Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Germany
I – Os factos:
Em 27.09.2002, Magnus Gäfgen, estudante de Direito, atraiu o pequeno Jacob von Metzler, com 11
anos de idade, para o seu apartamento em Frankfurt.
J. era filho de um conhecido banqueiro em Frankfurt e irmão de uma colega de Gäfgen.
Uma vez no apartamento, matou J. sufocando-o.
Após, enviou uma nota de resgate para a casa dos pais de J. dizendo que ele havia sido raptado e que
seria entregue mediante o pagamento de 1 milhão de euros.
De seguida, dirigiu-se para uma lagoa localizada numa propriedade privada perto de Birstein, a cerca
de 1h de distância de Frankfurt, e escondeu o corpo de J. debaixo de um molhe.
No dia 30.09.2002, Gäfgen recolheu o resgate que havia sido deixado numa estação e, a partir dessa
data, passou a estar sob vigilância policial.
Parte do dinheiro foi depositado na sua conta e a outra parte foi levada para o seu apartamento.
Nessa tarde, foi detido no aeroporto de Frankfurt pela polícia que o atirou para o chão.
Nessa sequência, foi examinado pelo médico que observou as lesões provocadas pelo contacto com o
chão quando foi detido.
Na esquadra da polícia foi informado dos seus direitos e questionado acerca do paradeiro de J., tendo
afirmado que o mesmo tinha sido raptado por outra pessoa.
Após efetuarem busca ao seu apartamento descobriram parte do dinheiro do resgate.
Na manhã de 01.10.2002, Mr. Daschner, o chefe da polícia de Frankfurt, ordenou a Mr. Ennigkeit que
ameaçasse Gäfgen com “considerável dor física” e, se necessário, que o sujeitasse a tal dor, para que
este revelasse a localização de J.
O E. cumpriu a ordem ameaçando Gäfgen e dizendo, inclusive, que estava prestes a chegar uma
pessoa especialmente treinada para lhe infligir dor até que ele revelasse a localização da criança.
Segundo Gäfgen, o E. ameaçou fecha-lo numa cela com dois homens negros enormes que iriam abusar
sexualmente dele.
De igual modo, o E. bateu-lhe várias vezes no peito e empurrou a cabeça contra a parede.
Com receio de ser exposto a tais medidas, Gäfgen revelou o paradeiro de J. logo passados cerca de
10 minutos.
Em Birstein, Gäfgen indicou a localização precisa do corpo e foi forçado a andar descalço durante
todo o procedimento.
No regresso, confessou ter morto J.
Ao chegar à polícia, foi autorizado a consultar o seu advogado.
Em 01.10.2002, numa nota constante do processo, o chefe da polícia, Mr. Daschner, referiu que naquela
manhã achou que a vida de J. estaria em grave perigo e que as ameaças feitas a Gäfgen tinham apenas
como objetivo salvar a vida de J.
Os certificados médicos de 04.10.2002 e de 07.10.2002 são coerentes com o descrito, nomeadamente
porque confirmam a existência de hematomas junto ao pescoço, lesões na pele, inchaço nos pés,
bolhas, hematomas de sangue nos braços, etc…
Aquando do interrogatório pela polícia em 04.10.2002, pelo procurador da república em 04.10.2002,
14.10.2002 e 17.10.2002 e perante o tribunal distrital em 30.01.2003, Gäfgen confirmou a confissão
feita anteriormente, em 01.10.2002.
Em janeiro de 2003, a procuradoria de Frankfurt instaurou processo crime contra o chefe da polícia e o
agente supra mencionados.
II – As questões suscitadas:
O tribunal alemão deu como assente que a confissão foi extraída sob coação e, assim, não a admitiu como
prova no julgamento.
No entanto, declarou admissível a prova obtida na sequência daquela confissão, tal como o corpo da
criança e as marcas dos pneus do carro de Gäfgen.
Durante o julgamento, e apesar de ter sido advertido do seu direito de se manter em silêncio e da
inadmissibilidade da confissão anterior, Gäfgen confessou novamente.
ARTIGO 3°
Proibição da tortura
Em suma, o TEDH considerou que Gäfgen já não podia, nesta altura, ser considerado vítima para efeitos
de aplicação deste artigo porquanto os tribunais domésticos já haviam admitido a violação da disposição
e já tinham possibilitado suficiente “reparação” do dano, inclusive mediante o julgamento e condenação
dos dois polícias envolvidos.
Gäfgen invocou que o seu direito a um processo equitativo tinha sido violado pelo facto de ter sido usada
prova obtida em consequência da tortura.
No TEDH, a maioria dos juízes considerou não ter havido qualquer violação da referida disposição.
Entende o TEDH que o artigo 6.º não consagra um direito absoluto. Entende igualmente que a equidade
do processo só está em risco se a violação do artigo 3.º tiver uma influência direta no resultado dos
procedimentos.
Ora, no caso vertente, a condenação foi baseada única e exclusivamente na confissão feita em sede de
julgamento. O TEDH considerou que o nexo causal entre a ameaça de tortura e a condenação havia sido
quebrado. (“(…) the breach of art. 3 in the investigation proceedings had no bearing on the applicant’s
confession at the trial.”)
Aparentemente, e em confronto com o Acórdão Jalloh v. Germany, parece que neste caso o TEDH
distinguiu entre a prova obtida mediante tratamento desumano e, naquele caso, a prova obtida mediante
tortura. Entendimento que foi, aliás, criticado pelos seis juízes que votaram contra o acórdão.
Nas palavras daqueles seis juízes, os procedimentos criminais formam um todo conectado entre si. O
evento processual pode influenciar os restantes e quando esse mesmo evento viola um direito fundamental
(no caso, o direito a não ser sujeito a tortura ou a tratamentos desumanos), os efeitos adversos que daí
decorrem devem ser completamente erradicados do processo.
Em suma
O TEDH dá como assente a violação do artigo 3.º, no entanto considera que Gäfgen já não é uma vítima
nos termos do mesmo artigo dado que os tribunais domésticos já declararam essa violação e já
providenciaram efetiva reparação dos danos;
O TEDH não declara que tenha sido violado o artigo 6.º porque a violação do artigo 3.º, ou seja, a o
tratamento desumano a que Gäfgen foi sujeito, em nada influenciou a confissão feita em julgamento.
Podia o tribunal doméstico ter declarado admissível a prova obtida mediante a confissão obtida sob
coação?
A confissão efetuada no julgamento pode ser considerada envenenada?