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mentalismo
Alessandro Pereira1
Abstract: The aim of presenting Wittgenstein consideration about “following rules”, it´s
presented in the context of the language use conception, we´ve chosen this chapter, as
background to represent the criticism shown by this viennese philosopher about mentalist
conception of the language. Therefore we limit our investigation even in an incipient way, the
opposition between these two philosophical conceptions about language, thus, our goal is to
clarify mainly, the wittgensteinian musings about rules, of the comprehension and the rules
interpretation, as well as exposed in the Philosophical Investigations.
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Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina. Orientadora Profª. Drª. Mirian Donat.
E-mail: pereira-alessandro@hotmail.com.
‘Seguir regras’ em Wittgenstein: uma leitura a partir da crítica ao mentalismo
Vol. 6, nº 1, 2013.
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‘Seguir regras’ em Wittgenstein: uma leitura a partir da crítica ao mentalismo
Quando alguém diz, p.ex., a palavra ‘cubo’, sei então o que ela
significa. Mas pode me pairar no espírito todo o emprego da palavra
quando a entendo assim?
Sim, mas o significado da palavra não é, por outro lado, determinado
também por este emprego? E podem contradizer-se estas
determinações? Aquilo que entendemos de um golpe só pode estar em
contradição com um emprego, pode encaixar-se nele e pode não se
encaixar nele? E como pode encaixar-se num emprego aquilo que nos
é presente num momento, que nos paira no espírito num momento?
O que é que nos passa pela mente, propriamente, quando entendemos
uma palavra? Não é algo assim como uma imagem? Não pode ser
uma imagem?
Bem, suponha que ao ouvir a palavra ‘cubo’, paire-lhe no espírito uma
imagem. Talvez o desenho de um cubo. Até que ponto essa imagem
pode se encaixar num emprego da palavra ‘cubo’ ou não? Talvez você
diga: “Isto é simples; quando essa imagem me paira no espírito e
aponto, p. ex., para um prisma triangular e digo que aquilo é um cubo,
então esse emprego não se encaixa na imagem.” Mas ela não se
ajusta? Escolhi, de propósito, um exemplo que tornei bem fácil
representar-se um método de projeção mediante o qual a imagem
seguramente se encaixa.
A imagem do cubo insinuou, todavia, um certo emprego, mas eu
poderia também empregá-la de outro modo (IF § 139).
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seja, em vez de procurar o objeto que a palavra representa, devemos, acima de tudo,
investigar o uso que ela possui no jogo de linguagem em que está sendo aplicada.
Nos §§ 185-242 das Investigações, o assunto sobre ‘seguir regras’ é investigado
pelo filósofo austríaco de modo mais detalhado; podemos considerá-lo como um tema
chave da concepção da linguagem ali abordada. As regras têm um papel importante na
concepção da linguagem do ‘segundo’ Wittgenstein, uma vez que elas determinam o
que é falar com sentido e corretamente, ou seja, as regras funcionam como padrões de
correção linguística (Cf. GLOCK, 1998, p. 312). Vale lembrar que as regras são
inerentes a qualquer jogo de linguagem, sem elas não é possível a existência de jogos e
muito menos de linguagem, pois elas desempenham um papel normativo.
De modo geral, ao tratar desse assunto, nas Investigações, Wittgenstein procede
à refutação das ideias que estavam no fundamento da concepção mentalista da
linguagem. Como já mencionado a título de exemplo, Locke defendia que as palavras
recebiam sua significação por meio de imagens mentais. Quando um sujeito
pronunciava a palavra ‘cadeira’, por exemplo, esta recebia sua imediata significação de
acordo com a ideia de ‘cadeira’ presente em sua própria mente. Ora, tendo isso como
pressuposto, podemos perguntar: como ficaria a comunicação? No caso, parece que a
comunicação nunca chegaria a um acordo, pois cada sujeito seria portador do
significado de suas próprias palavras. O falar seria apenas a tradução, não muito
satisfatória, de uma linguagem interna do sujeito. É como se cada sujeito portasse uma
fala interna que atribuísse significação a sua fala externa. No entanto, se essa fala
interna confere o significado da fala externa, então, surgem às questões: o que concede
significado a tal fala interna? Imagens mentais e privadas são responsáveis pela
significação da linguagem externa e pública? É possível essa transferência de linguagem
interna para linguagem externa? Quais são os critérios para que tal transferência possa
acontecer?
Como vemos, são necessários critérios públicos para que a comunicação e a
compreensão linguística possam acontecer. Porque, do contrário, dois indivíduos, ao
pronunciarem a mesma palavra, lhe dariam significados diferentes. O significado da
palavra ‘cadeira’ estaria dependente do sujeito, pois a ideia de ‘cadeira’ nele pode ser
diferente da ideia de ‘cadeira’ para outrem. Ou seja, as imagens mentais atribuiriam o
significado e justificariam a linguagem pública, sem serem elas mesmas públicas e
justificáveis.
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‘Seguir regras’ em Wittgenstein: uma leitura a partir da crítica ao mentalismo
Essa passagem nos ajuda a entender o papel das regras. Como vemos, a palavra
‘sólido’ foi atribuída a dois contextos diferentes: ao jogo de linguagem científico e ao
jogo de linguagem não-científico, mas, e aqui está o problema, com apenas um sentido,
aquele referente ao jogo de linguagem científico. As regras que revestem a palavra
‘sólido’ não são as mesmas nos dois jogos de linguagem, sendo assim, a tarefa do
filósofo é dissolver confusões semelhantes a essa, e, para isso, é primordial elucidar as
regras familiares a cada jogo (Cf. WITTGENSTEIN, 2008, p. 60). Na concepção
mentalista da linguagem, era impossível saber quais eram as regras, porque elas eram
consideradas privadas, ou seja, não havia critérios de correção linguística, uma vez que
também não havia possibilidade de estabelecer o ‘certo’ e o ‘errado’. Com outro olhar,
essa passagem também nos ajuda a entender outro aspecto da regra. Para Wittgenstein, a
linguagem não é utilizada de acordo com regras rigorosas, porque ela também não nos
foi ensinada por meio de regras rigorosas (Cf. WITTGENSTEIN, 2008, p.57). Não
existe, nesse sentido, uma regra estanque para a palavra ‘sólido’, que esteja fora do jogo
de linguagem em que ela está inserida. Em outros termos, as regras não afetam
diretamente as palavras, elas norteiam os jogos de linguagem que, por sua vez, atuam
com as palavras; esquematicamente, temos o seguinte:
REGRAS → JOGOS DE LINGUAGEM → PALAVRAS / AÇÕES.
A correção ‘gramatical’ consiste numa espécie de terapia (Cf. IF § 133) para
afastar as confusões provocadas pelo uso inadequado de uma determinada palavra.
Afinal, não podemos serrar o galho sobre o qual estamos sentados (Cf. IF § 55). Cortar
o galho aqui é semelhante à rejeição das regras ‘gramaticais’ que dão significado ao uso
de uma palavra. Quando isso ocorre, perde-se o fundamento do discurso significativo, e,
ademais, passa-se a procurar um fundamento que sustente o discurso agora expresso.
3. Compreensão
Esse caso seria semelhante ao caso de uma pessoa que, por natureza,
reagisse a um gesto de apontar com a mão, olhando, na direção que
vai da ponta do dedo para o pulso ao invés de olhar na direção da
ponta do dedo para fora (IF § 185).
a) A compreende r;
b) r prescreve x; e
c) A faz x;
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Neste ponto, gostaria de dizer, primeiramente: sua ideia foi que o ter a
ordem em mente já fez, a seu modo, todas as passagens: no ter-em-
mente, seu espírito voa, por assim dizer, à frente, e faz todas as
passagens antes de você chegar com seu corpo a esta ou àquela
passagem. Você estava, portanto, inclinado a expressões como: ‘as
passagens já estão propriamente feitas; mesmo antes de eu fazê-las
por escrito, verbalmente ou em pensamento.’ Era como se fossem pré-
determinadas, antecipadas, de uma forma singular, como só o ter-em-
mente pode antecipar a realidade (IF § 188).
A questão é que, quando dizemos “agora sei continuar”, temos a tendência a dar
explicações em termos de vivências espirituais, mas a compreensão expressada na frase
“agora sei continuar” não é uma descrição de um estado anímico, e sim um
compromisso com o futuro: a compreensão será comprovada na realização correta do
exercício ou do jogo em questão. Eu posso ter a impressão de ter compreendido a
sequência de números, dou um sorriso, estalo os dedos e, quando vou continuar... faço
tudo errado. Simplesmente entendi errado e a vivência de compreensão não serviu de
nada, girou no vazio (MARTINEZ, 2010, p.80).
Na concepção mentalista da linguagem, o critério de compreensão permanecia
obscuro, uma vez que não era possível verificar publicamente as ideias que
representavam o significado das palavras proferidas pelo sujeito. No caso da concepção
da linguagem como uso as regras, como vimos anteriormente, que dão significado às
palavras são externas e acessíveis a todos. Por isso, a compreensão de uma palavra é
vista no modo como o sujeito a utiliza. Para saber se um indivíduo compreendeu as
regras linguísticas da palavra ‘vermelho’, basta ver como ele a usa. Por exemplo, se ele
apontar para uma ‘toalha azul’ e disser ‘vermelho’, então, veremos que ele não
compreendeu as regras linguísticas dessa palavra ou talvez ele tenha uma doença ocular.
Ao corrigi-lo, ele poderá justificar dessa maneira: é que a ideia de ‘vermelho’ que tenho
em mente parece com a cor (azul) da ‘toalha’. Porém, podemos adverti-lo com a
seguinte resposta: acontece que esse não é o critério de compreensão da palavra
‘vermelho’, não é assim que a usamos, e, além disso, não nos interessa a ideia de
‘vermelho' presente na sua mente, pois ela não representa o significado da palavra
‘vermelho’.
A compreensão, portanto, das regras de uma determinada palavra sempre nos
deve remeter ao uso que dela fazemos em um determinado contexto. Como dissemos,
‘gramática’, regras, jogos de linguagem e significado são interdependentes.
Compreender uma palavra corresponde necessariamente a sua correta aplicação em seu
contexto de utilização. É no contexto que a palavra tem vida, nele ela é utilizada, ela
tem uma função, ela corresponde a uma prática.
4. Interpretação
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exemplo, e nos deparamos com a seguinte placa: , que neste caso significa
proibida a ultrapassagem: será necessária, nessa ocasião, para a correta aplicação dessa
regra de trânsito, uma interpretação? Obviamente que não, para seguir corretamente
essa placa de orientação, basta observar as aulas práticas que obrigatoriamente
participa-se para aquisição da habilitação de motorista, onde se ensina a aplicar as
regras de trânsito, ou observar como outros indivíduos agem diante da placa. No que se
refere a isso, afirma Wittgenstein:
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‘Seguir regras’ em Wittgenstein: uma leitura a partir da crítica ao mentalismo
Seguir a placa acima não é uma prática isolada, privada e que se faz uma vez ou
outra. Pelo contrário, seguir as normas de trânsito é uma prática comum, pública e que
fazemos constantemente, pois aprendemos assim. Conforme Wittgenstein, “[...] alguém
só se orienta por uma placa de orientação na medida em que houver um uso contínuo,
um costume” (IF § 198).
A regularidade das ações humanas é preponderante para a existência de regras.
Se não houvesse constância em tais ações, provavelmente, não existiria a palavra regra,
ou seja, ela está correlacionada com as ações. A própria língua pertencente a um povo é
o resultado de traços culturais, geográficos e históricos. Sendo assim, as regras
linguísticas são expressões de certa regularidade nas ações humanas. Um indivíduo não
tem total liberdade para construir palavras para significar ideias a seu bel-prazer, e nem
mesmo aplicá-las conforme o seu agrado, pois as regras linguísticas têm relação mútua
com as ações humanas e é nelas que se encontra a sua correta aplicação. Wittgenstein
afirma que “a palavra ‘concordância’ e a palavra ‘regra’ são parentes, são primas. Se
ensino a alguém o uso de uma, com isso ele aprende também o uso da outra” (IF § 224),
e ainda “o emprego da palavra ‘regra’ está entretecido com o emprego da palavra
‘igual’. (Tal como o emprego de ‘proposição’ com o emprego de ‘verdadeiro’)” (IF §
225).
O problema da interpretação de regras linguísticas consiste em pressupor que
exista uma terceira coisa que fundamente a conexão entre a regra e a sua aplicação. Na
concepção mentalista da linguagem essa terceira coisa chama-se imagem mental ou
ideia. Por meio dela, a regra linguística recebia a sua correta aplicação. Nesse sentido,
por exemplo, é como se a palavra ‘vermelho’ tivesse várias interpretações e, por
conseguinte, aplicações diferentes, todas referentes à imagem mental a que corresponde.
No entanto, para o segundo Wittgenstein, a imagem mental não é o critério para
a correta aplicação e utilização da palavra ‘vermelho’. Quando um adulto ensina uma
criança a utilizar a palavra ‘vermelho’, certamente, ele não perguntará para a criança
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‘Seguir regras’ em Wittgenstein: uma leitura a partir da crítica ao mentalismo
qual é a imagem mental referente. Ou seja, não há uma linguagem interna que
represente o significado da linguagem externa. Na maneira em que usamos a palavra
vermelho estão dadas as regras e a correta aplicação.
No § 241, das Investigações, Wittgenstein mostra que a linguagem humana está
enraizada em nossa forma de vida, em nossas práticas cotidianas. Há uma conexão entre
as regras linguísticas e as ações humanas que estabelecem a correta aplicação:
Por isso, “seguir uma regra” é uma prática. E acreditar seguir a regra não é:
seguir uma regra. E por isso não se pode seguir a regra ‘privatium’, porque, do
contrário, acreditar seguir a regra seria o mesmo que seguir a regra.
Do modo como as coisas estão, posso p.ex., inventar um jogo jamais jogado por
alguém - mas seria possível também o seguinte: A humanidade nunca jogou nenhum
jogo; certa ocasião, porém, alguém inventou um jogo, - que todavia jamais foi jogado?
(IF §§ 202-204).
Considerações finais
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Referências
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