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DENÚNCIA GENÉRICA

A regra jurídica vigente, portanto, é no sentido de não admitir a chamada denúncia genérica que, por não descrever os
fatos, ofende diretamente princípios básicos do ordenamento jurídico brasileiro, como o do contraditório, ampla defesa
e a própria dignidade da pessoa humana.

Trata-se de entendimento sedimentado nos Tribunais pátrios.

STF: inadmissível denúncia genérica. estado de direito.


princípio da dignidade humana.
HC N. 84.409-SP
RELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ESTADO DE DIREITO. DIREITOS FUNDAMENTAIS.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP NÃO
PREENCHIDOS.
1 - A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido reflexão no
plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa.
Precedentes.
2 - Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se
coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito.
3 - Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não é difícil perceber os danos que
a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Necessidade de rigor e prudência
daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre
o seu curso.
4 - Ordem deferida, por maioria, para trancar a ação penal.

http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?
story=20090721100808163

enúncia Genérica versus Ampla Defesa, Contraditório


e Dignidade da Pessoa Humana
Denúncia Genérica versus Ampla Defesa, Contraditório e Dignidade da Pessoa Humana

A- A+
21/07/2009-09:30 | Autores: Luiz Flávio Gomes; Patrícia Donati de Almeida;

LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br)

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-
Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado
(1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. Denúncia Genérica versus Ampla Defesa, Contraditório
e Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em http://www.lfg.com.br 21 julho de 2009.

O sujeito foi denunciado, juntamente com mais dezessete pessoas, em concurso de agentes, pela prática de vários
crimes. A denúncia não individualizou a conduta de cada um deles. Questionamentos:

1) Em caso de concurso de pessoas, a individualização da conduta de cada um dos envolvidos é indispensável?

De acordo com a redação do art. 41 do CPP sim.

2) A denúncia genérica é possível nessa hipótese?

A chamada denúncia genérica ofende princípios constitucionais relevantes (ampla defesa, contraditório e dignidade da
pessoa humana) e ainda contraria o direito internacional (que vale mais que o ordinário).

3) Qual o entendimento hoje prevalecente nos Tribunais brasileiros?

Em se tratando concurso de agentes, a regra geral é a individualização das condutas, quando possível. No entanto,
não havendo tal possibilidade, o órgão acusador terá que vincular o comportamento criminoso de cada envolvido com
o resultado final.

Decisão da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5). PENAL E PROCESSUAL.
HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. SONEGAÇÃO FISCAL. LAVAGEM DE
DINHEIRO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. NÃO EVIDENCIADAS A AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E A INÉPCIA DA
DENÚNCIA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPROPRIEDADE DA VIA PROCESSUAL ELEITA.
ORDEM DENEGADA. 1. Em habeas corpus, somente se viabiliza o trancamento de ação penal ou inquérito policial por
falta de justa causa quando, à primeira vista, resultar da exposição dos fatos imputados que os mesmos não
constituem ilícito penal, demonstrando-se a atipicidade da conduta, ou que se constate, de todo plano, a inocência do
acusado, por ausência de elemento indiciário da autoria do delito, ou ainda que se reconheça extinta a punibilidade. 2.
Não favorece à impetração eventual discussão acerca da capitulação jurídica do tipo penal contido na denúncia, em
que se defende o acusado dos fatos ali narrados. 3. A exposição dos fatos narrados reclama dilação probatória,
medida inconcebível nesta via estreita de conhecimento, em face da amplitude da matéria, a justificar a necessidade
da instrução criminal. 4. No caso, a denúncia não é inepta, pois, atendidos os requisitos do artigo 41 do Código de
Processo Penal, propõe a sua narrativa, de forma suficiente, uma incriminação que deve ser provada, sendo o fato
noticiado penalmente típico, havendo fortes indícios da materialidade e autoria dos delitos imputados. O exame da
peça delatória requer do juiz a consideração do princípio do in dubio pro societate, conquanto, na espécie, a justa
causa é evidente. 5. Ordem de habeas corpus denegada.

Comentários: o CPP (Código de Processo Penal), em seu art. 41, traz os requisitos da denúncia (ou queixa). São
eles:

a) exposição do fato criminoso e suas circunstâncias (imputação);

b) qualificação do acusado (ou esclarecimentos que possam identificá-lo);

c) classificação do crime;

d) quando necessário, o rol de testemunhas.

A individualização da conduta de cada agente (no caso do concurso de pessoas) vem requerida pela primeira
exigência. É indispensável que todas as circunstâncias que envolvem o fato criminoso possam ser atribuídas ao
acusado. Trata-se de exigência que tem por fundamento o exercício do direito de defesa (CF, art. 5º, LV). Se a peça
acusatória não imputa com clareza o delito cometido, como pode o acusado se defender?
O direito de ser informado pessoal e previamente do inteiro teor da acusação formulada faz parte tanto da garantia da
ampla defesa como do contraditório [1] e foi reconhecido (v.g.) pela Lei 9.271/96 [2]. Este, aliás, como assinala a
doutrina, é composto de dois momentos: o da informação, que se concretiza por meio da citação [3], e o da reação (ou
possibilidade de contradizer) [4]. A simbiose que se vislumbra entre tais garantias, aliás, é a seguinte: enquanto o
primeiro momento - o do contraditório ("informação") - torna possível a defesa (efetividade), o segundo (reação) lhe dá
plenitude.

Tanto o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(1969), vigentes no Brasil desde 1992 (e que possuem valor, no mínimo, supralegal - STF, RE 466.343-SP), disciplinam
o assunto: o primeiro, no seu art. 14, 3, a, diz que "[t]oda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade,
às seguintes garantias mínimas: ser informada, sem demora, em uma língua que compreenda e de forma minuciosa,
da natureza e dos motivos da acusação contra ela formulada"; a segunda, no art. 8.º, 2, b, expressa que "[t]oda pessoa
acusada de um delito tem direito a (...) b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada".

Os textos jurídicos que acabam de ser elencados não deixam margem à dúvida: a todo acusado está assegurada a
real possibilidade de ter ciência pessoal da acusação, isto é, da sua natureza e dos seus motivos, prévia e
pormenorizadamente (nemo inauditus damnari potest).

Do que foi exposto infere-se o seguinte: (a) a simples requisição do preso não pode suprir a falta de citação pessoal
(exigida pelo art. 360 do CPP); (b) a denominada "denúncia genérica", que não individualiza a conduta de cada um dos
acusados quando se trata de autoria coletiva (ou de crime societário), deve ser definitivamente abolida do nosso
sistema jurídico. A exigência de informação pormenorizada ao réu, claro, vale inclusive para os crimes de lavagem de
capitais [5].

A chamada "acusação genérica" (a que não individualiza a participação de cada réu nos fatos) viola o direito interno
(art. 41 do CPP, que exige exposição minuciosa do fato criminoso), internacional (Pacto Internacional de Direitos Civis
e Políticos, de 1966, e Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969 [6]), assim como a Carta Magna (a não
narração individualizada dos fatos impossibilita a ampla defesa de que fala a Constituição, assim como o contraditório,
que fazem parte do due process of law).

No que tange ao Direito Internacional, os dois tratados mencionados, arts. 14, 3, e 8.º, 2, b, respectivamente,
evidenciam que o acusado tem o impostergável direito (1) de ser informado (comunicado) da acusação; (2) de ser
informado de forma minuciosa (pormenorizada); (3) de ser informado previamente (antes da defesa) e (4) de ser
informado da natureza e dos motivos da acusação. E tudo isso tem valor no direito interno, pois os tratados, que
contavam com status de lei federal, agora contam, no mínimo, com valor de norma supralegal (RE 466.343-SP) [7]. De
se salientar que por força do art. 5.º, § 2.º, da CF, "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte".

Apesar da meridional clareza da exigência de acusação pormenorizada frente a cada um dos acusados, apesar disso,
nossa jurisprudência continua vacilante e ainda dá amparo, vez por outra (tal como foi feito no julgado em destaque), a
um antigo acórdão do Colendo Supremo Tribunal Federal, que diz: "Se o inquérito policial não fornece elementos para
a narração individualizada das condutas, não fica impedido o oferecimento da denúncia" (RTJ 100/116). O inquérito
policial existe exatamente para "individualizar as condutas dos participantes do crime". Se ele não conseguiu essa
meta, urge a realização de novas diligências, pela polícia ou pelo próprio Ministério Público. O que não cremos ser
possível, dentro do atual Estado constitucional de Direito, é compensar o déficit investigatório com a quebra das
garantias fundamentais. Para assegurar a eficiência do processo, não constitui meio válido a quebra de garantias.
Devemos sempre respeitar o interesse público de punição dos delitos, mas na atividade persecutória não é lícito
ignorar as garantias do acusado. Na fase preliminar investigatória, policial ou administrativa, não vigoram os princípios
do contraditório, ampla defesa etc., exatamente para se possibilitar a apuração total dos fatos, pelos órgãos
encarregados da persecutio criminis. Se após tal investigação não se apura a responsabilidade individual de cada
participante do crime, urge sua continuação, nunca a possibilidade de uma denúncia contra "todos".

Autorizar uma acusação genérica significa, em última análise, facultar a tramitação de um "projeto" de responsabilidade
penal objetiva. Um ou alguns dos acusados dela está fazendo parte não pelo que fez mas pelo que é. Dela faz parte
não porque tenha efetivamente contribuído para o delito, de forma dolosa ou culposa, senão porque é sócio,
administrador, proprietário, gerente etc. A história do Direito penal, que partiu da vingança privada para a forma
civilizada de Justiça, faz parte da História da evolução da civilização. Nos dias atuais, em pleno século XXI, depois que
o homem foi à Lua, que a informática revolucionou as relações globais etc., conceber uma acusação genérica (que é
projeto de responsabilidade objetiva) constitui, com a devida vênia, um grave retrocesso. Mesmo porque, na base de
uma denúncia genérica está uma presunção: a de que o acusado participou dolosa ou culposamente do fato. Em
termos de presunção, a de maior valor é a da inocência. Nenhuma outra lhe pode sobrepujar.

"Habeas Corpus. Penal. Processo penal tributário. Denúncia genérica. Responsabilidade penal objetiva. Inépcia. Nos
crimes contra a ordem tributária a ação penal é pública. Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser
genérica. Ela deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo imputado. É necessário que
descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41
e os Tratados Internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios constitucionais da ampla defesa e do
contraditório. Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve a responsabilidade de cada agente, é inepta.
O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistema jurídico brasileiro é o pessoal (subjetivo). A autorização
pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoria coletiva não pode servir de escudo retórico para a não
descrição mínima da participação de cada agente na conduta delitiva. Uma coisa é a desnecessidade de pormenorizar.
Outra, é a ausência absoluta de vínculo do fato descrito com a pessoa do denunciado. Habeas deferido" (STF, HC
80.549/SP, rel. Min. Nelson Jobim, j. 20.03.2001).

Não se cumpre o requisito da informação prévia da acusação quando se mantém segredo das provas existentes no
processo (Informe Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 1983/1984, p. 86, Chile). No mesmo
sentido: Corte Interamericana, Caso Castillo Petruzzi, Sentença de 30.05.1999, parágrafo 141. Veja ainda: Caso Tibi,
Sentença de 07.09.2004, parágrafo 185). Logo que se decida adotar qualquer medida processual contra o suspeito ou
indiciado, deve ele ter ciência das provas existentes nos autos (Corte Interamericana, Caso Tibi, Sentença de
07.09.2004, parágrafo 186). Uma condenação com base em prova nova, que o advogado não teve condições de
conhecer, viola a Convenção Americana (Corte Interamericana, Caso Castillo Petruzzi, Sentença de 30.05.1999,
parágrafo 140).

A regra jurídica vigente, portanto, é no sentido de não admitir a chamada denúncia genérica que, por não descrever os
fatos, ofende diretamente princípios básicos do ordenamento jurídico brasileiro, como o do contraditório, ampla defesa
e a própria dignidade da pessoa humana.

Trata-se de entendimento sedimentado nos Tribunais pátrios.

HC N. 84.409-SP. RELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES EMENTA: HABEAS CORPUS. DENÚNCIA.
ESTADO DE DIREITO. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP NÃO PREENCHIDOS. 1 - A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo
Penal) tem merecido reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa.
Precedentes. 2 - Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam
com os postulados básicos do Estado de Direito. 3 - Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não é
difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Necessidade de rigor e
prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso. 4
- Ordem deferida, por maioria, para trancar a ação penal.

No caso em comento, o TRF/5ª Região entendeu por bem não reconhecer a inépcia da denúncia (pela não
individualização da conduta dos envolvidos), reconhecendo a hipótese (concurso de agentes para a prática de crimes
contra o sistema financeiro), como exceção à vedação à denúncia genérica. Com a devida vênia, o devido processo
legal resultou violado.

Aceitar a denúncia genérica é, simplesmente, retroceder em todos os valores adotados por um Estado democrático,
constitucional e humanista de Direito, como é o caso do Brasil.

Notas de Rodapé:

[1] Cf. sobre o conteúdo essencial desse direito PLANCHADELL, Andrea. El derecho fundamental a ser informado
de la acusación. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 89 e ss.; GOMES, Luiz Flávio. Estudos de direito penal e
processo penal. São Paulo: RT, 1999, p. 152 e ss.; CUNHA, J. S. Fagundes, e BALUTA, José Jairo. O processo
penal à luz do Pacto de São José da Costa Rica. Curitiba: Juruá, 1997, p. 119 e ss. Sobre a dimensão dessa
garantia na jurisprudência espanhola cf. MONTERO, Francisco Javier Puyol. Diccionario de derechos y garantías
procesales constitucionales. Granada: Comares, 1996, p. 357 e ss.

[2] Cf. TREDINNICK, André Felipe A. da Costa. A revelia e a suspensão do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1997; CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo penal à luz da Constituição. São Paulo: Edipro, 1999, p. 152 e ss.;
GOMES, Luiz Flávio. Estudos de direito penal e processo penal. São Paulo: RT, 1999, p. 152 e ss.

[3] Sobre a dimensão jurisprudencial dessa matéria cf. Código de Processo Penal e sua interpretação
jurisprudencial. VV. AA. Coord. Alberto Silva Franco e Rui Stoco. São Paulo: RT, 1999. v. 1, p. 1.464 e ss.

[4] V. GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências..., cit., p. 5. V. ainda: FERNANDES, Antonio Scarance.
Princípios e garantias processuais, cit., p. 195.

[5] Cf. GOMES, Luiz Flávio. Lei de Lavagem de Capitais (com William Terra de Oliveira e Raúl Cervini). São Paulo:
RT, 1998, p. 357 e ss.

[6] Sobre a obrigatoriedade dos tratados e convenções no Brasil, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos
humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem
jurídica brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 233-325; e GOMES, Luiz Flávio. Direito de apelar em
liberdade. 2. ed. São Paulo: RT, 1996, p. 70 e ss.

[7] Cf. GOMES, Luiz Flávio. Direito de apelar em liberdade, cit., p. 74 e ss.
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090727092539755

Denúncia genérica: inépcia e trancamento por HC


Denúncia genérica: inépcia e trancamento por HC

A- A+
27/07/2009-09:30 | Autores: Luiz Flávio Gomes; Patrícia Donati de Almeida; Daniella Parra Pedroso Yoshikawa;

LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br)

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-
Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado
(1999 a 2001). Pesquisadoras: Patricia Donati e Daniella Parra

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. PARRA, Daniella. Denúncia genérica: inépcia e
trancamento por HC. Disponível em http://www.lfg.com.br 27 junho. 2009.

O sujeito foi denunciado, conjuntamente com outras pessoas, em concurso de agentes, pela prática de vários crimes. A
denúncia não individualizou a conduta de cada um deles. A defesa alegou inépcia da denúncia e requereu o
trancamento da ação penal. Questionamentos:

1º) A não individualização da com conduta dos agentes - denúncia genérica - importa na inépcia (formal) da peça
inaugural?

O CPP não é (totalmente) expresso. Há divergência na doutrina e na jurisprudência sobre o assunto. Do art. 41 do CPP
pode-se extrair a impossibilidade da denúncia genérica. De acordo com o entendimento firmado pelo STF (logo
abaixo), sim.

2º) O habeas corpus é instrumento hábil para o trancamento da ação penal? Depende do fundamento. Trata-se de
destinação excepcional do mandamus. Notícia divulgada pela assessoria de imprensa do TRF/5ª Região: A
Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), em sessão realizada nesta terça-feira (21/07),
negou pedido de habeas corpus de André Felipe Martins Pereira, denunciado pelo Ministério Público Federal pela
prática do delito de supressão de tributo (art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90), no valor de R$ 7.627.988,58, atualizados
até novembro de 2004. A defesa alegou ausência de exposição dos fatos delituosos na peça inicial acusatória. Afirma
que a denúncia é genérica em relação aos acusados e que apenas faz parte das sociedades Santo Antonio Comissária
de Veículos Ltda e Conde Comercial de Petróleo Ltda. Ao final, requereu o trancamento da ação penal nº
2006.82.00.003193-8, que tramita perante a 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado da Paraíba (SJPB). O
relator, desembargador federal Francisco Barros Dias, reafirmou em seu voto entendimento pessoal e do Superior
Tribunal de Justiça, no sentido de que só é possível o trancamento de ação penal (arquivamento), através de
habeas corpus, quando claramente demonstradas a inocência do acusado, a atipicidade da conduta (não
configuração do crime), a extinção da punibilidade (impossibilidade de punição) ou a inépcia da denúncia (erro
na peça inicial). No caso em julgamento, não foi encontrada nenhuma das hipóteses. Também participaram do
julgamento os desembargadores federais Paulo Gadelha (presidente) e Rubens Canuto Neto (convocado). HC 3619
(PB)

Comentários: a chamada denúncia genérica (denúncia contra vários agentes sem a descrição minuciosa dos fatos)
vem gerando enorme divergência na jurisprudência e na doutrina.

Tratamos do tema - denúncia genérica - há poucos dias (clique Aqui). Agora, um novo enfoque: o reconhecimento da
sua inépcia e, consequentemente, a possibilidade do trancamento da ação penal, por meio de habeas corpus.
No caso em análise, foi pleiteado, via habeas corpus, o trancamento da Ação Penal de corréu, justamente sob o
fundamento de que a denúncia proposta pelo Ministério Público continha imputação genérica, ou seja, sem a
particularização da conduta dos envolvidos na fraude da arrecadação de impostos.

Contudo, os argumentos da paciente não foram aceitos pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, que entendeu que, não obstante a peça acusatória não ter individualizado a conduta do corréu, a denúncia é
clara e possibilita o exercício da plena defesa.

O tema ainda não está pacificado no STJ. Há hipóteses em que fora aceita a imputação genérica do fato-crime, sem a
particularização das condutas dos agentes, co-autores e partícipes. O fundamento apontado nesses casos foi o fato de
a Lei Processual Penal admitir que as omissões existentes na peça acusatória inicial sejam supridas a todo tempo,
desde que antes da sentença final (HC 18952/PE, RESP 124035/DF, RESP 238670/RJ, RHC 6889/SP).

Art. 569. As omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das contravenções penais, da
portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas a todo o tempo, antes da sentença final. (grifos
nossos)

Por outro lado, o STJ também tem decisões no sentido de ser considerada inepta a denúncia genérica: RHC
19.764/PR. Quinta Turma. Relator Ministro Gilson Dipp. J. 25.09.2006; HC 40005/DF. Sexta Turma. Relator Ministro
Paulo Gallotti. J. 07.11.2006; HC 57.622/SP. Quinta Turma. Relator Ministro Felix Fischer. J. 04.09.2006; HC 54.868/DF.
Quinta Turma. Relatora Ministra Laurita Vaz. J. 27.02.2007; RHC 19.734/RO. Quinta Turma. Relator Ministro Gilson
Dipp. J. 23.10.2006; HC 58.372/PA. Sexta Turma. Relator Ministro Paulo Medina. J. 07.11.2006; HC 23.819/SP. Sexta
Turma. Relator Ministro Paulo Gallotti. J. 06.09.2004; HC 57.213/SP. Quinta Turma. Relator Ministro Gilson Dipp. J.
14.11.2006; Resp 783.292/RJ. Quinta Turma. Relator Ministro Felix Fischer. J. 03.10.2006; Apn 404/AC. Corte Especial.
Relator Ministro Gilson Dipp. J. 05.10.2005; RHC 16.135/AM. Sexta Turma. Relator Ministro Nilson Naves. J.
24.06.2004 e HC 13.196/MA. Sexta Turma. Relator Ministro Fontes de Alencar. J. 03.10.2002.

Em oposição à tese de que omissões da peça acusatória inicial podem ser supridas a todo tempo, contra-argumentou
o Ministro Pedro Chaves em RHC nº. 42.303-PR de sua relatoria: "Não posso admitir que prevaleça a tese sustentada
no acórdão recorrido, no sentido de que a validade da denúncia pode ficar na dependência da prova a ser produzida.
Não. A acusação da denúncia-libelo deve ser clara e precisa. O que dependerá de exame das provas é a
procedência ou improcedência da ação penal, porque a denúncia não pode ser equiparada a uma promessa de
acusação a ser concretizada inopportuna tempore". (grifos nossos)

Nessa mesma linha seguem os Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul:

HABEAS CORPUS - Denúncia imputando o crime de falsidade ideológica a despachante, que se limitou a encaminhar
requerimento, formulado por clientes, à delegacia de trânsito - Descrição de fato atípico - Denúncia inepta - Ausência
de dolo - Falta de justa causa - Trancamento da ação penal determinado - Ordem concedida. (TJSP - HC 291.229-3 -
Mirassol - 4ª C.Crim. - Rel. Des. Passos de Freitas - J. 31.08.1999 - v.u.)

HABEAS CORPUS - DENÚNCIA INEPTA - CONCESSÃO DA ORDEM PARA ANULAR O PROCESSO A QUE
SUBMETIDO O PACIENTE, A PARTIR DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, INCLUSIVE - Tem-se dado ênfase, para
validade da denúncia, a necessária descrição de fato concreto, localizado no tempo e no espaço, de modo a
possibilitar a defesa e poder-se avaliar eventual ocorrência de prescrição ou outra causa extintiva da punibilidade.
(TJRS - HC 699329504 - RS - 1ª C.Crim. - Rel. Des. Ranolfo Vieira - J. 16.06.1999)

É exatamente essa a posição já consagrada pelo STF: "em tema de crimes societários, é indispensável que a peça
acusatória individualize a conduta de cada denunciado, sob pena de ser considerada inepta". (RT 738/641)

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME SOCIETÁRIO. APROPRIAÇÃO


INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA: IMPUTAÇÃO GENÉRICA E
AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. PREJUÍZO DO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA (CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL, ART. 5º, LV). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evoluiu no sentido de que a descrição genérica
da conduta dos crimes societários viola o princípio da ampla defesa. É inepta a denúncia pela prática do crime de
apropriação previdenciária quando fundada tão-somente na circunstância de o paciente constar no quadro societário
da empresa. É necessário o mínimo de individualização da conduta e indicação do nexo de causalidade entre esta e o
delito de que se trata, sem o que fica impossibilitado o exercício da ampla defesa. Ordem concedida (HC 93.683-1/ES -
Min. Relator: Eros Grau).

Sendo assim, a nosso ver, deve prevalecer o entendimento supra, pela inépcia da denúncia genérica. E, via de
consequência, o cabimento do habeas corpus, para o trancamento da ação penal nessa hipótese.

Uma importante observação se impõe neste momento. A admissibilidade do habeas corpus como instrumento para o
trancamento da ação penal deve ser analisada com cuidado, como função totalmente excepcional.

Desta feita, será cabível quando: a) manifesta a atipicidade do fato imputado; b) na presença de causa extintiva da
punibilidade; c) falta de justa causa para a ação penal (que leva à inépcia material: falta de provas mínimas para o
início da ação penal).

A denúncia genérica configuraria uma quarta situação, vinculada ao aspecto formal, revelando-se como acusação
baseada em descrição insuficiente, o que caracteriza, sem dúvida, constrangimento ilegal (e abre espaço para o
habeas corpus). Como assinalamos em artigo anterior, a denúncia genérica viola tanto a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (art. 8º) como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14).

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