas ao
Olimpo. Caso de Marcel Duchamp, que vaga por aí há algum tempo.

O artista francês, inventor do ready-made, incorporou tudo o que não era


visto até então como arte quando, em 1917, expôs um urinol de
porcelana, Fonte, na Sociedade de Artistas Independentes de Nova York,
sob o nome de um artista ctício chamado R. Mutt. A revolução provocada
pela obra não exclui uma suspeita desabonadora: a de que Duchamp não
seja o verdadeiro autor.

O duplo
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A cópia é importante para se contar uma história diferente das narrativas
criadas ao longo da história, esbarrando na questão da identidade artística
Gustavo von Ha

Historicamente, a arte tem suas raízes na fé. Era ligada a questões místicas,
e sua representação simbólica era um meio de conectar o terreno ao
etéreo. Desmiti car a arte e o próprio papel do artista hoje signi ca
esclarecer o que está em jogo em um mundo onde a realidade foi
substituída por narrativas e imagens, nem sempre calcadas na verdade
como conhecemos.

Isso é o que me instiga. Minha produção se desenvolve a partir de diversos


núcleos de trabalhos que operam dentro e fora do sistema da arte,
contaminando diversas plataformas e redes de circulação de imagens
como a internet, salas de cinema, bibliotecas, lojas de vídeo, revistas e
camelôs. A cada trabalho incorporo uma versão de mim mesmo,
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materializando imagens muitas vezes silenciadas na história brasileira,


deixando alguns pontos cegos nessa narrativa.

Gustavo von Ha é um homônimo, um artista inventado, que surgiu em 2014,


durante uma investigação na coleção do MAC USP, em que descobri que
não existia nenhum artista expressionista abstrato americano na coleção do
museu por questões políticas da época de sua formação, que remonta ao
MAM-SP. Nasceu o meu duplo, um artista criado como uma colagem de
muitos clichês da história da arte e que teria vivido em outros tempos e,
agora, preencheria aquela lacuna histórica por meio de uma espécie de
pintura “gestual” abstrata, cópia dos procedimentos daquela visualidade. A
cópia de uma pintura abstrata não é uma pintura abstrata é gurativa e

Continuar lendo texto


de Gustavo von Ha

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A norte-americana Bridget Quinn, que trata da questão em seu livro Broad


Strokes (2017), e o inglês John Higgs, em Stranger Than We Can Imagine
(2015), apontam a baronesa Elsa von Freytag-Loringhoven, agora
reconhecida como a primeira artista dadá norte-americana, como a real
autora de Fonte. A nova verdade surgiu pela primeira vez em uma carta
escrita em 1917 por Duchamp à irmã, só encontrada em 1982. Nela, ele
escreveu que uma amiga, usando um pseudônimo masculino, Richard
Mutt, enviou para ele um urinol de porcelana como escultura e, já que não
havia nada de indecente nisso, ele iria apresentá-lo em Nova York.

Os historiadores têm outras evidências para pensar na baronesa como


autora da obra: ela já vinha encontrando objetos na rua e os declarando
como obras de arte desde antes de Duchamp ter a ideia de ready-made. E
há ainda a contradição à a rmação do artista de que teria comprado o
urinol da J. L. Mott Iron Works, na Quinta Avenida, em Nova York. Pesquisas
posteriores mostraram que essa empresa não fabricava nem vendia o
modelo do urinol.

Por que a baronesa dadaísta nunca reivindicou a autoria da obra? Para os


estudiosos, ela nunca teve a chance, pois o mictório foi rejeitado
o cialmente pelos organizadores da exposição (Duchamp se demitiu do
conselho em protesto) e, provavelmente, jogado fora depois. Nada restou
senão uma fotogra a de Alfred Stieglitz. Os dois morreram antes da
consagração da peça: Von Freytag-Loringhoven em 1927 e o fotógrafo, em
1946.

Se esse é um fato verdadeiro ou ctício, só a história irá dizer. Se é que, no


futuro, essa será uma distinção relevante.

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Fonte: Marcel Duchamp or Elsa von Freytag-Loringhoven?

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