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Re sumo: Este artigo tem por objetivo contextualizar o período da ditadura militar brasileira,
enfocando a censura e a repressão aos meios de comunicação e às artes. Apresentamos casos
de censura a livros e apresentamos, também, o contraponto a isso a partir da resistência de
autores e editoras de oposição ao regime militar. Destacamos a editora Alfa-Ômega e seu
projeto de publicação de livros de temáticas sobre guerrilha, movimentos estudantil, entre outros.
Essa iniciativa mostra como as artes e os meios de comunicação reagiram ao autoritarismo
militar.
1. Introdução
No mês de março deste ano, 2014, completou cinquenta anos que os militares à força
ocuparam o poder político da nação brasileira. Esse evento que ficou conhecido como golpe
de 1964 ou golpe militar é um dos episódios mais marcantes da história do Brasil, pois
representa o esfacelamento da democracia do país.
Em diversas áreas de estudo e do conhecimento, como as artes e as ciências
humanas, houve eventos para debater esse episódio recente da nossa história, com vistas a
tratar de temas como a violência contra civis, como a censura às artes e aos meios de
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Por esse motivo que proponho este estudo que visa contextualizar brevemente o
regime militar, apresentando, como foi arquitetado e executado o golpe e algumas das
políticas desse governo no que diz respeito ao controle dos cidadãos. Apresento a censura às
artes e aos meios de comunicação que vetaram obras e até perseguiram jornalistas e artistas.
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[...] o golpe foi muito mais do que uma mera rebelião militar. Envolveu um
conjunto heterogêneo de novos e velhos conspiradores contra Jango e
contra o trabalhismo: civis e militares, liberais e autoritários, empresários e
políticos, classe média e burguesia. Todos unidos pelo anticomunismo, a
doença infantil do antirreformismo dos conservadores (NAPOLITANO, 2014,
p. 44).
Vale destacar nesse contexto que a participação conivente e a omissão de grande
parte da imprensa brasileira a coloca como um dos colaboradores para a efetivação do golpe.
Silva (2014) considera a participação da mídia como “uma das maiores pizzas da história
brasileira”, destacando sua participação como uma peça chave para a legitimação do golpe e
do regime: “Sem o trabalho da imprensa não haveria legitimidade para a derrubada do
presidente João Goulart. Os grandes jornais de cada capital atuaram como incentivadores e
árbitros” (SILVA, 2014, p. 32).
Sobre o golpe e suas intenções e a sua tentativa de legitimar-se, podemos por em
evidência que ele se contrapôs ao “programa nacionalista e popular”, contra Jango e suas
“reformas de base”, com a proposta de livrar o país do comunismo e de alçá-lo aos níveis de
desenvolvimento mundial. De fato o país cresceu, diga-se de passagem, a todo custo, e
alcançou o oitavo lugar do PIB mundial. Porém, deve-se observar que juntamente com todo
esse desenvolvimento “cresceram a desigualdade e a violência social, alimentadas em boa
parte pela violência do Estado” (NAPOLITANO, 2014, p. 8).
Essa violência do governo militar pode ser percebida nas perseguições, nas prisões,
nas torturas, nas mortes, no exílio forçado, nos atos de covardia praticados pela polícia contra
manifestações, contra jornalistas, escritores e artistas que se opusessem ao regime. Como
exemplo disso, cito as memórias de Mouzar Benedito (2008) que vivenciou o período da
ditadura e sofreu, juntamente com outros estudantes da USP, como ele, perseguições e
desmantelamento de suas vidas:
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Enfim, essas foram algumas das muitas arbitrariedades das repressões durante o
governo militar que demonstram como a liberdade de ir e vir, de se manifestar, de discordar e
se opor ao governo não existia e quando havia a menor resistência a ele, a polícia agia de
modo enérgico e criminoso, causando o exílio de Chico Buarque e a morte do jornalista
Vladimir Herzog, exemplos de acontecimentos, durante a ditadura, que ficaram famosos e
perpetuam na memória popular até hoje.
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regime do Brasil do regime militar da Banana Republics Assim, nesse período o governo
conviveu com manifestações de críticas provenientes de livros, cinema, músicas e teatro
(REIMÃO, 2011, págs. 19 a 21).
No entanto, o Ministério da Justiça através do setor de Serviço de Censura e
Diversões Públicas (SCDP), do Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP)
passou a exercer a censura oficial do Estado ao cinema, teatro, músicas, shows, cartazes e
apresentações de espetáculos públicos em geral, a partir de 1967. E, a partir de 1970,
entraram para exame de censura oficial, também, livros e revistas.
Nesse período, foi instituído no dia 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional
número 5, o famoso AI 5:
Essa nova época no campo da cultura significou a censura prévia das artes e das
manifestações culturais em geral, por meio de perseguições a artistas e jornalistas, levando
muito deles ao exílio ou a prisões, torturas e mortes. Nos casos mais leves, a obra era
marcada pelo censor nas partes que violavam a ordem e os bons costumes e ele precisava
revisá-la. Em alguns casos, livros ou peças de teatro, por exemplo, que já tinham passado
pela censura poderiam receber alguma denúncia de abuso à ordem estabelecida e serem
apreendidos e/ou proibidos de serem apresentados. Nesses casos, o próprio autor fazia a
censura prévia para conseguir passar ileso pela censura do Ministério da Justiça, o que
demonstra que a censura não age só pela proibição expressa, mas atua silenciosamente por
meio da coerção.
Já no campo político o AI 5 dava ao governo vigente plenos poderes de cassar
mandatos e suspender direitos políticos; pessoas poderiam ser presas sem justificativa e seus
lares poderiam ser invadidos pelos policiais sem um mandato judicial. Desse modo, as forças
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policiais e militares passaram a agir como quisessem e foi o que fizeram: instauraram um
regime de terror.
Para exemplificar os casos de censura às artes e à comunicação citarei a censura ao
teatro e ao livro. Em relação à censura prévia ao teatro, há um estudo muito interessante e
igualmente importante, realizado por um grupo de pesquisadores Observatório de
Comunicação e Liberdade de Expressão e Censura (OBCOM) da Escola de Artes e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, que visa analisar os mais de 6.000
processos de censura prévia ao teatro, nos períodos de 1930 a 1970 (COSTA, 2014). A
partir desse trabalho de análise dos processos, percebe-se como a censura foi exercida com
rigor, cerceando a liberdade dos autores de utilizar determinados signos que pudessem ferir a
moral e os bons costumes ou proferir uma ideologia contrária ao governo dos militares.
Quanto à censura prévia a livros, utilizo o trabalho de Reimão (2011) que pesquisa a
censura à cultura e às artes, destacando a censura e a resistência quanto ao mercado editorial
de livros. A partir da pesquisa da professora Sandra Reimão de uma literatura pertinente, ela
coloca que mais de 400 livros foram proibidos pela censura do governo federal, no período
da ditadura dos militares. Destacamos a censura à obra de historiadores importantes e
famosos: O mundo do socialismo e A Revolução Brasileira, de Caio Prado Jr. e A
Universidade Necessária de Darcy Ribeiro, censurados entre 1968 e 1978. Também,
colocamos em evidência a censura realizada aos livros: Dez Histórias Imorais, de Aguinaldo
Silva; Aracelli, Meu Amor, de José Louzeiro; Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca e Zero
de Ignácio de Loyola Brandão. Foram livros censurados por infringir o artigo primeiro do
Decreto-lei 1077/70 que versava sobre a não tolerância a publicações e/ou exteriorizações
que fossem contrárias à moral e aos bons costumes. Desse modo materiais que não
passassem pela censura prévia não poderiam ser publicados e no caso de já terem sido
publicados, seriam recolhidos.
Enfim, há nessa seção uma pequena demonstração de como ocorreu a censura às
manifestações de arte e de comunicação durante o período do regime militar, sob o pretexto
de atentarem contra a moral e os bons costumes.
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E, assim como houve essas conivências, também houve oposição e resistência por
parte das artes e dos meios de comunicação, que teve sua expressão mais forte nos quatro
primeiros anos da instauração do regime dos militares, já que o AI 5 ainda não fora
decretado. O período ficou conhecido como “dita branda” e foi considerado por Napolitano
(2014) como um mito. O historiador explica nesses quatro primeiros anos da ditadura que a
cultura no país estava em uma situação paradoxal, uma vez que estava em um período
autoritário, mas de certo modo permissivo, pois não fazia censura prévia da cultura e das
artes, tampouco da imprensa. Assim houve diversas publicações e apresentações culturais
que criticavam o regime. Diante dessa situação Millôr Fernandes diz que “se continuarem
permitindo peças como Liberdade, Liberdade, vamos acabar caindo em uma democracia”;
essa peça de teatro era da própria autoria dele. Para essa paradoxal situação, Carlos
Napolitano observa:
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Maués, enfoca-se o papel das editoras a partir de suas iniciativas de criar espaço para
publicações contrárias ao regime dos militares.
Nossa intenção não é de nos debruçarmos nos trabalhos acima citados, apenas os
colocamos como referências de pesquisa do tema e colocamos algumas contribuições dessas
obras para o desenvolvimento do nosso trabalho.
Reimão (2011) apresenta livros que foram censurados e proibidos no campo das
obras não ficcionais, dos livros eróticos/ pornográficos, dos teatros publicados em livros e
romances, contos e poesia. Há vários exemplos de obras que sofreram censura nesses
gêneros acima citados. Destaco aqui a censura sofrida pelo autor Aguinaldo Silva, por conta
do seu livro Dez Estórias Imorais, com texto de 1960 a 1965. Trata-se de textos ficcionais
que dão voz narrativa a personagens de dois tipos sociais: “os excluídos pela miséria, como
os retirantes da seca, prostitutas de baixo escalão, bêbados e loucos; e tipos da baixa classe
média, como a dona de casa sonhadora e insatisfeita e o funcionário do pequeno escritório”
(REIMÃO, 2011, p. 75). Pelo teor das histórias e até pelo próprio titulo, a censura proibiu o
livro em favor da moral e dos bons costumes, mas, como opina Reimão, essa não foi a
motivação real: “Em 1976, tudo indica que a censura às Dez Estórias Imorais deu-se não em
função do livro, mas sim como uma forma de homofobia e também de coação ao jornalista e
militante Aguinaldo Silva” (REIMÃO, 2011, p. 85).
Quanto ao papel de oposição ao governo dos militares exercido por editoras, Maués
(2013) coloca:
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Essa coleção, como se pode observar nos seus títulos trata de temas como guerrilhas,
greves, corrupção e movimento estudantil que fazem jus ao nome da coleção; também fazem
jus à proposta da coleção de apresentar temáticas que a grande imprensa “esqueceu”. O
tempo de duração desta coleção é bastante curto e sobre isso o editor, Fernando Mangarielo,
explica em entrevista:
Sobre a coleção História Imediata, Mangarielo diz ter tido problemas com a
distribuição, feita pela Abril. Segundo Mangarielo, a editora sofreu “espécie
de censura”, e o último número da coleção (A volta da UNE - de Ibiúna a
Salvador), uma edição especial de 96 páginas que reconstituía a trajetória do
movimento estudantil com base em depoimentos e informações de arquivos,
não recebeu distribuição em sua totalidade. Esse problema provocou o fim da
coleção, em 1979 (QUINTINO, 2014, p. 13).
6. Considerações finais
Seremos bastante breves nas últimas considerações acerca do tema tratado: a censura
e repressão das artes e dos meios de comunicação no período da ditadura militar do Brasil.
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Como apresentado, a ditadura foi um período bastante marcante que entrou para a
história do país como um dos períodos que se tem grande repúdio na atualidade, devido ao
caráter violento das repressões e opressões da população por parte dos militares. A história
ficou, assim, marcada por um período em que os direitos humanos não foram respeitados e
pessoas foram perseguidas, torturadas, exiladas e até mortas nesse contexto. Atitudes para
garantir a permanência do regime militar no poder.
De fato, esse caráter coercitivo das atitudes militares colocou medo em muita gente
que tinha até medo de passar perto de uma manifestação ou uma reunião de estudantes. Mas
não silenciou de todo a nossa sociedade que por meio das artes, da comunicação e da cultura
procurou fazer um contraponto a isso a partir de críticas ao governo expressas em livros,
jornais, em letras de músicas e em peças teatrais.
Assim, acredito que em memória dessas pessoas que lutaram contra o autoritarismo e
em alguns casos perderam sua pátria, sua família, se trabalho ou até mesmo suas vidas, temos
que continuar estudando, pesquisando e debatendo sobre esse contexto da nossa história
recente para não aceitar a repressão e o controle dos direitos humanos.
Referências
BENEDITO, Mouzar. 1968, por aí...: memórias burlescas da ditadura. São Paulo: Publicher
Brasil, 2008.
COSTA, Maria Cristina Castilho. Arte, poder e política – uma breve história sobre a censura. In
COSTA, Maria Cristina Castilho (org.). Diálogos sobre ce nsura e libe rdade de e xpre ssão:
Brasil e Portugal. São Paulo: ECA/USP, 2014.
MAUÉS, Flamarion. Livros contra a ditadura: editoras de oposição no Brasil, 1974-1984. São
Paulo: Publisher Brasil, 2013.
NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto,
2014.
QUINTINO, Felipe. Caso Arace li, jornalismo e lite ratura na dé cada de 1970: dois livros
sobre um crime. Texto apresentado no XIX CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA
COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUDESTE – VILA VELHA – ES – INTERCOM, 2014.
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REIMÃO, Sandra. Re pre ssão e re sistê ncia: censura a livros na ditadura militar. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2011.
SILVA, Juremir Machado da. 1964. Golpe midiático-civil-militar. Porto Alegre: Sulina, 4ª
edição, 2014.
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