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I- VIDA E OBRA
Linhas Tortas (1935): "Os escritores atuais foram estudar o subúrbio, a fábrica, o engenho,
a prisão da roça, o colégio do professor cambembe. Para isso resignaram-se a abandonar o
asfalto e o café, viram de perto muita porcaria, tiveram a coragem de falar errado, como toda
gente, sem dicionário, sem gramática, sem manual de retórica. Ouviram gritos, pragas,
palavrões e meteram tudo nos livros que escreveram. Podiam ter mudado os gritos em
suspiros, as pragas em orações. Podiam, mas acharam melhor pôr os pontos nos ii."
Ruy Mauro pertence a geração seguinte, de militantes da chamada
"nova esquerda" que nasce com os movimentos nacionais de libertação, o
rompimento da política reformista, dos Partidos Comunistas, de aliança de
classes no contexto da Guerra Fria, e pela retomada dos processos
revolucionários na América Latina dos anos 1950 a 1970. A vitória da revolução
cubana que depôs a ditadura de Batista, em 1959, e se tornou socialista, em
1961, foi uma das expressões luta revolucionária dessa nova geração de
revolucionários da nova esquerda.
se chamava nada menos que Lenin!), os quais não importa quão minoritários e sectários
fossem, muito me ensinaram sobre o Brasil e o mundo.” (Memória acadêmica)
Nos anos 1950, mais do que defender que o sistema democrático
poderia ajudar a superar a desigualdade no Brasil, como nos anos1930 e 1940,
contra a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), os estudantes progressistas
queriam construir um projeto de país. Não bastava mudar a forma de governo,
era preciso mudar a estrutura econômica do país, que gerasse o
desenvolvimento econômico, a riqueza e a igualdade social. O Brasil para o
povo brasileiro, não para o imperialismo. As campanhas nacionalistas e
desenvolvimentistas eram bandeiras levadas pelos estudantes, como a
campanha do Petróleo é nosso.
para uma outra etapa. Como a contradição principal a ser enfrentada seria a da
nação contra o imperialismo e seus aliados locais, a etapa da revolução no
Brasil,segundo o PCB da época:"[...] não é ainda socialista, mas anti-
imperialista e antifeudal, nacional e democrática.". Assim resultava uma
proposta política de aliança de classes: trabalhadores e burguesia nacional
contra burguesia internacional (imperialismo) e latifúndio feudal.
então , com o que realmente eram: instrumento de mistificação e domesticação dos povos
oprimidos do Terceiro Mundo e arma com a qual o imperialismo buscava fazer frente aos
problemas criados no pós-guerra pela descolonização. Começa, então, o meu afastamento da
Cepal,fortemente influenciado, ademais, pela minha crescente adscrição ao marxismo."
(Memória Acadêmica)
laços entre os revolucionários e o povo, tornou-se afinal conhecida sob seu verdadeiro nome: a
guerra popular. (...) Desde que conheça suas causas e suas exigências, a necessidade vai até
o fundo de si mesma. A tomada de consciência, negativa ainda, foi rápida e geral, e nesta fase
nova da guerra, os camponeses se transformaram: estes seres resignados tomaram a seu
cargo os planos dos insurretos, fizeram dos mesmos suas reivindicações, e de certo modo,
serão eles que radicalizarão os rebeldes. (...) A reforma agrária era a guerrilha. Mas a guerrilha
era a verdadeira reforma: era o povo, apoiando a conspiração, absorvendo-a e transformando
aqueles rebeldes de origem burguesa em camponeses revolucionários.” (Furacão sobre Cuba)
Somente em 1961, depois da tentativa de invasão estadunidense, da
declaração de Cuba ao socialismo e adesão à União Soviética, que a revolução
cubana terá maior apoio da esquerda no Brasil. Ruy percebe, em convivência
com militantes da América Latina na França, que o mesmo processo
revolucionário vivenciado por Cuba também estava em curso na Argentina,
Peru, Venezuela e Nicarágua.
1
Depoimento de Ruy Mauro Marini no artigo Extrema-esquerda e desenvolvimentismo (8)A história da POLOP pode
ajudar a compreender melhor os zigue-zagues da esquerda nas décadas de 1950 e 1960. Por Manolo In:
Passapalavra- http://passapalavra.info/2011/08/44467
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transformações estruturais e mudanças nas relações de poder, eram forçadas a limitar sua
base social à pequena burguesia e ao subproletariado da cidade e do campo. Esse divórcio,
fatal para o conjunto dos movimentos de massa, foi o que facilitou a implementação do terror
militar e permitiu a burguesia impor soberanamente sua lei ao processo de exploração do
proletariado brasileiro." (Subdesenvolvimento e Revolução)
Se por um lado a velha esquerda ainda buscava alianças com a
burguesia nacional, por outra, a nova esquerda, isolada das massas, decide
pela resistência armada. Durante a ditadura militar do capital, a classe operária
torna-se presa fácil dos sangessugas nacionais e internacionais: "O s reformistas
viram no golpe mais uma prova do poder mítico com o qual revestem o capital e seus agentes,
tratando assim de buscar fórmulas de arranjo com estes; e os grupos revolucionários
reforçaram suas dúvidas quanto ao potencial de luta da classe operária e passaram à
preparação de ações guerrilheiras, no campo e na cidade, atribuindo-se o caráter mágico de
catalisador da luta de massas. No entanto, aquilo que a esquerda brasileira não soube fazer
conscientemente foi se impondo pela própria dialética da luta de classes. Diante das
exortações à luta armada, na qual não era oferecida à classe operária outra participação que a
de força auxiliar ou logística – o que, na prática, deixava a burguesia com as mãos livres para
superexplorá-la -, a classe operária se preparou para defender-se, usando as armas que
historicamente aprendera a manejar. Privados de seus sindicatos, os trabalhadores se
entregaram a um lento processo de reorganização, centrado em torno do pilar da política
burguesa: a lei antigreve, o arrocho salarial, a estabilidade de emprego."
(Subdesenvolvimento e Revolução)
Para Ruy, o comitê de fábrica foi a criação original da classe operária
para a resistência à violência da superexploração do regime militar, sem o
apoio da pequena burguesia radical ou dos reformistas: " Nesta árdua tarefa –
desprovida dos atrativos com que o pequeno-burguês radical reveste sua concepção de luta
revolucionária, mas demasiado consequente para que os reformistas pudesssem apoiá-la-, a
classe operária forjou o instrumento que lhe permitiu se afirmar novamente na luta de classes,
após escassos três anos do golpe militar: o comitê de empresas." (Subdesenvolvimento e
Revolução)
A reorganização das lutas dos trabalhadores, segundo Ruy, se deu de
forma instintiva, com base nas reivindicações imediatas dos operários e
camponeses e com o renascimento das lutas de massas dos estudantes: "Esses
setores atuaram instintivamente no sentido de abrir vias para a reaglutinação de suas forças,
com o objetivo de poder atuar, enquanto movimento de massas, no plano político. O
catalisador dessa reaglutinação foram sempre reivindicações imediatas (no caso dos
estudantes: a nova lei de organização estudantil, conhecida como Lei Suplicy, a redução do
orçamento para a educação e o problema da falta de vagas nas universidades; no caso dos
trabalhadores rurais e dos camponeses: os problemas dos salários e do emprego e a defesa
do preço de seus produtos), que colocavam em xeque aspectos da política governamental e
conduziam à denúncia da própria ditadura de classe." (Subdesenvolvimento e Revolução)
No exílio mexicano, Ruy analisa as manifestações de 1968 no Brasil,
como o início de uma nova fase de resistência ao regime militar, é o apito da
panela de pressão: “O sinal de partida foi dado pelos estudantes. Ao final de março de
1968, quando se aproximava a comemoração do aniversário do golpe militar, a União Nacional
dos Estudantes começou a mobilizar as suas forças, com base em reivindicações puramente
estudantis (como, por exemplo, a redução dos preços dos restaurantes universitários). (...) A
polícia matou a tiros um jovem de 17 anos, provocando uma onda de indignação em todo país.
De norte a sul houve manifestações de massas – agora já não apenas estudantis-, e o governo
respondeu lançando a polícia e o exército contra o povo.” (Subdesenvolvimento e
Revolução)
Com base na concepção marxista, Ruy mostra a importância da
retomada da luta aberta da classe operária, seja nas greves, seja nas
manifestações de rua contra a superexploração, como sujeito histórico
determinante para a resistência à contrarrevolução e avanço revolucionário:
“Enquanto a rebeldia estudantil obtinha grande repercussão (...) algo mais grave surgia na
ascensão da luta de massas: a resistência aberta da classe operária. (...)Nesta tarefa se
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Para a indústria de bens duráveis, a crise dos anos 1960 se apresenta como a impossibilidade
desta indústria seguir se desenvolvendo em linha ascendente com base num mercado interno
insuficiente.” (Subdesenvolvimento e Revolução)
Ruy demonstra que antes da ditadura militar, havia dois projetos de
nação em disputa: mercado interno e redistribuição de renda (nacional-
desenvolvimentismo) x expansão do mercado e concentração de renda
(desenvolvimento associado ao imperialismo). No governo de Jango, cujo
projeto era nacional-desenvolvimentista, a saída para a crise não era o
expansionismo, mas o mercado interno, com a política de redistribuição de
renda.No entanto, Ruy observa que o projeto do desenvolvimento associado ao
capital internacional, era conflitante com a política de redistribuição de renda:
“Isso leva os governos anteriores, principalmente o de João Goulart, a insistir na dinamização
do mercado interno mediante a redistribuição da renda.As tentativas de redistribuição, porém,
foram se revelando uma má solução para o grande capital, por duas razões: a) a redistribuição
(operando, entre outros mecanismos, através de aumentos salariais) se refletia principalmente
no aumento da demanda de bens não duráveis, que o grande capital não produzia ou produzia
em pequena escala; e b) a redistribuição afetava duramente a mais-valia das pequenas e
médias empresas, produtoras de bens não duráveis, restringindo ainda mais sua capacidade
de absorver bens duráveis.” (Subdesenvolvimento e Revolução)
Com base na análise da luta de classes realizada por Ruy, é possível
compreender o modo pelo qual o projeto nacional-desenvolvimentista foi
abandonado pelo projeto do capital nacional associado ao imperialismo: “ As
camadas mais baixas da burguesia – as mesmas que, em aliança com os setores populares,
sobretudo a classe operária organizada, formavam a base social do governo de Goulart –
sofriam contraditoriamente o impacto da política redistributiva, ao mesmo tempo em que a
grande burguesia se opunha abertamente a tal política. Na medida em que o movimento
reivindicativo das massas se acentua, a pequena e média burguesia veem aumentar suas
dificuldades econômicas, que se tornam insuportáveis no momento em que, cedendo à
pressão do grande capital, o governo tenta levar a cabo a estabilização monetária (1963),
restringindo o crédito. Com isso, Goulart perde sua base social burguesa, que acaba sendo
levada aos braços do grande capital, e perde também a base popular, na medida em que a
estabilização afeta negativamente as pressões salariais.Dentro dessa nova correlação de
forças, e considerando a oposição que os latifundiários tinham apresentado sistematicamente
ao reformismo governamental, criam-se as condições para o golpe de abril de 1964, cujo
resultado é a ditadura militar encabeçada pelo marechal Castelo Branco.”
(Subdesenvolvimento e Revolução)
Desse modo, a ditadura do capital garante o aumento da concentração
de renda e da desigualdade social. Ruy destaca que no projeto do capital
nacional associado ao imperialismo há maior concentração de renda, ao invés
da distribuição: “A política da equipe tecnocrático-militar de Castelo Branco vai atender
fundamentalmente os interesses do grande capital. Em linhas gerais, trata de concentrar ainda
mais a renda e suas fontes de produção através de medidas destinadas a reduzir os salários
(arrocho salarial) ou orientadas a facilitar a incorporação mais ou menos violenta das empresas
menores pelas grandes empresas (via créditos, tributação etc). O efeito imediato desta política
é evidentemente o agravamento da crise interna de realização, o que pode parecer paradoxal.
No entanto, sempre atendendo aos interesses do grande capital, o novo regime propõe uma
solução diferente para a crise, baseada em dois elementos: em primeiro lugar, a exportação de
manufaturas, tanto de bens duráveis como não-duráveis (sendo conveniente apontar que a
exportação destes últimos requer a elevação do nível tecnológico das empresas, o que implica
maiores possibilidades de absorção de bens de capital; em segundo lugar, o aumento da
capacidade de compra do Estado, através de uma política ativa de desenvolvimento da
infraestrutura de transporte, eletrificação e reequipamento das forças armadas, tudo isso
ocasionando uma expansão do mercado de bens de capital.” (Subdesenvolvimento e
Revolução)
Nesse projeto de desenvolvimento dependente, o capital internacional
passa a dominar o mercado, as matérias primas e a grande indústria nacional,
como mostra Ruy: “A novidade era o papel atribuído ao capital estrangeiro. Provedores da
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Maria Rabelo, Maria da Conceição Tavares (...)reencontrando também Andre Gunder Frank,
que lecionava na Universidade do Chile, e sua esposa, Marta Fuentes. Por outra parte,
Santiago vivia um momento de intensa mobilização política, que resultaria, nas semanas
imediatas à minha chegada, na constituição da Unidade Popular, frente política que reunia
forças de esquerda – à exceção do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR)- e na
designação de Allende para seu candidato às eleições presidenciais do ano seguinte.”
(Memória acadêmica)
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https://www.youtube.com/watch?v=srVRloOsxZg Hino do MIR
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3
Cantos Revolucionaires- Soledad Bravo https://www.youtube.com/watch?v=_18mNNHasZg- Quilapayun
https://www.youtube.com/watch?v=yOdfU7ChKNI- La Poblacion- Victor Jara-
https://www.youtube.com/watch?v=ZYTJYowMxco- El Derecho de Vivir en Paz- Victor Jara-
https://www.youtube.com/watch?v=-zMvRkwcnaA Cantata Santa Maria de Iquique-
https://www.youtube.com/watch?v=wd62_8xAHf4
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4
Hino da Unidade Popular- Inti Ilimani (Chile)- https://www.youtube.com/watch?v=vXoecWX_T60
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(Trecho da música “Venceremos”, hino da Unidade Popular, última canção entoada por Victor Jara, no
limite de suas forças, após dias de tortura no Estádio do Chile em 1973.)
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6
Publicado em 1973, em 2013 Dialética da Dependência completa 40 anos.
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teórica que ali realizei consistiu, essencialmente, em rejeitar a linha tradicional de análise do
subdesenvolvimento, mediante a qual este se captava através de um conjunto de indicadores,
os quais, a seu turno, serviam para defini-lo; o resultado não era simplesmente descritivo, mas
tautológico. Assim, um país seria subdesenvolvido porque seus indicadores relativos à renda
per capita, à escolaridade, à nutrição etc. correspondiam a certo nível de uma escala dada, e
esses indicadores se situariam nesse nível porque o país era subdesenvolvido. Tentando ir
além dessa colocação enganosa, a Cepal avançara um pouco, ficando, como elemento válido
de sua elaboração, a crítica à teoria clássica do comércio internacional e a constatação das
transferências de valor que a divisão internacional do trabalho propicia, em detrimento da
economia latino-americana. Em vez de seguir esse raciocínio e fiel a meu princípio de que o
subdesenvolvimento é a outra cara do desenvolvimento, eu analisava em que condições a
América Latina havia se integrado ao mercado mundial e como essa integração:a)funcionara
para a economia capitalista mundial e b)alterara a economia latino-americana. A economia
exportadora, que surge em meados do século 19 nos países pioneiros (Chile e Brasil),
generalizando-se depois, aparecia, nessa perspectiva, como o processo e o resultado de uma
transição ao capitalismo e como a forma que assume esse capitalismo, no marco de uma
determinada divisão internacional do trabalho. Aceito isso, as transferências de valor que daí
advinham não podiam ser vistas como uma anomalia ou um estorvo, mas, antes como
consequência da legalidade própria do mercado mundial e como um acicate ao
desenvolvimento da produção capitalista latino-americana, sobre a base dessas premissas.
Resolvida assim, no meu entender, a questão fundamental, isto é, o modo como o capitalismo
afetava o cerne da economia latino-americana – a formação da mais-valia -, eu passava a me
preocupar com a transformação desta em lucro e com as especificidades que essa
metamorfose encerrava. Algumas indicações referentes ao ponto a que chegou minha
pesquisa estão contidas no texto e em outros trabalhos escritos nessa época, mas eu só
solucionaria realmente o problema alguns anos depois, no México.” (Memória acadêmica)
Vânia Bambirra descreve Dialética da Dependência como uma obra
importante, mas de difícil entendimento, porque Ruy Mauro cria conceitos
novos na teoria do valor de Marx. "O conceito de superexploração, por
exemplo, não é um conceito de Marx, é de Marini", explica Vânia. A
superexploração é uma categoria analítica explicativa essencial para entender
determinados processos que não são esgotados por Marx. Nesse sentido,
Vânia destaca que "o aporte de Marini é mais relevante que todos nós, porque
ele faz avançar o marxismo, é uma contribuição imprescindível." Vânia destaca
que para entender a categoria de superexploração é preciso entender a teoria
do valor de Marx, porque a superexploração é uma categoria da teoria do valor
criada por Marini para explicar o funcionamento do capitalismo dependente. Os
países de capitalismo dependente, na divisão internacional do trabalho,
transfere valor para o capitalismo desenvolvido pela superexploração, uma
parte fica para a burguesia nacional e outra para a internacional. Esse tipo de
apropriação criativa da teoria do valor de Marx só ocorreu, segundo Vânia,
porque havia o objetivo político de transformar a realidade. Assim, Ruy
contribui para "deixar o rei nu", porque demonstrou que os países da América
Latina nunca conseguirão superar a pobreza, mesmo com o desenvolvimento
econômico, pois na sua relação com os demais países se dá com base na
superexploração do trabalho.
Dialética da dependência, principal obra de Ruy, tornou-se uma
reinterpretação da história do capitalismo do ponto de vista dos países latino-
americanos, com base na dialética marxista, expressa por Trotski no
desenvolvimento de um “sistema desigual e combinado". Tomando a América
Latina como centro de suas preocupações, Ruy revê criticamente as análises
que colocavam os países da periferia como “subdesenvolvidos”, “atrasados”,
“estorvo dos países desenvolvidos”. Sua principal contribuição foi caracterizar
os países periféricos como parte integrante de um processo global. Marcou a
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que opera em nível da produção interna. É para essa esfera que se deve deslocar,
portanto, o enfoque de nossa análise.”
7.O novo anel da espiral- “É um fato conhecido que, na medida em que abarca a
industrialização latino-americana, altera-se a composição de suas importações, por
meio da redução do item relativo a bens de consumo e a sua substituição por
matérias-primas, produtos semielaborados e maquinário destinados para a indústria.
Entretanto, a crise permanente do setor externo dos países da região não havia
permitido que as necessidades crescentes de elementos materiais do capital
constante pudessem ser satisfeitas exclusivamente pela força comercial. É por isso
que adquire singular importância a importação de capital estrangeiro, sob a forma de
financiamento de investimentos diretos na indústria.
As facilidades que a América Latina encontra no exterior para recorrer à
importação de capital não são acidentais. Devem-se à nova configuração que assume
a economia internacional capitalista no período pós-guerra. Por volta de 1950, ela
havia superado a crise que a afetara, a partir da década de 1910, e se encontrava já
reorganizada sob a égide estadunidense. O traço significativo desse período é que
esse fluxo de capital para a periferia se orienta de forma preferencial para o setor
industrial. (...)
Seja como for, no momento em que as economias industriais dependentes vão
buscar no exterior o instrumental tecnológico que lhes permita acelerar seu
crescimento, elevando a produtividade do trabalho, é aquele também em que, a partir
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dos países centrais, têm origem importantes fluxos de capital que se direcionam para
elas, fluxos que lhes trazem a tecnologia requerida. (...)
Pois bem, ao se concentrar de maneira significativa nos setores produtores de
bens supérfluos, o desenvolvimento tecnológico acabaria por colocar graves
problemas de realização. O recurso utilizado para solucioná-los tem sido o de fazer a
intervenção do Estado (por meio da ampliação do aparato burocrático, das
subvenções aos produtores e do financiamento ao consumo supérfluo), assim como
fazer intervir na inflação, com o propósito de transferir poder de compra da esfera
baixa para a esfera alta da circulação; isso implicou rebaixar ainda mais os salários
reais, com o objetivo de contar co excedentes suficientes para efetuar a transferência
de renda. (...)Desde os projetos de integração econômica regional e sub-regional até o
desenho de políticas agressivas de competição internacional, assiste-se em toda a
América Latina à ressurreição do modelo da velha economia exportadora.
Nos últimos anos, a expressão acentuada dessas tendências no Brasil nos
levou a falar de um subimperialismo."
"(...)o subimperialismo não é um fenômeno especificamente brasileiro nem
corresponde a uma anomalia na evolução do capitalismo dependente. É certo que são
as condições próprias da economia brasileira que lhe permitiram levar bem adiante a
sua industrialização e criar inclusive uma indústria pesada, assim como as condições
que caracterizam a sua sociedade política, cujas contradições têm dado origem a um
Estado militarista de tipo prussiano, as que levaram o Brasil ao subimperialismo, mas
não é menos certo que esse não é nada mais do que uma forma particular que
assume a economia industrial (...) no marco do capitalismo dependente. Na Argentina
ou em El Salvador, no México, Chile, Peru, a dialética do desenvolvimento capitalista
dependente não é essencialmente distinta da que procuramos analisar aqui, em seus
traços mais gerais."
8.O desafio teórico. "Utilizar essa linha de análise para estudar as formações sociais
concretas da América Latina, orientar esse estudo no sentido de definir as
determinações que se encontram na base da luta de classes que ali se desenvolve e
abrir assim perspectivas mais claras para as forças sociais empenhadas em destruir
essa formação monstruosa que é o capitalismo dependente: este é o desafio teórico
que se coloca hoje em dia par os marxistas latino-americanos. A resposta que lhe
dermos influirá sem dúvida de maneira não desprezível no resultado a que chegarão
finalmente os processos políticos que estamos vivendo.”
revisão, editorial e artigo de fundo, junto com jornalistas Batista Von Showen,
Gladis Días, Maria Eugenia Camus, Augusto Carmona,Ernesto
Carmona,Faride Zerán, José Carrasco, entre outros intelectuais.
8
El pueblo unido jamás será vencido- Quilapayun - https://www.youtube.com/watch?v=Krk3lgpuC7w-
Inti Ilimani- https://www.youtube.com/watch?v=7F_9FEx7ymg- Quilapayun- manifestação popular do
século XXI- https://www.youtube.com/watch?v=K6lvvMAqMsI
9
Entrevista cedida a Roberta Traspadini e João Pedro Stedile, publicada em Ruy Mauro Marini: Vida e
Obra. Editora Expressão Popular.
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Idem.
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concluindo com dois semestres de laboratório ou oficina, de que saíram interessantes relatórios
de pesquisa, muitos deles servindo de base para suas teses de graduação, realizadas em sua
maioria sob minha orientação. (...) Suas teses se constituíram no aprofundamento
enriquecedor de questões levantadas em Dialética da dependência, em particular uma
metodologia para a determinação do valor da força de trabalho e sua aplicação ao México
(...)”.(Memória acadêmica)
Ruy havia conseguido mobilizar os estudantes para a formação marxista
em sala de aula. Com o tempo, a disciplina de marxismo era a mais popular da
universidade. Como educador, Ruy lembra dessa experiência da educação de
massa na universidade: “Na FCPyS, além de acompanhar a formação de um grupo de
estudantes, eu ministrava regularmente a disciplina História Mundial Contemporânea,que,
ampliada para três semestres, convocou um número crescente de alunos, rompendo – ao
reunir até 300 – o esquema de divisão de turmas vigente. Em vez de optar pela limitação da
matrícula, que frustraria, a meu modo de ver, os estudantes, preferi recorrer ao sistema que
utilizava em Brasília, baseado em aulas maiores e menores, valendo-me de uma equipe de
ajudantes e monitores que, em seus melhores momentos, somou sete pessoas. Os resultados
foram amplamente satisfatórios, influenciando a reorganização pedagógica da faculdade. Na
Divisão de Pós-Graduação, eu dirigia, regularmente, um seminário para alunos de mestrado e
doutorado, na Área de Estudos Latino-Americanos, que tinha como finalidade ajudar os
estudantes a definir seus temas de pesquisa e assessorá-los em seu desenvolvimento,
independemente de que fosse ou não orientandos meus.” (Memória acadêmica)
Em 1975, Bruno Marini, sobrinho de Ruy, filho de Ophélia, a irmã mais
velha, vai para o México estudar sociologia na UNAM, como aluno de Ruy.
Nesse período, Ruy está sendo fortemente vigiado por informantes da
repressão do México e do Chile, disfarçados de estudantes. Bruno percebe que
muitos "alunos" procuram se aproximar dele, ficar amigo, frequentar a casa
para saber mais de Ruy. No entanto, Ruy havia preparado Bruno para não se
identificar como sobrinho, mantendo-se distanciado. Ruy alerta o sobrinho de
que é militante do MIR, e que Pinochet havia mandado caçar e assassinar os
militantes do MIR fora do Chile. Quando as suspeitas ficaram mais tênues, Ruy
se aproximou mais do sobrinho, no México. Bruno foi aluno de Ruy Mauro, de
introdução ao marxismo. Essa disciplina era dada em auditório lotado. A aula
era dada na forma de palestra, em 2 horas, e abertura dos 20 minutos finais
para perguntas. Ruy sentava na ponta da mesa, tirava os óculos, colocava o
relógio na mesa e falava direto. Mas, a sua exposição era didática e muito
dinâmica. Ele tratava dos conceitos marxistas na história do conceito e na
história da humanidade. Mostrava que aquele conceito trabalhado por Marx, já
tinha sido iniciado em Hegel, etc. Para entender o trabalho, voltava lá para a
pré-história, mostrava o desenvolvimento da humanidade, a relação em
sociedade, natureza, etc. Sempre tratava da questão da ética humana,
relacionando história e filosofia. Tudo isso, segundo Bruno, falado com um
espanhol muito ruim, o espanhol de Barbacena, sem a entonação dos erres (r).
Então, os estudantes demoravam mais para entender o espanhol do que a
exposição sobre o marxismo. Mas, depois todos iam pegando o jeito,
entendendo espanhol mineiro de Ruy e gostavam muito de suas aulas.Mas, ele
nem imaginava que era um espanhol ruim, pelo contrário acreditava que falava
um espanhol impecável. Para os estudantes que buscavam um
aprofundamento, Ruy organizava os grupos de estudo e pesquisa, mas era
muito rigoroso, pois esses grupos estavam destinados para a formação
intelectual de quadros. Não poderia continuar aqueles quem não tivessem
disciplina e não se esforçassem nos estudos.
O MIR, organizado com sua base em Cuba, indica Marini como
responsável pelo trabalho externo da organização e nesse período estabelece
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11
Sérgio Bagú, Theotonio dos Santos, René Zavaleta, Pedro Vaz, Vânia Bambirra, Pedro Vuskovic, Agustín Cueva,
Ruy Mauro Marini, José Luis Ceceña, Bolívar Echeverría, Pablo Gonzáles Casanova, Carlos Pereyra.
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Entrevista a João Pedro Stedile e Roberta Traspadini publicada em Ruy Mauro Marini - vida e obra.
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implicações para a América Latina, preocupando-se particularmente com os efeitos das novas
tecnologias nas condições de trabalho.(...)Uma terceira linha de reflexão girou em torno dos
rumos do socialismo mundial, tendo em vista a crise da esquerda europeia, na segunda
metade dos anos 1970, e a questão polonesa, em 1980 (...), uma reinterpretação do processo
histórico do stalinismo, que retomava, de certo modo, o tratamento que eu lhe dera, no Chile,
no curso sobre a teoria das revoluções, apontando para a necessidade de situar o socialismo
na perspectiva histórica das lutas de classes nacionais e internacionais, incluindo as que
correspondiam à América Latina.” (Memória acadêmica)
Em fevereiro de 1977, Ruy apresenta uma tese, no seminário de
intelectuais da esquerda latino-americana em Paris, sobre a transição da
ditadura à democracia na América Latina sob hegemonia da burguesia com a
formação do Estado do quarto poder, das Forças Armadas, e a necessidade da
mobilização popular sob direção de uma readequação política radical da
esquerda, publicada como La cuestión del Estado em las luchas de clases em
América Latina por Cuadernos Políticos. Essa tese foi rechaçada com
indignação e Frank fez a crítica com as palavras: “Fazer a defesa de Ruy
Mauro Marini contra Ruy Mauro Marini”.
Em 1977, Ruy participa da Fundação do Centro de Informação,
Documentação e Análise do Movimento Operário na América Latina (Cidamo),
com apoio de Claudio Colombani e destaque para a participação de Jaime
Osorio, até 1982. De acordo com Marini, o Centro era mantido por trabalho
quase sempre não remunerado e com equipes dedicadas à análise de
conjuntura. Segundo Gutiérrez, o Cidamo transformou-se em um centro de
investigação e produção teórica para a elaboração política do MIR e do
movimento revolucionário latino-americano. De acordo com Theotonio dos
Santos, ao dirigir o Cidamo, “aprofundou essas análises [superexploração no
capitalismo dependente] com especial ênfase na reestruturação da indústria
automobilística mundial e, particularmente, latino-americana (Análisis de los
mecanismos de protección al salário em la esfera de la producción, Secretaria
do Trabalho, México.)
Em 1977, realiza a prova para Professor Titular (título até 1984) da
UNAM-La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo ;Pós-
graduação em Economia – UNAM. Marini chama a atenção para as confusões
existentes em torno do conceito de subimperalismo, tratado erroneamente
como “potência média”, “satélite privilegiado” e até mesmo como “novos países
imperialistas”. Em outra avaliação para o cargo de professor titular C, Marini
apresentou o trabalho Plusvalía extraordinária y acumulación de capital,
baseado nos esquemas de reprodução do Livro II de O Capital, dividido em três
partes: “Na primeira, exponho os esquemas e, entrando na polêmica que eles suscitaram em
diferentes momentos da história do marxismo, busco mostrar a finalidade específica que
cumprem na construção teórica de Marx – a demonstração da necessária compatibilização das
magnitudes de valor produzidas nos distintos departamentos de economia – e analiso as três
premissas que tanta discussão causaram: a) a exclusão do mercado mundial;b) a existência de
apenas duas classes e c) a consideração do grau de exploração do trabalho como fator
constante. Na segunda, parto da variação desse último fator, examinando os efeitos de
mudanças na jornada, na intensidade e na produtividade sobre a relação de valor de uso-valor
e sobre a distribuição. Na terceira seção, verificar o uso dos esquemas por três autores: Maria
da Conceição Tavares,s/d, Francisco de Oliveira e Mazzuchelli, 1977, e Gilberto Mathias, 1977,
mostrando que a primeira, além de não romper de fato com o esquema tradicional Cepalino
(agricultura-indústria-Estado), confunde valor de uso e valor; os segundos, captando com
agudeza a contradição moeda nacional/dinheiro mundial, acabam por se fixar apenas no
movimento da circulação; e o terceiro, que nos brinda com uma brilhante análise sobre o papel
do Estado na determinação da taxa de lucro, se esquece de considerar a relação lucro/mais-
valia (retomamos essa discussão no México, naquele ano, ocasião em que Mathias admitiu ter-
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Ruy percebe que há uma forte preocupação com seu retorno ao Brasil:
"O artigo tinha duas motivações. A primeira era o antigo desentendimento com Cardoso, que
ele expusera em vários trabalhos, e que eu respondera parcialmente no posfácio à Dialéctica
de la dependência e no refácio de 1974 a Subdesarrollo y revolución. A segunda era a clara
preocupação dos autores com a anistia política que se aproximava e que poderia me abrir
espaço no Brasil. É, sem dúvida, a coisa mais grossseira que já se escreveu contra mim, que
me forçou – deixando de lado certa indiferença que sempre senti pela sorte dos meus escritos
– a fazer uma réplica em forma. Tarefa, de resto, não muito difícil: pretendendo situar-se no
terreno do marxismo, o ataque não consegue ir além do instrumental teórico ricardiano (autor
que Serra certamente estudara, em seu curso de doutoramento recém-concluído),
confundindo, portanto, valor de uso e valor, assim como lucro e mais-valia, ao mesmo tempo
em que – preocupado em combater teses estagnacionistas que eu, supostamente, teria
defendido – incorre em grotesca apologia do capitalismo brasileiro. A polêmica teve grande
difusão no exterior, não parecendo ter sido ali alcançada a desqualificação visada pelos
autores do ataque, à diferença do Brasil, onde a minha resposta sequer foi publicada.”
Theotônio lembra que a resposta de Marini não é publicada no Brasil,
apenas na Revista Mexicana de Sociologia: Las razones del neo-desarrollismo.
Marini, Vânia Bambirra, Andre Gunder Frank e Theotonio haviam identificado
que a partir de 1964 a dinâmica do capitalismo mundial e brasileiro, com a
entrada em uma nova fase caracterizada pela hegemonia do capital financeiro
com tendência expansionista e o aumento do papel do Estado junto ao capital
privado nacional e internacional. Mas, não poderiam ser chamados de
“estancacionistas”, pois haviam identificado o caráter dinâmico do capitalismo
dependente. Theotônio destaca que, para além da polêmica Marini/Cardoso, há
o resultado da política implantada por FHC com enorme desequilíbrio cambial e
fiscal, a crescente ação do Estado a favor do grande capital financeiro nacional
e internacional e a crescente superexploração da mão de obra assalariada e o
grande autoritarismo tecnocrático marcado pelas “medidas provisórias”.
brasileiras estavam fechadas para nós, mas proibidas para Ruy depois dos ataques de
Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Ambos haviam escrito uma pretensa crítica a Ruy
Mauro que aos olhos da revista mexicana em que seria impressa, tamanha agressão apenas
poderia ser publicada com a merecida resposta, tanto que os mexicanos esperaram –
atrasando pela primeira vez um número na história da revista – até a resposta de Marini. FHC e
Serra – mesmo antes de obterem qualquer mandato – mostraram-se fascistas ao proporem,
naquele artigo, a censura de um intelectual latino-americano.” Vânia argumenta que Fernando
Henrique já havia planejado o isolamento de Marini no Brasil quando nota que sua forte
influência no meio acadêmico e político da América Latina.
O MIR mobiliza os intelectuais junto com Ruy para realizarem um estudo
sobre o padrão de acumulação do capital no Chile, com redação concluída em
Cuba. Ruy mostra que o período de expansão do capitalismo contou com as
ditaduras para o aprofundamento da acumulação do capital, tarefa da América
Latina, na divisão internacional do trabalho.Com a crise de 1981, a burguesia
se divide, fragilizando as ditaduras.
Ruy propõe realizar uma revisão do pensamento latino-americano do
século XX, desde Ramiro Guerra e Mariátegui. Segundo Gutiérrez, Marini
estuda as transformações do Estado no chamado processo de
redemocratização com os conceitos de “Estado da contrainsurgência” e
“Estado do quarto poder”, que ao lado dos poderes tradicionais como
Executivo, Legislativo e Judiciário, surgia o poder militar, autônomo, que
“subordinava, sobredeterminava e protegia os outros poderes do Estado. Isso colocava um
limite à transformação da luta política em confrontração armada e/ou militar. O conceito procura
dar conta do fato de que enfrentávamos um Estado burguês, um Estado do poder, mais
poderoso e militarizado, que aumentava as dificuldades de uma estratégia baseada no simples
assalto ao poder do Estado, ou de uma estratégia baseada numa guerrilha clássica como a dos
meados dos anos 1950.”
De 1980 a 1983, Marini explica que continua o estudo do capitalismo na
América Latina e o pensamento latino-americano: “Contudo, o centro, por excelência,
de minhas pesquisas continuou sendo o desenvolvimento capitalista latino-americano e o modo
como era percebido e influído pelo processo teórico. Recorrendo ao conceito de padrão de
reprodução do capital, que eu trabalhava no Cidamo, vazei em novo molde a exposição desse
desenvolvimento nos cursos que realizei (...)Paralelamente, submeti outra vez à crítica a teoria
desenvolvimentista da Cepal e, passando pela teoria da dependência, as correntes
endogenista e neodesenvolvimentista (que se completavam, no plano político, com o
neogramscianismo então em voga).Isso correspondia à minha preocupação em desentranhar a
matriz teórica das políticas econômicas mais ou menos liberais que começavam a ser
aplicadas na região e que haviam tido o Chile como laboratório (...).”
Diante da análise da crise capitalista, Marini defendeu a corrente
minoritária na direção do MIR da estratégia de amplas alianças, mas sem a
subordinação à burguesia, contra a ditadura, ao invés da organização da luta
armada para derrubar a ditadura. Na sua organização para o retorno, Marini
estuda os processos de redemocratização sob hegemonia burguesa e analisa
os limites das assembleias constituintes e das novas constituições.
Em 1982, é preso por três dias; não se filia a nenhum partido, mas se
aproxima do PT e do PDT e chega a retomar o diálogo com Luiz Carlos Prestes
– que havia rompido com o PCB.
para trás alguns anos antes, como se o tempo não houvesse passado.”
Ceceña observa
uma mudança no comportamento de Marini após retorno do Brasil: “Ruy era um
homem calado, reflexivo, que não pronunciava palavras a mais. Isto lhe dava um perfil um
pouco rígido de dirigente implacável ou de mestre exigente.(...)Quando regressou do Brasil era
outro. Nossa relação se fez mais intensa, mais calorosa, mais amiga. A partir desse momento,
cresceu, mais do que respeito, um carinho muito grande que se mantém até hoje. Nessa
ocasião, Ruy se incorporou de imediato a um grupo de pesquisa que eu coordenava. E,
enquanto esteve no México, participou de todas as sessões de trabalho.Sua atitude era a de
quem escuta, de quem tem dúvidas e está buscando respostas que, evidentemente, não viriam
de nós mesmos, isoladamente, mas sim do pensar coletivo.Neste espaço Ruy contribuiu muito
no delineamento dos caminhos e, sobretudo, no cuidado de não adiantar afirmações sem
suficiente sustentação, sem um processamento bem maduro, posto que estávamos propondo
interpretações que marchavam na contracorrente do pensamento dominante, não só da direita
mas também da esquerda. Era o momento em que ele estava procurando novamente fazer
uma interpretação latino-americana do capitalismo do final do século 20. (...)Com essa ideia,
Ruy organizou um seminário em que se revisou o pensamento latino-americanista que havia
surgido no final do século 19 até chegar aos mais novos argumentos desenvolvidos no final do
século 20.”
A luta contra o câncer e a fidelidade à revolução socialista
Em 1997, em parceria com Theotônio dos Santos, realiza uma antologia
do pensamento social latino-americano do século 20 para a Organização para
Unesco, como forma de superar as teorias provenientes dos centros
capitalistas e dos modelos de um pensamento dominante do centro do
capitalismo.
Enfrenta o câncer no pulmão, é internado várias vezes, e, segundo o
sobrinho Bruno, gasta todos os seus recursos com o tratamento. Até o final da
vida manteve sua organização política com o MIR e a luta pela revolução
socialista mesmo com a derrocada dos países socialistas do Leste europeu.
Theotônio se recorda de uma visita a Ruy, quando estava na UTI,
impossibilitado de falar, sua expressão é de desespero e muito ódio. E
conversou com Felipe, o filho, que o Ruy não gostaria de ser mantido naquela
situação na UTI, porque ele não conseguia fazer o que gostava, ler, escrever,
falar, seguindo a orientação dos médicos. É uma situação como a de Darcy
Ribeiro que ficou internado durante quatro meses e fugiu do hospital para viver
o restante da vida como queria, comendo pastel e tomando caldo de cana.
Falece em 5 de julho no Rio de Janeiro de 1997.
Vânia Bambirra lembra que depois que Ruy ficou doente conversavam
por telefone, ela em Brasília e ele no Rio: “Um dia recebi a notícia de que ele estava
hospitalizado. Tomei um avião e vim, junto com meu filho, para vê-lo, por uns breves minutos,
em uma UTI. Logo depois, Ruy morreu. Não tive coragem de vir ao seu enterro. Chorei sozinha
em Brasília. Preferi guardar sua recordação bem viva, irônica, brilhante. Sinceramente? Foi o
maior amigo que tive.”
IV: Referências
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V: Cronologia