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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GJBB
Nº 70010592574
2004/CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL. IPTU. IDOSA QUE PERCEBE


POUCO MAIS DE UM SALÁRIO MÍNIMO.
EXCESSO QUE NÃO EVIDENCIA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA. MANUTENÇÃO DA ISENÇÃO
PREVISTA NA LEI MUNICIPAL. LEI Nº
10.741/2003 - ESTATUTO DO IDOSO-.
INDISPONIBILIDADE DO BEM QUE LHE SERVE
DE MORADIA. PRESCRIÇÃO.
Nada que não seja a citação válida é capaz de
interromper a prescrição para cobrança do crédito
tributário, cujo prazo deflagra na data do lançamento
(art. 174, I e parágrafo único, inciso I, do CTN).
Sendo mínimo o excesso, risível mesmo, pouco
mais de alguns reais, deve ser mantida a isenção,
cujo propósito é proteger os idosos e as viúvas.
Com efeito, a menção ao salário mínimo é mera
referência; o que importa, antes, é a qualidade do
contribuinte e em causa a capacidade contributiva
que não se evidencia por poucos reais a mais.
Afinal, assegura a Carta da República, os impostos,
sempre que possível, terão caráter pessoal e serão
graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte (CF- art. 145, parágrafo 1º).
A Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), torna
indisponível a moradia que serve ao idoso, e
enquanto lhe servir, fica à salvo de qualquer ato
que lhe empeça o uso e a fruição; assegurando o
direito que tem à liberdade, à saúde, à cidadania,
ao envelhecimento com dignidade, à vida, ou ao que
lhe resta da vida.
APELO PROVIDO EM PARTE.

APELAÇÃO CÍVEL VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA


CÍVEL
Nº 70010592574 COMARCA DE SANTO ÂNGELO

MUNICIPIO DE SANTO ANGELO APELANTE

MARIA EVA BUENO DE MOURA APELADO

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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Primeira
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial
provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH (PRESIDENTE E REVISOR) E
DES. MARCO AURÉLIO HEINZ.
Porto Alegre, 22 de junho de 2005.

DES. GENARO JOSÉ BARONI BORGES,


Relator.

R E L AT Ó R I O
DES. GENARO JOSÉ BARONI BORGES (RELATOR)
Trata-se de Apelação interposta pelo MUNICÍPIO DE SANTO
ÂNGELO contra sentença proferida nos autos dos Embargos à Execução
Fiscal que lhe move MARIA EVA BUENO DE MOURA, a qual acolheu a
prescrição do crédito tributário por IPTU relativo ao exercício de 1997, e deu
pela procedência dos Embargos por gozar a Embargante de isenção nos
termos do artigo 114 da lei municipal 1.852/92.
Em suas razões, sustenta o Município a inocorrência da
prescrição do IPTU do ano de 1997, tendo em vista que a citação válida
interrompe a prescrição, fazendo-a retroagir à data da propositura da ação.
Quanto à isenção, entende que o d. Juízo “a quo” ampliou norma de
interpretação restritiva. Refere que se a Apelada percebe R$ 6,81 acima do
salário mínimo, não preenche os requisitos da lei municipal, não podendo ser
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beneficiada pela isenção. Assevera que a d. sentença abre precedente através


do qual o Fisco não saberá qual o limite a considerar quando da análise do
requisito “não perceber valor superior a um salário mínimo”. Por tais razões,
postula o provimento do apelo.
O recurso foi contra-arrazoado (fls. 42/44).
A Dra. Procuradora de Justiça opinou pela desconstituição da
sentença, e, em não sendo este o entendimento, pela extinção da execução.
A fl. 56 foi acolhido em parte o Parecer Ministerial e determinado o
retorno dos autos à origem para juntada do Código Tributário Municipal pelo
Município de Santo Ângelo, e exibição dos comprovantes de rendimentos do
período de 1997 a 2001, pela Apelada.
Cumpridas as diligências, foi dada nova vista dos autos à Dra.
Procuradora de Justiça, a qual manifestou-se pelo parcial provimento do apelo.
Após, vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.

VOTOS
DES. GENARO JOSÉ BARONI BORGES (RELATOR)
I- DA PRESCRIÇÃO.
Com acerto se houve a d. sentença, no ponto.
O crédito tributário relativamente ao IPTU exercício de 1997 foi
definitivamente constituído pelo lançamento ocorrido em 02/12/97 (CDA - fl. 5
da Execução).
A citação, todavia, só se deu em 13/02/2003 (fl. 7v - da
Execução), quando já operada a prescrição, nos termos do artigo 174 do CTN.
E desimporta a data do ajuizamento da execução como causa
interruptiva da prescrição, como sustenta o Município.

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Como se vê, entre a citação e a constituição definitiva do crédito


tributário já transcorrera mais de cinco anos, o que leva crer, mesmo em juízo
sumário, esteja prescrita a execução fiscal (CTN – art. 174 – parágrafo único,
inciso I).
O tema da prescrição do crédito tributário sabe controvertido na
doutrina e na jurisprudência.
É que tanto o Código Tributário Nacional quanto a Lei das
Execuções Fiscais dispõem a seu respeito, e o fazem de modo diferenciado,
notadamente sobre regras de interrupção.
Assim, enquanto o Código Tributário tem como causa de
interrupção tão-só a CITAÇÃO (art. 174, parágrafo único, inciso I) a Lei das
Execuções Fiscais disciplina que (1) só a inscrição do crédito tributário feita
pelo órgão competente a suspende pelo prazo de cento e oitenta dias (art. 2º, §
3º), (2) o mesmo se dando pelo despacho que ordena a citação (art. 8º, § 2º).
Tudo está em saber qual das disposições legais prevalece.
Não tenho dúvida em afirmar que a tudo e a todos se sobrepõe a
regra insculpida no Código Tributário Nacional. Primeiro, porque só à Lei
Complementar cabe estabelecer normas gerais em matéria de legislação
tributária, especialmente sobre obrigação, lançamento, crédito, PRESCRIÇÃO
E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIOS, como é expresso o artigo 146, III, letra “b” da
Constituição Federal. Segundo, porque o Código Tributário Nacional é lei de
eficácia complementar, a que não pode se contrapor a legislação ordinária,
como é a Lei das Execuções Fiscais.
Assim, não bastasse, por definitiva, a supremacia da lei
complementar, de hierarquia superior, há expressa disposição constitucional
que veda à lei ordinária disciplinar matéria tributária.
Por isso, tenho que as disposições da Lei das Execuções Fiscais
neste particular são ineficazes.

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Portanto, nada que não seja a citação válida é capaz de


interromper a prescrição para cobrança do crédito tributário. A propósito, assim,
já decidiu esta Câmara:

DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. CITAÇÃO EFETUADA


MAIS DE 5 (CINCO) ANOS APÓS A CONSTITUIÇÃO DO
CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA.
1) O prazo prescricional é de 5 (cinco) anos, e transcorre
a partir da constituição definitiva do crédito tributário,
conforme previsto no art. 174 do CTN. Tal prazo é
interrompido com a citação válida do devedor, o que no
caso em tela, ocorreu somente depois de transcorridos
mais de 5 (cinco) anos da data de constituição do crédito.
2) Citada a autora em 1999, reconhece-se apenas a
prescrição do imposto relativo aos exercícios de 1991 a
1993.
3) Deferido o Benefício da AJG, a imposição de ônus
sucumbenciais à autora deve ser suspensa.
Negaram provimento ao apelo do município e deram
parcial provimento ao recurso da autora.
(Rel. Des. Francisco José Moesch, Apelação Cível
nº 70010181717,Vigésima Primeira Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, julgada em 15 de
dezembro de 2004).

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.


CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. PRESCRIÇÃO.
TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO
CRÉDITO. A ação de cobrança do crédito tributário
prescreve em cinco anos contados da data da sua
constituição definitiva. Hipótese em que a citação se
efetivou quando já havia decorrido mais de cinco
anos da constituição definitiva do lançamento.
RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº
70009447525, Vigésima Primeira Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino
Robles Ribeiro, Julgado em 25/08/2004).

APELAÇÃO. EXEUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE


EXECUTIVADE. PRESCRIÇÃO. I. É cabível o
manejo da exceção de executividade para argüir a

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prescrição do crédito tributário, quando desde logo


se verifique a impossibilidade de prosseguimento da
execução. II. O termo inicial da prescrição do crédito
tributário de IPTU é 1º de janeiro do exercício
seguinte ao que está sendo cobrado, ou seja,
quando se deu a inscrição em dívida ativa e
interrompe-se com a citação do contribuinte.
Inteligência do art. 174 do CTN, c/c o parágrafo
único, I, do mesmo diploma legal. Apelo desprovido.
(Apelação Cível Nº 70010058741, Vigésima
Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em
07/12/2004).

Assim, pelos comemorativos do crédito tributário em causa tenho


que operada a prescrição da ação para cobrança do IPTU referente ao
exercício de 1997.

II- MÉRITO.
Quanto ao mais, também sem razão o Município.
Os incisos V e VI, do artigo 114 do Código Tributário Municipal
(Lei 1.852/94) asseguram isenção do pagamento do IPTU (1) aos proprietários
que contam mais de sessenta anos de idade e (2) às viúvas com mais de
cinqüenta anos, desde que não percebam pensões ou proventos de valor
superior a um salário mínimo e não vivam às expensas ou juntamente com
filhos casados (parágrafo único, inciso II do mesmo artigo); tudo a depender de
solicitação até o dia 31 de dezembro para valer para o exercício seguinte e
mediante comprovação periódica de que continuam preenchendo as condições
estabelecidas (mesma lei – artigos 117, I , a) e 118).
Como sustenta o Município e demonstra a d. Procuradora de
Justiça no judicioso parecer de fls., nos exercícios de 1998, 1999, 2000 e 2001
a Apelada percebeu pensão em valor sempre superior a um salário mínimo.
Basta cotejar a planilha de fl. 174 com o demonstrativo de fl. 59.
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Mínimo o excesso, risível mesmo; pouco mais de alguns reais,


como registra a d. sentença.
Só por isso tenho deva ser mantida a isenção, cujo propósito é
proteger os idosos e as viúvas. Com efeito, a menção ao salário mínimo é mera
referência; o que importa, antes, é a qualidade do contribuinte e em causa a
capacidade contributiva que não se evidencia por poucos reais a mais. Afinal,
assegura a carta da república, os impostos, sempre que possível, terão caráter
pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte
(CF- art. 145, parágrafo 1º). Como discorre Mizabel Abreu Machado Derzi nos
seus comentários à obra de Aliomar Baleeiro – Limitações ao Poder de Tributar
- “do ponto de vista subjetivo, a capacidade econômica somente se inicia após
a dedução das despesas necessárias para a manutenção de uma existência
digna para o contribuinte e sua família. Tais gastos pessoais obrigatórios (com
alimentação, vestuário, moradia, saúde, dependentes, tendo em vista as
relações familiares e pessoais do contribuinte, etc.) devem ser cobertos com
rendimento em sentido econômico – mesmo no caso dos tributos incidentes
sobre o patrimônio e heranças e doações – que não estão disponíveis para o
pagamento de impostos. A capacidade econômica subjetiva corresponde a um
conceito de renda ou patrimônio líquido pessoal, livremente disponível para o
consumo e, assim, também para o pagamento de tributo. Dessa forma, se
realizam os princípios constitucionalmente exigidos da pessoalidade do
imposto, proibição do confisco e igualdade, conforme dispõem os arts. 145,
parágrafo 1º, 150, II e IV, da Constituição” (Ob. citada – pág. 693 – Forense –
sétima edição).
Para além disso, a isenção assegura valor jurídico-social
relevantíssimo – a proteção ao idoso - que “não foi incluído no art. 6º como
espécie de direito social, mas, por certo, tem essa natureza”, como assinala
José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo – pág. 282 –
Malheiros – nona edição). Tanto assim que o artigo 230 da Constituição

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Federal impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar as


pessoas idosas, à conta do momento em que se mostram carentes de
recursos ou de possibilidades de conseguí-los com seu trabalho.
Pois para dar efetividade à verba constitucional fez-se editar a lei
10.741/2003 – Estatuto do Idoso - que assim dispõe no ponto que interessa:
“art. 37 – O idoso tem direito a moradia digna, no seio da família
natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o
desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada.”
A lei, portanto, assegura ao idoso o direito a moradia; com esse
propósito chega a lhe conferir prioridade na aquisição de imóvel, com critérios
de financiamento compatíveis com os rendimentos de aposentadoria ou
pensão (art. 38, IV).
Tenho, por tudo isso, indisponível a moradia que serve ao idoso; e
enquanto lhe servir, fica à salvo de qualquer ato que lhe empeça o uso e a
fruição; só assim para lhe assegurar o direito que tem à liberdade, à saúde,
à cidadania, ao envelhecimento com dignidade, à vida, porque não, ou ao que
lhe resta da vida.
Por último, a regra isencional não há de ser interpretada “tendo
em vista só a defesa do contribuinte, nem tampouco a do Tesouro apenas. O
cuidado do exegeta não pode ser unilateral: deve mostrar-se equânime e
hermeneuta e conciliar os interesses em momentâneo, ocasional, contraste.
Não atende somente à letra, nem se deixa dominar pela
preocupação de restringir; resolve de modo que o sentido prevaleça e o fim
óbvio, o transparente objetivo seja atingido. O escopo, a razão da lei, a causa,
os valores jurídico-sociais (....) influem mais do que a linguagem, infiel
transmissora de idéias.
Experimenta, em suma, o intérprete os vários processos de
Hermenêutica; abstém-se de exigir mais do que a norma reclama; porém extrai,

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para ser cumprido, tudo, absolutamente tudo o que na mesma se contém. Se


depois desse esforço ainda persiste a dúvida, aplica afinal a parêmia, resolve
contra o fisco e a favor do contribuinte” (Carlos Maximiliano- Hermenêutica e
Aplicação do Direito – pág. 333 – nº 401 - Forense – nona edição).
Assim, menos com o propósito de defender o contribuinte, mas
com vistas ao sentido, à razão, à causa e à finalidade da lei, é que tenho deva
ser mantida a d. sentença não só por seus fundamentos, também porque o
juízo de improcedência implicaria na penhora e alienação do imóvel, privando a
Apelada, com 79 anos, do único imóvel que dispõe para moradia.
Ante o exposto dou parcial provimento, porque a Juíza julgou
procedentes os embargos e extinguiu a ação. Não extingo a execução fiscal.
Dou pela prescrição do exercício de 1997 e mantenho hígida a cobrança, só
que sem constrição.
É o voto.
DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.
DES. MARCO AURÉLIO HEINZ - De acordo.
APELAÇÃO N.70010592574 DE SANTO ANGELO: “DERAM PARCIAL
PROVIMENTO. UNÂNIME”

Julgador(a) de 1º Grau: JOSIANE CALEFFI ESTIVALET

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