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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo

12º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo


Santa Cruz do Sul – UNISC – Novembro de 2014
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A censura à comunicação e às artes e as resistências e oposições a ela durante o


regime militar brasileiro

Ester Sanches Ribeiro

Re sumo: Este artigo tem por objetivo contextualizar o período da ditadura militar brasileira,
enfocando a censura e a repressão aos meios de comunicação e às artes. Apresentamos casos
de censura a livros e apresentamos, também, o contraponto a isso a partir da resistência de
autores e editoras de oposição ao regime militar. Destacamos a editora Alfa-Ômega e seu
projeto de publicação de livros de temáticas sobre guerrilha, movimentos estudantil, entre outros.
Essa iniciativa mostra como as artes e os meios de comunicação reagiram ao autoritarismo
militar.

Palavras-chave : Regime militar brasileiro; Censura e repressão; Resistência; Livros e editoras;


Editora Alfa-Ômega.

1. Introdução

No mês de março deste ano, 2014, completou cinquenta anos que os militares à força
ocuparam o poder político da nação brasileira. Esse evento que ficou conhecido como golpe
de 1964 ou golpe militar é um dos episódios mais marcantes da história do Brasil, pois
representa o esfacelamento da democracia do país.
Em diversas áreas de estudo e do conhecimento, como as artes e as ciências
humanas, houve eventos para debater esse episódio recente da nossa história, com vistas a
tratar de temas como a violência contra civis, como a censura às artes e aos meios de

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comunicação por meio de perseguições e proibições; também, problematizou-se a questão da


democracia e dos direitos humanos, direitos legítimos da nossa sociedade, que não foram
preservados nesse contexto histórico.
Passados cinquenta anos desse golpe que mudou a história do Brasil, esse período é
rejeitado praticamente por unanimidade pelas pessoas que o vivenciaram e por aquelas que
somente o conheceram por meio da história escrita e oral.
Não é preciso se alongar muito para explicar tal rejeição, já que palavras como
“mortes”, “exílios”, “prisões”, “perseguições”, “torturas”, “censura”, “medo” e “tirania”
conseguem, magistralmente, expressar toda a dor e a angustia que foram vividas pela
sociedade brasileira nos tempos do regime dos militares. E de fato, como a história nos conta,
houve toda essa injustiça nesse período da história do Brasil. Diante disso, colocamos a
pergunta “Por quê?” e logo a respondemos, ou melhor, colocamos como resposta, as
palavras da professora e pesquisadora da área, Sandra Reimão, que nos parece responder
satisfatoriamente a esse questionamento: “Uma das primeiras providências da maioria dos
regimes autoritários é censurar a liberdade de expressão e opinião, uma forma de dominação
pela coerção, limitação ou eliminação das vozes discordantes” (REIMÃO, 2011, p. 11).
Providência que esse tipo de governo necessita tomar para proteger sua permanência no
poder, uma vez que ela pode ser constantemente ameaçada de ser derrubada, pelo simples
fato de ser ilegítima e ilegal.
Assim, é legítimo rejeitar esse período, mas não isso não significa que ele deva ser
esquecido; apagado das nossas mente. Por essa razão mesmo que ele deve ser lembrado,
estudado e discutido, porque não se pode aceitar que ser repita novamente semelhante tirania.

Por esse motivo que proponho este estudo que visa contextualizar brevemente o
regime militar, apresentando, como foi arquitetado e executado o golpe e algumas das
políticas desse governo no que diz respeito ao controle dos cidadãos. Apresento a censura às
artes e aos meios de comunicação que vetaram obras e até perseguiram jornalistas e artistas.

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Apresento, também, o contraponto, a resposta a esse controle: jornalistas e literatos


que apoiados por editoras de oposição escreveram obras contra o que se sofreu durante o
regime militar; obras que visavam debater e evidenciar os direitos sociais e legítimos que
estavam sendo infringidos. Destaco a atuação da editora Alfa-Ômega com a coleção
“História Imediata” que publicou cinco obras de caráter jornalístico ao estilo de
livro-reportagem, entre os anos de 1978 e 1979. Essas publicações, de acordo com o lema
da editora de dar espaço ao “pensamento crítico brasileiro”, visam apresentar à sociedade o
que “o mundo oficial proibiu e a grande imprensa silenciou” em uma clara resistência e
oposição à censura aos meios de comunicação por parte do regime militar.

2. O regime militar brasileiro: breve contextualização histórica


No dia 31 de março, tropas do exército partiram de Juiz de Fora, Minas Gerais, em
direção ao Rio de Janeiro com o propósito de derrubar o presidente João Goulart (Jango) do
poder que prefere fugir a resistir; ele se exila no Uruguai.
Esse golpe militar fora tramado cuidadosamente dentro e fora do país e teve caráter
autoritário, com a finalidade de proteger a permanência dos militares no poder. No entanto
esse autoritarismo não calou os movimentos sociais que se diversificaram e, como puderam,
atuaram em oposição e resistência ao governo da ditadura: “Os movimentos sociais, vigiados
e reprimidos conforme a lógica da ‘segurança nacional’, não desapareceram. Muito pelo
contrário, tornaram-se mais diversos e complexos, expressão de uma sociedade que não
ficou completamente passiva diante do autoritarismo” (NAPOLITANO, 2014, p. 8). Esse
autoritarismo não foi aplicado com todo o seu rigor de início; ele foi ampliado à medida que
os militares se estabeleciam no poder e para oprimir e reprimir cada vez mais as formas de
oposição ao regime.
O regime militar se instaurou com o apoio de parcela da sociedade e de governos de
alguns estados como o caso do governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto que,
inicialmente, foi o líder civil do golpe:

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[...] o golpe foi muito mais do que uma mera rebelião militar. Envolveu um
conjunto heterogêneo de novos e velhos conspiradores contra Jango e
contra o trabalhismo: civis e militares, liberais e autoritários, empresários e
políticos, classe média e burguesia. Todos unidos pelo anticomunismo, a
doença infantil do antirreformismo dos conservadores (NAPOLITANO, 2014,
p. 44).
Vale destacar nesse contexto que a participação conivente e a omissão de grande
parte da imprensa brasileira a coloca como um dos colaboradores para a efetivação do golpe.
Silva (2014) considera a participação da mídia como “uma das maiores pizzas da história
brasileira”, destacando sua participação como uma peça chave para a legitimação do golpe e
do regime: “Sem o trabalho da imprensa não haveria legitimidade para a derrubada do
presidente João Goulart. Os grandes jornais de cada capital atuaram como incentivadores e
árbitros” (SILVA, 2014, p. 32).
Sobre o golpe e suas intenções e a sua tentativa de legitimar-se, podemos por em
evidência que ele se contrapôs ao “programa nacionalista e popular”, contra Jango e suas
“reformas de base”, com a proposta de livrar o país do comunismo e de alçá-lo aos níveis de
desenvolvimento mundial. De fato o país cresceu, diga-se de passagem, a todo custo, e
alcançou o oitavo lugar do PIB mundial. Porém, deve-se observar que juntamente com todo
esse desenvolvimento “cresceram a desigualdade e a violência social, alimentadas em boa
parte pela violência do Estado” (NAPOLITANO, 2014, p. 8).
Essa violência do governo militar pode ser percebida nas perseguições, nas prisões,
nas torturas, nas mortes, no exílio forçado, nos atos de covardia praticados pela polícia contra
manifestações, contra jornalistas, escritores e artistas que se opusessem ao regime. Como
exemplo disso, cito as memórias de Mouzar Benedito (2008) que vivenciou o período da
ditadura e sofreu, juntamente com outros estudantes da USP, como ele, perseguições e
desmantelamento de suas vidas:

Quatro dias depois da edição do AI-5, na madrugada de 17 de dezembro,


numa operação conjunta de várias polícias e do Exército, deram um golpe
mortal num dos principais focos de resistência à ditadura, o Conjunto
Residencial da USP (Crusp). Cerca de 1.200 estudantes foram presos (...). Para
os policiais e militares, naquele lugar só havia comunistas e libertinos, por
isso procuravam arrancar confissões malucas dos estudantes (BENEDITO,
2008, p. 18).

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O relato deste estudante da época da ditadura revela os atos subversivos contra a


sociedade e as tentativas a todo o custo de manter a ordem, segundo os critérios e interesses
dos militares. Para exemplificar esse controle desmedido do regime e sua intolerância, citarei
mais uma passagem das memórias de Benedito, porque termina por resumir de modo
bastante expressivo a nossa intenção em expor a violência militar contra quaisquer cidadãos
que pudessem colocar ou não o poder em risco, numa intenção de repressão e opressão:

Toninho, meu amigo e colega da faculdade, concordava com o movimento


estudantil, 1968, mas não participava. Achava arriscado. Evitava até passar
perto de lugares em que estivesse acontecendo uma manifestação estudantil.
Um dia, foi comprar alguma coisa numa loja da Teodoro Sampaio, em
Pinheiros, quando saiu da loja, olhou para cima e a menos de cinquenta
metros de distância havia uma porrada de policiais caminhando em sua
direção. Pensou em ir para baixo e aí viu porque tinha tanta polícia na rua: no
sentido contrário vinha uma passeata estudantil, e haveria confronto. A única
saída para não ficar no meio da pauleira era entrar de volta na loja, que era
pequenininha, mas já estavam baixando a porta. Correu e entrou meio
agachado. E logo depois, quando a porta já estava a poucos centímetros de
ser fechada totalmente, um policial jogou uma bomba de gás lacrimogênio
pelo vão, e ficou todo mundo lacrimejando, passando mal dentro da lojinha.
Enquanto ele lacrimejava, se perguntava por que o policial jogou a bomba lá
dentro, pois estava claro que quem estava lá não participou da passeata
(BENEDITO, 2008, págs. 91 e 92).

Enfim, essas foram algumas das muitas arbitrariedades das repressões durante o
governo militar que demonstram como a liberdade de ir e vir, de se manifestar, de discordar e
se opor ao governo não existia e quando havia a menor resistência a ele, a polícia agia de
modo enérgico e criminoso, causando o exílio de Chico Buarque e a morte do jornalista
Vladimir Herzog, exemplos de acontecimentos, durante a ditadura, que ficaram famosos e
perpetuam na memória popular até hoje.

3. A censura às artes e à comunicação


Como dito anteriormente, o rigor do autoritarismo militar não exerceu sua máxima
expressão de início; ele foi se revelando e crescendo com o passar do tempo. Assim, nos
primeiros quatro anos da ditadura, a liberdade de expressão e as manifestações culturais
foram asseguradas pelo governo do presidente Castello Branco que procurava diferenciar o

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regime do Brasil do regime militar da Banana Republics Assim, nesse período o governo
conviveu com manifestações de críticas provenientes de livros, cinema, músicas e teatro
(REIMÃO, 2011, págs. 19 a 21).
No entanto, o Ministério da Justiça através do setor de Serviço de Censura e
Diversões Públicas (SCDP), do Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP)
passou a exercer a censura oficial do Estado ao cinema, teatro, músicas, shows, cartazes e
apresentações de espetáculos públicos em geral, a partir de 1967. E, a partir de 1970,
entraram para exame de censura oficial, também, livros e revistas.
Nesse período, foi instituído no dia 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional
número 5, o famoso AI 5:

O Ato inaugurou uma nova época, na política e na cultura, demarcando um


corte abrupto no grande baile revolucionário da cultura brasileira, então em
pleno auge. Por isso, o 1968 foi batizado de “ano que não acabou” pelo
jornalista Zuenir Ventura. A ditadura deixou de ser “branda”, recaindo
duramente sobre a parcela mais crítica da classe que ela prometia proteger – a
classe média -, sal da terra para a direita de 1964 (NAPOLITANO, 2014, p. 118).

Essa nova época no campo da cultura significou a censura prévia das artes e das
manifestações culturais em geral, por meio de perseguições a artistas e jornalistas, levando
muito deles ao exílio ou a prisões, torturas e mortes. Nos casos mais leves, a obra era
marcada pelo censor nas partes que violavam a ordem e os bons costumes e ele precisava
revisá-la. Em alguns casos, livros ou peças de teatro, por exemplo, que já tinham passado
pela censura poderiam receber alguma denúncia de abuso à ordem estabelecida e serem
apreendidos e/ou proibidos de serem apresentados. Nesses casos, o próprio autor fazia a
censura prévia para conseguir passar ileso pela censura do Ministério da Justiça, o que
demonstra que a censura não age só pela proibição expressa, mas atua silenciosamente por
meio da coerção.
Já no campo político o AI 5 dava ao governo vigente plenos poderes de cassar
mandatos e suspender direitos políticos; pessoas poderiam ser presas sem justificativa e seus
lares poderiam ser invadidos pelos policiais sem um mandato judicial. Desse modo, as forças

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policiais e militares passaram a agir como quisessem e foi o que fizeram: instauraram um
regime de terror.
Para exemplificar os casos de censura às artes e à comunicação citarei a censura ao
teatro e ao livro. Em relação à censura prévia ao teatro, há um estudo muito interessante e
igualmente importante, realizado por um grupo de pesquisadores Observatório de
Comunicação e Liberdade de Expressão e Censura (OBCOM) da Escola de Artes e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, que visa analisar os mais de 6.000
processos de censura prévia ao teatro, nos períodos de 1930 a 1970 (COSTA, 2014). A
partir desse trabalho de análise dos processos, percebe-se como a censura foi exercida com
rigor, cerceando a liberdade dos autores de utilizar determinados signos que pudessem ferir a
moral e os bons costumes ou proferir uma ideologia contrária ao governo dos militares.
Quanto à censura prévia a livros, utilizo o trabalho de Reimão (2011) que pesquisa a
censura à cultura e às artes, destacando a censura e a resistência quanto ao mercado editorial
de livros. A partir da pesquisa da professora Sandra Reimão de uma literatura pertinente, ela
coloca que mais de 400 livros foram proibidos pela censura do governo federal, no período
da ditadura dos militares. Destacamos a censura à obra de historiadores importantes e
famosos: O mundo do socialismo e A Revolução Brasileira, de Caio Prado Jr. e A
Universidade Necessária de Darcy Ribeiro, censurados entre 1968 e 1978. Também,
colocamos em evidência a censura realizada aos livros: Dez Histórias Imorais, de Aguinaldo
Silva; Aracelli, Meu Amor, de José Louzeiro; Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca e Zero
de Ignácio de Loyola Brandão. Foram livros censurados por infringir o artigo primeiro do
Decreto-lei 1077/70 que versava sobre a não tolerância a publicações e/ou exteriorizações
que fossem contrárias à moral e aos bons costumes. Desse modo materiais que não
passassem pela censura prévia não poderiam ser publicados e no caso de já terem sido
publicados, seriam recolhidos.
Enfim, há nessa seção uma pequena demonstração de como ocorreu a censura às
manifestações de arte e de comunicação durante o período do regime militar, sob o pretexto
de atentarem contra a moral e os bons costumes.

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4. Conivência, resistência e oposição à ditadura


Na parte 3 deste trabalho, citamos a opinião de Silva (2014) sobre certa participação
e omissão da imprensa brasileira durante o golpe que terminou por legitimá-lo. Na sua obra,
1964: golpe midiático-civil-militar, o autor aponta a tanto as omissões e legitimações da
mídia em relação ao golpe, como aponta as mudanças de opinião dessa mesma mídia. Ele
coloca o jornal Correio da Manhã como exemplo dessa mudança de julgamento: “Um dos
mais ferrenhos estimuladores do golpe foi o jornal carioca Correio da Manhã, que
rapidamente perceberia o erro e passaria à oposição, perecendo durante o regime militar”
(SILVA, 2014, p. 32). A partir desse trecho do autor, percebe-se que houve de fato
conivência da imprensa, mas também houve resistência que passou a ser exercida quando
esse veículo midiático percebeu as tramas da ditadura que negavam a democracia e os
direitos humanos, agindo de modo criminoso. Como exemplo disso cabe citar o jornalista
Márcio Moreira Alves que escreveu o livro Torturas e torturados, de 1967, ele “jornalista
que se tornaria emblemático na luta contra a ditadura, foi o primeiro a investigar crimes de
tortura no regime militar” (SILVA, 2014, p. 34).
O pesquisador Juremir M. da Silva, na obra citada acima, coloca diversos outros
exemplos da legitimação e da mudança de opinião de jornalistas em relação ao regime;
quanto a essa legitimação o autor considera uma “traição” por parte dessa parcela de
“intelectuais” e homens cultos que nesse momento deveriam se opor a um golpe de Estado
que por si só já é ilegítimo, pois fere o princípio da democracia em relação à livre escolha de
seus representantes por parte da população. Cito o caso dos jornalistas Alberto Dines e
Carlos Castello Branco que exemplificam bem essa “traição dos intelectuais” que
posteriormente se oporiam ao regime:

[...] Alberto Dines, que depois construiria a imagem de campeão da resistência


à censura, atolava-se em elogios ao chefe civil dos golpistas (...) o jornalista
Carlos Castello Branco, que seria o colunista brasileiro mais famoso dos
“anos de chumbo”, caracterizava o golpe como uma revolução “que gerou
direito”, “reformou a Constituição” e deu novo estatuto ao “legalismo das

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Forças Armadas”. Os militares estavam bem servidos de assessores de


imprensa em jornais e livros. (SILVA, 2014, p. 41).

E, assim como houve essas conivências, também houve oposição e resistência por
parte das artes e dos meios de comunicação, que teve sua expressão mais forte nos quatro
primeiros anos da instauração do regime dos militares, já que o AI 5 ainda não fora
decretado. O período ficou conhecido como “dita branda” e foi considerado por Napolitano
(2014) como um mito. O historiador explica nesses quatro primeiros anos da ditadura que a
cultura no país estava em uma situação paradoxal, uma vez que estava em um período
autoritário, mas de certo modo permissivo, pois não fazia censura prévia da cultura e das
artes, tampouco da imprensa. Assim houve diversas publicações e apresentações culturais
que criticavam o regime. Diante dessa situação Millôr Fernandes diz que “se continuarem
permitindo peças como Liberdade, Liberdade, vamos acabar caindo em uma democracia”;
essa peça de teatro era da própria autoria dele. Para essa paradoxal situação, Carlos
Napolitano observa:

Instaurada para defender efetivamente o capitalismo e, supostamente, a


democracia liberal, a ditadura não podia se afastar das classes médias, sua
principal base social. A cultura e a liberdade de expressão eram os pontos
mais sensíveis para amplos setores dessa classe, da qual provinham os
artistas e quadros intelectuais mais reconhecidos da época. Não por acaso, o
Ato Institucional e a perseguição a intelectuais foi prontamente criticada,
mesmo por vozes liberais que não tinham simpatia pelo governo deposto em
1964. Por outro lado, a censura e a repressão nessa área dificultariam a
manutenção da pantonímia democrática que havia legitimado o golpe e a
ampla coalizão anti-Goulart (NAPOLITANO, 2014, p. 98).

Destacamos, em relação a essa oposição à opressão e à tirania do regime, o papel


dos livros, dos seus autores e das editoras que os publicaram. Para isso, utilizo os trabalhos
de Sandra Reimão, Repressão e resistência: censura a livros na ditadura militar, e de
Flamarion Maués, Livros contra a ditadura: editoras de oposição no Brasil, 1974-1984.
Obras que destacam a atuação dos livros na ditadura como forma de resistência à repressão
e à censura. No trabalho de Reimão há o destaque para o papel do próprio livro e no de

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Maués, enfoca-se o papel das editoras a partir de suas iniciativas de criar espaço para
publicações contrárias ao regime dos militares.
Nossa intenção não é de nos debruçarmos nos trabalhos acima citados, apenas os
colocamos como referências de pesquisa do tema e colocamos algumas contribuições dessas
obras para o desenvolvimento do nosso trabalho.
Reimão (2011) apresenta livros que foram censurados e proibidos no campo das
obras não ficcionais, dos livros eróticos/ pornográficos, dos teatros publicados em livros e
romances, contos e poesia. Há vários exemplos de obras que sofreram censura nesses
gêneros acima citados. Destaco aqui a censura sofrida pelo autor Aguinaldo Silva, por conta
do seu livro Dez Estórias Imorais, com texto de 1960 a 1965. Trata-se de textos ficcionais
que dão voz narrativa a personagens de dois tipos sociais: “os excluídos pela miséria, como
os retirantes da seca, prostitutas de baixo escalão, bêbados e loucos; e tipos da baixa classe
média, como a dona de casa sonhadora e insatisfeita e o funcionário do pequeno escritório”
(REIMÃO, 2011, p. 75). Pelo teor das histórias e até pelo próprio titulo, a censura proibiu o
livro em favor da moral e dos bons costumes, mas, como opina Reimão, essa não foi a
motivação real: “Em 1976, tudo indica que a censura às Dez Estórias Imorais deu-se não em
função do livro, mas sim como uma forma de homofobia e também de coação ao jornalista e
militante Aguinaldo Silva” (REIMÃO, 2011, p. 85).
Quanto ao papel de oposição ao governo dos militares exercido por editoras, Maués
(2013) coloca:

Ocorreu, então, a partir de meados da década de 1970, um movimento editorial


e cultural marcado pela revitalização de editoras com perfil nitidamente
político e de oposição ao governo civil-militar iniciado em 1964. Editoras já
estabelecidas, como a Civilização Brasileira, a Brasiliense, a Vozes e a Paz e
Terra, retomaram uma atuação política mais acentuada, editando livros que
tratavam de temas que punham em questão a ideologia, os objetivos e os
procedimentos do regime de 1964 ou, ainda, cujos autores faziam oposição ao
governo. Entre esses, destacavam-se parlamentares de oposição, (ex-)
exilados e (ex-)presos políticos. Ao mesmo tempo, novas editoras surgiram
com o projeto de publicar livros com claro caráter político. Alguns exemplos
são as editoras Alfa-Ômega, Global, Edições Populares, Brasil Debates,
Ciências Humanas, Kairós, Hucitec, L&PM, Graal, Coderi, Vega e Livramento,
entre outras (MAUES, 2013, p. 13).

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Nesse breve trecho nota-se como a iniciativa de editoras de oposição possibilitaram


que autores que já haviam sido perseguidos e livros de caráter político de oposição ao regime
autoritário instaurado no país fossem publicados e, mesmo que censurados, expressassem que
boa parte da sociedade se negava a aceitar passivamente o autoritarismo dos militares.
Uma dessas editoras, a Alfa-Ômega, criada durante o regime militar, registra grande
número de obras de oposição. Nas próximas linhas segue-se uma breve apresentação da
editora e da coleção “História Imediata”, com o objetivo de evidenciar o importante trabalho
dessa editora de incentivo a obras de oposição ao regime militar.

5. O caso da coleção “História Imediata” da editora Alfa-Ômega


Como já colocado, a editora Alfa-Ômega nasceu com propósito definido: opor-se ao
regime ditatorial. Ela foi fundada em janeiro de 1973 por Fernando Mangarielo e Claudete
Mangarielo, sua esposa; essa editora foi umas das mais atuantes entre as décadas de 1970 e
1980, publicando diversas obras de claro caráter político. Entre as mais importantes estão A
ilha (um repórter brasileiro no país de Fidel Castro), de Fernando de Morais, publicada
em 1976 e Em câmara lenta, de 1977, que causou a prisão do seu autor, Fernando Tapajós
(MAUÉS, 2013, págs. 33 e 34).
Entre os gêneros que essa editora publicou no início da sua atuação estão as obras
acadêmicas de ciências humanas de autores como Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de
Holanda e Afonso Arinos. Também há as publicações de literatura nacional,
livros-reportagem e livros socialistas como obras de Marx e Engels (MAUÉS, 2013, p. 34).
Interessa-nos, nesse momento, evidenciar as publicações de livros-reportagem da
coleção “História Imediata”, que teve seu início em 1978 e seu fim em 1979. Essa coleção
visava publicar obras da história recente do país, de caráter crítico político. Foram cinco
publicações:

 A Guerrilha do Araguaia, 1978, dos autores Palmério Dória, Sérgio


Buarque, Vicent Carelli e Jaime Sautchuk;

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 A Greve na vóz dos trabalhadores, 1979, da Equipe da Oboré;


 Araceli – corrupção em sociedade, 1979, de Carlos Alberto Luppi;
 D. Paulo Evaristo Arns – o cardeal do povo, 1979, dos autores Getúlio
Bittencourt e Paulo Sérgio Markun;
 A Volta da UNE – de Ibiúna a Salvador, 1979, dos autores Luiz Henrique
Romagnoli e Tânia Gonçalves.

Essa coleção, como se pode observar nos seus títulos trata de temas como guerrilhas,
greves, corrupção e movimento estudantil que fazem jus ao nome da coleção; também fazem
jus à proposta da coleção de apresentar temáticas que a grande imprensa “esqueceu”. O
tempo de duração desta coleção é bastante curto e sobre isso o editor, Fernando Mangarielo,
explica em entrevista:

Sobre a coleção História Imediata, Mangarielo diz ter tido problemas com a
distribuição, feita pela Abril. Segundo Mangarielo, a editora sofreu “espécie
de censura”, e o último número da coleção (A volta da UNE - de Ibiúna a
Salvador), uma edição especial de 96 páginas que reconstituía a trajetória do
movimento estudantil com base em depoimentos e informações de arquivos,
não recebeu distribuição em sua totalidade. Esse problema provocou o fim da
coleção, em 1979 (QUINTINO, 2014, p. 13).

Nesse trecho de Quintino (2014) sobre a entrevista do editor da editora Alfa-Ômega,


pode-se inferir que o fim da coleção “História Imediata” pode estar relacionado a alguma
forma de coerção, pois foi devido um problema de distribuição que dos exemplares que fez a
coleção chegar ao fim.
Enfim, como apresentado nesta seção deste trabalho, houve formas de repressão
violentas, humilhantes e coercitivas no período da ditadura, mas não se calou totalmente a voz
das artes e da cultura da sociedade brasileira.

6. Considerações finais
Seremos bastante breves nas últimas considerações acerca do tema tratado: a censura
e repressão das artes e dos meios de comunicação no período da ditadura militar do Brasil.

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Como apresentado, a ditadura foi um período bastante marcante que entrou para a
história do país como um dos períodos que se tem grande repúdio na atualidade, devido ao
caráter violento das repressões e opressões da população por parte dos militares. A história
ficou, assim, marcada por um período em que os direitos humanos não foram respeitados e
pessoas foram perseguidas, torturadas, exiladas e até mortas nesse contexto. Atitudes para
garantir a permanência do regime militar no poder.
De fato, esse caráter coercitivo das atitudes militares colocou medo em muita gente
que tinha até medo de passar perto de uma manifestação ou uma reunião de estudantes. Mas
não silenciou de todo a nossa sociedade que por meio das artes, da comunicação e da cultura
procurou fazer um contraponto a isso a partir de críticas ao governo expressas em livros,
jornais, em letras de músicas e em peças teatrais.
Assim, acredito que em memória dessas pessoas que lutaram contra o autoritarismo e
em alguns casos perderam sua pátria, sua família, se trabalho ou até mesmo suas vidas, temos
que continuar estudando, pesquisando e debatendo sobre esse contexto da nossa história
recente para não aceitar a repressão e o controle dos direitos humanos.

Referências

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