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Oficina de Reciclagem de Papel: uma experiência transformadora

Autora: Fabiana Mussato

A escolha para esta apresentação surgiu a partir da minha experiência atual como
educadora numa oficina de reciclagem de papel – projeto sócio-educativo de uma
grande instituição financeira preocupada com as questões da educação complementar,
da educação ambiental e com a conscientização de jovens quanto ao seu papel na
sociedade.

I – Introdução
Parto do princípio de que só podemos ‘passar para frente’ aquilo que vivenciamos e acreditamos ser o
correto. As crenças e princípios pessoais de um educador estão intimamente ligados ao que este
transmite a seus educandos. Dessa forma, não dá para passar adiante aquilo que não se acredita e não
se vivencia. Foi assim que iniciei um novo trabalho como educadora social numa oficina de reciclagem de
papel e educação ambiental.
Pessoalmente, ser educadora é mais do que uma relação de ensino-aprendizagem. É de fato uma
entrega e essa, independentemente do tempo de cada um, pode transformar.
Nessa oficina temos como fio condutor a reciclagem de papel. E é a partir desse tema e o que disto pode
ser construído e vivenciado que se criam vínculos e se iniciam os processos da transformação: do papel,
literalmente falando, e de cada integrante ali presente.
A oficina atende a jovens de 11 a 18 anos provenientes de um bairro comum e simples da grande São
Paulo. Os grupos são divididos por idade, de 11 a 14 anos e de 15 a 18 anos, sendo que em cada grupo
há, no máximo, quinze educandos. Os encontros acontecem duas vezes por semana e cada um com
uma hora e meia de duração. O período do curso é de 5 meses. As nossas maiores parceiras são as
escolas públicas, pois são elas, em sua maioria, que nos encaminham as crianças e jovens para esse
projeto.
Assim começo essa história, descrevendo a seguir o desenvolvimento desse trabalho.

II – Objetivos e Conteúdo Programático da oficina


De modo geral, essa oficina tem por objetivo transmitir aos educandos a técnica da reciclagem de papel
favorecendo reflexões e discussões sobre temas da educação ambiental e o que a partir disso pode ser
vivenciado no cotidiano dos jovens, bem como utilizar o papel reciclado e outros materiais reutilizáveis
como processo artístico e criativo.
Como objetivos mais específicos temos: o trabalhar as técnicas da reciclagem e a transformação do
papel; o refletir sobre educação ambiental e tudo o que possa remeter à prática da reciclagem como
gesto de civilidade; o incentivar a cultura de paz e altruísmo, a noção de cidadania e o discutir papéis que
nos cabem na oficina e em qualquer outro local que se vive, refletindo sobre direitos e deveres na relação
com o outro e conseqüentemente na vida cotidiana; o desenvolver as expressões artísticas, as
habilidades manuais e o despertar a criatividade por meio das artes com o papel reciclado.
O conteúdo programático aplicado no decorrer dos encontros gira em torno de três temáticas específicas:

Reciclagem e educação ambiental – no qual são discutidos assuntos como: a problemática do lixo e
suas diversas formas de tratamento; o princípio dos 3 R’s; o Protocolo de Kyoto; a reciclagem e sua
importância; a coleta seletiva; os produtos recicláveis e os não recicláveis; a origem e as curiosidades
sobre o papel, o vidro, o metal e o plástico; o respeito à vida e ao meio ambiente; a problemática da água;
o consumo consciente; a técnica da reciclagem de papel e outros assuntos afins.
Integração e desenvolvimento grupal – nesse item desenvolvemos: a construção de vínculos; os
papéis que nos cabem dentro e fora da oficina; direito e deveres na relação com o outro; cultura de paz e
altruísmo; o respeito à vida, dentre outros.

Práticas Artísticas – no qual são trabalhados: o despertar da criatividade e o aperfeiçoamento das


habilidades manuais por meio da arte com o papel reciclado (confecção de bloquinhos, porta-retratos e
marcadores de textos) e a reutilização de embalagens.

Nos encontros da oficina de reciclagem de papel, alguns conceitos são apresentados de forma teórica,
mas, em sua maioria, as aulas acontecem com dinâmicas de grupo – assim tudo se torna mais prazeroso
e descontraído. É importante que, mesmo nas aulas discursivas, haja momentos práticos para que os
assuntos não se tornem tediosos, pois educandos sem energia não conseguem formular idéias coerentes
e enriquecedoras. A partir do tema oferecido e dos objetivos de cada dinâmica os jovens passam a expor
seus pontos de vista, suas ações e suas formas de agir no desenvolvimento da aula. Mostram-se como
realmente são e como se sentem diante do assunto abordado.

A forma de transmitir cada tema também é diferente. Apesar de em vários momentos a relação ser de
ensino-aprendizagem, o objetivo também é fazer com que se sintam responsáveis por tudo e todos que
estão ao seu redor e percebam a importância de cuidarmos daquilo que nos foi deixado como herança.
Eu não os ensino a pensar sobre isso, apenas os desperto para a possibilidade de novas atitudes e
pensamentos.
Os encontros acontecem numa sala específica e formulada para que todos se sintam bem acolhidos. As
mesas são distribuídas num formato retangular fazendo com que os educandos se relacionem mais
diretamente com seus colegas de turma e se percebam unidos uns aos outros. Nesse sentido, as
relações se tornam mais enraizadas e amistosas.

III – A oficina em si
Discutir educação ambiental, ou melhor, educar-se ambientalmente é um processo lento e muito
trabalhoso. Requer mudanças de hábitos, de pensamentos, de atitudes e de relações com os que estão
ao nosso redor. Esse é o maior desafio com os jovens, pois muitos deles chegam imaturos à oficina e, às
vezes, sem conhecimentos básicos de cuidados e de preservação à vida, de cuidados com si próprios e
de cuidados com os ambientes onde estão inseridos. Essa falta de olhar para si e para aquilo ou aqueles
que nos rodeiam é uma grande falha da educação infanto-juvenil.
Meus jovens educandos chegam com idéias comuns à idade deles e com o desejo de ter muitas coisas
que ainda não estão ao seu alcance. Suas conversas iniciais giram em torno do adquirir um novo tênis;
do capítulo da novela mexicana exibida no dia anterior; da quantidade de garotas e garotos com quem
‘ficaram’; dos programas da TV a cabo que ora intitulam TV “a gato” – por terem uma assinatura
clandestina –; do desejo de serem jogadores de futebol ou modelos-atrizes, para “ganhar bastante
dinheiro” e comprar tudo o que quiserem.

Falar do que está fora e de suas atividades diárias é extremamente fácil pra eles; o desafiador é discutir
questões mais complexas e ter idéias para assuntos nunca vistos nas escolas ou em casa. Não que
esses sejam temas difíceis de ser abordados ou incomuns, mas apenas esquecidos no dia-a-dia de uma
educação consumista e individualista.

E assim iniciamos as discussões: com surpresas, com entusiasmos e também com preguiça. Em alguns
momentos percebo que me olham como se eu fosse um bichinho verde vindo de outro planeta. No início
é assim, mas no decorrer do nosso trabalho os questionamentos são grandes e incansáveis. Tenho
certeza de que, teoricamente, saem da oficina com uma nova bagagem e transmitem esses aprendizados
àqueles que se interessam em ouvir o que eles têm a dizer.
Teoricamente, como dito, é fácil construir novos conceitos, mas produzir a prática ainda é um longo
desafio dessa relação. Ela nem sempre é alcançada. Mudar atitudes é algo que vai além do desejo
interno de uma educadora. Meche com a relação familiar, com a educação básica e com a cultura e
tradição pessoal dos que convivem e são responsáveis por esses jovens. Por isso, quebrar paradigmas
requer paciência. Talvez eles só passem a se questionar de fato sobre tudo que vivenciamos na oficina
daqui a alguns anos. Talvez ainda não seja esse o momento de todos aflorarem e dar frutos, mas creio
que o despertar surgirá em algum momento e, quando isso acontecer, estarão mais preparados também
para ‘passar para frente’ o que receberam. E, assim, o ciclo será iniciado e as atitudes transformadas.

IV – Conclusão
Procurei, nesta explanação sobre uma experiência pessoal, não discutir os conceitos teóricos da
Educação Ambiental. Não quis mencionar o que é necessário para a discussão desse assunto – tão
importante e tão essencial na educação atual –, pois os que lidam diretamente com ele sabem, de
alguma forma, o que é importante transmitir aos jovens. Meu objetivo maior foi o de citar a possibilidade
de um trabalho que pode, em algum momento, transformar conceitos e opiniões.
Para isso, um sentimento extremamente essencial é o acreditar nessa possibilidade. Digo isso porque
cada dia é um novo desafio. Transmitir idéias sobre preservação ambiental, reciclagem, poluição,
cuidados com o planeta, respeito à vida, gentileza, educação e outros temas afins requer muita paciência
e crenças pessoais fortalecidas. Tudo porque a maioria de nós não tem a cultura e, conseqüentemente, o
hábito de pensar sobre esses assuntos. E se não há pensamentos não há questionamentos e não há
práticas.
Às vezes podemos ser atingidos pelo desânimo. E esse nos engessa e nos faz questionar se de fato
conseguiremos atingir alguém ou transformar atitudes. Isso também acontece porque é comum nos
depararmos com pessoas que, em nenhum momento, vão pensar no bem estar alheio. E essas pessoas
também passam por nossa oficina. E, de fato, simplesmente passam e não a concluem. Mas, como
costumo dizer, se estamos no caminho do bem alguma coisa em algum momento vamos colher.
Esse trabalho tem me proporcionado bons presentes. O último foi de um ex-educando que num curso
sobre ‘Liderança Comunitária’ teve a idéia de praticar sua ação introduzindo a coleta seletiva numa
escola pública da região em que mora. Ele está iniciando esse projeto com muita dedicação e eu estou
como expectadora de uma história estreada por mim. É isso que me faz voltar todos os dias à sala de
aula com a certeza de que alguns daqueles pegarão para si o que transmiti e saberão ‘passar para frente’
aquilo que apreenderam.

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