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Letras de Sangue

As Mãos Do Carrasco

Edson Tomaz da Silva


Letras de Sangue

As Mãos Do Carrasco
Esta história se passa em tempos imemoriais, no grande reino de Valdora, cuja história se
perdeu numa trilha de sangue e crueldade. É a história do último governante de Valdora,
antes que o reino fosse tragado pela cobiça e sua memória fosse jogada nas cinzas do
tempo.

Valdora nascera da união de cidades cuja principal atividade era o comércio. Governada por
uma família real formada pela união das famílias de comerciantes que haviam fundado as
cidades originais do reino, abominavam a guerra porque esta prejudicava seus lucros e o
reino foi por séculos governado com um único objetivo: preservar as boas relações com os
povos vizinhos e a infra estrutura – estradas, portos, serviços de mensageiros - tão
necessárias para que este comércio continuasse sempre florescendo.

Mas a prosperidade infelizmente traz consigo a cobiça dos invejosos, e isto selou o destino
de Valdora. As nações bárbaras do norte, sabedoras que o extremo sul do continente
abrigava um reino de vastas riquezas, formaram um gigantesco exército de coalizão e
marcharam atravessando todo o continente, deixando atrás de si um rastro de morte e
destruição.

Após sangrentas batalhas e um cerco onde a fome e a peste quase dizimaram a cidade, os
exércitos bárbaros tomaram a capital, Helendorf. E iniciou-se um grande reino de terror, cujo
ápice se deu no governo de Vieltoorth, apelidado de O Rei Demônio, tamanha a sua
crueldade. O maior símbolo de seu reinado não foram obras, conquistas ou glórias em
batalha, mas as execuções de seus opositores, sob o machado do carrasco real, Ravencroft.
Sob seu incansável machado, milhares que se opuseram ao regime ou apenas tiveram o
azar de cair em desgraça com Vieltoorth, perderam a cabeça em execuções públicas.

Foi nesta época que Lorde Janteal, último descendente vivo da família real de Valdora, foi
em busca da belíssima e poderosa Malinda, feiticeira que habitava as florestas ao leste do
reino. Sua família havia sido expulsa do reino pela família real séculos antes, quando os
dons da premonição e do controle sobre as forças da natureza começaram a se manifestar
nas mulheres da família. Lorde Jenteal buscou sua cooperação com a promessa de que o
nome de sua família não seria apenas resgatado da infâmia, como também seria alçado à
nobreza, através do casamento dele, Lorde Janteal, com a própria Malinda.

Aflita pela condição de seu povo e seduzida pelas promessas de Lorde Jenteal, Malinda deu
início a uma série de catástrofes naturais, que colocaram Vieltoorth, O Rei Demônio, de
joelhos. Com o reino fustigado por tempestades, inundações ou longos períodos de seca, os
alimentos e água potável se esgotaram. Veio a peste, que estranhamente só vitimou os
bárbaros invasores. Nesse cenário, não restou ao Rei Demônio senão render-se
incondicionalmente, quando os exércitos de Lorde Jenteal chegaram às portas de Helendorf.

O primeiro ato de Lorde Jenteal, assim que se sagrou rei de Valdora, foi ordenar a execução
de Vieltoorth, O Rei Demônio, pelas mãos do carrasco real, Ravencroft. Assim, o mais
maldito dos reis bárbaros de Valdora morreu pelas mãos daquele que foi o maior símbolo de
seu governo.

Ato seguinte, Ravencroft teve as mãos decepadas e também foi decapitado. Como uma
espécie de elemento sarcástico, Lorde Jenteal ordenou que as mãos do carrasco
estivessem segurando o cabo do machado na hora de sua decapitação. Assim, o maior
símbolo do terror viu suas próprias serem mãos amarradas ao cabo do machado com que
tirara milhares de vidas nos anos de terror de seu mestre. E sua última visão foi a de suas
mãos e de seu machado descendo para cortar sua própria cabeça.

Morto o carrasco, suas mãos foram embalsamadas e ficaram expostas, junto com seu
machado, num monumento na praça central de Helendorf.

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Mas as nuvens da desgraça não se afastaram do Reino de Valdora. Lorde Jenteal revelou-se
um governante ainda mais traiçoeiro e cruel do que o falecido Rei Demônio. E, temeroso dos
vastos poderes de Malinda, decidiu não cumprir sua promessa de casamento.

Ao contrário, acusou-a abertamente de conspirar contra ele e condenou-a à morte na


fogueira, como mandava a tradição que se fizesse com aqueles acusados de feitiçaria.
Apesar de seus enormes poderes, Malinda não previu a traição nem resistiu à prisão.

No dia da execução de Malinda, quando a enorme fogueira foi acesa, as palavras da


condenada foram ouvidas por todos os presentes na praça das execuções:

- Lorde Jenteal, as estrelas me condenaram por ter sido tola e ambiciosa, acreditando em
suas promessas. Mas você e seu reino não sobreviverão muito mais do que eu, para
celebrar a minha morte!

- Não podes me amaldiçoar, mulher! Em breve seu corpo arderá na fogueira e sua alma
arderá nas chamas do Inferno!

- Não serão as minhas mãos que trarão sua morte, Jenteal. Serão mãos muito mais capazes
que as minhas neste ofício!

E, depois de proferir aquelas enigmáticas palavras, Malinda foi cercada pela chamas da
fogueira e morreu em meio a grande dor e agonia, para deleite de Lorde Jenteal.

Naquela mesma noite, o capitão da guarda particular do Rei Jenteal se viu obrigado a
acordá-lo: as mãos embalsamadas e o machado de Ravencroft haviam desaparecido da
praça central.

Aquilo só podia significar uma coisa: rebelião. Por medida de segurança, o Rei foi dormir
numa câmara oculta, cuja existência só era conhecida por dois de seus generais de maior
confiança. Enquanto isso, caberia à guarda particular do Rei recuperar o símbolo maior de
seu antecessor deposto.

Mas o Rei dormiu mal naquela noite. Os pesadelos assolavam seu sono. Pesadelos onde era
perseguido pelas mãos e pelo machado de Ravencroft.
Foi num dos momentos em que acordou destes pesadelos que resolveu levantar-se para
beber água. A noite quente e o desespero provindo dos sonhos assustadores o faziam suar,
causando-lhe sede.

Serviu-se de água e, enquanto bebia, parou frente ao enorme espelho que cobria uma
parede inteira do aposento. Foi quando percebeu, atrás de si, o reflexo de Ravencroft,
vestido em seu uniforme de gala, trazendo em suas mãos seu machado de execução.

Apavorado, o Rei voltou-se para encarar o carrasco, mas viu apenas o machado e as mãos
embalsamadas, flutuando no ar, presas a corpo nenhum...

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Quando a notícia de que o Rei fora encontrado decapitado em seus aposentos secretos e ao
seu lado estavam as mãos e o machado do falecido carrasco, a população do reino se dividiu
entre os que resolveram se levantar e tentar tomar o trono vazio pela força, e os que
abandonaram o reino, dizendo que este estava amaldiçoado e malditos seriam os que ali
permanecessem.

Assim, tal qual um corpo decapitado, o reino de Valdora sofreu alguns últimos espasmos,
antes de morrer e suas memórias e seu nome se perderem nas cinzas da História.

----FIM----

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Sobre o Autor

Edson Tomaz da Silva nasceu em São Paulo, capital, em 26 de abril de 1971. A paixão pelos
gêneros de terror e suspense é antiga, mas o autor só começou a publicar seus textos em
2009.

Em 2010, criou o site Letras de Sangue, onde publica seus textos, na companhia de outros
escritores amadores, também apaixonados por terror e suspense.

Para ajudar na divulgação do site, passou a publicar seus textos também no Scribd, criando
a Coleção Letras de Sangue.

Sobre a Obra

O conto “As Mãos Do Carrasco” foi escrito em dezembro de 2009 e publicado pela primeira
vez no site do “Recanto das Letras” e hoje faz também parte do acervo do Letras de Sangue.

Licenciamento da Obra

A presente obra encontra-se licenciada sob a licença Creative Commons Attribution-


NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported. Para visualizar uma cópia da licença, visite
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