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Harry Potter e A CLT
Harry Potter e A CLT
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"Falamos de duas linguagens diferentes - afirmou Ferri, referindo-se aos clássicos. Para
nós, o método experimental (indutivo) é a chave de todo conhecimento; para eles, tudo
deriva de deduções lógicas e da opinião tradicional. Para eles, os fatos devem ceder seu
lugar ao silogismo; para nós, os fatos mandam...; para eles, a ciência só necessita de papel,
caneta e lápis, e o resto sai de um cérebro cheio de leituras de livros, mais ou menos
abundantes e feitos da mesma matéria. Para nós, a ciência requer um gasto de muito tempo,
examinando os fatos um a um, avaliando-os, reduzindo-os a um denominador comum e
extraindo deles a idéia nuclear. Para eles, um silogismo ou uma anedota é suficiente para
demolir milhares de fatos conseguidos durante anos de observação e análise; para nós, o
contrário é a verdade".[2] E conclui Ferri: "A Escola Criminal Positiva não consiste
unicamente no estudo antropológico do criminoso, pois constitui uma renovação completa,
uma mudança radical de método científico no estudo da patologia social criminal e dos que
há de mais eficazes entre os remédios sociais e jurídicos que nos oferece. A ciência dos
delitos e das penas era uma exposição doutrinária de silogismos, dados à luz pela força
exclusiva da fantasia lógica; nossa escola fez disso uma ciência de observação positiva que,
fundando-se na Antropologia, na Psicologia e na Estatística criminal, assim como no
Direito Penal e nos estudos penitenciários, chega a ser a ciência sintética que eu mesmo
chamo Sociologia Criminal, e assim esta ciência, aplicando o método positivo no estudo do
delito, do delinqüente e do meio, não faz outra coisa que levar à Ciência Criminal clássica o
sopro vivificador das últimas e irrefutáveis conquistas feitas pela ciência do homem e da
sociedade, renovada pelas doutrinas evolucionistas".[3]
método científico pôs fim, assim, à tradicional dicotomia metodológica defendida por
Dilthey, autor que sustentou a necessidade de que as ciências "naturais", de uma parte, e as
do "espírito", de outra, tivessem seus respectivos métodos.[5]
Saber empírico e saber normativo são duas categorias antagônicas. Que a Criminologia
pertença ao âmbito das ciências empíricas significa, em primeiro lugar, que seu objeto
(delito, delinqüente, vítima e controle social) se insere no mundo do real, do verificável, do
mensurável, e não no dos valores. Que conta com um sólido substrato ontológico,
apresentando-se ao investigador como um fato a mais, como um fenômeno da realidade.
Estruturalmente isso descarta qualquer enfoque normativo. Porém, a natureza empírica da
Criminologia implica, antes de tudo, que esta se baseia mais em fatos que em opiniões,
mais na observação que nos discursos ou silogismos.[7] O proceder dos juristas e
criminólogos, assim, difere substancialmente. O jurista parte de umas premissas "corretas"
para "deduzir" delas as oportunas conseqüências. O criminólogo, pelo contrário, analisa
alguns dados e induz as correspondentes conclusões, porém, suas hipóteses se verificam - e
se reforçam - sempre por força dos fatos que prevalecem sobre os argumentos subjetivos de
autoridade.
obter dele uma informação direta. O Direito limita interessadamente a realidade criminal
(da qual, por certo, só tem uma imagem fragmentada e seletiva), observando-a sempre sob
o prisma do modelo típico estabelecido na norma jurídica, isto é, de forma mediata. Se à
Criminologia interessa como é a realidade - a realidade em si mesma, tal e como se
apresenta -, para explicá-la cientificamente e compreender o problema do crime, ao Direito
só lhe preocupa o crime enquanto (hipotético) fato descrito na norma legal, para descobrir
sua adequação típica. A Ciência do Direito versa sobre normas que são interpretadas em
suas conexões internas, sistematicamente. Interpretar a norma, aplicá-la ao caso concreto e
elaborar um sistema são os três momentos fundamentais da tarefa jurídica nos modelos do
Direito codificado. Por isso, o método básico das ciências jurídicas (normativas) é o
dogmático e seu proceder o dedutivo sistemático.
Mas, o método empírico não é o único método criminológico. Sendo o crime, em última
análise, um fenômeno humano e cultural, compreendê-lo exigirá do investigador uma
atitude aberta e flexível, intuitiva - empática -, capaz de captar as sutis arestas e as múltiplas
dimensões de um profundo problema humano e comunitário.
Uma análise puramente empírica do crime desconheceria que seu protagonista principal é o
homem. Que o homem não é objeto, senão sujeito da história. E que as razões e
significados de sua conduta transcendem a idéia de causalidade. Em conseqüência, como
adverte D. Matza, o subjetivismo, a empatia e a intuição não são incompatíveis com o
naturalismo corretamente entendido e têm perfeito cabimento no método crimi¬nológico, já
que permitem ao investigador captar e compreender os significados do mundo criminal.[8]
O método empírico contribuiu, sem dúvida, para a consolidação da Criminologia como
ciência e ao progresso da mesma. Sem embargo, foi objeto de numerosas críticas, tanto do
ponto de vista epistemológico como ideológico,[9] e não foram poucos os autores a
questionar sua possível aplicação ao âmbito das ciências humanas e sociais, argumentando
que não lhes caberia estabelecer generalizações, uma vez que o comportamento humano é
imprevisível ou de tal complexidade e riqueza de matizes que o método empírico não pode
captar sua essência e seu significado.[10]
Todavia, não parece existir uma alternativa ao método empírico, exceto que se dilua a
atividade científica e se converta em mera ideologia ou em um conjunto de slogans,[11]
Dada a complexidade do comportamento humano e dos fenômenos sociais, cabe sim
completar o método empírico com outros de natureza qualitativa, não incompatíveis com
aquele, capazes de captar e interpretar o significado profundo do drama criminal para além
do frio valor objetivo dos meros dados e análises estatísticas.[12]
São muitas as disciplinas científicas que se ocupam do crime como fenômeno individual e
social. A Biologia (criminal), a Psicologia (criminal) e a Sociologia (criminal), com seus
respectivos métodos, enfoques e pretensões foram acumulando valiosos saberes
especializados sobre o delito. Mas, a análise científica reclama uma instância superior que
Como instância superior, não cabe identificar a Criminologia, desde logo, com nenhuma
das numerosas disciplinas que integram a enciclopédia do saber empírico sobre o crime,
disciplinas, por certo, todas elas, de igual categoria e importância em um modelo não
piramidal de ciência.[14]
Paradoxalmente, sem embargo, referido sistema complexo, plural e heterogêneo, que serve
de substrato à Criminologia, é invocado por um setor da doutrina para negar sua autonomia
científica.[17] E, por outro lado, para configurá-la como autêntica metadisciplina ou
superestrutura fictícia sem objeto próprio distinto do de cada uma das subdisciplinas que a
integram.[18] Tudo isso demonstra que a noção de "interdisciplinaridade" dista muito de
ser pacífica. Que subsiste a polêmica sobre sua delimitação em relação a outros conceitos
aparentemente afins (v.g., multidisciplinaridade) e suas implicações. Lembrar as
dificuldades práticas, operativas, de uma Criminologia efetivamente interdisciplinar não
parece necessário.
2.Ferri, E. Polemica in difesa della Scuola Criminale Positiva, 1886. Reimpresso como
Studi sulla criminalità ed altri saggi, p. 244.
4.Assim, Popper, K. R. La miseria del historicismo, p. 145 e ss., apud Serrano Maillo, A.
Introducción a la criminología, p. 27 e ss.
10.Idem, p. 37 e ss.
12.Serrano Maillo, A. op. cit., p. 40. O autor propõe uma Criminologia "compreensiva",
que se inscreveria, também, em uma ciência empírica e positiva, integrando a metodologia
empírica e outros métodos qualitativos (idem, p. 43).
17.No sentido criticado, Taft, D. R.; England, R. W. op. cit., p. 12. Aceitando a
pluridimensiona¬lidade do substrato real do objeto da Criminologia sem que tal exigência
interdisciplinar questione sua unidade como disciplina científica: Siegel, L. J. Criminology,
p. 5.
Disponível em:
< http://www.wiki-iuspedia.com.br/article.php?story=20070326092114535
>.
Acesso em: 18 mar. 2008.