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Execução da pena depois do 2º grau.


A sociedade ficará desprotegida se o STF mudar sua posição
(seguindo Celso de Mello)?
Luiz Flávio Gomes

Publicado em 07/2016.
Elaborado em
07/2016.

Celso de Mello, em 1/7/16 (HC 135.100), decidiu que o réu não pode cumprir imediatamente a pena depois do 2º grau, porque ele continua presumido inocente.
Vejamos as implicações desse entendimento.

Em fevereiro/16 o STF decidiu (por 7 votos contra 4 – HC 126.292), em linha com o clamor da população, que a pena pode (deveria) ser executada
imediatamente após a decisão de segundo grau (que seria suficiente para derrubar a presunção de inocência).

Adotou-se nesse julgamento a posição defendida pelo juiz Moro. Foi uma reação do STF contra a criminalidade dos poderosos (da kleptocracia – que vem de
“kleptos” = ladrão), que contam com dinheiro para esgotar todos os recursos legais (com a expectativa de uma prescrição).

Celso de Mello, em 1/7/16 (HC 135.100), decidiu que o réu não pode cumprir imediatamente a pena depois do 2º grau, porque ele continua presumido inocente.
Ele já tinha dito isso no julgamento de fev/16 (foi um dos 4 votos contrários à maioria).

Mais: como o julgamento de fevereiro ocorreu em um habeas corpus, os ministros vencidos (assim como os juízes do país) não têm obrigação de seguir o
entendimento da maioria.

De qualquer modo, não há o mínimo indício de que os sete ministros que formaram a maioria mudem suas posições. A chance de mudança do julgamento de
fev/16 é praticamente zero, apesar das divergências.

A decisão de Celso de Mello, no assunto (em 1/7/16), era muito previsível e pode até se repetir, enquanto o STF não decida o tema em uma ação que todos
tenham que seguir obrigatoriamente (isso deve ocorrer em breve).

Por que gerou tanta repercussão na mídia e nas redes sociais essa decisão divergente? Vejamos:

Com frequência, há uma brutal divergência entre o que está escrito nas leis brasileiras (incluindo a Constituição) e o pensamento uniformizador do populismo
que quer não apenas a punição do violador da lei, senão também a homogeneidade do povo, da sociedade e das decisões.

O pensamento homogêneo odeia divergências, pluralidades, heterogeneidades. Ele quer coesão, unanimidade, uniformidade. Não é sua preocupação, em regra,
o respeito aos direitos individuais, aos direitos liberais, aos direitos do Iluminismo escritos na Constituição.

A Constituição às vezes escreve algo de uma maneira e o pensamento coletivo (provavelmente majoritário) pensa de outro. A Constituição fala em direitos
individuais (aqueles mesmos defendidos pela burguesia ascendente quando assumiu o poder em 1789), enquanto o pensamento coletivo quer saber da saúde e
do bem-estar da população como um todo, o que não pode ser ameaçado pelos inimigos criminosos (incluindo-se, agora, nesse rol, os poderosos kleptocratas
que estão indo para a cadeia massivamente, com amplo apoio da população – 85% está apoiando a Lava Jato, que se tornou “patrimônio nacional”).

A Constituição ficou velha? Ou o pensamento hoje nitidamente predominante já não concorda com seus termos?

São duas visões de mundo (e a segunda já é amplamente majoritária). Uma é iluminista (segue a rebeldia da burguesia francesa que em nome do progresso
derrubou a monarquia absolutista no final do século XVIII). A majoritária não quer saber nada de burguesia nem de Iluminismo, quer a proteção da sociedade.

Essa é, desde a década de 80, a grande divergência nacional (veja meus livros Populismo midiático e Populismo legislativo). A maioria da população, em várias
áreas, acha que a Constituição caducou. Aliás, muitas vezes, até o STF pensa assim.

Há três sistemas no mundo para derrubar a presunção de inocência. Considera-se o réu culpado (não mais inocente): (1) quando ele confessa (esse é o sistema
norte-americano); (2) quando há decisão de segundo grau (mais de 90% dos países ocidentais seguem essa regra); (3) só depois de esgotados todos os recursos,
quando então advém o trânsito em julgado da sentença.

A CF (no art. 5º, LVII) diz: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Qual sistema que a CF seguiu? O
terceiro. O STF acompanhou esse entendimento de 2010 a 2016.

Depois, sem mudança do texto constitucional, alterou o seu entendimento (e se afinou com a vontade popular). Mas o STF deve seguir o que está na CF ou o que
a população deseja? Ora ele vai num sentido, ora vai em outro. O legislador é que deveria ter cuidado do assunto. Mas a desconfiança no Legislador é muito
grande. Hoje ele não aprovaria nada contra os seus interesses.

Quando o STF destoa do pensamento midiático e popular, o povo reclama. E vem conseguindo mudar o pensamento do STF. A onda mundial (de tanta
insatisfação e descrença na Justiça, na economia, nas lideranças, na democracia, nas instituições, nas empresas e bancos corruptos) está desembocando nas
doutrinas populares. Com elas, as elites estão tendo perdas.

Na Revolução Francesa (1789) o povo pegou em armas e morreu defendendo a burguesia e seu discurso (Igualdade, Liberdade e Fraternidade). Logo em seguida
foi desprezado por ela. Mas é inegável que as vitórias, no plano emocional imediato, são pura alegria. A lógica é do imediatismo. Amanhã é outro dia.

O paradoxal: as elites poderosas dominantes que, em geral, em matéria punitiva, seguem a corrente popular, agora estão indo para a cadeia e querem o
respeito à Constituição e aos seus direitos individuais (veja o áudio de Sérgio Machado reclamando do STF). Reclamação tardia.

O STF, no tema da execução imediata da pena, quer dar respostas efetivas à população. Isso se chama oclocracia. É a atual tendência mundial seguida pelo
povo irado, que se julga maltratado e espezinhado. A raiva passou a ser um componente do humano do século XXI. No mundo todo (praticamente). Deve ter
uma causa comum, vamos descobrir.

Autor
Luiz Flávio Gomes
Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo –
USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-
graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi
Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.luizflaviogomes.com

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Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Execução da pena depois do 2º grau. A sociedade ficará desprotegida se o STF mudar sua posição (seguindo Celso de Mello)? . Revista Jus Navigandi, ISSN
1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5305, 9 jan. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/50602>. Acesso em: 9 jan. 2018.

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