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Suicídio na adolescência:
fatores de risco, depressão e gênero
Abstract. This paper discusses adolescent suicide risk factors as well as epi-
demiologic characteristics of adolescents who attempt or commit suicide
from a developmental perspective. Through a non-systematic review of lit-
erature from national and international studies about the subject, some risk
factors to adolescent suicide behavior were identified such as mental illness-
es, alcohol/drug use, exposure to violence, family conflicts, family history
of suicide and stressful experiences. Furthermore, gender differences were
observed: suicide attempts are more common among girls, but suicide rates
are higher among boys because they use more aggressive means in their
attempts. Among the major risk factors, depression stands out as having a
key role in the development of thoughts and behaviors of death. Knowing
suicide behavior dynamics can be a relevant step for planning prevention
program.
classe média e alta busquem ajuda em consul- mente a depressão, bem como daquelas que
tórios ou clínicas particulares em vez de hos- abusam de substâncias, o aperfeiçoamento do
pitais e/ou postos de saúde, o que dificultaria acesso aos serviços sociais e de saúde são es-
a notificação de casos de suicídio em adoles- tratégias efetivas para a prevenção.
centes desses níveis socioeconômicos (Avanci Nesse sentido, considerando que o suicídio
et al., 2005). Fatos dessa natureza demonstram é reconhecidamente um problema de saúde
a dificuldade das pessoas, de maneira geral, pública mundial (WHO, 2010) e que a ado-
em lidar com um assunto tão complexo quanto lescência tem sido considerada um período
o suicídio. Isso pode ser explicado, em parte, vulnerável a este comportamento (Barros et
devido ao suicídio ser um tema permeado por al., 2006; Kokkevi et al., 2010; Puentes-Rosas et
mitos, tabus e preconceitos de diversas nature- al., 2004), o presente artigo investigou, a par-
zas, principalmente as que se referem à moral tir da literatura nacional e internacional sobre
e à religião (Dutra, 2002). o tema, aspectos relacionados ao suicídio na
Durkheim (1982 [1897]), sociólogo francês adolescência, buscando identificar fatores de
e autor do mais conhecido trabalho sociológi- risco e características epidemiológicas de jo-
co sobre o suicídio, compreendeu o fenômeno vens que tentam ou cometem o suicídio, com
como social e culpou a ‘fragilidade moral’ da foco na questões de gênero e depressão.
então sociedade contemporânea como a raiz
de todos os males sociais, incluindo o suicídio. Suicídio na adolescência
A morte voluntária é definida pela psiquiatria
como um fenômeno individual, enquanto que O suicídio refere-se ao desejo consciente de
as ciências sociais o descrevem como um com- morrer e à noção clara do que o ato executado
portamento coletivo (Meneghel et al., 2004). pode gerar (Araújo et al., 2010). O comporta-
Apesar de algumas divergências, é consenso mento suicida pode ser dividido em três cate-
que este é um fenômeno multideterminado, gorias: ideação suicida (pensamentos, ideias,
que está presente em todas as faixas etárias, planejamento e desejo de se matar), tentativa
culturais e sociais e constitui-se em um tema de suicídio e suicídio consumado. A ideação
de grande complexidade, o que dificulta que suicida é um importante preditor de risco
os pesquisadores estabeleçam uma relação para o suicídio, sendo considerada o primei-
causal entre o ato (suicídio consumado) e um ro “passo” para sua efetivação (Werlang et al.,
motivo causador (Dutra, 2002). Além disso, 2005). Assim, a decisão de cometer suicídio
diferentes pessoas podem ter motivações dis- não ocorre de maneira rápida, sendo que com
tintas e finalidades diversas para o ato suicida frequência o indivíduo que comete o suicídio
(Baptista, 2004). Considerando que muitos in- manifestou anteriormente alguma advertência
divíduos em risco de suicídio não são identifi- ou sinal com relação à ideia de atentar contra
cados ou, muitas vezes, a identificação ocorre a própria vida. Da mesma forma, a literatura
tardiamente, esforços têm sido feitos com o in- aponta que existe uma grande probabilidade
tuito de identificar e manejar fatores de risco a de, após uma primeira tentativa de suicídio,
esse comportamento (Borges e Werlang, 2006). outras virem a surgir, até que uma possa ser
A análise dos estudos mais recentes amplia fatal (Borges et al., 2008; Dutra, 2002; Espino-
o entendimento acerca dos fatores que predis- za-Gomez et al., 2010). Portanto, a trajetória
põem ao comportamento suicida, indicando estabelecida entre a ideação suicida, tentativas
que, para que se possa atuar de maneira pre- e concretização da morte pode oferecer um
ventiva diante dos comportamentos suicidas, é tempo propício para a intervenção (Krüger e
preciso estar ciente e alerta para os diversos fa- Werlang, 2010).
tores de risco e de proteção (Borges et al., 2008). No continente americano, pesquisas têm
É importante considerar os aspectos geográfi- indicado que os habitantes de zonas urbanas
cos e culturais que muitas vezes relacionam-se e os jovens de 15 a 24 anos são os grupos po-
com as tentativas de suicídio, com o intuito de pulacionais de maior risco de suicídio (Toro et
desenvolver explicações multifacetadas sobre al., 2009). Países como Finlândia e Canadá têm
as principais causas do fenômeno em questão sido identificados como possuidores de altas
(Baptista, 2004). De acordo com a Organização taxas de suicídio adolescente. Na Argentina,
Mundial da Saúde (WHO, 2010), a restrição ao as taxas de suicídio entre adolescentes de 10 a
acesso aos meios de cometer suicídio, a identi- 14 anos e de 15 a 19 anos são, respectivamente,
ficação e o tratamento precoce de pessoas que de 2,52 e 5,90 a cada cem mil habitantes. Já na
sofrem de transtornos psicológicos, especial- Colômbia, no ano de 2006, foram registradas
taxas de 12 por cem mil homens de 18 a 24 anos Baptista, 2004; Freitas e Botega, 2002; Kokke-
e 4 por cem mil em mulheres de 15 a 17 anos vi et al., 2010) de que a presença de sintomas
(Toro et al., 2009). No México, uma investiga- depressivos - como sentimentos de tristeza,
ção buscou descrever as mortalidades por sui- desesperança, humor depressão, falta de moti-
cídio no período de 1990 a 2001. Foi verificado vação, diminuição do interesse ou prazer, per-
que, no ano de 2001, foram registrados 3784 da ou ganho significativo de peso, problemas
suicídios, sendo 3110 homens e 674 mulheres. de sono, capacidade diminuída de pensar ou
O maior aumento no número de casos de sui- concentrar-se, dentre outros - é um importante
cídio por grupo etário foi observado nas ado- fator de risco para o suicídio e de que a ado-
lescentes do sexo feminino de 11 a 19 anos (de lescência é considerada um período propício
0,8 por cem mil habitantes em 1990 para 2,27 tanto para a ideação quanto para as tentativas
em 2001). Nesse grupo, o suicídio constitui-se de suicídio, principalmente quando associada
na segunda causa de morte, somente inferior à à depressão (Araújo et al., 2010).
mortalidade por acidentes de trânsito. No gru- Dutra (2002) considera que a solidão é um
po dos homens, o maior aumento observado sentimento muito comum em adolescentes
também foi em adolescentes entre 11 a 19 anos que tentam o suicídio. Tais jovens relatam
(de 2,6 por cem mil habitantes em 1990 para sentir falta de ter amigos e reclamam não ter
4,5 em 2001). Os pesquisadores concluíram ninguém para dividir experiências e triste-
que houve um aumento acelerado de casos de zas, apresentando maior probabilidade de
suicídio, principalmente em homens e mulhe- desenvolver problemas emocionais, compor-
res jovens (Puentes-Rosas et al., 2004). tamentais e afetivos. Prieto e Tavares (2005)
Arnautovska e Grad (2010) investigaram constataram que a falta de convivência com
as atitudes de 423 adolescentes Eslovênios de os pares durante a infância ou a adolescência
18 anos de idade com relação ao suicídio. Foi pode constituir-se como fator de risco ao sui-
verificado que os adolescentes que relataram a cídio, pois as trocas afetivas com pares, nesta
experiência de qualquer tipo de comportamen- fase do desenvolvimento, reduzem o impacto
to suicida tiveram significativamente mais ati- das experiências adversas. Nesse sentido, Ri-
tudes permissivas com relação ao suicídio do vers e Noret (2010) investigaram as implica-
que aqueles sem tais experiências. A permissi- ções da exposição ao bullying nos pensamen-
vidade com relação ao suicídio se relacionou tos suicidas de cerca de 2000 adolescentes
positivamente com a ideação suicida, tentati- ingleses que desempenhavam diferentes pa-
vas de suicídio e com a maioria dos fatores de péis sociais no bullying (agressores, vítimas
risco ao suicídio. As atitudes permissivas dos ou testemunhas). Os resultados indicaram
adolescentes com relação ao suicídio diferiram que a maioria dos adolescentes do estudo já
por tipo de família e por gênero, sendo que havia se envolvido em episódios de bullying
adolescentes com pais divorciados tiveram as na escola seja como agressores, vítimas, tes-
atitudes mais permissivas com relação ao sui- temunhas ou uma combinação destes três pa-
cídio e aqueles com uma experiência de morte péis sociais. Entretanto, aqueles adolescentes
na família tiveram as atitudes mais negativas. com múltiplos papéis sociais estiveram signi-
Por fim, foi verificado que as meninas tiveram ficativamente mais propensos a pensamentos
atitudes mais permissivas com relação ao sui- suicidas. Poucos estudos investigaram espe-
cídio do que os meninos. cificamente a influência dos amigos nas ten-
Baggio et al. (2009) investigaram a preva- tativas de suicídio, mas muitos estudos têm
lência de planejamento suicida e fatores as- demonstrado que as relações interpessoais
sociados em adolescentes escolares da região entre pares influenciam significativamente o
metropolitana de Porto Alegre. Foi encontrada desenvolvimento social de crianças e adoles-
uma prevalência de 6,3% de planejamento sui- centes, incluindo o desenvolvimento de habi-
cida entre esses adolescentes, com taxas maio- lidades sociais, afetivas e cognitivas (Daudt
res de planejamento entre as meninas. Com et al., 2007). Entende-se que as experiências
relação aos fatores associados ao planejamen- vividas no grupo de pares podem ser mui-
to, os adolescentes que relataram sentimentos to significativas e influenciar as característi-
de solidão e tristeza apresentaram prevalên- cas individuais dos adolescentes, incluindo
cia mais alta de planejamento suicida do que comportamentos, temperamentos, cognições
adolescentes sem esses sentimentos. Os pes- e habilidades para resolução de problemas,
quisadores reforçam, assim, a ideia já susten- além de influenciar na sua autoestima e ame-
tada por outros autores (Bahls e Bahls, 2002; nizar o impacto de eventos estressores, cons-
resolução de problemas que o uso desta subs- frequência da exposição à violência em adoles-
tância provoca. centes com 15 anos ou menos, enquanto que,
Prieto e Tavares (2005), em revisão de li- para os adolescentes mais velhos, a exposição
teratura sobre fatores de risco ao suicídio, à violência associou-se com outras variáveis,
verificaram a presença de várias experiências como o desenvolvimento de comportamentos
adversas ou estressoras durante o desenvol- violentos ou antissociais.
vimento de indivíduos que tentam o suicí- Kokkevi et al. (2010) examinaram fatores
dio, dentre elas: situações de violência física, psicossociais relacionados às tentativas de
sexual, negligência e rejeição na infância e na suicídio em adolescentes de 14 a 18 anos na
adolescência. Também foi constatada a presen- Grécia. Os resultados mostraram que alguns
ça de mudanças frequentes nas condições de aspectos constituíram-se como fatores psicos-
vida destes indivíduos, como, por exemplo, o sociais de risco estatisticamente significativos
divórcio dos pais e a perda de pessoas signifi- para as tentativas de suicídio dos adolescentes:
cativas. Além disso, os pesquisadores identifi- gênero feminino, hábito de fumar diariamen-
caram alguns indicadores clínicos que atuam te, uso ilegal de drogas, consumo frequente de
como preditores de suicídio, dentre eles: a his- álcool, insatisfação com o relacionamento esta-
tória pregressa de tentativas de suicídio, grau belecido com os pais, baixa autoestima e altos
de intenção suicida, tipo de método escolhido indicadores de depressão e comportamentos
e acessibilidade a este, a presença de arma de antissociais. Foi possível verificar a influência
fogo no ambiente familiar, ausência de supor- do gênero, do uso de drogas ilícitas e da baixa
te social, depressão e histórico familiar de sui- autoestima sobre as tentativas de suicídio. Os
cídio. Por fim, os pesquisadores encontraram adolescentes que não estavam vivendo com
evidências de que o suicídio ocorre, em geral, ambos os pais também apresentaram maior
pouco tempo depois da decisão de tirar a pró- risco. Os autores concluíram que o principal
pria vida, o que demonstra o elevado nível de fator protetivo contra as tentativas de suicí-
impulsividade dos indivíduos que consumam dio foi a satisfação com o relacionamento com
o ato (Prieto e Tavares, 2005). os pais e altos níveis de autoestima. Assim, é
Espinoza-Gomez et al. (2010) investigaram possível verificar que, ainda que o conceito de
a associação entre conduta suicida e violência família tenha se pluralizado nas últimas déca-
física, verbal e sexual no âmbito doméstico em das (Schenker e Minayo, 2003) e que as confi-
5.484 adolescentes universitários mexicanos. gurações familiares atualmente sejam muitas
Os resultados mostraram que 15,8% dos ado- (famílias nucleares, monoparentais, reconsti-
lescentes que participaram do estudo referi- tuídas, etc.), a importância dessa instituição
ram ideação suicida e 7,3% referiram tentativa para o desenvolvimento adequado de seus
de suicídio, com uma frequência mais elevada membros tem persistido (Krüger e Werlang,
entre as meninas. Da mesma forma, elas refe- 2010) e o vínculo emocional entre os membros
riram exposições à violência física, verbal e se- de uma família (seja ela nuclear ou não) conti-
xual significativamente maiores do que os me- nua tendo a função de proteção inclusive para
ninos. O estudo verificou uma forte associação o comportamento suicida. Embora a maioria
entre violência doméstica em todas as suas for- dos estudos atuais sobre famílias defendam a
mas de manifestação e conduta suicida. Dessa ideia de que a configuração da família não é
forma, compreende-se que a exposição à vio- o que determina o desenvolvimento adequa-
lência doméstica, além de desencadear diver- do de seus membros e sim a sua dinâmica e a
sos sintomas físicos, psicológicos e sociais (Sá qualidade do vínculo familiar, vários estudos
et al., 2009), pode contribuir também de forma mostraram que adolescentes oriundos de famí-
significativa para o desenvolvimento de con- lias nucleares apresentaram menor incidência
duta suicida na adolescência, constituindo-se de tentativa de suicídio do que adolescentes
em importante fator de risco. No estudo de oriundos de famílias de pais divorciados ou
Dieserud et al. (2010), que investigou fatores de famílias nas quais um membro importante
associados à tentativa de suicídio em adoles- já havia falecido (Arnautovska e Grad, 2010;
centes de 13 a 19 anos, foi observado que, tan- Ficher e Vansan, 2008; Werlang et al., 2005).
to para os meninos como para as meninas, os Também foi verificado que o adequado supor-
conflitos relacionais na família foram os prin- te social e familiar ao indivíduo que pensa em
cipais motivos que desencadearam tentativas se matar é de vital importância na prevenção
de suicídio. Para Benda e Corwyn (2002), o sui- dos pensamentos e do comportamento suici-
cídio esteve positivamente relacionado com a da. Compreende-se, dessa forma, que o supor-
te familiar durante a adolescência pode servir te e à finitude da vida. Nessas culturas, é práti-
como amortecedor para os eventos estressores ca de muitos pais afastar os filhos de questões
de vida, constituindo-se em importante fator relacionadas à morte, disfarçando o óbito de
de proteção ao suicídio. animais de estimação para crianças e evitando
Um estudo nacional investigou, dentre levá-las a cerimoniais de óbitos. Essas atitu-
outros aspectos, os motivos que originaram des dos pais para com seus filhos aumentam
tentativas de suicídio em 12 adolescentes aten- a dificuldade dos mesmos de conversar sobre
didos em um hospital de emergência na cida- o assunto. Os pesquisadores entendem que a
de de Fortaleza, Ceará (Vieira et al., 2009). A proximidade com assuntos tabus melhoraria
principal razão apontada pelos jovens como a clareza da criança sobre o assunto e a com-
causa do suicídio foi o “amor não correspon- preensão sobre esse tema tão controvertido
dido”, seja esse amor no sentido de namoro (Baptista et al., 2004).
como também no sentido dos relacionamentos
familiares com pais pautados pela fragilidade Características epidemiológicas:
dos vínculos afetivos. Assim, as pesquisadoras diferenças de gênero e depressão
destacam a importância da família enquan-
to estabelecedora das primeiras relações de Os estudos que investigam as característi-
afeto e de rede social. O sofrimento psíquico cas epidemiológicas das pessoas que tentam
foi apontado como um fator de forte influ- ou cometem suicídio têm destacado a impor-
ência para que o adolescente buscasse a ten- tância da associação desse ato com as variáveis
tativa de suicídio como um meio para resol- gênero e depressão. Quanto ao gênero, Dutra
ver seus problemas e conflitos. Nesse estudo, (2002) aponta que, em diferentes culturas, as
nível socioeconômico e nível de escolaridade características de pessoas que cometem suicí-
baixos constituíram-se como fatores que in- dio são semelhantes, dentre as quais podem
fluenciaram nas tentativas de suicídio. Outro ser destacadas: indivíduos do sexo masculino,
aspecto investigado foi com relação às reações adultos e solteiros, verificando-se que poucos
das pessoas frente à tentativa de suicídio do países diferem-se desse padrão, dentre eles
adolescente. De acordo com as pesquisado- Índia e China, onde as ocorrências de morte
ras, quando um adolescente obtém insucesso voluntária predominam no sexo feminino. Em
na tentativa de suicídio, na maioria das vezes, contrapartida, as tentativas de suicídio são epi-
depara-se com a indignação, o estranhamento demiologicamente diferentes do suicídio con-
e a incompreensão não apenas por parte dos sumado não apenas no Brasil, mas também em
amigos e familiares, como também por parte muitos outros países, sendo que, de maneira
dos serviços de emergência que, muitas vezes, geral, as mulheres cometem maior número
não promovem um ambiente de escuta e aco- de tentativas (Abasse et al., 2009; Kinyanda
lhimento a esses jovens (Vieira et al., 2009). et al., 2011; Toro et al., 2009). O maior número
Para Dutra (2002), devido a tabus e pre- de tentativas entre adolescentes do sexo femi-
conceitos, muitos dos profissionais da área da nino pode estar relacionado ao maior índice
saúde podem sentir-se despreparados para de depressão desse grupo, já que a literatura
lidar com tentativas de suicídio, não apenas aponta que a depressão desempenha um im-
devido à falta de treinamento técnico, mas portante papel no comportamento suicida
também pelo fato de a tentativa de suicídio, (Bahls e Bahls, 2002). As mulheres que tentam
provavelmente, acionar sentimentos, crenças e o suicídio comumente são jovens e solteiras e
valores pessoais que os deixem receosos e con- as tentativas geralmente ocorrem por meio da
fusos, sem saber como agir junto ao jovem que ingestão excessiva de medicamentos ou vene-
tentou o suicídio. Nesse sentido, é importante, nos (Baptista, 2004; Dutra, 2002).
além de instrumentalizar teoricamente esses De acordo com Meneghel et al. (2004), al-
profissionais para a intervenção nesses casos, guns fatores protetores têm sido relacionados
fornecer-lhes também espaços de discussão à menor ocorrência do suicídio consumado
sobre esse assunto tabu, a fim de aumentar entre as mulheres, destacando-se a baixa pre-
a clareza sobre o tema, o que talvez diminui- valência de alcoolismo, religiosidade e/ou es-
ria receios ou crenças errôneas que giram em piritualidade e atitudes flexíveis em relação às
torno dessas questões. Baptista et al. (2004) aptidões sociais e ao desempenho de papéis
sustentam que a questão se torna ainda mais durante a vida. Soma-se a isso o fato de as mu-
difícil de lidar devido à cultura, em países oci- lheres, em geral, identificarem precocemente
dentais, de evitar assuntos relacionados à mor- sinais de risco para depressão ou outras doen-
ças mentais, estarem mais propensas a buscar todos violentos”, a literatura demonstra que
ajuda em momentos de crise e terem uma rede os meninos utilizam-se de meios mais agres-
de apoio social e afetivo mais ampla do que os sivos para tentar o suicídio, o que explica, na
homens. Por outro lado, os papéis atribuídos à cultura ocidental, uma maior mortalidade do
masculinidade envolvem aspectos que podem sexo masculino por suicídio (Marín-Leon e
predispor os homens a comportamentos sui- Barros, 2003). Assim, estratégias como enfor-
cidas. Tais aspectos podem incluir a competi- camento, pular de locais altos, uso de arma de
tividade, a impulsividade e o maior acesso a fogo ou armas brancas, dentre outros, são mais
tecnologias letais e armas de fogo. Além disso, facilmente verificados em meninos do que em
os homens são mais sensíveis a aspectos rela- meninas. Aspectos culturais e sociais devem
cionados ao trabalho, ao desemprego e ao em- ser considerados nessas diferenças de gênero,
pobrecimento (Meneghel et al., 2004). pois meninos e meninas são socializados de
No estudo de Werlang et al. (2005), foram maneira diferente e a sociedade é mais permis-
investigados fatores de risco associados à ide- siva com meninos do que com meninas para o
ação suicida em adolescentes portoalegrenses uso de comportamentos mais agressivos. Das
com idades entre 15 e 19 anos, bem como fato- meninas, é socialmente esperado que sejam
res protetores. Os resultados revelaram que a mais delicadas, contidas e menos agressivas
maioria dos adolescentes com ideação suicida que os meninos. Assim, é possível pensar que
eram mulheres. Esse dado corrobora com a li- a diferença na forma com que meninos e meni-
teratura sobre suicídio, que indica que as mu- nas são educados e socializados influencia na
lheres estão, de maneira geral, mais propensas escolha de métodos suicidas mais agressivos
à ideação suicida e os homens ao suicídio con- (e por consequência mais efetivos) por parte
sumado (Abasse et al., 2009). Também foi veri- dos adolescentes do sexo masculino.
ficado que dos 18 adolescentes da amostra que Ficher e Vansan (2008) investigaram aspec-
já haviam perdido um dos pais, 11 apresenta- tos epidemiológicos de adolescentes e jovens
ram ideação suicida. Além disso, as variáveis com idades entre 10 e 24 anos atendidos em um
depressão e conhecer uma pessoa que já ten- setor de urgência de um hospital psiquiátrico
tou ou cometeu o suicídio foram as variáveis na cidade de Ribeirão Preto (SP) após tentativa
que mais se relacionaram com a ideação suici- de suicídio e abuso de substâncias psicoativas
da. As autoras concluíram, assim, que adoles- durante o período de 1988 a? 2004. No perío-
centes que possuíam indicadores de depressão do investigado, foram atendidos 1377 casos de
e que tinham um amigo que tentou o suicídio tentativas de suicídio de adolescentes na faixa
podem desenvolver ideação suicida mais fa- etária investigada, sendo 75 do sexo feminino
cilmente do que outros adolescentes (Werlang e 25 do sexo masculino, o que estabelece uma
et al., 2005). relação aproximada de três para um. Os resul-
O estudo de Avanci et al. (2005) investigou tados apontaram uma correlação positiva en-
o perfil epidemiológico de adolescentes de tre o número de casos atendidos por tentativa
10 a 19 anos, admitidos em uma unidade de de suicídio e o número de casos atendidos de-
emergência da cidade de Ribeirão Preto (SP) vido ao abuso de substâncias psicoativas para
devido à tentativa de suicídio durante o ano ambos os sexos. A distribuição das tentativas
de 2002. A maioria dos 72 adolescentes atendi- de suicídio por idade apontou uma proporção
dos pertencia ao sexo feminino, possuía idades mais elevada de casos (43,5%) em adolescentes
entre 15 e 19 anos, era solteira e proveniente de com idades entre 15 e 19 anos. O estudo veri-
bairros onde predominava um nível socioeco- ficou ainda que a maioria dos meninos aten-
nômico baixo. Foram observadas diferenças didos por tentativa de suicídio encontrava-se
com relação ao gênero, sendo que as tentativas na faixa etária de 20 a 24 anos; já as meninas
em adolescentes do sexo feminino ocorreram, encontravam-se na faixa etária dos 15 aos 19
na maioria dos casos, por meio do uso de me- anos. Foram estabelecidos diagnósticos psi-
dicamentos (psicotrópicos e neurolépticos), quiátricos para 692 casos de adolescentes com
seguido de substâncias químicas e métodos tentativa de suicídio. Por fim, o estudo verifi-
violentos. Em contrapartida, os métodos vio- cou que as histórias clínicas dos adolescentes
lentos foram os mais utilizados pelos adoles- mostraram que a maioria era proveniente de
centes do sexo masculino, seguidos de medi- famílias de pais separados e a tentativa havia
camentos e substâncias químicas. Embora o ocorrido com mais frequência após discussão
referido estudo não tenha descrito quais foram com pessoas significativas do núcleo familiar.
as estratégias que se configuraram como “mé- Além disso, o método mais utilizado pelos
vida fazem com que este transtorno seja um cetada, buscando uma maior compreensão de
dos principais fatores de risco ao suicídio. Nes- sua dinâmica e que possibilitem a proposição
se sentido, destaca-se a necessidade de que os de estratégias de prevenção e intervenção jun-
profissionais da área da saúde sejam capacita- to a essa população. As equipes de profissio-
dos para a identificação e o manejo de sintomas nais que trabalham com adolescentes, seja no
depressivos, além de conhecer a dinâmica do âmbito da escola ou de serviços de saúde, pre-
suicídio e as características de gênero envolvi- cisam estar capacitadas para o trabalho com
das nesse comportamento. Salienta-se também essa faixa etária. A questão do suicídio na ado-
a importância do aprimoramento e do avanço lescência deve ser combatida, evitando-se que
nos estudos sobre os medicamentos antidepres- mais jovens recorram à morte voluntária como
sivos específicos para essa faixa etária, já que a forma de enfrentamento de dificuldades en-
maior disponibilidade desses medicamentos contradas ao longo de seu desenvolvimento.
em serviços de saúde poderia auxiliar na redu-
ção dos casos de suicídio em adolescentes. Referências
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