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Meios de comunicação, voto e

conflito político no Brasil

Flávia Biroli
Luis Felipe Miguel

Liniers

Os estudos brasileiros sobre as relações entre a desenvolvimento acelerado do ambiente acadêmi-


mídia e a política foram inaugurados pela eleição co brasileiro, por outro, tenham contribuído para
presidencial de 1989. Se antes havia uma ou ou- a eclosão desse ramo do conhecimento, é inegável
tra pesquisa, em geral com a política aparecendo o impacto que a vitória de Fernando Collor teve
como aspecto secundário de uma “sociologia da co- para seu surgimento – e também para sua evolução
municação” mais ampla, desde então começa a se posterior (Rubim e Azevedo, 1998).
constituir um campo interdisciplinar, que se afirma Collor foi um caso de manual, uma demons-
sobretudo nos períodos eleitorais. Embora a nor- tração quase caricata da midiatização da política e
malização democrática após 1985, por um lado, e o do poder dos meios para moldar uma disputa elei-
Artigo recebido em 15/05/2011 toral. Político sem expressão, tornou-se, em 1986,
Aprovado em 17/09/2012 governador de um estado desimportante no cenário
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nacional, no bojo do Plano Cruzado – o PMDB, taneou a onda de denúncias que culminariam em
partido ao qual aderira meses antes, fez 22 dos 23 seu impeachment, em 1992. Ou seja, a trajetória
governadores nas eleições daquele ano, graças ao de Collor parecia comprovar que “a imprensa faz
grande apoio popular ao plano de estabilização eco- e desfaz um presidente” (Lattman-Weltman, Car-
nômica. Para viabilizar sua candidatura a presiden- neiro e Ramos, 1994).
te, Collor logo se transferiu para um micropartido, As eleições presidenciais seguintes introduzi-
o Partido da Juventude, que ele rebatizaria como ram um pouco mais de complexidade, mas ainda
Partido da Reconstrução Nacional. O PMDB pos- assim permaneceram dentro do script. Em 1994,
suía muitos caciques mais poderosos do que ele a promoção do Plano Real e a da candidatura de
e, além disso, encontrava-se enfraquecido com a Fernando Henrique Cardoso andavam juntas – e as
débâcle do Cruzado, dias após as eleições. inconfidências do ministro da Fazenda, afirmando,
Como foi possível que um político de segundo sem saber que estava sendo transmitido, que a mis-
time, governador de um estado periférico, filiado a tura entre campanha eleitoral e plano econômico
um partido sem qualquer estrutura coligado a ou- havia sido “um achado” para a Rede Globo, só con-
tros dois igualmente desimportantes, tenha chegado firmaram a centralidade da mídia na indução da
à presidência da República? Muitos fatores ajudam a decisão do eleitorado. Em 1998, o relativo silêncio
explicar o fenômeno, como o desespero dos grupos da mídia sobre a campanha correspondia à estraté-
poderosos para, em face do desgaste das elites polí- gia para a reeleição de seu candidato preferido, no-
ticas tradicionais, encontrar o “anti-Brizula”, isto é, vamente Fernando Henrique. Mesmo em 2002, a
o candidato capaz de derrotar a ameaça esquerdista, vitória de Lula foi combinada com sua capitulação
representada quer pelo ex-exilado Brizola, quer pelo ao programa macroeconômico que antes combatia
ex-sindicalista Lula. Ou o fato de se tratar de uma elei- – e os meios desempenharam um papel crucial na
ção solteira, em que o único cargo em disputa era o de imposição deste “consenso” (ver, entre muitos ou-
presidente, o que reduz significativamente o peso das tros, Porto, 1995; Miguel, 1999, 2003, 2004; Aldé,
máquinas partidárias e amplia as chances dos outsiders. 2004; Rubim, 2004).
Mas ainda assim os meios de comunicação Mas em 2006 os estudiosos de mídia e política
desempenharam um papel chave. Collor fez uma se viram jogados num doloroso universo paralelo,
ofensiva midiática tão logo assumiu o governo de em que os eleitores votavam num candidato que
Alagoas, incluindo tanto ações de marketing pesso- não era o apoiado pelos grandes conglomerados de
al quanto contatos que garantiram a simpatia dos comunicação. Desde a publicação da entrevista do
controladores dos principais veículos. Criou a per- deputado Roberto Jefferson ao jornal Folha de S.
sona do “caçador de marajás”, que foi difundida por Paulo, em 6 de junho de 2005, até o primeiro tur-
televisões, jornais e revistas. Só a Veja deu uma capa no das eleições presidenciais, foram dezesseis me-
ao tema dos “marajás” em agosto de 1987 e outra ses ininterruptos de cobertura negativa do governo
ao próprio Collor em março de 1988, marcas iné- Lula, focada no escândalo do “mensalão” e em seus
ditas (e nunca depois igualadas) para um governa- desdobramentos. No entanto, Lula obteve 48,6%
dor nordestino em começo de mandato, sem falar dos votos válidos no primeiro turno, 60,8% no
de mais três em 1989, durante a pré-campanha e a segundo, reelegendo-se à presidência da Repúbli-
campanha para a presidência. Além disso, Collor ca. Quatro anos depois, a história se repetiria com
colonizou o horário gratuito de propaganda parti- Dilma Rousseff, que, com 46,9% dos votos válidos
dária no rádio e na TV de três pequenas legendas, no primeiro turno e 56,1% no segundo, foi eleita
para se fazer conhecido do eleitorado. presidente a despeito do apoio pouco disfarçado
Enfim, Collor não teria sido eleito sem o dos principais veículos de comunicação a seu ad-
apoio das máquinas partidárias locais e dos gran- versário, José Serra.
des financiadores de campanha, mas foi a visibili- Estes resultados trouxeram novas questões às
dade inicialmente obtida na mídia que o tornou pesquisas na área de mídia e política, impondo a
atraente para estes. Mais tarde, a mesma Veja capi- reflexão sobre uma série de problemas que estão

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na base das análises presentes em muitas delas. O a compreensão do poder da mídia na conforma-
descompasso entre as hipóteses de pesquisa e o ção do ambiente político, dando destaque às dis-
modo como as disputas se definiram nas eleições putas e antagonismos que constituem os processos
recentes pode definir o caráter das indagações de produção dos discursos e de definição das pre-
nesse campo: por que há uma cisão entre a mídia ferências políticas.
e as preferências do eleitorado – ou, se preferir-
mos utilizar um conceito mais desafiador, entre a
mídia e a opinião pública. A seringa oculta
Mas esta é uma falsa questão, como procurare-
mos mostrar aqui. Ela é útil apenas por revelar os Expressões como “o eleitorado” ou “a opinião
pressupostos simplificadores que subjazem a gran- pública” tendem a apresentar como unidade aquilo
de parte da pesquisa sobre mídia e política ou, de que pode, no máximo, ser entendido como o resul-
forma mais precisa, sobre a influência dos meios tado de pressões conflitantes. Usadas por economia
de comunicação nos processos eleitorais. As expli- de linguagem, acabam por contribuir para a sedi-
cações para o peso da mídia na formação das pre- mentação de esquemas mentais simplificadores. Em
ferências (ou conformação da opinião pública) são particular, contribuem para que se julgue que as
muitas vezes simplificadoras porque: respostas às influências e pressões do ambiente polí-
tico são uniformes, quando, ao contrário, é crucial
• pressupõem um eleitorado menos heterogêneo entendê-las como profundamente diferenciadas.
do que ele de fato é e processos mais unidi- A análise do comportamento eleitoral depen-
mensionais de definição das preferências do de do entendimento que se tem de como as pre-
que de fato são; ferências dos votantes são produzidas. Se não é
• pressupõem “a mídia” como redutível aos possível nem desejável que cada estudo da relação
principais conglomerados comerciais e tratá- entre mídia e eleições enfrente problemas de base,
vel como bloco monolítico, e não uma rede como a caracterização dos processos de formação
complexa em que produção e circulação das das preferências, é sempre necessário estar cons-
informações não se reduzem a uma dinâmica ciente dos pressupostos que são mobilizados e dão
centralizada e controlada; forma às análises.
• pressupõem as relações entre mídia e eleitorado Um primeiro pressuposto que é necessário discutir
a partir de (1) e (2). é o peso conferido à posição social dos eleitores – ou,
dito de outra forma, o impacto das clivagens sociais
Isso leva a equívocos e simplificações tanto na internas ao eleitorado nos processos de definição das
explicação de por que a mídia tem peso na defini- preferências e do voto. Trata-se do entendimento de
ção das preferências (ou conformação da opinião quanto e como classe social, nível educacional, po-
pública) como na explicação de por que, em outros der de compra, lugar de moradia, sexo, raça, geração,
casos, ela não é determinante. relação com religiões organizadas e outras clivagens
Na primeira seção do artigo, discutimos e cri- contam na definição do voto. Se essas variáveis pe-
ticamos estes três pressupostos. Na segunda, pro- sam, pode-se presumir que as mesmas informações
curamos avançar alguns passos na direção de um despertam graus de atenção e ganham sentidos di-
entendimento mais sofisticado dos fluxos de co- ferentes para indivíduos diversamente situados. A
municação e da formação das preferências políti- matéria de que são produzidas as identidades sociais
cas nas sociedades contemporâneas (e no Brasil de dos indivíduos é, nesse caso, determinante para a
hoje em particular). Aqui, a diversidade do tecido maneira como compreendem o que está em jogo nas
social, de um lado, e, de outro, a complexidade disputas políticas e consideram as alternativas e in-
dos circuitos comunicativos, que não se limitam à formações que lhes são apresentadas.
“grande imprensa”, precisam entrar em cena. Por Até certo ponto, estamos repisando o entendi-
fim, uma breve conclusão procura contribuir para mento de que a recepção é social e ativa. Já Walter

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Lippmann ([1922] 1966) ressaltava as predisposi- dieu (1997, p. 64) chama de transfusão da razão
ções e os preconceitos que, resultantes do ambiente raciocinante para a razão razoável. O sentido do
social em que os indivíduos estão imersos, defini- voto é o sentido atribuído ao voto a partir da po-
riam a visão subjetiva das informações disponíveis. sição e dos interesses de determinados segmentos
John Thompson ([1990] 2002), influente entre os do eleitorado, no caso os setores bem posicionados
estudiosos brasileiros no campo da comunicação e no mercado de produção e circulação dos discursos.
política, enfoca o impacto dos meios técnicos de No Brasil, metodologias que permitiram anali-
comunicação lembrando, em diversos momentos sar o “viés” dos meios de comunicação em contex-
de sua análise, que os discursos que a mídia faz cir- tos eleitorais tiveram um grande impacto na área
cular são concretamente recebidos, apropriados e de comunicação e política. As análises centradas na
reelaborados em contextos particulares. “valência” do material jornalístico, por exemplo,
Não é, portanto, novidade dizer que os indiví- exigem dois pressupostos para que seus resultados
duos estão diferentemente atentos e são diferente- tenham relevância: (1) que a atribuição do caráter
mente permeáveis às narrativas que compõem o am- “positivo”, “negativo” ou “neutro” a uma reporta-
biente informacional em que estão inseridos. Mas gem pelo pesquisador seria compartilhada pelos
há uma distância entre a “crença” no caráter ativo da jornalistas, pelos agentes políticos envolvidos e por
recepção e a incorporação desse fato complexo aos todos os segmentos do público; e (2) que seja possí-
modelos analíticos. Ao analisar o discurso da mídia vel estimar a priori o impacto do noticiário positivo
nos períodos eleitorais, por exemplo, consideramos ou negativo no público, mais uma vez visto como
que ele tem peso na orientação das disputas e, so- indistinto. Estes pressupostos comprometem mais
bretudo, na definição do voto. E é comum que ele a utilidade do uso da valência do que os problemas
seja entendido a partir de uma recepção-padrão ao de operacionalização vinculados à dificuldade de
que, da perspectiva do analista (ou do jornalista), é mensurar seja o peso das diferentes matérias, seja
relevante. O comportamento eleitoral é, então, en- seu grau de “positividade” ou “negatividade”.1
tendido como uma resposta ao “ambiente informa- As análises podem ressaltar, por exemplo, que
cional” em que o próprio analista ou jornalista está eleitores de diferentes estratos socioeconômicos
situado. Nesse caso, premissas similares organizam a definem seu voto a partir de experiências que são
produção acadêmica e a produção jornalística, ainda diversas, ao mesmo tempo em que naturalizam
que com graus diferentes de sofisticação. Isso per- julgamentos sobre o sentido – e o teor moral – da
mite que exista uma continuidade entre elas, uma relação entre voto, posição social e interesses dos
alimentação recíproca do universo mental em que eleitores. O fato de que o eleitor receba benefí-
os fatos ganham sentido. Ao dar sentido ao voto, cios de um programa social do governo federal,
acadêmicos e jornalistas o fazem a partir da posição por exemplo, tem sido uma variável considerada
de quem detém um leque maior de informações – nas análises sobre as eleições de 2006 e 2010. Per-
em relação às informações de que dispõe o eleitor –, mite associar renda, relação com o governo fede-
mas sobretudo a partir de valores e framings que não ral, e mesmo relativizar, entre os beneficiários, o
necessariamente coincidem com aqueles que foram, impacto da cobertura jornalística negativa para o
de fato, mobilizados pelos eleitores na definição das governo ou candidatos governistas. Mas a razão
suas preferências e opiniões. e o sentido desses votos são explicados a partir de
Assim, imputa-se ao voto a expressão de uma categorias que podem ser estranhas àquelas que
opinião que, no entanto, é apenas uma projeção do estão na base da decisão daquele segmento do elei-
discurso acadêmico ou jornalístico. Por exemplo, o torado e/ou que estigmatizam o eleitor, colocando
voto em Lula, expressão do “lulismo”, demonstra- em questão suas razões para aderir a um ou a ou-
ria despreocupação com a moralidade na gestão do tro candidato (Marques, Leite, Mendes e Ferreira,
patrimônio público ou vulnerabilidade do eleitor à 2009; Zucco, 2008).
manipulação por meio de práticas assistencialistas. Ainda que as análises não promovam a estig-
Trata-se de uma manifestação daquilo que Bour- matização do comportamento político, movem-se

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num universo simbólico comum ao da cobertura bilizar as informações – coincidentes ou não com
jornalística. Nesse campo, a estigmatização do com- aquelas que se espera que pesem na definição do
portamento político dos segmentos mais pobres da voto – em narrativas que não reproduzem os fra-
população tem sido recorrente. Tem se dado em mings hegemônicos na grande mídia. Mas, princi-
momentos históricos distintos, como os anos que palmente, as análises deixam de lado a importân-
antecederam o golpe de 1964 (Biroli, 2005), per- cia que pode ganhar, em disputas específicas, (3) o
manecendo em visões elitistas da democracia que se conflito entre informações e representações antagô-
acomodam a análises produzidas em vários campos, nicas. Esse terceiro ponto adianta uma questão que
entre eles a mídia e a academia. A cobertura sobre será discutida em seguida, a de que a existência de
o Programa Bolsa Família no período eleitoral de um sistema de mídia em que há grande concentra-
2006 é um exemplo. Nela, é frequente a associa- ção na propriedade e alto grau de homogeneidade
ção entre assistencialismo e manipulação e a pres- nas práticas jornalísticas de produção das informa-
suposição de que os eleitores pobres são vulneráveis ções é confundida com monopólio estrito sobre a
à manipulação – que, assim definida, permite que circulação das informações, controle ou, ao menos,
o comportamento presumido de um dos agentes prevalência da “grande imprensa” entre as institui-
(o eleitor) reitere o comportamento presumido de ções e espaços em que são produzidos os discursos
outro (o governo ou o PT). Além disso, os sentidos que teriam impacto para a decisão dos eleitores.
atribuídos aos interesses dos eleitores diferem se são Queremos ressaltar que a interpelação que está
pobres ou ricos: no primeiro caso, o voto resultaria no centro da dinâmica informacional não pode ser
de manipulação e desconsideraria questões éticas, explicada a partir das informações disponibilizadas
no segundo, o voto resultaria de uma visão objetiva pelos meios de comunicação. Isso não significa
dos próprios interesses. Esse entendimento esteve que essas informações não devam ser caracteriza-
presente no noticiário dos jornais diários de circu- das e analisadas para entendermos as relações entre
lação nacional durante o período eleitoral de 2006, a mídia e as disputas eleitorais em um dado mo-
quando o Bolsa Família apareceu como a principal mento. O que simplifica a dinâmica de produção
motivação, ilegítima, para o votos dos eleitores po- das informações – e compromete as conclusões
bres em Lula. dos pesquisadores – é tomar as categorias que estão
Nesse caso, os valores mobilizados pela aná- na base do discurso da própria mídia como funda-
lise seriam universais, diluindo suas conexões não mento para interpretar o comportamento eleitoral.
apenas com perspectivas sociais e interesses especí- Quando isso se dá, o foco recai sobre o maior ou
ficos, mas com a própria disputa eleitoral. É por- menor ajuste àquelas categorias e não sobre a dinâ-
que esses valores são apresentados como universais mica complexa de produção das decisões, em que
(o zelo pelos recursos públicos, a compreensão de há uma sobreposição conflituosa de referências, in-
que o Estado está acima dos interesses partidários, formações e orientações.
o entendimento de que interesses privados não de- O voto em Collor, em 1989, tem sido visto
vem moldar a atuação dos homens públicos etc.) como expressão da influência da mídia sobre o elei-
que diferenças e antagonismos são apresentados torado. A maior parte das análises procura explicar
como desvios. A distinção entre comportamento a opção de setores da elite econômica, incluídos os
autointeressado e comportamento republicano, por proprietários de mídia, à candidatura de Collor, e
exemplo, ganha matizes diferentes se os interesses pouco se diz sobre as razões do eleitorado – que
são considerados legítimos ou não – a defesa da teriam sido produzidas por uma combinação de
propriedade, de modo geral, aparece desconectada imaturidade política, após 29 anos sem votar para
da noção de autointeresse. presidente, e orientação hipermidiática da disputa.
Na definição do sentido do voto, boa parte das O voto não aparece como desvio, ainda que a con-
análises desconsidera que (1) os eleitores podem duta do candidato eleito o tenha sido. O comporta-
dispor de informações diferentes daquelas de que mento dos eleitores não foi explicado do ponto de
dispõem os estudiosos; (2) os eleitores podem mo- vista ético, assim como a adesão da imprensa não

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foi reconhecida, muito menos apresentada como explicitada, de como se organiza o campo de pro-
uma falta ética. Já em 2006 e em 2010, o sentido dução ideológica e quais seus efeitos na produção
do voto em Lula e Dilma se definiu em um contex- da opinião pública. Qual é o peso da mídia – e, em
to no qual a grande imprensa havia se colocado na particular, da grande mídia comercial – em relação
ofensiva diante da corrupção no governo. O voto a outras instituições ou espaços a partir dos quais se
em Lula expressaria, assim, a ausência de preocu- definem fluxos, menos ou mais controlados e cen-
pação da maior parte do eleitorado com os aspectos tralizados, de informações, como governos, igrejas
éticos da política. Nesse caso, o voto teria sido um ou organizações não governamentais?
desvio em pelo menos dois sentidos: não sofreu o A maior parte das pesquisas sobre mídia e elei-
impacto da cobertura da grande imprensa, de um ções no Brasil concentra-se em dois problemas: a
lado, e, de outro, revelou uma conduta moral des- definição da agenda da “grande imprensa” (os te-
viante, sobretudo do eleitorado pobre , em especial mas e enquadramentos predominantes nos jornais
das regiões Norte e Nordeste do país (Biroli e Man- impressos e telejornais de maior público, durante
tovani, 2010). o período eleitoral) e a adesão dessa mesma mídia
As preferências e opiniões individuais são, no a uma ou outra candidatura (a visibilidade dada a
entanto, efeito de relações sociais complexas, em temas e enquadramentos e a cobertura positiva ou
que os recursos para a definição da opinião e sua negativa dos candidatos, partidos políticos e gover-
expressão variam segundo a posição social objeti- no). O “ambiente político” acaba sendo definido a
va dos indivíduos e excedem a agenda e os enqua- partir do comportamento da própria mídia ou, mais
dramentos midiáticos. Mas o comportamento dos especificamente, de segmentos da mídia. Em geral,
eleitores, por outro lado, não se define à parte dos ficam de fora pelo menos dois aspectos necessários
valores políticos hegemônicos. Os pressupostos pre- à caracterização do tipo e do grau de influência
sentes nos discursos hegemônicos sobre quais in- da mídia: o noticiário cotidiano e seu impacto na
formações deveriam ser mobilizadas e quais valores definição dos valores políticos dos eleitores, ul-
deveriam estar na base das motivações dos eleitores trapassando, portanto, a cobertura eleitoral; e os
não constituem um universo simbólico paralelo “valores de fundo” que organizam o próprio no-
àquele em que as decisões são tomadas. Os meios ticiário, isto é, os discursos valorativos de caráter
de comunicação podem não determinar o voto, mais permanente que são o pano de fundo que dá
mas atuam dando ênfase a determinadas compre- sentido às informações e justifica sua saliência em
ensões da política, definindo fronteiras entre com- relação a outras.2
portamento adequado e inadequado, lapidando Além dessas, interessa-nos uma outra ausên-
consensos. Além disso, os discursos que a “grande cia nessas análises, a do contraditório que é parte
imprensa” coloca em circulação podem ser um ín- do fluxo de informações. Nesse aspecto, é comum
dice de quais são as compreensões da política que que se desconsidere que: (1) internamente à grande
se tornaram hegemônicas no campo mais amplo e imprensa, há “camadas” de discursos cujos sentidos
heterogêneo da produção ideológica, e não apenas não convergem plenamente, apresentando contra-
no campo midiático. dições e fissuras; (2) internamente ao campo da mí-
Discutimos, até aqui, o primeiro pressuposto, dia, há segmentos diferentes que contribuem para
que consiste nos entendimentos sobre a produção reforçar discursos que podem ser convergentes,
das preferências dos votantes que estão na base das apresentar divergências pontuais ou ser de fato an-
análises sobre a mídia e a política. O segundo pressu- tagônicos; e (3) externamente ao campo da mídia,
posto aponta para questões relacionadas à produção e há espaços e instituições que produzem discursos
circulação dos discursos. Consiste no entendimento que concorrem com aqueles que os meios de co-
de quais são os dispositivos de produção ideológica municação fazem circular. Nos três casos, além da
que pesam na definição das preferências e do voto e consideração de que o fluxo comunicativo contém
qual é seu impacto sobre o público. Em outras pala- contradições, a análise mais detida desses aspectos,
vras, o problema aqui é a compreensão, nem sempre ou sua consideração na elaboração dos problemas

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de pesquisa, levaria a uma maior atenção ao proble- vemos que as velhas teorias hipodérmicas, apesar
ma discutido no primeiro pressuposto, o da aten- de todas as críticas já recebidas e mobilizadas pelos
ção diferenciada de segmentos distintos do público próprios estudiosos, continuam organizando mui-
às informações disponíveis. tos esquemas mentais. Vem daí o espanto com o
Essas instituições (incluídos diferentes tipos de fato de que o eleitorado escolha um candidato que
mídia, mas também aquelas que não são propria- recebe a desaprovação expressa da grande mídia.
mente pertencentes ao campo da mídia) colocam As críticas à teoria hipodérmica, com o foco
em circulação temas que podem definir a agenda nos fluxos horizontais de informação e no peso do
das disputas e atuam na delimitação do campo ambiente social, não impedem que a relação entre
do politicamente pensável. Podemos entendê-las mídia e eleitores apareça como um processo de con-
como dispositivos de verdade, no sentido de que vencimento – que pode ou não produzir resultados.
participam (convergindo ou divergindo) da de- A ênfase na reação dos indivíduos às informações
finição do “conjunto das regras segundo as quais disponíveis sobre a posição de outros indivíduos
se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao em seu ambiente (profissional, comunitário etc.) e,
verdadeiro efeitos específicos de poder” (Foucault, em alguns casos, a ênfase na tendência, pressuposta,
[1979] 1995, p. 13). Assim, mais do que a ade- a acompanhar o maior número, organizam algumas
são a posições e candidatos, é preciso compreender matrizes importantes das análises. Em uma delas,
como se dá a construção e o reforço às próprias o destaque vai para os formadores de opinião nas
categorias e valores que estão na base dos julga- comunidades e para a dinâmica de reforço das opi-
mentos (Biroli e Miguel, 2012). E ela não se ori- niões já compartilhadas pelo grupo (Lazarsfeld, Be-
gina ou tem efeitos a partir, apenas, dos discursos relson e Gaudet, [1944] 1969; Berelson, Lazarsfeld
hegemônicos na grande imprensa. e Mcphee, [1954] 1986). Outra matriz, que tam-
A compreensão do modo como esses disposi- bém tem sido influente, ressalta a imposição das
tivos atuam é deformada quando se entende que opiniões da maioria às minorias, que seria um des-
um deles atua sozinho ou é necessariamente de- dobramento do receio ao isolamento, constituindo
terminante das informações (re)produzidas pelos a “espiral do silêncio” (Noelle-Neuman, [1993]
demais. Em boa parte das pesquisas sobre mídia 1995) ou as “pressões do conformismo” (Sunstein,
e política, um sistema complexo de meios de co- [2009] 2010, p. 52).
municação é representado pelas posições de um Nessas abordagens, a mídia é avaliada pelo re-
punhado de grandes veículos. Em suma, as pesqui- forço ou pela confrontação a disposições prévias e
sas podem concentrar-se no Jornal Nacional ou em majoritárias. Atuaria, assim, no sentido de confir-
alguns poucos jornais diários de circulação nacional mar ou suplantar o “preconceito violento, a apa-
e dos seus posicionamentos desdobrar análises da tia e a preferência pelas trivialidades” nos cidadãos
“mídia”. Se há duas décadas, quando essa área de (Lippmann, [1922] 1966, p. 229). Responderia a
estudos começou a ganhar dimensão no Brasil, isso interesses preexistentes, confirmando-os, ou permi-
já era uma simplificação, hoje o peso destes veículos tiria o contato dos indivíduos com aspectos da rea-
mudou, o campo da mídia no Brasil se tornou mais lidade – especialmente da política – cuja relevância
complexo, a comunicação governamental atua com eles não seriam capazes de perceber sem a indicação
impacto direto e indireto sobre a própria mídia co- da própria mídia.
mercial, os espaços e redes de produção e circulação Muitos estudos sobre comportamento político,
de informação se ampliaram. enfatizem ou não o papel dos meios de comunica-
Mas é o terceiro pressuposto anunciado na in- ção de massa, trabalham com uma percepção esti-
trodução que nos permite tratar da relação que as lizada de como são produzidas as decisões políti-
análises pressupõem que a mídia deve ter com a cas. Os indivíduos são vistos como dotados de um
opinião do público (não no sentido de observância conjunto de valores ou preferências, com os quais
a uma norma ética, mas de adequação aos modelos ingressam na esfera pública. Pode ser um eleitor
e pressupostos que estão em sua base). É aqui que racional que busca o máximo de informações (Ar-

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row, 1951) ou que, ao contrário, contenta-se com racional”. Assim, num extremo, a narrativa lazars-
o mínimo de informação necessário para uma es- feldiana minimiza o centro do gráfico: as preferên-
colha esclarecida (Downs, 1957); pode ser um elei- cias (socialmente determinadas) já produzem dire-
tor cujas escolhas são condicionadas integralmente tamente escolhas eleitorais, cabendo à informação
pela socialização primária e que faz um uso seletivo meramente reativá-las (Lazarsfeld, Berelson e Gau-
da informação disponível, evitando a dissonância det, [1944] 1969, pp. 74-75). No outro extremo,
cognitiva (Campbell, Converse, Miller e Stokes, a narrativa schumpeteriana desinfla as preferências
1960); ou mesmo aquele que toma decisões de for- (já que os simples eleitores não são capazes de ter
ma quase intuitiva, com base em baixa informação vontades efetivas em matéria de política) e elimi-
(Popkin, 1991). Em cada um desses casos, as pre- na o cálculo racional, fazendo a escolha nascer di-
ferências individuais, sejam elas consideradas escla- retamente da informação relevante em contexto
recidas ou fruto de preconceitos, aparecem como de disputa eleitoral, que é o discurso demagógico
dados prévios, a partir dos quais os indivíduos se (Schumpeter, [1942] 1984, p. 330). O mainstream
situam diante de um conjunto de informações, da ciência política, porém, tende a ocupar posição
próprias da conjuntura e que pouco incidem sobre mais central, com ênfase ora na capacidade dos
a formação das preferências.3 eleitores de alcançar um cálculo racional eficiente
Então, os indivíduos são expostos a um univer- diante das informações disponíveis (Downs, 1957;
so de informações – sobre quais são as ofertas no Sartori, [1987] 1994), ora no impacto manipulativo
mercado político, por um lado, e, por outro, sobre dos fluxos de comunicação (Sartori, [1997] 1998).
as questões (issues) prementes e as alternativas a elas. Não é nosso objetivo fazer, aqui, uma revisão
Tendo sempre como horizonte os valores e prefe- exaustiva dos modelos de comportamento eleito-
rências originários, que tendem a ser dados como ral. O ponto a observar é que os estudos de mídia
fixos, o indivíduo analisa o mundo que o cerca, à tendem a trabalhar com uma variante do modelo
luz das informações disponíveis, e faz racionalmen- simples, que chamamos de “modelo midiacêntrico
te sua opção. Todo o processo toma a forma de um de produção da decisão política” (Figura 2). Nele,
silogismo, que pode ser enunciado de forma clara, a mídia é responsável tanto pela disseminação dos
ainda que não muito elegante, como se segue: uma valores que conformam a “visão de mundo” do pú-
vez que x (preferência) e dado que y (informação), blico, de longo prazo, quanto das informações que
logo z (decisão). Uma vez que eu priorizo a agenda orientam suas escolhas no curto prazo. A ênfase
ambiental e dado que as informações indicam que pode ser dada a um ou outro aspecto, conforme o
o candidato Fulano possui os compromissos mais enfoque assumido.
sólidos com a causa ecológica, logo eu voto nele. O discurso da mídia entra, então, como variável
Esse tipo de raciocínio, ao qual chamamos de “mo- explicativa da escolha política. Uma vez que tanto
delo simples de produção da decisão política”, pode o eleitorado quanto os meios de comunicação são
ser representado pela Figura 1. tomados como homogêneos, o modelo midiacên-
O modelo permite conceder pesos variáveis à
influência da mídia, de acordo com a força relati- Figura 2
va de “preferências”, de “informação” e do “cálculo Modelo Midiacêntrico de Produção da
Decisão Política
Figura 1 mídia
Modelo Simples de Produção da Decisão Política

informação valores
informações
"visão de procedimentos
preferências, escolhas
cálculo racional decisões mundo" de decisão
valores

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Meios de comunicação, voto e conflito político no Brasil  85

trico busca identificar para qual direção os meios a escolha do eleitorado (Eisenberg e Vale, 2009) – e
apontam e, em seguida, verificar em que medida a estes são apenas alguns exemplos extremos.4
transferência das disposições para o público ocorreu Propomos aqui que os estudos sobre comunica-
eficazmente. A eleição de 1989, em que a preferên- ção e política caminhem na direção oposta. Não se
cia da mídia por Collor se traduziu em vitória elei- trata de isolar um punhado de variáveis, de preferên-
toral, desponta como um caso “normal”. As eleições cia quantificáveis, e tentar forçar a realidade para den-
presidenciais de 2006 e 2010 são as exceções que tro de algum modelo que só reconheça a elas. É neces-
exigiriam explicações também excepcionais. sário, como discutimos na próxima seção, recuperar a
Há aqui um entendimento simplificador da complexidade na produção das escolhas políticas.
relação que se estabelece entre aqueles que detêm
“os instrumentos de produção de problemas e de
opiniões legítimas” (Bourdieu, 1979, p. 464), por Um mundo mais complexo
sua vez resumidos à mídia, e aqueles que estão na
posição de consumidores dos discursos considera- Não é necessário tomar toda a complexidade
dos informativos e politicamente legítimos. É claro do processo de formação das preferências ou do
que a possibilidade de expressar politicamente uma modo de atuação dos meios de comunicação nas
opinião e, ainda, de fazê-la pesar na conformação mãos em cada análise, ou mesmo em cada hipótese
do ambiente político, depende de instrumentos que as pesquisas tornam explícita. Mas nos parece
que não são distribuídos de forma equânime ou ca- necessário que os pressupostos que orientam nor-
sual – a divisão do trabalho político tem como uma mativamente os passos que damos para tornar o
de suas facetas a divisão social entre produtores e mundo empírico explicável ganhem em complexi-
consumidores do discurso político. Mas, numa so- dade. Caso contrário, podemos chegar a conclusões
ciedade diversificada – numa sociedade “ocidental”, que são retoricamente fortes, mas têm como pon-
nos termos de Gramsci – os fluxos comunicativos e to de partida ficções. E isso não é banal: com elas,
os espaços de decodificação das mensagens devem podemos colaborar para que um mundo complexo
ser entendidos como arenas de conflito, nas quais seja visto de alguns prismas, e não de outros, fazen-
há hegemonias, mas não monopólios. do parte das disputas ideológicas.5 É possível, no
A notória falência desses três pressupostos tem entanto, que colaboremos pouco para explicá-lo.
levado a diferentes respostas nos estudos de mídia Uma das dificuldades parece ser considerar os
e política. Uma delas é uma espécie de fuga para efeitos da mídia de um modo que permita ultrapas-
a frente, em que a aposta é estabelecer um quadro sar a alternativa entre comportamentos que corres-
teórico e metodológico ainda mais rígido, que tem pondem ao discurso midiático e comportamentos
como um dos seus efeitos negar realidade ao que que não correspondem. A ideia de que esse é o ca-
não está dentro dos limites do modelo analítico pro- minho para avaliar o impacto dos meios de comu-
posto. São, em alguns casos, modelos quantitativos nicação – e, de modo mais geral, da atuação política
simplificadores, que reduzem a complexidade dos da mídia em um dado contexto – esbarra em uma
processos político-midiáticos a algumas variáveis, a série de problemas, alguns deles indicados na seção
fim de estabelecer correlações matemáticas que “pro- anterior. Uma primeira ressalva é que não há um
variam” uma coisa ou outra, mas, com isso, afastam- “momento” preciso em que a mídia entre no circui-
-se de sua compreensão efetiva. A explicação para o to. Não há um agente isento de exposição à mídia,
comportamento eleitoral pode, assim, estar em uma com valores e comportamento não contaminados,
correlação entre a exposição estimada à mídia e o que num momento posterior sofrerá essa influência.
voto na oposição em 2006 (Mundim, 2010), em A tendência a pensar esse processo como rea-
um modelo monocausal que vai da avaliação de um ção a informações disponíveis pode omitir o fato de
debate eleitoral à decisão do voto (Lourenço, 2010) que os meios de comunicação atuam, cumulativa-
ou mesmo na construção de uma equação que, de- mente e a partir de diversos tipos de conteúdo, na
vidamente alimentada, seria capaz de prognosticar própria definição daquilo que é interessante para os

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indivíduos. A atenção seletiva não é produto de um biente social mais amplo e do seu ambiente
ambiente social anterior ou independente da pre- próximo. A compreensão da identidade de in-
sença da mídia. Os valores mobilizados para avaliar divíduos e grupos sociais, assim como a com-
comportamentos e situações são produtos de uma preensão da sua posição nas relações de poder,
sociedade midiatizada – ainda que um dos termos é constituída por esses valores e não está, por-
não contenha o outro. Isso não significa que as pre- tanto, contida na perspectiva social hegemôni-
ferências e interesses resultem da mídia ou de dis- ca. A sobreposição entre a posição dos meios
cursos midiáticos específicos. E quando não resul- de comunicação empresariais de grande públi-
tam (de acordo com o recorte definido para avaliar co e as perspectivas socialmente hegemônicas,
a correspondência entre comportamento político e própria da organização do mercado de mídia
mídia), isso não significa que os meios de comuni- numa economia capitalista, é relevante, mas
cação tenham deixado de participar do processo de não significa que as perspectivas hegemônicas
produção das preferências e interesses. se imponham aos públicos igualmente nem
Os meios de comunicação são centrais nas dis- que os meios de comunicação sejam, interna e
putas pela produção das representações legítimas externamente, homogêneos.
do mundo social. Isso não está sendo negado. Mas 2. A esfera pública é constituída de modo de-
o sentido dessa afirmação é justamente que eles sigual: os públicos têm posições distintas e
atuam em um ambiente em que há representações hierarquizadas. Os recursos, materiais e sim-
divergentes e conflitivas, e não apenas complemen- bólicos, para a produção e difusão das repre-
tares. Há diferenças de foco e de enfoque interna- sentações sociais estão desigualmente distribu-
mente à “grande imprensa”, internamente ao cam- ídos – e o acesso aos meios de comunicação
po da mídia e, em especial, no ambiente social mais é um fator importante nessa desigualdade. A
amplo, levando-se em conta que a mídia não de- distinção entre produtores e consumidores de
tém o monopólio da produção das representações informação é um de seus aspectos. A compre-
do mundo social. Em outras palavras, a construção ensão da identidade de indivíduos e grupos
dos discursos hegemônicos se dá em um ambien- sociais, assim como a compreensão da sua po-
te de disputas. A criação de consensos só se coloca sição nas relações de poder, depende da legi-
como um problema político porque há interesses timidade que valores e interesses divergentes
divergentes e que ganham expressões políticas di- terão. E, fechando o ciclo (numa tautologia
vergentes. O poder de agenda da mídia, a concen- que é socialmente estabelecida), a legitimidade
tração da propriedade de mídia e a prevalência de desses valores e interesses, por sua vez, depende
perspectivas e interesses específicos no discurso mi- da posição social dos públicos e dos recursos
diático não esgotam o âmbito em que as disputas disponíveis a cada um.
simbólicas se travam. 3. A esfera pública é um espaço de disputas: a
Para que essa compreensão deixe de ser apenas existência de públicos plurais e distintos não
um enunciado teórico ou retórico e passe a povoar, se acomoda em diferenças complementares. E
de fato, os pressupostos que orientam as pesquisas as desigualdades não apagam os valores e inte-
de mídia e política, é preciso, em primeiro lugar, resses que têm menor visibilidade e legitimida-
romper com a visão de uma esfera pública unifi- de. As relações de poder implicam hierarquias,
cada, entendendo que existem múltiplos circuitos mas não o apagamento das posições hierarqui-
e que esses circuitos não são estanques, mas dife- camente inferiores. A produção dos discursos
renciados.6 Podemos definir o problema para esta hegemônicos e a manutenção de posições van-
discussão da seguinte forma: tajosas para alguns grupos sociais se dão por
meio da produção de consensos provisórios e
1. A esfera pública não é homogênea: há valores localizados que não esgotam os conflitos so-
diferentes, e divergentes, organizando a com- ciais. E não se trata, apenas, da oposição entre
preensão que públicos distintos têm do am- dominantes e dominados, mas das diferencia-

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ções entre os grupos que dispõem de recursos e que sejam igualmente capazes de transformar esses
posições de poder em um dado contexto. Os interesses em ações políticas com impacto sobre as
meios de comunicação estão no centro dessas regras que regem a vida social. Isso corresponde, de
disputas porque são recursos (desigualmente modo aproximado, à diferença entre “públicos fra-
distribuídos, como se disse acima) para a cons- cos” e “públicos fortes” em Nancy Fraser (1992, p.
trução de consensos, a acomodação dos confli- 134), que destaca as barreiras entre sociedade civil,
tos, a reprodução da dominação, mas também arenas deliberativas e arenas decisórias nas socieda-
para a promoção de discursos antagônicos ou des liberais contemporâneas. Ou, em outras pala-
marginais. vras, entre a opinião e a tomada de decisões.
A partir dessa distinção, pode-se retornar ao
A existência de diferentes públicos, com a po- problema da produção das opiniões para pensar
tencial produção e adesão a representações sociais na relação entre “públicos fracos” e “públicos for-
antagônicas, não quer dizer que estejam em pé de tes” ainda nesse âmbito. Há um continuum entre,
igualdade com os públicos e discursos dominantes. de um lado, “públicos fortes” e a potencialidade
Além da diferença nas posições de poder (acesso a de transformar opiniões em decisões e, de outro,
recursos e espaços), a expressão de uns pode, facil- “públicos fracos” e a distância entre a expressão da
mente, tomar vulto de interesses politicamente le- opinião e seu impacto em arenas decisórias. Entre
gítimos, enquanto a de outros pode não passar de essas pontas, há matizes que são importantes para a
uma projeção fraca da expressão política da diferen- nossa discussão.
ça e da divergência. As diferenças de recursos não estão presentes
O problema vai além da ausência de pluralida- apenas na difusão da opinião, mas na sua produ-
de, uma vez que nas democracias liberais contem- ção, como foi dito anteriormente. O processo de
porâneas ela é organizada em posições hierarqui- produção das opiniões, das preferências e dos inte-
camente desiguais. As desigualdades permanecem, resses não é individual, mas remete às posições em
portanto, como um desafio mesmo quando há pú- uma coletividade, em redes desiguais que se esta-
blicos plurais. Um grau razoável de pluralidade in- belecem em contextos sociais concretos. Assim, “as
terna e externa dos meios de comunicação, no sen- preferências não são fixas e estáveis, mas se adaptam
tido definido por Hallin e Mancini (2004), pode a uma ampla gama de fatores – incluindo o contex-
coexistir com uma “opinião pública” ao mesmo to em que a preferência é expressa, as regras legais
tempo autônoma – em relação ao Estado – e res- existentes, escolhas passadas de consumo e a cultu-
tritiva – em relação às múltiplas posições e perspec- ra em geral” (Sunstein, 1991, p. 5). E essas posições
tivas sociais que poderiam ganhar expressão como correspondem a graus diferentes de autonomia nes-
interesses políticos legítimos. Um dos pontos, aqui, se processo. O fato de que os meios de comunica-
é o fato de que grupos sociais com posições desi- ção de massa difundam representações sociais mais
gualmente vantajosas desenvolvem “estilos culturais afins com os interesses de alguns grupos, e não de
desigualmente valorizados”. Sua expressão é mar- outros, tem impacto sobre o processo mais amplo
ginalizada por pressões cotidianas e institucionais de formação das preferências. Os valores associados
(Fraser, 1992, p. 120), entre as quais se encontram aos grupos em vantagem nesse processo são apre-
as pressões da mídia. sentados como adequados e “socialmente” valoriza-
Além do fato de que os públicos têm recursos dos – isto é, valorizados por toda a sociedade, em
desiguais para fazer valer seus “estilos” e opiniões, um processo no qual a manifestação de julgamentos
não são todas as opiniões que serão transmutadas a partir de determinadas posições na sociedade se
em decisões, ou mesmo alcançarão as esferas em realiza, ganhando o status de julgamentos social-
que as decisões são tomadas. Em outras palavras, mente compartilhados.
o fato de que existem públicos plurais, capazes de A presença de visões antagônicas nos meios de
produzir representações alternativas e reconhecer, comunicação, assim como a existência de espaços
com base nelas, interesses divergentes, não implica alternativos de produção e difusão de informa-

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ções – como veículos locais; jornais, rádios e TVs relevância possam ser simplesmente descartadas.
comunitárias; blogs e outros espaços e recursos Seria preciso avaliar, em diferentes contextos, qual
permitidos pela internet; publicações de igrejas, é o peso relativo dos públicos e das instâncias e dis-
instituições educativas e ONGs –, que podem ser positivos de produção e circulação de discursos aos
utilizados por grupos sociais marginalizados, não quais efetivamente recorrem, na conformação das
significa que exista capacidade igual de influência preferências de diferentes segmentos do público para,
sobre a agenda mais abrangente ou a agenda de então, compreender seu impacto na conformação
outros públicos. Por outro lado, esses veículos não da esfera pública, nos debates que nela se travam e,
constituem cadeias de informação paralelas ou es- de modo mais específico, no voto.
tanques àquelas que a “grande imprensa” faz valer. Para que essa ruptura com uma concepção uni-
O campo da mídia tem centros e margens. ficada da esfera pública esteja presente nos estudos
Nele, há hierarquias entre os veículos informati- de mídia e política, é preciso, portanto, levar em
vos. Eles abrangem públicos menos ou mais am- conta que “a mídia” é formada por veículos de diver-
plos, correspondem em graus diversos aos critérios sos tipos e que a concentração da propriedade não
vigentes da qualidade jornalística e obtêm menor se traduz em um controle completo sobre o fluxo
ou maior credibilidade diante de públicos que es- comunicativo. A mídia não é um conjunto homo-
tão, também eles, em posições desiguais. Mas o fato gêneo e centralizado. Se há representações unifor-
de que podem corresponder a diferentes públicos, mes e convergentes da realidade social, há também
e influenciar públicos também específicos, faz com ruídos, fissuras e representações antagônicas.
que seja preciso matizar a relação entre centro e pe-
riferia, ou ao menos observar que ela não é estan- “A mídia” contém instâncias de produção de
que. Blogs de internet ou formas de comunicação sentido que não se resumem à grande impren-
alternativas à empresarial (a comunicação gover- sa. Há pelo menos outros quatro subcampos
namental é o principal exemplo) não detêm, no que parecem atuar permanentemente, ain-
campo da mídia, a mesma posição de um telejornal da que com pesos e alcance diferenciados, na
como o Jornal Nacional, da Rede Globo, líder de construção dos consensos e na definição do
público no horário “nobre”, ou de um jornal como ambiente político: a comunicação governa-
a Folha de S. Paulo, mas podem ter impacto maior mental, a mídia local, as novas mídias, propi-
ou mais efetivo sobre determinados públicos. ciadas sobretudo pela internet, e as formas de
As diferenças na abrangência e nos segmentos ativação de redes tradicionais, como as igrejas e
de público, e mesmo as diferenças nas abordagens o sindicalismo. Instâncias que estabelecem re-
entre veículos e formas de comunicação, não im- lações complexas com a grande mídia, com os
pedem que existam influências recíprocas, reafir- discursos político-eleitorais e também entre si.
mando o peso da grande imprensa na definição
da agenda e na conformação dos enquadramentos O rótulo “comunicação governamental” ou,
predominantes. Do mesmo modo, a apresentação para sermos mais exatos, “comunicação pública de
das informações de acordo com os cânones ético- Estado” (Weber, 2010) compreende uma multi-
-profissionais do jornalismo permite que ganhem o plicidade de discursos, em primeiro lugar porque
status de informações objetivas, distinguindo-as das provém de diferentes fontes. São os três poderes
formas de comunicação reconhecidas como “au- constitucionais, nas instâncias federal, estadual e
tointeressadas” e rendendo credibilidade. A agenda municipal, por sua vez também divididas em diver-
de um grupo específico e sua promoção por veícu- sos braços com alguma autonomia na comunicação
los marginais no campo pode não surtir efeito sobre com o público – secretarias, ministérios, agências,
o ambiente político construído a partir das posições fundações, autarquias, tribunais. Além disso, as
dominantes (no campo da produção intelectual, formas de comunicação são múltiplas. A publici-
em sentido mais amplo, assim como na mídia e na dade veiculada na mídia comercial é apenas a ponta
política). Isso não significa que sua existência e sua mais visível de uma estrutura que inclui impressos

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Meios de comunicação, voto e conflito político no Brasil  89

dirigidos aos usuários dos serviços públicos, canais net), de quase 3 mil diferentes municípios (Rodri-
públicos de rádio e televisão, portais de internet, gues, 2010). Para os críticos, o governo estaria com-
presença em redes sociais, agências de notícias, ban- prando o apoio de milhares de pequenos jornais
ners e outdoors etc. A cartografia desta comunicação e emissoras. Embora pequena para os padrões da
apenas começou a ser realizada, no trabalho pionei- União, a verba publicitária representaria, para cada
ro de Maria Helena Weber (2010).7 um deles, um aporte financeiro considerável – que
O polo mais importante da comunicação de eles não se arriscariam a perder com uma cobertu-
Estado é, evidentemente, a presidência da Repúbli- ra adversa ao anunciante. Ao contrário das grandes
ca, cuja política subordina – ainda que nem sempre empresas, não teriam peso e influência para garan-
com total êxito – os outros órgãos do Poder Execu- tir simultaneamente a manutenção da publicidade
tivo federal. No governo Lula, a presidência apri- governamental e a independência jornalística.
morou de forma significativa seus mecanismos de Já para os defensores da medida, seu principal
comunicação, em especial aqueles que prescindem efeito é o oposto. A sustentação financeira aos pe-
da intermediação dos grandes conglomerados de quenos veículos garantiria o pluralismo na mídia
imprensa. Uma iniciativa particularmente impor- brasileira, não apenas impedindo seu fechamento
tante foi a disponibilização de material pronto para ou absorção por empresas maiores como também
utilização pelos veículos de comunicação do inte- propiciando recursos para sua maior profissionaliza-
rior, na forma de texto, áudio e mesmo vídeo, nos ção. Seja como for, o novo padrão de distribuição da
portais do governo. Com isso, numa só tacada, a verba publicitária do governo federal gerou uma mí-
pauta e os enquadramentos do governo ganharam dia local mais forte – se não diante do governo, ao
espaço e reduziu-se a influência dos órgãos centrais menos diante dos veículos de comunicação centrais.
de mídia, que antes eram praticamente os únicos Uma proporção elevada dos veículos que re-
responsáveis por alimentar os pequenos veículos cebem verba do governo federal está baseada na
com notícias de fora do âmbito local, muitas vezes internet,8 o que por si só é um dado relevante. O
por meio da famosa gilete press (a leitura, nas emis- potencial das novas tecnologias, como instrumen-
soras de rádio, de recortes dos jornais). tos de participação política e de democratização da
A mídia local engloba, no Brasil, dezenas de comunicação, ainda é tema para muitas polêmicas.9
milhares de pequenas publicações e emissoras, Não há dúvida, porém, de que há a presença de
quase sempre desprezadas pela pesquisa acadêmica novas redes comunicativas, que fazem circular uma
(por razões práticas mais do que compreensíveis). pluralidade de discursos alternativos sobre as dispu-
Embora cada veículo atinja um público reduzido, tas políticas. Esses discursos muitas vezes ecoam e
em conjunto sua penetração é muito significativa. retrabalham aqueles emanados dos centros da vida
Como são menos visíveis e também como em geral política ou do noticiário da grande imprensa, mas
operam em ambiente de baixa competição, tendem há aí espaço para mudanças de ênfase ou de abor-
a agir com mais liberdade nos períodos eleitorais, dagem. Três casos, todos extraídos da campanha
apoiando candidatos de forma mais ostensiva e res- presidencial de 2010, permitem discutir a influên-
peitando menos do que na grande imprensa os ri- cia da internet nas campanhas eleitorais.
tuais da objetividade jornalística. Os elos com essa Primeiro caso: insatisfeitos com o tom, que jul-
grande imprensa – e, como visto, com a comuni- gavam excessivamente cordato, da propaganda de
cação governamental – também são diversificados. José Serra na TV, seus aliados do partido Demo-
No que se refere à mídia local, o governo Lula cratas veicularam na internet um conjunto de víde-
também fez diferença. A verba publicitária foi pul- os em tom agressivo contra a candidata adversária,
verizada. Ela era atribuída a 499 veículos, de 182 Dilma Rousseff. Além da divulgação na própria in-
municípios, no final do segundo mandato de Fer- ternet, por meio dos apoiadores do partido que vei-
nando Henrique Cardoso. Ao longo do governo culavam os links em suas listas e páginas em redes
Lula, passou a ser distribuída entre 8.094 veículos sociais, os vídeos obtiveram repercussão na mídia
(jornais, revistas, rádio, TV, sites e blogs da inter- convencional, o que seguramente ampliou o núme-

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ro de internautas que os procuraram. O episódio sição se tornar mais ativo no debate com pessoas
demonstrou que há, por parte dos comandos de próximas, como diz Noelle-Neuman ([1993] 1995,
campanha, uma capacidade relativamente reduzida p. 226), a internet pode eventualmente ser um re-
de controle sobre os discursos que circulam na are- curso para promover as vozes minoritárias no deba-
na eleitoral. As estratégias de campanha não se re- te, contrapondo-se à grande imprensa.
sumem àquelas oficialmente adotadas e atores com Em todos os casos, há uma relação complexa
posições pouco destacadas ou mesmo marginais na entre os conteúdos que circulam de forma pulve-
campanha podem, por meio da internet, amplificar rizada pelos novos meios – que não são indistintos
seus discursos para além da própria rede. entre si, uma vez que há uma hierarquia que começa
Segundo caso: a partir do final da campanha nos grandes portais e nos blogs de jornalistas famo-
para o primeiro turno, o PSDB apostou na explo- sos e termina nas páginas de usuários anônimos –,
ração do tema do aborto, acusando o PT de ser os discursos partidários oficiais e o noticiário da
favorável à sua legalização. A revelação de que a grande mídia. O primeiro impacto se dá na cons-
mulher do candidato Serra já teria praticado um trução do ambiente informacional dos próprios jor-
aborto voluntário, postada na página pessoal de nalistas, o que já denuncia a continuidade da posi-
uma ex-aluna sua em uma rede social, obrigou ção central da mídia convencional.10 Mas a internet
que o partido recuasse, abandonando parcial- estabelece novos circuitos de difusão de informa-
mente esta estratégia. Mais uma vez, há um passo ção, que têm sido utilizados de forma menos ou
inicial (postagem no Facebook), amplificado por mais criativa, menos ou mais eficaz, por diferentes
iniciativa de outros internautas e, sobretudo, pela agentes políticos, alguns deles à margem de outros
repercussão na mídia convencional. O que torna processos e atalhos para tomar parte da discussão
notável o episódio é que, aparentemente, a divul- pública. Sua influência é crescente, sobretudo (mas
gação da informação na página pessoal teve o ca- não só) nos segmentos jovens, urbanos e escolariza-
ráter de um desabafo, sem intenção de chegar aos dos, e, embora não tenhamos nos aproximado um
jornais. O episódio evidenciou que o controle so- único milímetro das fantasias da informação livre e
bre a agenda e a imagem pública dos candidatos se descentralizada (Lévy, [1994] 1998; Ludlow, 2001;
tornou ainda mais disputado e vulnerável a fluxos Saco, 2002), trata-se de uma instância que já não
divergentes de informação. No caso, a opção pelas pode ser ignorada.
vantagens do agendamento de uma temática levou A internet tornou-se também uma ferramen-
a uma exposição da mesma temática sob prismas ta que agiliza a ativação de redes tradicionais de
desvantajosos, sem necessariamente alterar o fra- comunicação e influência política. Tais redes, no
ming de base, a condenação ao aborto. entanto, existem a despeito dela e retiram sua for-
Terceiro caso: o candidato José Serra alegou, ça de outras formas de vínculo. O caso das igrejas
em meio à campanha do segundo turno, ter sido permite observar como é difícil determinar o que
agredido por militantes petistas; a campanha de é “mídia” na rede de discursos com impacto públi-
Rousseff afirmou que ele foi atingido apenas por co. Católicos e protestantes detêm concessões de
uma bolinha de papel. A polêmica tomou conta rádio e televisão, apresentando programação reli-
da propaganda eleitoral, do noticiário e também giosa, orientada por valores religiosos e/ou marcada
da internet. As múltiplas versões alternativas que por sua posição ideológica. Também possuem sua
circularam na rede reduziram o peso do laudo pró- mídia interna (de publicações voltadas ao público
-Serra apresentado pelo “perito” Ricardo Molina eclesiástico a boletins paroquiais). Por outro lado,
em pleno Jornal Nacional, da Rede Globo, dando as declarações de seus principais líderes ecoam na
aos apoiadores de Rousseff argumentos para se co- mídia comercial. Mas grande parte da sua influên-
locarem no debate. Este é, talvez, um dos efeitos cia provém do contato direto entre sacerdotes e fiéis
mais importantes dos novos meios. Se uma das ou dos sermões pronunciados durante os cultos –
funções da mídia é fornecer um repertório de ar- que, tecnicamente, são formas de comunicação não
gumentos que permite a quem defende aquela po- mediadas. O conteúdo desses discursos, porém, é

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Meios de comunicação, voto e conflito político no Brasil  91

alimentado pelas diferentes comunicações media- Serra e Marina Silva.11 E há dificuldades, também,
das que informam a esses sacerdotes as posições e para a análise de como se deu a interação entre os
prioridades das cúpulas de suas igrejas. diferentes agentes e discursos na concorrência pela
Na eleição presidencial de 2010, a importân- definição da agenda e do ambiente político em que
cia das igrejas se fez sentir. A campanha contra o as disputas ganharam sentido. Eliminar ou menos-
PT e a candidata Rousseff, por seu pretenso apoio prezar variáveis pode tornar essa realidade mais do-
ao direito ao aborto e ao casamento gay, começou mesticada dentro dos limites de cada análise, mas
nelas, antes de chegar ao noticiário e ao discurso não serve para explicar, por exemplo, quais foram
dos candidatos. A agenda das eleições foi, em vários os pesos relativos dos diferentes atores diante de
momentos, delineando-se como reação a posições públicos determinados – e qual foi, numa visada
e discursos que não ganharam forma, inicialmen- mais ampla, o significado da opção por um ou ou-
te, na grande imprensa (Mantovani, 2012). Mui- tro candidato em diferentes localidades e segmen-
tas caracterizações, julgamentos e acusações foram tos do eleitorado.
divulgados dentro das igrejas, dentro de ônibus
urbanos ou por meio de panfletos distribuídos nas
ruas. Parte delas ecoou, a partir desses espaços ou Conclusão
simultaneamente­à sua circulação nesses espaços,
em e-mails, blogs, sites de notícia, veículos conven- O ambiente em que as preferências políticas
cionais e também na propaganda dos candidatos. são produzidas é multifacetado. Grande impren-
Além disso, despertaram diferentes reações interna- sa, discurso político-partidário, comunicação dos
mente às alianças e à organização das campanhas, agentes do Estado, mídia local, novas tecnologias,
explicitando conflitos e estratégias nem sempre redes discursivas tradicionais: todas essas instâncias
unificadas, como foi mencionado acima. estabelecem relações complexas entre si. Não é pos-
Mas o ponto principal para esta discussão é sível determinar a priori o peso de cada uma, já que
que os fluxos foram variados. Houve, em diferen- suas posições mudam de acordo com as conjuntu-
tes momentos, esforços por parte dos candidatos ras e, além disso, diferentes segmentos do público
para amplificar esses discursos ou para reduzi-los. são diferentemente suscetíveis a cada uma delas.
Temas e discursos impuseram-se a partir de espa- Mais que isso, é um ambiente constituído por
ços relativamente marginais ao complexo jornalis- disputas e antagonismos. Os discursos tomam for-
mo-campanhas-Estado, ou, em outras palavras, às ma a partir de lugares, instituições e agentes hie-
formas reguladas do contato entre o mundo jorna- rarquicamente posicionados no acesso a recursos
lístico e o da política. A “grande imprensa” respon- para produção e difusão das informações. Essas
deu a uma agenda imprevista, assim como atuou hierarquias não dizem respeito apenas ao acesso aos
no sentido de dar forma a ela, definindo suas mar- recursos materiais, mas também ao fato de que a
gens, promovendo alguns enquadramentos e vozes legitimidade social das informações não é sempre
em detrimento de outros. Trabalhou, também, no idêntica – os públicos reconhecem diferentemente
sentido de estabelecer consensos, aproximando- a competência discursiva e a “isenção” dos agentes
-se em graus variados da agenda conservadora dos na produção das informações. Mas o fato de que
grupos religiosos. essas hierarquias existam não corresponde a um
É difícil mensurar o efeito da tematização do apagamento dos agentes que estão em posições
aborto e das posições assumidas pelas igrejas no marginais ou da possibilidade de que suas experiên-
resultado das eleições – aliás, toda a argumenta- cias tomem a forma de interesses que colocam em
ção desenvolvida neste artigo busca demonstrar questão os discursos hegemônicos.
a complexidade da decisão eleitoral, opondo-se à O acúmulo das reflexões teóricas e dos estudos
ideia de que é possível realizar um cálculo mecâ- sobre a mídia e o comportamento eleitoral permite
nico de efeitos –, mas certamente foram beneficia- avançar para uma conclusão pouco confortável: o
dos os candidatos mais conservadores, isto é, José peso dos diferentes agentes no campo da produção

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ideológica e dos discursos que fazem circular não mentos e posições. Mas trata-se de uma potência,
é plenamente regulado ou previsível, ainda que se que se realiza de forma que precisa ser claramente
dê destaque – como procuramos dar – às desigual- definida em cada situação. Seus efeitos tomam for-
dades no acesso a recursos. O ponto aqui é que as ma ao longo do tempo, o que nos afasta da ideia
hierarquias entre os produtores de discurso não de que é possível avaliar seu peso na produção das
são estáveis e não podem ser assim compreendidas preferências como efeito mecânico direto. A cons-
quando se tem como preocupação o efeito produzi- trução de consensos e a definição dos limites das
do pelos diferentes veículos e processos de comuni- disputas podem estar em curso, com importante
cação na formação das preferências dos indivíduos. participação das empresas de comunicação e da
E isso se dá por pelo menos três razões: o público “grande imprensa”, mesmo quando o candidato da
é diverso e, portanto, seu acesso a informações e mídia não é o mais votado. E seus efeitos se defi-
sua possibilidade de compartilhar os critérios que nem na interação com outros agentes, atendendo a
atribuem relevância às informações difere; a mídia graus variáveis de conflito.
é diversa (externa e mesmo internamente) e os di- Como se trata de uma interação conflituosa,
ferentes segmentos de público estabelecem relações não é possível imaginar que as mensagens sim-
também diversas com os veículos de mídia, poden- plesmente se somam ou se complementam. Elas
do contornar, parcial ou momentaneamente, as competem ativamente, mobilizando seus recursos
hierarquias “objetivas” entre os veículos; há fluxo diferenciados, e são apropriadas, também de forma
comunicativo entre os diferentes lugares em que a diferenciada, pelos diferentes grupos sociais em dis-
produção e a recepção se dão, e esse fluxo não é puta. À luz disto, fica claro que o campo das pes-
algo que atenda a um modelo simples de difusão quisas sobre as relações entre a mídia e a política,
centro-periferia. e, nele, especialmente as pesquisas sobre o impac-
No contexto brasileiro, essa complexidade to da mídia na produção das preferências, avança
vem se ampliando. Da eleição de Collor em 1989 com análises historicamente situadas, e perde em
até hoje, mais de vinte anos se passaram. Muita complexidade com modelos abstratos de aplicação
coisa mudou. O cenário político-partidário se re- pretensamente universal. Em suma, que é hora de
arranjou, com a pulverização inicial sendo substi- retomar o velho caráter compreensivo que singulari-
tuída pela polarização entre PSDB e PT e a paula- za a ciência social.
tina transformação do PT num partido centrista.
O mercado de mídia também mudou, com a re-
dução da hegemonia da Rede Globo. As camadas Notas
com maior poder aquisitivo hoje têm acesso à TV
por assinatura e uma parcela ainda maior da po- 1 Para uma descrição da metodologia do Doxa, princi-
pulação faz uso da internet. O eleitorado mostra- pal fonte dos estudos de valência no Brasil, ver Aldé,
-se mais crítico, ou mesmo mais cético, em face Mendes e Figueiredo (2007).
tanto das potencialidades do processo eleitoral – 2 O conceito de “cenário de representação da política”
que deixou de ser visto como o momento da (CR-P), utilizado nos anos de 1990 a partir da ela-
“grande mudança” – como dos discursos dos can- boração de Venício A. de Lima (1994, 1995, 1996),
tinha o mérito de reconhecer que as escolhas eleito-
didatos. Com tantas e tão profundas mudanças,
rais começam a ser construídas muito antes do início
seria espantoso se a influência da mídia sobre as das campanhas, já que pesam não apenas informa-
eleições permanecesse inalterada. ções factuais, mas também valores que vão orientar a
A mídia de grande público mantém-se em po- interpretação do mundo pelos votantes. No entanto,
sição central nas disputas pela construção simbólica o CR-P fixava arbitrariamente um período de doze
do mundo social e pela definição das preferências. meses antes da eleição como relevante para o enten-
E essa centralidade corresponde a uma potência: a dimento das opções eleitorais, concedia à mídia (e,
de fazer ver e atribuir relevância a aspectos do mun- dentro dela, aos programas de maior audiência) um
do social que se tornam visíveis atrelados a julga- poder absoluto na conformação das representações

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Meios de comunicação, voto e conflito político no Brasil  93

do mundo social e baseava-se num referencial teóri- e outros 1% por causa da campanha contrária das
co confuso, que combinava, sem maiores problemas, igrejas. Por outro lado, os escândalos deram a ela 2%
tradições antagônicas como “imaginário” (na versão do eleitorado, que passaram a votar nela por causa
de Baczko), “cultura política” (Almond e Verba) e das denúncias de corrupção. O resultado líquido dos
“hegemonia” (Gramsci). escândalos e do antiabortismo seria, assim, idêntico.
3 Para revisões dos modelos explicativos do voto, ver O resultado bizarro reflete o método tacanho – os
Mayer (1997), Figueiredo (1991) e Lau e Redlawski entrevistados declaravam a mudança de voto e infor-
(2004). mavam o motivo (Canzian, 2010).
4 Para uma crítica mais detida, ver Biroli e Miguel
(2011).
5 É comum, por exemplo, que órgãos da imprensa, BIBLIOGRAFIA
por vezes com indisfarçada orientação ideológica
ou mesmo partidária, aproveitem resultados de pes- ALDÉ, Alessandra. (2004), “As eleições presiden-
quisas acadêmicas que, descontextualizados, servem ciais de 2002 nos jornais”, in Antonio Albino
para exaltar a “imparcialidade” de seu noticiário em Canelas Rubim (org.), Eleições presidenciais em
comparação com os concorrentes. É o que ocorre a 2002 no Brasil: ensaios sobre mídia, cultura e po-
cada eleição, por exemplo, com os dados do Doxa.
lítica, São Paulo, Hacker.
6 Essa discussão parte da crítica de Nancy Fraser (1992) ALDÉ, Alessandra; MENDES, Gabriel & FI-
ao conceito de esfera pública em Habermas, sem per- GUEIREDO, Marcus. (2007), “Tomando
manecer fiel ao foco e aos argumentos da autora. É
partido: imprensa e eleições presidenciais em
fundamental o entendimento de que a ausência de
impedimentos formais à participação e à expressão
2006”. Política & Sociedade, 10: 153-172.
não é capaz de suspender as desigualdades sociais efe- ARROW, Kenneth J. (1951). Social choice and in-
tivas. A suspensão favorece os grupos dominantes, en- dividual values. Nova York, John Wiley and
tre outras coisas porque impede a tematização das de- Sons.
sigualdades e apresenta seus valores como universais. BERELSON, Bernard R.; LAZARSFELD, Paul F.
Cf., em especial, o item 3, “Open access, participatory & MCPHEE, William N. ([1954] 1986), Vo-
parity and social equality”; para discussões afins, cf. ting: a study of opinion formation in a presidential
também Young (1990), especialmente o capítulo 4, e campaign. Chicago, Chicago University Press.
Miguel e Biroli (2010). BIROLI, Flávia. (2005), “Política da ausência:
7 Para um mapeamento detalhado do funcionamento diagnósticos da incompetência da (e para a)
da mídia da Câmara dos Deputados, conferir Brum democracia no debate político no Brasil, anos
(2010).
1955-1960”, in Izabel Marson e Márcia Na-
8 Os dados disponibilizados pelo governo ainda in- xara (orgs.), Sobre a humilhação: sentimentos,
cluem portais, sites e blogs na categoria “outros”, ao
gestos, palavras, Uberlândia, Edufu.
lado de propaganda em cinema, outdoors ou banners.
BIROLI, Flávia & MANTOVANI, Denise. (2010),
“Outros” responde por 31% dos veículos de comuni-
cação que receberam publicidade do governo federal “Disputas, ajustes e acomodações na produção
em 2010 – eram 2,2% ao final do governo Fernando da agenda eleitoral: a cobertura jornalística ao
Henrique Cardoso. Programa Bolsa Família e as eleições de 2006”.
9 Para uma ampla resenha, ver Gomes (2008). Opinião Pública, 16 (1): 90-116.
10 Embora os líderes políticos gostem de ostentar os
BIROLI, Flávia & MIGUEL, Luis Felipe. (2011),
números inflados de seus “seguidores” no Twitter, o “Razão e sentimento: a comunicação políti-
miniblog é usado por eles sobretudo como uma fer- ca e a decisão do voto”. Paper apresentado ao
ramenta que facilita o contato com os profissionais XX Encontro da Associação Nacional do Pro-
de imprensa. gramas de Pós-Graduação em Comunicação
11 O Datafolha “mediu” o impacto, concluindo que (Compós). Porto Alegre, 14 a 17 de junho.
3% dos eleitores deixaram de voltar em Rousseff . (2012), “Orgulho e preconceito: a ob-
por conta do escândalo de corrupção na Casa Civil jetividade como mediadora entre o jornalismo

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252  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N° 81

Meios de comunicação, MEDIA, VOTING AND POLITICAL MÉDIAS, VOTE ET CONFLIT


voto e conflito político CONFLICT IN BRAZIL POLITIQUE AU BRÉSIL
no Brasil
Flavia Biroli and Luis Felipe Miguel Flávia Biroli et Luís Felipe Miguel
Flávia Biroli e Luis Felipe Miguel
Keywords: Media; Political preferences; Mots-clés: Médias; Préférences politiques;
Palavras-chave: Mídia; Preferências polí- Vote; Political conflict; Democracy. Vote; Conflit politique; Démocratie.
ticas; Voto; Democracia.
The article discusses the connections be- L'article analyse la relation entre la com-
O artigo discute a relação entre a comu- tween media and definition of political munication et la définition des préfé-
nicação e a definição das preferências preferences or, in other words, the action rences politiques ou, en d'autres termes,
políticas ou, dito de outro modo, a atua- of the media in influencing public opin- le rôle des médias dans la formation de
ção da mídia na conformação da opinião ion. It starts with a critical analysis over l'opinion publique. Il commence par une
pública. Apresenta, inicialmente, uma the studies on media and elections in critique des études sur les médias et les
crítica aos estudos sobre mídia e eleições Brazil, focusing three topics: the assump- élections au Brésil, en mettant l'accent
no Brasil, voltada para três problemas: a tion that the processes of communica- sur ​​trois problèmes : la présupposition
pressuposição de que os processos de co- tion occur in a unilateral and regulated que les processus de communication se
municação se dão de forma unilateral e form, projecting an electorate more ho- produisent de façon unilatérale et régu-
regulada, projetando a existência de um mogeneous than it really is; the concep- lée, en supposant l'existence d'un élec-
eleitorado mais homogêneo do que de tion of the media as a monolithic block torat plus homogène qu'il ne l'est vrai-
fato é; de que “a mídia” é um bloco mo- susceptible of being reduced to the major ment; le fait que les « médias » sont un
nolítico, redutível aos principais conglo- communication conglomerates; and the bloc monolithique, réductible aux prin-
merados de comunicação; e a compreen- understanding of the relations between cipaux conglomérats de communication;
são das relações entre mídia e eleitorado a media and electorate on the basis of et la compréhension des rapports entre
partir desses dois pressupostos simplifica- those two simplifying presuppositions. les médias et les électeurs à partir de ces
dores. Procuramos indicar caminhos para After such analysis, the authors propose deux hypothèses simplificatrices. Nous
visões mais sofisticadas dessa relação, le- some analytical paths for reaching a more cherchons ainsi à indiquer des voies pour
vando em conta a diversidade do tecido complex and refined vision of the rela- une compréhension plus sophistiquée de
social e a complexidade dos processos tionship between media, political prefer- cette relation, en tenant compte de la di-
comunicativos, em que a comunicação ences and vote. In this sense, they point versité du tissu social et de la complexité
governamental ganha destaque, as disso- to the need of taking into account the des processus de communication, dans
nâncias no interior dos veículos merecem diversity of the social environment and lesquels la communication du gouverne-
atenção e circuitos alternativos de produ- the complexity of the communicative ment est mise en valeur. Les dissonances
ção de sentido não são ignorados. processes, in which governmental com- à l'intérieur des moyens de communica-
munication must be considered, as well tion méritent une attention particulière,
as the dissonances within media vehicles, mais sans ignorer les circuits alternatifs
and the alternative circuits producing de production.
political meanings.

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