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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 4438/06.1TBVFX.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
LICENÇA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL E INDUSTRIAL
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
ALVARÁ
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
FALTA DE LICENCIAMENTO
CONTRATO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DE IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
Data do Acordão: 2011/07/06
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
ARRENDAMENTO URBANO
EDIFICAÇÃO URBANA
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 238.º, N.º1, 280.º, 401.º, N.º2.
DL 168/97, DE 4-7 (ALTERADO PELOS DL 139/99, DE 24-4, 222/2000, DE 9-9, 57/2002,
DE 11-3): - ARTIGO14.º, N.º2.
REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (RAU): - ARTIGOS 3.º, 9.º, 115.º, N.º2.
RGEU (DL 38382, DE 7-08-1951): - ARTIGO 8.º.
RJUE (DL 555/99, DE 16-12 E ALTERAÇÕES POSTERIORES): - ARTIGO 62.º, N.ºS1 E
2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 31/03/2004, PROCESSO N.º04A639, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 13/12/2007, PROCESSO N.º07A2766, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 19/02/2008, PROCESSO N.º08A194, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - O art. 14.º do DL n.º 168/97, de 04-07 (e suas subsequentes


alterações), referente ao sistema de licenciamento de serviços de
restauração ou de bebidas, ao mandar aplicar, “com as necessárias
alterações”, o disposto no art. 9.º do RAU, restringe-o aos contratos
de arrendamento relativos a imóveis ou fracções “onde se pretenda
instalar estabelecimentos de restauração ou de bebidas” e não a
estabelecimentos instalados e já existentes, aos quais se aplicará o
regime derivado das disposições finais do DL n.º 555/99, de 16-12, e
alterações posteriores (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação
– RJUE).
II - A licença municipal obrigatória de utilização das edificações,
desde 1951 – cf. art. 8.º do RGEU, constante do DL n.º 38382, de 07-
08-1951 –, destina-se, segundo o estatuído no art. 62.º, n.ºs 1 e 2, do
RJUE, a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto
aprovado no caso de realização de obras e a conformidade do uso
previsto com as normas legais e regulamentares e idoneidade do
edifício ou a sua fracção autónoma para o fim pretendido quando não
haja lugar à realização de obras.
III - A constituição de propriedade horizontal a que se subordina a
fracção “para comércio”, adquirida pelos réus, com registo a seu
favor desde 1984, onde tem tido funcionamento o estabelecimento
comercial, sob o mesmo ramo de actividade, de natureza comercial,
com exploração a cargo de, pelo menos, mais dois arrendatários que
precederam os autores, faz presumir, legitimamente, o licenciamento.
IV - Não é do senso comum que, sem convenção de sentido contrário,
seja o proprietário da fracção locada a requerer a licença específica
que viabilize o funcionamento do estabelecimento comercial alheio e
que, obtida, integra o seu “activo”, do mesmo modo que não se
alcança a razoabilidade de se lhe impor a realização de obras de que
aquela possa depender e que contendam, v.g., com o cumprimento de
exigências sanitárias derivadas da maior ou menor área ou com a
instalação de equipamento, a decoração, etc..
V - A qualificação jurídica de um contrato depende, desde logo, da
interpretação da vontade dos contraentes, valendo as respectivas
declarações com o sentido que um declaratário normal, colocado na
posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do
declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele e no
caso de negócios formais, tais declarações não poderão valer com
sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do
documento, ainda que imperfeitamente expresso – cf. arts. 236.º, n.º
1, e 238.º, n.º 1, do CC.
VI - O alvará ou licença de utilização, obrigatória para os
estabelecimentos comerciais da área da restauração ou bebidas,
materializa grosso modo uma autorização administrativa que faculta a
sua exploração e a sua própria transmissão jurídica e integra um dos
elementos necessários ao seu funcionamento.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES DO SUPREMO TRIBUNAL DE


JUSTIÇA:

AA e BB propuseram contra CC e mulher, DD, acção declarativa sob


forma comum e processo ordinário e nela pediram que seja declarada
a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre o autor e os
réus, declarada a nulidade do "contrato de trespasse" celebrado entre
todos e os réus condenados a restituir aos autores a quantia global de
75.000€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde as datas dos
pagamentos parcelares e até integral restituição.
Para tanto, e em síntese, alegaram:
no dia 21.1.03 e através de procurador, os réus deram de
arrendamento à autora a parte correspondente ao rés-do-chão de
fracção autónoma, sua propriedade, para a actividade comercial de
cafetaria e/ou snack-bar, pelo prazo de 10 anos com inicio em 1.1.03,
prorrogável por períodos de um ano, salvo denúncia e pela renda
mensal de 750€, a actualizar anualmente de acordo com o coeficiente
fixado pelo INE; na mesma data, autora e réus acordaram ainda que a
autora pagaria aos réus, até ao fim de 2003, a quantia de 25.000€, a
titulo de exploração do locado, expressão que, em 28.1.03, acordaram
em substituir por "trespasse", mais combinando que este contrato
seria celebrado depois de finda acção que, então, corria contra a
anterior arrendatária da mesma fracção e no âmbito do qual viria a ser
entregue aos RR, em três prestações, a quantia global de 75.000€.
Mais alegaram que, passando, a partir de 8.2.03, a exercer no locado
a actividade de cafetaria e snack-bar, gastaram 15.000€ em obras de
limpeza e beneficiação do locado e, após solicitação da Autora nesse
sentido, assentiram os RR na transmissão da posição daquela em
todos os contratos celebrados, escritos ou verbais, a favor do autor,
outorgando, em 1.9.04, um contrato de arrendamento em tudo
semelhante ao anterior, considerando como início do novo
arrendamento o mês de Janeiro de 2003.
Por fim, alegando que os RR se comprometeram a obter o
licenciamento do locado para o exercício da aludida actividade
comercial, tomaram conhecimento que este foi recusado pela
autoridade competente por serem necessárias obras que os RR não
iniciaram e cuja realização imputaram aos AA.
Os réus contestaram, e, reconhecendo a celebração dos acordos
referidos, impugnam parte dos factos alegados, mantêm que as obras
de que depende o licenciamento são da responsabilidade dos AA e
precisam que celebraram um contrato promessa de trespasse pois não
eram proprietários do estabelecimento que esperavam adquirir no
termo do processo contra a anterior arrendatária.
O processo foi objecto de saneamento e condensação e decorridos os
demais trâmites, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e
foi proferida sentença que julgou procedentes os pedidos acima
delimitados.
De tal sentença apelaram os autores, mas a Relação de Lisboa negou-
lhes a procedência do recurso, pelo que, de novo inconformados,
interpuseram a presente revista cuja alegação concluíram nos
seguintes termos:
O douto acórdão recorrido procedeu a uma errada interpretação e
aplicação da Lei.
Ao contrário do doutamente decidido, a fracção dada de
arrendamento dispunha de licença de utilização para o exercício do
comércio, como era legalmente exigido pelo art°9º do RAU.
O douto acórdão recorrido à semelhança da decisão proferida em 1ª
instância, salvo o devido respeito, confunde a "licença de utilização
para o exercício de uma actividade genérica" (habitação, comércio,
profissão liberal) com a licença de utilização para o exercício de
qualquer "species" daquele "genus" (farmácia, estabelecimento de
bebidas ou restauração).
Só a primeira é obrigação do senhorio por se tratar de licenciamento
do edifício para necessidades comuns a certo tipo de utilização e
conciliá-lo com os direitos dos restantes condóminos e com a própria
estrutura e configuração do edifício e acessibilidades.
Já as licenças-alvarás para o exercício de certo ramo cumprem ao
arrendatário que pretenda exercer a actividade especificada.
Era à arrendatária que cabia a obtenção da licença ou alvará para a
instalação do estabelecimento de restauração e bebidas.
Era a arrendatária que deveria ter realizado as obras impostas pela
autoridade administrativa para obter o alvará. Assim,
Dispondo a fracção dada de arrendamento de licença de utilização
destinada ao comércio, não podia a arrendatária, com o fundamento
de que inexistia alvará, resolver o contrato.
A licença a que se refere o art°. 9º do RAU é a autorização genérica
para o exercício da actividade inserível no sector económico
pertinente, cumprindo ao arrendatário a obtenção de licenças ou
alvarás para o exercício da actividade especificada a que se propõe.
Ao decidir de modo diverso, a decisão recorrida violou o art°. 9º do
RAU, o qual deverá ser interpretado nos termos preditos.
A. e RR. não celebraram qualquer "contrato de trespasse", pois na
data em que celebraram os acordos a que se alude na motivação
deste recurso, ainda não eram titulares do direito de propriedade
sobre o estabelecimento. Por isso, Celebraram um "contrato-
promessa de trespasse", através do qual os RR pretendiam, no futuro
(logo que adquirissem a propriedade das mesmas), transmitir à A. as
máquinas e utensílios que integravam o recheio do estabelecimento.
Tal contrato não sofre de qualquer vício que acarrete a sua
invalidade, devendo, por isso, ser declarado válido e eficaz.
Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão recorrido violou, entre
outros, o art°. 115° do RAU, e art°410°, 1112° e 1115° do C. C, os
quais deverão ser interpretados nos termos preditos.

Não foi oferecida contra-alegação.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Centram-se as questões do recurso em torno da falta de licenciamento
do estabelecimento comercial e da sua implicação na resolução do
contrato de arrendamento e nulidade do “trespasse”, a ele reportados,
no litígio que opõe Autores e Réus.

Antes da sua apreciação, importa enunciar a factualidade apurada nas


instâncias, tal como, sem oposição, foi vertida no acórdão recorrido:
1. Os réus têm registada a seu favor, na 2ª Conservatória do Registo
Predial de Vila Franca de Xira, desde 11/04/84, a aquisição, por
compra, da fracção autónoma designada pela letra "A",
correspondente ao rés-do-chão direito, para comércio, com uma
divisão assoalhada, casa de banho, marquise, varanda e arrecadação
na cave, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito
na Rua .........., n° .... (Loja) e..... (porta do prédio), em Forte da Casa.
2. Por escrito datado de 21 de Janeiro de 2003, denominado
"Contrato de Arrendamento de Duração Limitada para o Exercício do
Comércio", subscrito por EE, na qualidade de procurador dos réus, e
pela autora, aquele declarou dar de arrendamento a esta, que declarou
aceitar, o rés-do-chão referido em 1., com destino ao exercício da
actividade comercial de cafetaria e/ou snack-bar, com exclusão de
qualquer outro ramo de actividade, pelo prazo de 10 anos, com início
em 1 de Janeiro de 2003 e termo em 1 de Janeiro de 2013,
sucessivamente renovável por períodos de 1 ano, mediante o
pagamento da renda anual de 9.000,00€, em duodécimos 750,00€,
devendo ser pagas duas rendas com a assinatura do contrato e
vencendo-se as subsequentes no dia 1 do mês anterior àquele a que
respeitarem, actualizadas anualmente nos termos legais.
3. Nesse escrito, os contraentes declararam que "a arrendatária não
poderá realizar obras sem o consentimento escrito dos senhorios,
ficando as que vier a realizar a fazer parte integrante do arrendado,
sem que a arrendatária possa reclamar qualquer indemnização ou
alegar direito de retenção".
4. E declararam que "a arrendatária poderá usar e fruir os bens
constantes da declaração anexa a este contrato que depois de assinada
dele faz parte integrante" e que "o arrendado bem como os bens
constantes da declaração anexa encontram-se em bom estado de
conservação, obrigando-se a arrendatária a mantê-los tal como agora
se encontram, procedendo às reparações que se revelem necessárias e
a restitui-los (arrendado, máquinas e utensílios) findo o contrato em
condições de poderem ser utilizados de imediato".
5. Declararam ainda que "a arrendatária tem conhecimento de que os
móveis existentes no arrendado irão ser objecto de penhora na
sequência da execução que os senhorios irão promover contra a
anterior arrendatária, FF, por apenso à acção de despejo que correu
termos sob o n° 000000 no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila
Franca de Xira" e que "se em virtude de tal acção ou de qualquer
outra diligência judicial promovida contra a anterior arrendatária tais
bens vierem a ser removidos do estabelecimento, os senhorios
obrigam-se, no prazo máximo de 45 dias, a colocar outros bens,
máquinas em substituição dos removidos" e que "à arrendatária em
tal hipótese não assistirá o direito a qualquer compensação e obrigar-
se-á a pagar a renda que for devida".
6. E que "a arrendatária obriga-se a manter em funcionamento o
estabelecimento com a observância das leis e regulamentos em vigor,
suportando a expensas suas todas as sanções pela violação de tais
normativos";
7. Da "declaração anexa" referida nesse escrito, datada de 6 de
Novembro de 2002, consta a seguinte descrição de bens, pertencentes
a FF, os quais se encontravam, naquela data, no interior do local em
causa: "1 máquina de diversões «Game Saurus»; 1 máquina de bolas;
1 máquina de tabaco «Goya Jofemar»; 1 extintor; 1 televisão
«Mistai» com TV Cabo; 38 cadeiras; 10 mesas; 1 vitrina «Inoxhotel»;
1 telefone; 1 balcão «Inoxhotel»; 1 forno «Uninsa»; 1 máquina de
cortar fiambre; 1 mesa «Maquiloures»; 1 moinho de café e 1 máquina
de café «San Marco»; 1 balança «Portos»; 1 máquina registadora
«Samsung»; 1 máquina de lavar chávenas «San Marco»; 1 armário; 1
arca «Olá»; 1 arca «Seruco»; 1 frigorífico «Oceane»; 1 mesa; 1 fogão
«Junex»; 1 banca «Teka»; 1 esquentador «Aspas»".
8. Por escrito datado de 21 de Janeiro de 2003, denominado "Acordo
de Pagamento e Reconhecimento de Dívida", o mesmo procurador
dos réus, em sua representação, designado por "1º contraente" e a
autora, designada por "2ª contraente", declararam que, com referência
ao referido contrato de arrendamento, "a 2ª contraente pela
exploração da referida fracção obriga-se a pagar ao 1º contraente, até
final do ano de 2003, a quantia de 25.000 euros, para além do valor a
pagar mensalmente nos termos constantes do contrato de
arrendamento", que "para a situação de incumprimento, a título de
cláusula penal, os contraentes fixam o valor mensal de 500 euros, que
a 2ª contraente se obriga igualmente a pagar" e que "se até ao final do
ano 2004, a quantia referida (...) não se encontrar integralmente
liquidada, a 2ª contraente obriga-se a deixar o local arrendado tal
como o encontrou quando o tomou de arrendamento, renunciando a
qualquer indemnização".
9. Por escrito datado de 28 de Janeiro de 2003, denominado "Nota ao
Acordo de Pagamento e Reconhecimento (Divida) entre EE
(procurador de seus pais) e BB", os dois declararam que "no referido
Acordo na segunda cláusula está escrito «exploração da referida
fracção» mas é «Trespasse», conforme combinado com os dois
contraentes o Acordo será mesmo assim celebrado e devidamente
assinado, até resolução da acção contra antiga arrendatária FF que
correu termos sob o n° 000000 no 3º Juízo do Tribunal Judicial de
Vila Franca de Xira, findo este processo judicial será celebrado
Contrato de Trespasse".
10. Por escrito datado de 28 de Janeiro de 2003, denominado
"Declaração", o mesmo procurador dos réus, em sua representação, e
a autora declararam que "findo o processo judicial contra a antiga
arrendatária {FF) , será celebrado um Contrato de Trespasse com BB,
pela quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros)".
11. Por escrito datado de 28 de Janeiro de 2003, denominado
"Declaração", subscrito pelo mesmo procurador dos réus em sua
representação e pela autora, aquele declarou ter recebido desta a
quantia de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), "referente ao Trespasse
do Estabelecimento Comercial sito em Rua ........., n°... - , Forte da
Casa, ficando em falta a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil
euros) que será liquidada no final do ano de 2003".
12. A autora enviou àquele procurador dos réus uma carta datada de
16 de Julho de 2004, da qual consta "Venho por este meio informar V.
Exa. que irei cessar a minha actividade em 15 de Agosto de 2004, por
motivos pessoais. Deste modo agradecia que fosse efectuado contrato
de arrendamento ao meu marido AA. O valor da renda será o de
€777,75 (neste momento a actual), sendo os fiadores, os mesmos.
Todos os nossos acordos verbais e escritos encontram-se em vigor, só
que neste caso em nome do meu marido, pois assim que o processo
da antiga inquilina FF estiver resolvido será elaborado, conforme
combinado o Contrato de Trespasse mas em nome de AA, não sendo
paga mais nenhuma quantia, pois V. Exas. já receberam os
€75.000,00 (setenta e cinco mil euros) referentes ao Trespasse. Mais
informo que continuarei a ser responsável pelo que me foi estipulado
pelo Tribunal, ou seja, continuarei a ser fiel depositária do
equipamento que se encontra no estabelecimento até o processo de
penhora estar resolvido".
13. Na sequência dessa carta, por escrito datado de 1 de Setembro de
2004, denominado "Contrato de Arrendamento de Duração Limitada
para o Exercício do Comércio", subscrito pelo mesmo procurador dos
réus em sua representação e pelo autor, aquele declarou dar de
arrendamento a este, que declarou aceitar, o rés-do-chão referido em
1., com destino ao exercício da actividade comercial de cafetaria e/ou
snack-bar, com exclusão de qualquer outro ramo de actividade, pelo
prazo de 10 anos, com inicio em 1 de Janeiro de 2003 e termo em 1
de Janeiro de 2013, sucessivamente renovável por períodos de 1 ano,
mediante o pagamento da renda anual de 9.000,00€, em duodécimos
de 750,00€, devendo ser pagas duas rendas com a assinatura do
contrato e vencendo-se as subsequentes no dia 1 do mês anterior
àquele a que respeitarem, actualizadas anualmente nos termos legais.
14. Nesse escrito, os contraentes declararam que "o arrendatário não
poderá realizar obras sem o consentimento escrito dos senhorios,
ficando as que vier a realizar a fazer parte integrante do arrendado,
sem que o arrendatário possa reclamar qualquer indemnização ou
alegar direito de retenção".
15. E declararam que "o arrendatário poderá usar e fruir os bens
constantes da declaração anexa a este contrato que depois de assinada
dele faz parte integrante" e que "o arrendado bem como os bens
constantes da declaração anexa encontram-se em bom estado de
conservação, obrigando-se o arrendatário a mantê-los tal como agora
se encontram, procedendo às reparações que se revelem necessárias e
a restitui-los (arrendado, máquinas e utensílios) findo o contrato em
condições de poderem ser utilizados de imediato".
16. Declararam ainda que "o arrendatário tem conhecimento de que
os móveis existentes no arrendado irão ser objecto de penhora na
sequência da execução que os senhorios irão promover contra a
anterior arrendatária FF, por apenso à acção de despejo que correu
termos sob o n° 00000 no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Franca
de Xira" e que "se em virtude de tal acção ou de qualquer outra
diligência judicial promovida contra a anterior arrendatária tais bens
vierem a ser removidos do estabelecimento, os senhorios obrigam-se,
no prazo máximo de 45 dias, a colocar outros bens, máquinas em
substituição dos removidos" e que "ao arrendatário em tal hipótese
não assistirá o direito a qualquer compensação e obrigar-se-á a pagar
a renda que for devida".
17. E que "o arrendatário obriga-se a manter em funcionamento o
estabelecimento com a observância das leis e regulamentos em vigor,
suportando a expensas suas todas as sanções pela violação de tais
normativos".
18. 0 réu enviou ao autor um escrito datado de 21 de Setembro de
2004, denominado "Anexo ao Contrato de Arrendamento", o qual se
encontra assinado pelo seu referido procurador e pelo autor e do qual
consta "Devido ao facto de termos apenas respondido favoravelmente
ao pedido da BB para alteração do nome do titular do contrato,
venho, por este meio, informar que as cláusulas apresentadas no
contrato assinado pela mesma e datado de 21 de Janeiro de 2003
permanecem em vigor, ou seja, o valor da renda actual é de 777,75
euros, sendo esta renda actualizada anualmente de acordo com o
coeficiente que vier a ser fixado pelo INE, em Fevereiro de cada ano,
assim como também considero, para inicio do contrato de
arrendamento, o mês de Janeiro de 2003".
19. Em 13 de Março de 2002, os réus instauraram acção declarativa,
com processo sumário, contra FF, a qual correu termos no 3º Juízo
Cível de Vila Franca de Xira sob o n.° 00000, pedindo a resolução do
contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma referida em 1.
e a condenação da ré no seu despejo e entrega, livre de pessoas e
bens, assim como no pagamento das rendas vencidas e vincendas até
à efectiva entrega, acrescidas de juros, à taxa legal, com fundamento
na celebração com GG, por escritura pública de 13 de Novembro de
1986, de um contrato de arrendamento, para café, relativo àquela
fracção autónoma, na transmissão da posição do arrendatário a favor
da ré, que vem explorando no referido local um estabelecimento
comercial denominado "C.........l" e na falta de pagamento de rendas,
acção essa que foi julgada procedente por sentença proferida em 19
de Junho de 2002 e transitada em julgado.
20. Em 28 de Janeiro de 2003, os réus instauraram acção executiva
dessa sentença, nomeando à penhora os bens referidos em 7. e 1 mesa
de matraquilhos, tendo parte deles vindo a ser ai penhorados em 24
de Abril de 2003 e sendo a autora nomeada fiel depositária dos
mesmos.
21. Em 26 de Janeiro de 2005, os réus requereram a adjudicação dos
bens penhorados por 70% do seu valor base e em 20 de Abril de 2007
os autos aguardavam que procedessem à publicação dos anúncios
dessa adjudicação.
22. A autora entregou aos réus a quantia de €7.500,00 (sete mil e
quinhentos euros) em 12 de Dezembro de 2002, a quantia de
€42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros) em 28 de Janeiro
de 2003 e a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) em 30 de
Dezembro de 2003, por conta do pagamento do preço relativo ao
referido "Contrato de Trespasse".
23. Os autores têm vindo a exercer, no local referido em 1., com
portas abertas ao público, a actividade de cafetaria e snack-bar, sendo
que, antes deles, tal actividade havia sido exercida por FF, anterior
arrendatária do local.
24. Os bens referidos em 7. faziam parte integrante do
estabelecimento comercial de cafetaria e snack-bar anteriormente
explorado, no referido local, por FF.
25. Em 8 de Fevereiro de 2003, os autores iniciaram o exercício da
referida actividade e a exploração do referido estabelecimento no
local arrendado, depois de nele terem realizado obras com essa
finalidade, nas quais despenderam a quantia global de 5.046,93€.
26. Os autores têm vindo a pagar aos réus a referida renda mensal
acordada, que era 2007 ascendia a €813,93 (oitocentos e treze euros e
noventa e três cêntimos).
27. Em 1 de Outubro de 2003, os serviços da Câmara Municipal de
Vila Franca de Xira levantaram um auto de contra-ordenação contra o
réu, por funcionar naquele local, com portas abertas ao público, um
estabelecimento de restauração e bebidas, sem a correspondente
licença de utilização.
28. Os réus formularam junto da Câmara Municipal de Vila Franca de
Xira dois pedidos com vista à obtenção de licença para a exploração,
no local em causa, pelos autores, do estabelecimento comercial acima
referido, sendo que o segundo foi formulado em 23 de Janeiro de
2004, depois do indeferimento do primeiro pedido, formulado em 28
de Janeiro de 2003 e indeferido por despacho de 22 de Agosto de
2003, com fundamento na falta de apresentação de projecto corrigido
e demais elementos em falta por parte do requerente.
29. Na sequência desse segundo pedido, em 18 de Abril de 2006 foi
efectuada vistoria ao local em causa, que concluiu no sentido de que
não reúne as condições para ser concedida a licença de utilização para
serviços de restauração e bebidas, enquanto não forem realizadas
obras, as quais ainda não foram iniciadas pelos réus.
30. O referido procurador dos réus enviou ao autor uma carta datada
de 21 de Junho de 2006, da qual consta: "O estabelecimento que V.
Exa. vem explorando na fracção autónoma de que somos
proprietários foi objecto de uma vistoria levada a cabo pelas
entidades competentes. Dado que o «Alvará» do estabelecimento
continua em nome de CC, fomos informados do dia em que os
técnicos ai se deslocavam. Apesar das condições em que vem
funcionando o estabelecimento serem da vossa exclusiva
responsabilidade, a verdade é que, apesar de devidamente alertados
para a necessidade de não terem mais de 27 lugares sentados, V Exas.
ignoraram o aviso, não retirando algumas cadeiras, pelo que a
inspecção impôs a realização de obras. Assim, tendo em conta a
capacidade do estabelecimento, é necessário dispor de mais uma
instalação sanitária, como melhor consta da cópia da carta que nos foi
remetida. Acresce ainda que V. Exas. realizaram obras (benfeitorias)
diversas, mas a vistoria exige ainda as seguintes alterações (...).
Queremos alertá-lo para a necessidade de dar cumprimento ao auto
de vistoria, no prazo constante do auto de notificação, bem como para
o risco de lhe ser levantado um processo contra-ordenacional e
aplicada coima. Declinamos, naturalmente, qualquer
responsabilidade, não só pelo incumprimento do auto de vistoria,
como também pela aplicação de qualquer coima. Vamos dar
conhecimento à Câmara Municipal dos factos que acabamos de lhe
expor".
31. Aquando da assinatura do escrito referido em 2., os réus
afirmaram, perante os autores, que o local arrendado se encontrava
licenciado para o exercício da actividade de cafetaria e/ou snack-bar e
dispunha do correspondente alvará, bem como que seria apenas
necessário alterar, junto da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira,
o nome do anterior titular da respectiva licença e do alvará para o
nome dos réus.
32. Aquando do referido em 2. a 8., os réus disseram aos autores que
o estabelecimento comercial de café e snack-bar instalado no local
arrendado, tinha sido explorado por FF e que só podiam formalizar
com eles o acordo de trespasse uma vez findas as acções de despejo e
executiva instauradas contra a mesma, razão pela qual foram emitidas
as declarações referidas em 9. e 10. .
33. Nessa altura, os réus não haviam adquirido esse estabelecimento
comercial de que era proprietária a referida anterior arrendatária, o
que era do conhecimento dos autores.
A Resolução do Contrato de Arrendamento
Deram as instâncias por verificado o fundamento da rescisão do
contrato de arrendamento - falta de licença de utilização do
estabelecimento dele objecto - que imputaram aos RR.
É no artº 9º do RAU que se tipifica esta causa de resolução, exigindo-
se no seu nº1 que só podem ser objecto de arrendamento urbano os
edifícios ou as suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo
contrato seja atestado pela licença de utilização e, prescrevendo-se
nos seus nº5 e 6 que o arrendatário pode, nomeadamente, resolver o
contrato quando a falta dessa licença seja imputável ao senhorio.
Num primeiro momento, atenta a circunstância de o estabelecimento
em apreço se destinar ao “exercício da actividade comercial de
cafetaria e/ou snack bar”, discutiu-se se a licença de que depende a
validade do contrato é a especificamente prevista para aquele ramo de
actividade ou se, para tanto, bastará a licença que afecta ao comércio
a fracção onde tal estabelecimento está instalado.
Segundo as instâncias impor-se-ia a primeira alternativa, ou seja, o
sistema de licenciamento de serviços de restauração ou de bebidas,
objecto do DL 168/97 de 4.7 (sucessivamente, alterado, até então,
pelos DL 139/99, de 24.4, 222/2000, de 9.9 e 57/2002, de 11.3) cujo
artº14º, além de, nomeadamente, para efeito de funcionamento dos
estabelecimentos deste ramo, admitir a substituição do alvará de
licença ou autorização de utilização previsto no Regime Jurídico da
Urbanização e da Edificação (DL 555/99 de 16.129 e alterações
posteriores), pelo alvará de licença ou de autorização de utilização
para serviços de restauração ou de bebidas, instituído por aquele
diploma, manda aplicar aos contratos de arrendamento de tais
estabelecimentos, “com as necessárias adaptações”, o disposto no
referenciado artº9º do RAU.
Cumpre começar por dizer que presuntivo argumento retirado da
aludida substituição de alvarás, aqui, não é susceptível de reciclagem
pois não é abusivo concluir, face à data de sua aquisição (cfr nº1 da
matéria de facto) que a licença de utilização da fracção onde está
instalado o estabelecimento em disputa, seguramente que não esperou
pelo citado RJUE.
Acresce por outro lado que, ao mandar aplicar “com as necessárias
adaptações” o referido artº 9º do RAU, aquele artº 14º restringe-o aos
contratos de arrendamento relativos a imóveis ou fracções “onde se
pretenda instalar estabelecimentos de restauração ou de bebidas…”
e não a estabelecimentos instalados e já existentes, como no caso
desenhado nos autos – em funcionamento pelo menos, desde 1986 -
aos quais se aplicará o regime derivado das disposições finais e
transitórias do citado DL 168/99.
Não é este, portanto, o caso típico do licenciamento ex novo que foi
objecto deste diploma e, consequentemente, não se pode pretender
que, aqui, seja viável a aplicação do referido artº14º ou que a leitura
que se deva fazer do mencionado artº9º do RAU, obrigatoriamente,
identifique a licença de utilização nele referenciada com a licença de
utilização para serviços de restauração e bebidas nos moldes daquele
diploma.
Razões de ordenamento urbanístico e territorial fundamentaram o
condicionamento a que esta última disposição do RAU sujeitou o
contrato de arrendamento, vinculando os respectivos sujeitos à
afectação urbanística determinada nos instrumentos de gestão
territorial.
Na verdade, obrigatória a licença (municipal) de utilização das
edificações, desde 1951 (artº8º do conhecido RGEU, constante do DL
38382 de 7.08.1951), destina-se ela, segundo o disposto no artº62º, 1
e 2 do acima referido RJUE – Regime Jurídico da Urbanização e
Edificação que, actualmente, rege essa matéria – a verificar a
conformidade da obra concluída com o projecto aprovado no caso de
realização de obras e a conformidade de uso previsto com as normas
legais e regulamentares e a idoneidade do edifício ou sua fracção
autónoma para o fim pretendido quando não haja lugar à realização
de obras.
É licença desta natureza e alcance que “o artº9º do RAU… estendeu a
todas as variantes do arrendamento urbano, esclareceu que a aptidão
funcional do prédio atestada se há-de referir especificadamente ao
fim visado pelo arrendamento do prédio ou da fracção autónoma ou
da parte – não autónoma – dele…” (P. Lima e A. Varela, Código Civil
Anotado, II, 507, 4ª ed).
Com este âmbito e o fim visado pelo arrendamento definido no RAU
– cfr artº3 – afigura-se-nos, tal como foi entendido no Acórdão deste
Tribunal e secção, datado de 19.02.2008, Pº nº000000, transcrito na
base de dados da dgsi.pt que aquele dispositivo se cumpre com “a
licença de utilização para o exercício de uma actividade genérica” por
referência a um daqueles fins do contrato.
Licenciamento que, no caso vertente, legitimamente, se há-de
presumir da constituição de propriedade horizontal a que se subordina
a fracção “para comércio”, adquirida pelos RR, com registo a seu
favor, desde 1984 onde tem tido funcionamento o estabelecimento
comercial em apreço, sob o mesmo ramo de actividade, de natureza
comercial, com exploração a cargo de, pelo menos, mais dois
arrendatários que precederam os AA., como se deduz da factualidade
apurada.
Sendo bastante tal licença nos termos do supra citado artº9º do RAU
fica, desde logo, inviabilizada a causa de resolução contratual em
análise, mas outro tanto se alcançará, mesmo dando de barato que,
como concluíram as instâncias, a licença em falta é a que é,
especificamente, devida para o funcionamento de serviços de
restauração ou bebidas.
Não se explica no acórdão recorrido donde provém a obrigação de os
RR diligenciarem por licença desta espécie, se bem que a prova
inculque que foram eles que a requereram à entidade municipal. Não
o fizeram, todavia, por imposição da convenção contratual ou da lei
que a regula pois “o sinalagma que à obrigação (do arrendatário) do
pagamento das rendas corresponde é o da prestação (do senhorio) de
entregar e assegurar o gozo do locado e não o de obtenção da
licença”, como se acentuou no Acórdão deste Tribunal de
31.03.2004, Pº04 A639.
E se o fizeram apenas por espírito de entreajuda e colaboração na
realização do contrato não será justo que venham a ser penalizados
pela sua boa fé.
Intentou-se na 1ª instância estribar essa pretensa obrigação dos RR na
sua qualidade de proprietários da fracção arrendada pois apenas eles
“tinham legitimidade para requerer essa licença…, de acordo com o
projecto de obras que era necessário à celebração do contrato…”
O que no contrato de arrendamento se convencionou, porém, foi que
“o arrendatário (se) obriga a manter em funcionamento o
estabelecimento com a observância das leis e regulamentos em vigor,
suportando a expensas suas todas as sanções pela violação de tais
normativos", resultando do enunciado dos factos apurados e do
parecer da autoridade sanitária referenciado nos autos que, na
sequência do segundo pedido da licença “ em 18 de Abril de 2006 foi
efectuada vistoria ao local em causa, que concluiu no sentido de que
não reúne as condições para ser concedida a licença de utilização para
serviços de restauração e bebidas, enquanto não forem realizadas
obras…”, necessárias - pelo que se retira dos autos -, devido ao
aumento da área de exploração do restaurante.
Ora, assim como não é do senso comum que, sem convenção de
sentido contrário, seja o proprietário da fracção locada a requerer
licença específica que viabilize o funcionamento de estabelecimento
comercial alheio e que, obtida, integra o seu “activo”, do mesmo
modo não se alcança a razoabilidade de se lhe impor a realização de
obras de que aquela possa depender e que contendam, v.g. com o
cumprimento de exigências sanitárias derivadas da maior ou menor
área (como sucedeu no vertente caso) ou com a instalação de
equipamento, a decoração, etc. – cfr Acórdão deste Tribunal e secção,
de 13.12.2007, Pº nº07 A2766.
Licenças – escreveu-se no citado Acórdão deste Tribunal de
19.02.2008 que seguimos de perto -, “para o exercício de certo ramo
(que podem implicar a realização de obras internas, instalações de
água e electricidade próprias e definições de áreas de
compartimentos) cumprem ao arrendatário que pretende exercer a
actividade específica”.
Assim sendo, não podendo a sua falta ser imputada aos RR., não se
verifica, novamente, fundamento para resolver o contrato de
arrendamento em exame.

A Nulidade do Contrato de Trespasse


De acordo com o n° 2 do artigo 14° do referenciado DL 168/97,
qualquer contrato ou contrato-promessa de transmissão, sob qualquer
forma jurídica, de estabelecimentos de restauração ou de bebidas,
celebrado posteriormente a 12.3.02, deve obrigatoriamente
mencionar, sob pena de nulidade, a existência de alvará de licença ou
de autorização de utilização para serviços de restauração ou de
bebidas concedido ao abrigo de tal diploma ou a existência de alvará
ou autorização de abertura nos termos de legislação anterior ou,
ainda, a abertura dos estabelecimentos com base num deferimento
tácito do pedido de emissão do alvará.
Na sentença proferida na 1ª instância qualificou-se a declaração
negocial emitida como um contrato de trespasse, a formalizar
futuramente. Na Relação de Lisboa, por sua vez, essa questão da
qualificação do negócio celebrado seria redundante, em virtude de,
definitivo ou sob a forma de contrato promessa, não deixaria de ser
nulo nos termos daquele artº14º.
Entendem os apelantes que celebraram um "contrato-promessa de
trespasse", através do qual os RR pretendiam, no futuro (logo que
adquirissem a propriedade das mesmas), transmitir à A. as máquinas
e utensílios que integravam o recheio do estabelecimento.
Façamos a recensão dos factos apurados que interessam a esta
questão:
Por escrito datado de 21 de Janeiro de 2003, denominado "Contrato
de Arrendamento de Duração Limitada para o Exercício do
Comércio", subscrito por EE, na qualidade de procurador dos réus, e
pela autora, aquele declarou dar de arrendamento a esta, que declarou
aceitar, o rés-do-chão referido em 1., com destino ao exercício da
actividade comercial de cafetaria e/ou snack-bar, com exclusão de
qualquer outro ramo de actividade, pelo prazo de 10 anos, com início
em 1 de Janeiro de 2003 e termo em 1 de Janeiro de 2013,
sucessivamente renovável por períodos de 1 ano, mediante o
pagamento da renda anual de 9.000,00€, em duodécimos 750,00€,
devendo ser pagas duas rendas com a assinatura do contrato e
vencendo-se as subsequentes no dia 1 do mês anterior àquele a que
respeitarem, actualizadas anualmente nos termos legais.
E declararam que "a arrendatária poderá usar e fruir os bens
constantes da declaração anexa a este contrato.
Por escrito datado de 21 de Janeiro de 2003, denominado "Acordo de
Pagamento e Reconhecimento de Dívida", o mesmo procurador dos
réus, em sua representação, designado por "1º contraente" e a autora,
designada por "2ª contraente", declararam que, com referência ao
referido contrato de arrendamento, "a 2ª contraente pela exploração
da referida fracção obriga-se a pagar ao 1º contraente, até final do ano
de 2003, a quantia de 25.000 euros, para além do valor a pagar
mensalmente nos termos constantes do contrato de arrendamento",
que "para a situação de incumprimento, a título de cláusula penal, os
contraentes fixam o valor mensal de 500 euros, que a 2ª contraente se
obriga igualmente a pagar" e que "se até ao final do ano 2004, a
quantia referida (...) não se encontrar integralmente liquidada, a 2ª
contraente obriga-se a deixar o local arrendado tal como o encontrou
quando o tomou de arrendamento, renunciando a qualquer
indemnização".
Por escrito datado de 28 de Janeiro de 2003, denominado "Nota ao
Acordo de Pagamento e Reconhecimento (Divida) entre EE
(procurador de seus pais) e BB", os dois declararam que "no referido
Acordo na segunda cláusula está escrito «exploração da referida
fracção» mas é «Trespasse», conforme combinado com os dois
contraentes o Acordo será mesmo assim celebrado e devidamente
assinado, até resolução da acção contra antiga arrendatária FF que
correu termos sob o n° 00000 no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila
Franca de Xira, findo este processo judicial será celebrado Contrato
de Trespasse".
Por escrito datado de 28 de Janeiro de 2003, denominado
"Declaração", subscrito pelo mesmo procurador dos réus em sua
representação e pela autora, aquele declarou ter recebido desta a
quantia de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), "referente ao Trespasse
do Estabelecimento Comercial sito em Rua ........., n° ..- , Forte da
Casa, ficando em falta a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil
euros) que será liquidada no final do ano de 2003".
Em 8 de Fevereiro de 2003, os autores iniciaram o exercício da
referida actividade e a exploração do referido estabelecimento no
local arrendado e têm vindo a pagar aos réus a referida renda mensal
acordada, que era 2007 ascendia a €813,93 (oitocentos e treze euros e
noventa e três cêntimos).
Os réus disseram aos autores que o estabelecimento comercial de café
e snack-bar instalado no local arrendado, tinha sido explorado por FF
e que só podiam formalizar com eles o acordo de trespasse uma vez
findas as acções de despejo e executiva instauradas contra a mesma.
Nessa altura, os réus não haviam adquirido esse estabelecimento
comercial de que era proprietária a referida anterior arrendatária, o
que era do conhecimento dos autores.

A qualificação jurídica de um contrato depende, desde logo, da


interpretação da vontade dos contraentes, valendo as respectivas
declarações com o sentido que um declaratário normal, colocado na
posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do
declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele e
em caso de negócios formais, tais declarações não poderão valer com
sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do
documento, ainda que imperfeitamente expresso (artº236º,1 e 238º,1
do CC). Vontade que, ainda, se quer iluminada pelo exame e análise
de toda a actividade negocial dos contraentes, desde logo, no seu
contexto envolvente e no desenvolvimento das relações que o
contrato fixou.
Sob este critério e atenta a normalidade da experiência comum, o
enfoque dos diversos escritos subscritos pelas partes contratantes bem
como os demais factos que integram a matéria apurada e corporizam
a relação contratual estabelecida, conferem ao “trespasse”, amplitude
bem diversa da que vem proposta pelos Recorrentes.
Na verdade, elementos como o montante do preço acordado, a
tradição da coisa, o início, de imediato, da exploração e, afinal, todo o
imbróglio relativo ao licenciamento do estabelecimento, claramente,
não restringem as negociações das partes envolvidas aos bens móveis
que, parcialmente, haviam de integrar o recheio e equipamento do
dito estabelecimento. Antes inculcam, compaginando-os com os
documentos escritos a ele relativos (se bem que de forma sumária e
telegráfica) que era este, como unidade económica e jurídica, o alvo
do aludido trespasse.
Com este, porém, não se pretenderam vincular, desde logo e de forma
definitiva, as partes contratantes que, conforme resulta do quadro
factual e dos documentos escritos, remeteram para momento posterior
– o termo da relação jurídica dos RR com a anterior proprietária – a
formalização de tal trespasse, dependente, desde logo, da aquisição
por estes, da propriedade do estabelecimento comercial em apreço
como realidade complexa e unitária que se não fica pelo recheio a
que se aludiu.
Portanto, passe embora a traditio, mesmo que parcial do
estabelecimento, o pagamento integral do preço acordado e a sua
expressão monetária, a sua entrada em funcionamento sob a batuta e
responsabilidade dos AA, o quadro contratual caracterizado remete
para a promessa da compra e venda que, dada a especificidade do seu
objecto, se identifica com a promessa de trespasse de estabelecimento
comercial.
Promessa de transmissão de coisa alheia, sem dúvida, pois como
ressalta dos factos apurados, os RR. à data ainda não haviam
adquirido a sua propriedade à respectiva titular nem a perspectivaram
como sendo de bem futuro.
Esta circunstância, porém, se condiciona no imediato a sua
transmissão definitiva, não invalida a promessa de a concretizar num
futuro contrato, dados os efeitos meramente obrigacionais que lhe são
próprios.
Tem impacto esta qualificação sobre a nulidade do contrato que foi
arguida por nele se não fazer menção da existência do licenciamento
do estabelecimento.
Na versão do nº2 do artº115º do RAU, então em vigor, o trespasse do
estabelecimento engloba a transferência da titularidade do mesmo
como universalidade, abrangendo além das instalações, os utensílios,
mercadorias e outros elementos que o integrem. O seu conjunto é
qualificado como uma universalidade de direito, integrando
elementos corpóreos e incorpóreos, como sejam bens móveis e
imóveis, o direito ao arrendamento, ao uso de nome, marcas e
patentes, aviamento, clientela, etc., formando um complexo
organizado “que compreenda todos os elementos necessários para
funcionar e que, além disso, opere em termos comerciais” ( Menezes
Cordeiro, Manual de Direito Comercial, 297, 2ª ed).
O alvará ou licença de utilização, obrigatória para os
estabelecimentos comerciais da área da restauração ou bebidas,
materializa grosso modo uma autorização administrativa que faculta a
sua exploração e a sua própria transmissão jurídica e integrará, por
isso, um daqueles “elementos necessários” ao seu funcionamento.
Os elementos, nomeadamente, de natureza probatória, à disposição
nos autos, não excluem, como já se referiu que o estabelecimento
comercial objecto do litígio não se mostrasse licenciado para o fim ou
actividade que é a sua no presente se bem que, porventura, ao abrigo
do regime legal que precedeu o já várias vezes citado DL 168/97.
Indício neste sentido parece resultar da alusão que se lhe faz em
escritura pública de arrendamento junta ao processo assim como do
procedimento simplificado que foi seguido na obtenção do
licenciamento que não foi alcançado.
De todo o modo, inquestionável é não só a inexistência de
licenciamento que siga os termos e exigências naquele diploma mas
também a falta de sua menção no contrato promessa de trespasse que
recaiu sobre o estabelecimento a ele obrigado.
Sucede que o contrato promessa atrás aludido não implica a
transferência da propriedade do estabelecimento, apenas obriga à
futura celebração do contrato definitivo em que essa transmissão terá
lugar e esta circunstância, decerto que obriga o promitente vendedor a
prevenir-se contra o incumprimento, adquirindo, entretanto, a sua
propriedade.
Sem esta aquisição e até que ela venha a ocorrer o mesmo promitente
vendedor não é, porém, titular do dito estabelecimento e, como tal,
não tem a faculdade de aceder e de obter o licenciamento tido por
necessário ao seu funcionamento nos termos do citado diploma. E o
mesmo sucede com o promitente-comprador que aguarda que se
consuma o contrato definitivo.
O imbróglio resultante só pode solucionar-se, aceitando que a referida
promessa foi celebrada e a obrigação dela resultante assumida para o
caso de se tornar possível a aquisição do estabelecimento com “todos
os elementos necessários”( entre eles a licença de utilização) ao seu
funcionamento o que não pode deixar de (tacitamente) se mostrar
subjacente à manifestação de vontade das partes no contrato.
Válido, pois, o contrato, segundo o que se dispõe no artº401º,2 do
CC, a impossibilidade legal (artº 280º do mesmo Código) verificada
no momento da constituição da aludida obrigação, não acarretará a
nulidade da promessa enquanto se não verificar a mencionada
aquisição ou o seu definitivo incumprimento.
Com estes fundamentos se concede a revista.

Termos em que, na procedência do recurso, revoga-se o acórdão


recorrido e julga-se improcedente a acção, absolvendo os RR dos
respectivos pedidos.
Custas na acção e no recurso, a cargo dos AA.

Lisboa, 6 de Julho de 2011

Martins de Sousa (Relator)


Sebastião Póvoas
Gabriel Catarino

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