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Comissão de Curso 2011-2017

Genética Médica II │ Ano lectivo 2012-2013


Aula Teórica n.º2 – Epidemiologia genética – 21/02/2013

Lecionada por: Prof. Doutor João Paulo Oliveira

Desgravada por: Ana Gomes; Ana Rita Salgado; Carlos Mendonça

Nota: Aconselha-se acompanhar a aula pelos slides.

SLIDE 1:

Objectivo: Que métodos temos para estudar a importância das doenças


genéticas, tendo em atenção a sua diversidade, e que podem ser abordadas de
diferentes pontos de vista.

Em algumas circunstâncias, que são, talvez, as mais importantes em


estudos de epidemiologia genética, que é o esclarecimento dos factores que
contribuem para as doenças frequentes nas populações (pelo menos 600
em cada 1000 pessoas acabam em vida por ter uma doença destas).

Portanto, o foco principal da genética, hoje em dia, é estudar/analisar a


causalidade genética que contribui para essas doenças.

É muito mais fácil, sem grandes instrumentos de análise analisar a


causalidade mendeliana da doença do que é analisar a causalidade genética
das doenças com frequência elevada na população, com causalidade
multifactorial.

Portanto, nós temos que ter uma panóplia de estudos genéticos e de


métodos de estudos de análise epidemiológicos que permitam investigar este
tipo de ???

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SLIDE 2:

1ª questão: O que é a epidemiologia genética?

Foi definida por Moore como o estudo da etiologia, distribuição e


controlo de doenças em grupos de familiares ( não estamos a falar de
populações em geral, mas em famílias), e das causas hereditárias de
doença em populações.

Portanto, o foco da epidemiologia genética é a distribuição das doenças


nas famílias, porque as famílias têm em comum um factor ??? que é herdável e
por outro lado, olhar para as populações olhando para as doenças hereditárias
dessas populações

Slide 3:

Quando queremos classificar causalidade genética de doença, nunca


nos podemos esquecer da causalidade ambiental.

 Por exemplo, se é para o extremo desta distribuição


de causalidades, é fácil a gente assumir que é grande a
causalidade ambiental (aqui, situações de infecção e uma
situação de carência nutricional).
 Mas se olharmos para o outro lado, temos exemplos
típicos de doenças mendelianas, logo admitimos que a
causalidade predominante é genética.
 No entanto, para a generalidade das doenças
crónicas da idade adulta (exemplos: diabetes, doença coronária e
hipertensão arterial) existe um terreno genético de risco ao qual
se somam riscos ambientais e daí nós não conseguirmos estudar
epidemiologia genética sem estudar as causas ambientais de
doença na família.

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Slide 4:

Portanto, o campo da epidemiologia genética abrange o estudo dos


determinantes hereditários e ambientais em populações humanas. Não
conseguimos olhar para a causalidade genética de doença sem, ao msm
tempo, percebermos que causalidade ambiental existe a contribuir para o
mesmo fenótipo patológico, para a msm doença.

Slide 5:

Sumariando os paços que são fundamentais numa investigação de


epidemiologia genética:

1º ) Necessário perceber se uma determinada doença, estejamos a


estudar sob o ponto de vista da sua epidemiologia numa população, tem ou

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não um componente genético. Portanto, temos que perceber que o primeiro
passo num estudo de epidemiologia genética é tentar peceber s a doença que
estamos a investigar tem alguma coisa a ver, ou tem um problema de genética
ou não. E portanto, percisamos de estudos que nos permitam perceber s há
causalidade genética envolvida em determinada doença.

Uma vez que o primeiro


passo tenha sido
demonstrado que sim

2º ) Perceber a magnitude relativa do efeito genético quando


comparamos com outras causas de varaição de risco de doença. As outras
causas aqui são sobretudo as cauasas ambientais. Ou seja, uma vez feita a
demonstração que há um coponente genético, o passo seguinte é perceber
qual é a magnitude relativa desse componente genético.

3º ) S nós temos um componente genético demonstrado, percebida uma


magnitude relativa no limite, pode ser mendeliano ou multifactorial, por fim,
queremos saber, independentemente do modelo que estejamos a assumir para
o risco genético, exactamente quais são o(s) gene(s) que são causadores
do risco da doença.

Slide 6:

Principais questões que s levantam numa investigação de epidemiologia


genética:

1º ) Existe agregação familiar? – forma mais simples para saber se


existe um componente genético numa doença. Normalmente, não havendo
agregação familiar de um determinado risco de doença, nós estamos a assumir
que a contribuição dos factores de risco hereditários é mínima ou inexistente.
Mas, não nos podemos esquecer que a agregação familiar tanto pode resultar
de genes herdados dentro da família, como da partilha de um ambiente
comum. E portanto, o facto de existir agragação familiar só por si não é
suficiente para pudermos afirmar que uma determinada doença tem
causalidade genética.

2º ) Existe evidência de efeito genético? – portanto se tivermos uma


agragação familiar que não nos distingue partilha de ambiente de partilha de
factores genéticos de risco, o que nós estamos a tentar responder agora é de
que forma é que podemos perceber, numa doença que mostre agregação
familiar, se tem ou não um componente genético para além de um componente
ambiental, de partilha de ambientes.

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Uma análise estatística importante, nestes casos, é perceber a estrutura
de co-variação. Se nós tivermos co-variação entre factores do ambiente e o
resultado final de uma qualquer doença que estejamos a analisar, a análise
dessa co-variação pode ser um elemento que nos permita discriminar o efeito
genético do efeito ambiental.

3º ) Depois s houver evidencia que existe um factor genético a contribuir


para a doença, precisamos de lhe arranjar um modelo. Exemplos de modelos:

- modelo dominante;
Hereditariedade mendeliana
- modelo recessivo;

-modelo poligénico (o risco da doença depende de variações


múltiplas em múltiplos locis diferentes).

4º ) Se houver evidencia de um modelo genético que nos permita


prossupor um determinado tipo de hereditariedade, tentamos de seguida saber
qual ou quais os genes que causam esta variação de risco.

2 paradigmas de análise para tentar o gene ou os genes de risco:

- análises de ligação;

- análises de associação.

Quando temos testes de ligação ou de associação positivos,


temos uma pista importante para perceber qual é o gene ou a região do
genoma que causam variação de risco de doença entre os diferentes
indivíduos na população.

5º ) Como contribui o gene causador para a doença na população


em geral? – s tivermos uma doença mendeliana com elevada penetrância, não
temos nenhuma dificuldade com esta percepção, com o perceber que a doença
é exclusivamente provocada por uma determinada variação genética. Mas
quando falamos de doenças multifactoriais, aí já se torna diferente porque
podemos ter populações em que os factores genéticos de risco de doença
coronária, por exemplo, sejam mais importantes que os factores ambientais e
por outro lado, podemos ter populações em que os factores ambientais sejam
mais importantes que os factores genéticos.

EXEMPLO: Qual o principal factor de risco do cancro do plumão?


Hábito tabágico.

Como seria esse factor de risco se, por decreto lei, toda a gente
fosse obrigada a fumar um maço de tabaco por dia desde os 10 anos de idade.

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Aí, deixaria de haver qualquer impacto que distinguisse os indivíduos do ponto
de vista ambiental e a causalidade de doença passaria a ser a diferença
genética entre os indivíduos. Nós temos que perceber que pode haver
situações para a mesma patologia em que uma população tenha
predominantemente um componente genético na determinação da doença e
outra população possa ter o componente ambiental. E é este tipo de estudos
que se fazem a este: nível frequência de variantes, magnitude de risco, risco
atribuível, interacções ambientais.

Slide 7:

Diferença entre ligação e associação

Ligação genética Análise de associação

é uma propriedade de locis que já não é uma propriedade de


resulta do facto de estes locis se locis, é uma propriedade de alelos.
encontrarem em posição próxima num Numa análise de associação identifico
cromossoma e por isso serem pouca um determinado alelo de um
vezes recombinados por efeito de determinado gene e vou verificar se
crossing-over em meiose. E portanto, na POPULAÇÃO que estou a estudar
aquilo que nós estamos a dizer (não preciso de estudar famílias) esse
quando falamos em ligação é que há alelo aparece mais vezes do que era
um determinado gene que segrega esperado em pessoas que tenham
mais vezes com outro gene pelo uma determinada doença. Deixo de
simples facto de estar na estar a observar se um alelo qualquer
(1)
proximidade. num determinado locus segrega com
a doença, mas passo a testar a
hipótese que um alelo específico de
um locus específico segrega com a
doença na população.

Geralmente precisam de Basta um marcador bialélico


maracadores polimórficos. (posso ter um single nucleotide
polimorfos para fazer este tipo de
estudos

Faço cartografia génica Faço cartografia génica mais


relativamente grosseira (há dois locus fina (pode ser a menos de um
que têm ligação genética) Centimorgan) porque quando estudo
um alelo em associação com uma
doença, estou a afirmar que aquele
locus está em desiquilíbrio de ligação

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muito estreita com a doença

Não preciso de saber qual é a


variente alélica que se associa com
maior risco de doença, pois a
segregação não tem qualquer
implicação patogénica nessa análise

(1)
S pensarmos num determinado fenótipo patológico, por
exemplo uma doença mendeliana com elevada penetração, facilmente
identificável nos indivíduos que a têm e fizermos uma análise de genes
para perceber, dentro dessa família se um alelo presente num
determinado gene, seja ele qual for, segrega mais vezes nessa família
com a doença, temos um estudo de ligação. É indiferente se o alelo que
estou a estudar é o alelo A, B ou C, a única coisa que me importa é
perceber na geração mais antiga que eu estou a estudar dentro dessa
família, qual é, desses alelos, que se liga ou que está presente também
no indivíduo que tem o fenótipo. Estudo a descendência e verifico nas
famílias com essa doença se há concordância nessa segregação.
Por exemplo, uma doença A numa determinada família, o
primeiro elemento da família com essa doença tem um alelo A num
determinado locus; noutra família ao lado, com a msm doença, eu tenho
um indivíduo doente com o alelo B. Depois estudo a descendência e
verifico se o alelo B, na segunda família, e se o alelo A, na primeira
família, estão mais vezes presentes nos indivíduos classificados como
doentes do que naqueles que não têm a doença.

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Slide 8:

Se eu tenho um alelo que eu reconheço ser de risco, posso ter uma


implicação patogénica associada. Eu preciso de saber qual é o alelo que devo
estudar, por ter maior risco aparente na população.

De que forma podemos recrutar casos para estudos de


epidemiologia genética?

A maior parte dos estudos são feitos coortes de indivíduos que têm
o mesmo património genético, indivíduos aparentados (famílias nucleares,

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pares de familiares afectados, genogramas alargados ou estudos de gémeos).
Estamos, portanto, a analisar riscos entro de indivíduos que têm uma
determinada relação de parentesco entre si e portanto partilham determinados
factores genéticos.

Mas é possivel fazer estudos deste tipo com seleção de casos a partir da
população geral. Que diferença é que existe? Podemos fazer estudos de
associação com estes grupos de coortes de estudo, não posso fazer
estudos de ligação ou de segregação senão estudar indivíduos
aparentados.

Ou seja, estudos de associação podem ser feitos em grupos de


familiares ou em grupos da população geral. Estudos de ligação ou de
segregação obrigatoriamente implicam que eu tenha um recrutamento de
indivíduos familiares.

Atenção: os estudos de coorte e os estudos de casos-controlos podem


ser aplicados também a estudos genéticos com a seguinte modificação

Estudos caso-controlo e de coorte (slide 9)

O que nós chamamos de exposição num estudo de coorte ou num


estudo de caso-controlo, quando analisamos factores genéticos de risco de
doença, a exposição é o factor genético de risco. Portanto nós não estamos
a falar de exposição a um micróbio nem de exposição a um determinado
ambiente, o que estamos a dizer é que, um indivíduo exposto é um indivíduo
que tem uma determinada característica genética e que um individuo não-
exposto é um individuo que não tem uma determinada característica genética.

E, portanto, o sumário desses estudos, vocês sabem, o estudo caso-


controlo é um estudo que começa como se fosse de trás para frente, ou
melhor, da frente para trás. O que nós temos é um resultado final de indivíduos
que têm ou não uma determinada doença e o que vamos testar posteriormente
é se estes indivíduos que têm ou não têm uma determinada doença qual é a
proporção deles que têm o factor genético de risco que estamos a considerar.

Portanto, poderemos chegar à conclusão que um determinado fator


genético de risco tem num estudo de caso-controlo tem um odds ratio, não se
esqueçam que a estatística nos casos-controlos chama-se odds ratio, tem um
odds ratio significativamente mais alto que a não exposição, estamos a inferir
daí que o factor de risco genético que estamos a estudar é de facto contribuidor
do risco de doença.

Quando falamos de estudos de coorte temos este… um desenho


diferente. Eu selecciono uma série de indivíduos e vou verificar dentro desses

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indivíduos inicialmente classificados como expostos e não-expostos em função
do teste genético que eu lhe faça, vou verificar quantos casos se desenvolvem
de novo nesta coorte, nesta população. Nós aqui, a estatística é diferente.
Enquanto aqui temos um valor que não se chama odds ratio, aqui temos um
valor que se chama risco relativo.

E também já sabemos que do ponto de vista das vantagens e


desvantagens destes estudos, podemos trazer para o campo de epidemiologia
genética aquelas que vocês já conhecem das limitações de um e de outro.

Os estudos de caso-controlo são estudos mais vulneráveis a erros de


recrutamento, a viés de recrutamento, e são estudos que têm uma muito
pouca eficiência para detectar exposições raras. Se eu fizer um estudo
caso-controlo para estudar o risco genético associado a um alelo muito raro na
população estou a fazer um perfeito disparate. De qualquer maneira são
estudos que se fazem mais rapidamente e que em geral são mais baratos
que os estudos de coorte.

Os estudos de coorte são estudos que têm uma menor vulnerabilidade


a viés de recrutamento, têm normalmente um custo muito maior, demoram
mais tempo a serem realizados e são muito pouco eficazes para testar
exposições de baixa frequência. Portanto, se eu fizer um estudo de coorte
para identificar o risco associado a variante genética qualquer que tenha uma
prevalência na população de 1 para 10 000, vocês estão a ver o tipo de coorte
que eu precisaria para ter um resultado estatisticamente significativo. Portanto
se eu estou a fazer um estudo de coorte para analisar o risco associado a uma
variante de baixa frequência estou a cometer um erro crasso metodológico.

Doenças Genéticas (slide 10)

Eu hoje estou a trazer, a repetir este diapositivo da aula anterior para


vos voltar então a localizar bem este tipo de análises.

Quando nós temos alelos na população com uma frequência muito


rara mas uma penetração alta do fenótipo, isto é o paradigma das doenças
mendelianas, eu não tenho muito problema em identificar causas genéticas de
risco. Isto foi a história da genética da segunda metade do século XX.

Quando tenho situações de doença que tenham uma causalidade


genética mas que, essa causalidade genética resulte de alelos com uma
prevalência baixa na população, e que ao mesmo tempo tenha uma
penetração fenotípica baixa, é muito difícil nestas situações identificar
causalidade genética por muitos métodos de análise que eu tenha.

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Depois é extremamente infrequente, nós pensarmos que há doenças
com penetração alta resultantes de alelos muito frequentes na população.
Isto é infrequente.

O que é frequente é que nós encontremos alelos com frequências


elevadas, estamos a falar acima de 1%, está entre o 1 e o 10%, que
contribuam para um determinado risco patológico com penetrância baixa.
Então, a maior parte destas causas genéticas de doença, que são aquelas que
nós analisamos hoje em dia nas doenças crónicas do adulto são
identificadas por estudos de associação all genome. Genome Wide
Association Studies se alguma vez lerem algum artigo sobre isto em inglês,
GWAS. Porquê?

Porque nós estamos a falar, é que para identificar variantes


multifactoriais poligénicas para estas doenças, temos normalmente que
estudar marcadores genéticos que estão uniformemente distribuídos ao
longo de todo o genoma, estamos a falar de dezenas de milhares de
marcadores, e verificar quais desses é que dão um sinal de associação
estatisticamente significativo com a segregação de fenótipo na população. E
portanto, este grupo de doenças é o paradigma daquelas que se estudam com
este tipo de análise.

Epidemiologia genética (slide 11)

Se quisermos sumariar o, de uma forma relativamente estruturada, os


tipos de estudos que fazemos no âmbito da epidemiologia genética podemos
sumariá-los desta forma:

1. Estudos descritivos - que identificam ou que vão procurar


identificar factores inespecíficos de causalidade de doença, por
exemplo, um paradigma deste estudo são os estudos de migrantes que
nos permitem estudar se há variação genética de risco para alguma
doença em populações que migraram de um lado para o outro; isto
permite-nos avaliar alguns riscos ambientais. Há um famoso estudo
chamado Paquete de Aladino, acho que é assim que se chama, acho
que é assim que foi nomeado, que estudou o risco de desenvolvimento
de diabetes em judeus que migraram do Iraque para…do Iraque e do
Iémen para o estado de Israel na década de 50 que demonstrou que
esses judeus migrantes tinham uma determinada prevalência de
diabetes enquanto no sítio original donde, onde estavam radicados essa
prevalência triplicou, quadriplicou em apenas uma ou duas gerações.
Isto significa o quê? Que a mesma população exposta a um ambiente
diferente, e aqui o ambiente é puro e simplesmente um ambiente
alimentar, nutricional, mudou completamente o risco.

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2. Estudos de agregação familiar - já falámos no
1ºsemestre da importância de estudos de gémeos, permitem-nos
perceber se há ou não maior risco de doença para familiares do que na
população em geral.

3. Depois, estudos de factores genéticos específicos, da


análise de ligação génica enquadram-se aqui.

4. E por último, estudos de análise genética complexa, que


se baseiam em padrões de segregação; análise de segregação que
permitem perceber coisas deste género. Isto é de que forma é que uma
determinada, um determinado caminho de herança multigeracional de
um marcador genético causa dentro dessa família risco de
desenvolvimento de doença. Portanto vamos tentar analisar o caminho
de cada um destes passos até percebermos como é que estas coisas se
depois estruturam.

Epidemiologia descritiva (slide 12)

Os mais simples, os estudos mais simples de epidemiologia genética


são aqueles que aqui estão sumariados: epidemiologia descritiva. Um
exemplo de epidemiologia descritiva: perceber que a frequência do gene da
anemia de células falciformes, está aqui mostrado em África e na Ásia (slide
13), tem exactamente uma distribuição semelhante ao do palodismo
plasmodium falcipar.

Temos aqui um estudo que mostra ou que mostrou uma coisa


importante que é que a heterozigotia para o gene da hemoglobina S é
protector, confere uma vantagem, para os seus portadores relativamente à
resistência à infecção pelo plasmodium. Qual é a contrapartida negativa disto?
Obviamente sendo esta uma doença recessiva aumenta o número de doentes
com doença grave, mas do ponto de vista da população é uma vantagem.

Outros estudos de epidemiologia descritiva (slide 14), só vos vou dar


aqui este exemplo: talassemia beta e talassemia alfa são particularmente
frequentes em determinadas populações do mediterrâneo de que nós fazemos
parte também, nós também temos uma elevada prevalência de talassemia alfa
e talassemia beta.

E, portanto, o que temos aqui é perceber do ponto de vista da análise


descritiva, qual é a distribuição de determinadas doenças em determinados
grupos populacionais. São…não nos demonstram nada sobre a causalidade
genética da doença mas sugerem esta ligação entre fatores… fatores de

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análise epidemiológica de populações com distribuição de doença, sugere que
pode haver um problema genético subjacente que valha a pena estudar.

Agregação Familiar (slide 15)

Segundo grupo de estudos: agregação familiar. Eu disse-vos que a


agregação familiar é importantíssima para discriminarmos relativamente a uma
doença se tem ou não tem possível causalidade genética.

Qual é o principal fator de contagem… de medição dessa agregação


familiar? (slide 16) Chama-se lambda R. Lambda R é a razão de risco familiar
ou risco relativo de recorrência. O principal lamba que se estuda normalmente
é o lambda S. R quer dizer relative, portanto será o lambda entre qualquer
parente que eu esteja a estudar. Lambda S quer dizer nascity (não se percebe
muito bem o que ele está a dizer mas na Pubmed diz que o lambda S é
recurrence-risk ratio of disease in siblings) entre irmãos, portanto o que é que
significa o lambda R, é a razão de risco de doença em irmãos e o risco na
população em geral de onde esses indivíduos fazem parte.

O lambda R obviamente aumenta em relação directa com a


proporção de causalidade genética na doença, quanto maior a causalidade
genética mais alto é expectável que o lambda seja e em relação inversa com
a prevalência da doença na população. Se a doença for rara na população, o
lambda aumentará mais em situações de causalidade genética familiar.

Vamos olhar para um exemplo concreto (slide 17). Primeiro para uma
doença dominante. Qual é o risco para irmãos de alguém que tem doença de
Huntington numa família? É 50%. Estamos a falar de uma doença dominante.
Qual é a prevalência na população de Huntington? 1 para 10 000. Tem um
lambda S de 5 000.

Vamos olhar para uma doença recessiva. Tem um lambda S de 500.

Mas estes aqui, estes lambdas para doenças mendelianas não nos
interessam nada, estamos fartos de saber que há factores genéticos de risco
envolvidos e que esses factores genéticos não precisam para nada desta
análise.

Mas aqui, doença de Alzheimer, uma doença que é uma doença


neurodegenerativa tardia da idade adulta, com condicionalismo
multifactorial, reparem que precisamos de saber se há ou não agregação
familiar e vejam o que é que acontece: 30 a 40% dos irmãos de um indivíduo
que tenha Alzheimer, também desenvolvem Alzheimer. O risco para a
população em geral é de 1%, o que significa que para familiares de um doente
existe um risco 3 a 4 vezes aumentado. Portanto este lambda S para o

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Alzheimer sugere a existência de agregação familiar e portanto, sugere que
há pelo menos a necessidade de testar a hipótese de que haja factores
genéticos na sua génese.

Um outro exemplo de estudos de lambda S: as doenças inflamatórias


do intestino (slide 18). Reparem quando eu olho para a doença de Crohn e
para a colite ulcerosa, esqueçam isto aqui, vamos focar-nos na terceira
coluna. Nesta coluna aqui.

Quando eu olho para o lamba S para a doença de Crohn ou para a colite


ulcerosa, eu não tenho a mínima dúvida de que existem factores genéticos
envolvidos na sua génese. Reparem o risco para um doente é 16 a 32 vezes
maior, o risco para o irmão de um doente é 16 a 32 vezes maior que na
população geral; para a colite ulcerosa é de 12 vezes maior que a população
geral. E, portanto, isto sugere, provavelmente, que há um componente
genético importa-nos tirar.

Se olharmos agora para a coluna, para a quarta coluna, o que isto


significa é um lambda S obtido apenas para irmãos com a mesma
constituição de HLA, com o mesmo haplotipo do locus major de
histocompatibilidade. E reparem, enquanto para a colite ulcerosa, nós
continuamos a ter um lambda muito alto; há uma perda enorme de risco de
agregação quando olhamos para a doença de Crohn, o que é que isto
significa? Significa que provavelmente a contribuição da constituição genética
no locus major de histocompatibilidade é muito menos importante para a
doença de Crohn do que é para a colite ulcerosa. Isto pode pôr-nos na pista de
que vale a pena estudar como é que do ponto de vista patogénico
relacionamos HLA com colite ulcerosa, e provavelmente valerá muito menos a
pena estudar isso para a doença de Crohn.

Temos aqui um exemplo, um outro exemplo de um estudo de agregação


familiar que é um estudo de coorte (slide 19). Reparem, o modelo de estudo
de coorte em doenças genéticas pode ser este que aqui está. Eu vou estudar
familiares de doentes. Identifico na população, doentes e não-doentes e
depois vou estudar, por exemplo, familiares em primeiro grau de doentes e
familiares em primeiro grau de não-doentes, constitua esta coorte, que vou
observar ao longo do tempo, e no final do estudo vou verificar qual é a
prevalência da doença em cada um destes grupos que nos permitem desta
forma analisar um factor de risco genético relativamente ao desenvolvimento
de determinada doença.

Também posso fazer um estudo casos-controlo (slide 20) como este


que aqui está. Estudando, identificando casos e controlo, olhando para os seus
familiares em 1ºgrau, por exemplo, e a minha população de casos e de

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controlos são familiares de casos e familiares de controlo e verificar qual é a
proporção de afectados e não-afectados em cada um destes grupos. Reparem
que nós aqui temos, é que a prevalência de doença em familiares de casos é
muito maior do que em familiares de controlo, isto sugeriria um componente
genético de doença.

Causalidade genética ou ambiental? (slide 21)

Nós já falamos de estudos de migrantes, mas depois, e no primeiro


semestre falamos muito de análise de gémeos. Os estudos de gémeos, os
estudos de concordância em gémeos são um dos principais métodos que
temos para analisar causalidade genética e agregação familiar.

Temos aqui um paradigma de um estudo de concordância em


gémeos (slide 22) para a doença de Alzheimer. Reparem, tenho uma
população de gémeos, identifico gémeos monozigóticos e gémeos dizigóticos
dentro deste grupo e depois vou verificar quantos dos gémeos monozigóticos
têm ambos os irmãos afetados, quantos gémeos dizigóticos têm ambos os
irmãos afetados. O que nós temos aqui é que a concordância é 2 em 18 para
gémeos dizigóticos e 4 em 19 para gémeos monozigóticos.

Também vos mostrei no primeiro semestre, que os estudos de


concordância nos permitem obter uma estimativa da causalidade hereditária,
da contribuição genética para o desenvolvimento de doença através daquilo
que se chama a heredabilidade. Eu também vos disse que do ponto de vista
metodológico, a forma mais correta matematicamente de calcular a
heredabilidade em estudos de gémeos, para doenças deste tipo, é multiplicar
por dois a diferença de concordância observada entre gémeos
monozigóticos e dizigóticos.

Está aqui este exemplo (slide 23): vamos imaginar que eu estou a fazer
um estudo da heredabilidade de Diabetes Mellitus tipo II. Tenho concordância
em gémeos monozigóticos que varia entre o 0,70 e o 0,90; tenho concordância
em gémeos dizigóticos que varia entre os 25 e os 40%. Se eu multiplicar por 2
esta diferença 90 para 40 vezes 2 dá 1 ou multiplicar o valor desta diferença
0,25 para 0,70 dá 0,90, e portanto eu tenho uma estimativa de que a
heredabilidade do Diabetes Mellitus tipo II é entre 90 a 100%. O que é que isto
significa? Que a grande parte da causalidade genética do Diabetes Mellitus tipo
II é exactamente esta diferença, ou melhor, é avaliável a partir desta diferença
e é provavelmente genética.

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Análise de segregação (slide 24)

O que é uma análise de segregação? As análises de segregação


permitem-nos perceber o tipo de hereditariedade subjacente. Propor um
modelo!

Se eu tenho uma segregação de um determinado alelo, aqui


designo por D, sempre com fenótipo patológico, e eu sei que os indivíduos que
têm heterozigotia para esse alelo são doentes, eu tenho um modelo dominante.
Por outro lado, se eu sei que é necessário homozigotia para o alelo causar
determinada doença, eu tenho um modelo recessivo. Isto é fácil de entender e
vocês estão fartos de conhecer este tipo de análise.

Loci de susceptibilidade para a doença por análise de ligação

Nós temos possibilidades de fazer dois grandes tipos de análise de


ligação: análises paramétricas e análises não-paramétricas.

As análises paramétricas requerem que nós tenhamos uma hipótese


para explicar a hereditariedade da doença. Implicam que eu suponha ou faça
uma estimativa da taxa de recombinação, da penetrância para puder testar a
hipótese.

As análises não paramétricas estudam classes de familiares afectados


e não supõem nenhum modelo prévio para levar o estudo para a frente.

Vou-vos dar um exemplo de um estudo de análise de ligação clássico


que foi o primeiro locus identificado através de ligação ao grupo
sanguíneo ABO. Isto é um paradigma de um estudo de ligação, não de
associação.

Reparem, nesta família, que tem aqui oito filhos na terceira geração, dos
quais quatro afectos com síndrome de unha rótula, que é facilmente
reconhecível pelo aspecto dismorfo. Quando olhamos para a segregação do
locus AB0 (ABzero) e não para a doença, porque só depois é que se sabe,
só muitos anos mais tarde é que se veio a demonstrar que o gene causal do
síndrome da unha rótula é o gene LMX1B, em 9q43 que é nas
proximidades do locus AB0 (ABzero), mas reparem, o que nós aqui temos é
o estudo final da década de 60, em que tínhamos uma família em que este
indivíduo AB tem um pai afectado de quem herdou o alelo A e tem estes oito
filhos e apenas num caso, que é este assinalado por um asterisco, é que tendo
herdado o alelo A não coincidiu com a herança da doença. Portanto é o único
caso de recombinação aqui (a taxa de recombinação é de 10% relativamente

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ao gene do grupo sanguíneo ABO. Em todos os outros a herança de B paterno
não resultou em doença; a herança de A paterno resultou em doença. Portanto
isto é um paradigma de uma análise de ligação, é um estudo histórico. Se
olharem para a estatística disto, vão ficar admirados como é que se tiraram
conclusões de um estudo que do ponto de vista de validade estatística não é
significativa, tem um p<0.12, mas de qualquer maneira, foi de facto, o caminho
para se perceber que a doença segregada pelo locus AB0 (ABzero) e para
depois identificar o gene que lhe estava subjacente.

Um estudo muito mais recente, com o mesmo tipo de análise, mãe e três
filhas, tendo duas das filhas e a mãe cancro da mama em idade precoce e
vocês reparem aqui já não estamos a falar de um locus sanguíneo serológico,
estamos a falar de um locus molecular, variantes moleculares, e reparem que
ter herdado o alelo 2 da mãe levou ao desenvolvimento de cancro da mama
nas filhas. Foi isto que levou à identificação do gene BRCA1 (17q21), foi o
primeiro gene identificado para o risco de cancro da mama

Marcadores de susceptibilidade para a doença em estudos de


associação

Existe um grupo diverso de metodologias que permitem avaliar este tipo


de riscos, agora não estamos a falar de ligação, estamos a falar de
associação.

Eu só vos queria chamar a atenção para o teste de desequilíbrio de


transmissão, que é considerado o mais robusto para análise de
associação e mencionar apenas o risco relativo haplotípico.

Em que é que isto se baseia? Se nós fizermos estudos deste tipo de


associação numa população geral, não em grupos de familiares, nós temos um
problema com a estratificação da população. O que é que isto quer dizer? Se a
população for constituída por grupos que sejam misturas de indivíduos
geneticamente diferentes, eu possa ter a evidência de uma efeito pura e
simplesmente porque em termos de controlo tenho mais gente de uma
determinada etnia e menos gente de outra etnia. E este tipo de análises, que
se baseiam em trios de caso-progenitores ultrapassam esse problema
porque faz o estudo de associação dentro de grupos de familiares.

Qual é o fundamento teórico disto? Casos: são os alelos transmitidos.


Controlos: são os alelos não transmitidos. Não são indivíduos diferentes
os casos dos controlos, o que são, são alelos diferentes. Isto é, a
população de controlos, é a população de alelos observados nos pais de um
individuo doente que não foram transmitidos aos filhos. A população de casos

15 Aula Teórica n.º2 – Epidemiologia genética – 21/02/2013


são os alelos presentes nos pais de indivíduos que tinham o filho doente e que
foram transmitidos ao filho doente. Portanto, o que nós estamos a dizer, na
prática, é que vamos calcular qual é a proporção de alelos transmitidos
aos filhos doentes e a proporção de alelos não transmitidos aos filhos
doentes, que são do tipo que eu quer analisar.

Teste de desequilíbrio de transmissão

O teste de desequilíbrio de transmissão baseia-se também neste tipo de


análise, mas o teste de desequilíbrio de transmissão aplicado ao risco de
desenvolvimento de leucemia mieloblástica aguda está aqui representado.
Volto a insistir, isto são testes que se baseiam no estudo de trios em que
temos dois progenitores não afectados com um individuo com uma
determinada doença.

E aqui eu fui testar o seguinte: este alelo HLA-B62, tem ou não tem,
condiciona ou não condiciona, o risco de desenvolvimento de leucemia
mieloblástica aguda na criança? O teste de desequilíbrio de transmissão em
treze casais, que tiveram um filho com leucemia mieloblástica aguda, em que
um dos progenitores era heterozigoto para o alelo HLA-B62, o que é que
aconteceu? Aconteceu que em doze casos, destes treze casais, o alelo B62
foi herdado pelo filho doente, e apenas num caso não foi. Ora, isto é
clarissimamente diferente da expectativa 50/50 se não houvesse risco
genético associado à herança desta variante. Neste teste, o teste de

16 Aula Teórica n.º2 – Epidemiologia genética – 21/02/2013


desequilíbrio de transmissão, é um teste de associação baseado em
recrutamento de trios progenitores de um filho doente que nos permite
fazer esta análise de associação ultrapassando o problema da
estratificação das populações para estudos de recrutamento global.

Ora bem, isto é um sumário do que eu vos estive a dizer até agora.
Vocês vão ter acesso depois a isto, mas o que nós temos aqui é um sumário
destes passos todos, chegar ao fim de um caminho de cortes sucessivas que
uma determinada doença tenha causalidade genética, e temos aqui um
conjunto de circunstâncias em que o resultado da análise nos sugere que
não devamos continuar a fazer análises de riscos de factores genéticos
de risco. Quais são esses?

 Não haver evidência de agregação intrafamiliar (não


havendo evidência de agregação intrafamiliar provavelmente é
melhor considerarmos que isto não é um problema genético);
 Depois, não haver um padrão de agregação
consistente com efeitos de genes, mesmo que haja agregação
familiar se nós não conseguirmos identificar um padrão
consistente, provavelmente o que nós estaremos pela frente é
agregação familiar resultante de partilha de factores ambientais, e
talvez seja melhor considerar outro problema e não perder mais
tempo com este;
 Depois, existe evidência que um gene com efeitos
suficientemente grandes justifique os elevados custos dos
estudos para identificar, aqui será outra situação em que
devemos pensar se vale a pena pensar se devemos prosseguir
com o estudo genético, com esta ressalva aqui, se nós tivermos
uma determinada doença que tenha um condicionante genético,
mas esse condicionante genético seja mínimo e os estudos que
são necessários para o demonstrar tenham um impacto financeiro
muito grande, a questão neste momento já não e meramente
teórica, é teórica e pragmática, porque provavelmente não se vai
conseguir financiamento para um estudo destes, e portanto estes
estes três.

A resposta não a estas duas perguntas (aos primeiros dois pontos),


inequivocamente apontam para não haver recomendação para se continuar a
hipótese de uma causalidade genética, aqui (último ponto) vai depender de
financiamentos e das expectativas que se possam ter.

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