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A projetação arquitetônica e a mediação tecnológica as modificações possíveis


ao processo projetual pelo uso de novos instrumentos

Conference Paper · January 2000

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Rejane Moraes Rego


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE)
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ADOÇÃO DE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UFPE: buscando uma proposta para potencializar a
interdisciplinaridade View project

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A projetação arquitetônica e a mediação tecnológica
as modificações possíveis ao processo projetual pelo uso de novos
instrumentos

Rejane de Moraes Rego


Docente do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco - CEFET PE
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia

rmrego@ufba.br / rmrego@globo.com
http://www.geocities.com/rmrego_2000/rejane.htm

Introdução
Este trabalho insere-se no contexto de nossa pesquisa para dissertação de mestrado, no Programa de Pós
Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, estando
o mesmo sob a orientação do professor Dr. Arivaldo Leão de Amorim.

A pesquisa tem mais um caráter especulativo que conclusivo e desta forma, embora estejamos avançados no
andamento da mesma, algumas questões propostas aqui para discussão serão exploradas como tendência ou
possibilidade, e não como resultado.

Parte-se do pressuposto de que a atividade projetual em arquitetura tem como uma das características principais,
o fato de evidenciar a convergência dos processos cognitivos e criativos presentes no indivíduo, visto ser o fazer
arquitetônico um processo que envolve uma ampla gama de variáveis, das mais técnicas àquelas especialmente
artísticas.

Considera-se também que a projetação arquitetônica – como um processo de criação e apropriação de


conhecimento – se realiza a partir da interação entre sujeito (projetista) e objeto (idéia/proposta projetual),
mediado por algum instrumental técnico.

Neste sentido, acredita-se que dependendo das características do instrumental técnico – a que
denominamos instrumentos mediadores – diferentes e variadas formas de interação entre o projetista e a
idéia/proposta projetual podem ser estabelecidas. Estas formas de interação tendem a influenciar os processos
cognitivos e criativos, e expressar-se em desdobramentos no processo projetual em si. Estes reflexos abrangem a
relação direta do arquiteto com o problema projetual, como também a organização e gerenciamento da
projetação, o que afeta toda a equipe de projetação e a estrutura da empresa.

O artigo propõe-se, portanto, a discutir o potencial que as tecnologias computacionais de auxílio ao projeto
(CAD – Computer Aided Design, especialmente as tecnologias CAAD – Computer Aided Architectural Design, a
que chamamos “CAD dedicado”) e os recursos das redes informatizadas têm em proporcionar modificações ao
processo projetual arquitetônico. Contudo, chamamos atenção para o fato de que o contexto de nossa discussão
é o brasileiro e especialmente o do nordeste do país, visto que algumas das questões colocadas podem ter sido
vividas e debatidas em outras realidades, possibilitando portanto uma investigação empírica que em nosso
panorama ainda é difícil.
Os processos cognitivos e criativos e a projetação arquitetônica
O processo de projeto de uma maneira geral e particularmente em arquitetura tem sido historicamente alvo de
pesquisas e discussões em momentos de grandes mudanças tecnológicas, segundo autores como Banhan (1979)
e Broadbent (1974). Esses debates, especialmente nas décadas de 60 e 70, tanto trataram da formulação de
métodos projetuais, quanto tentaram compreender e sistematizar o processo de projeto.

Segundo Rapoport (1971) o grande interesse surgido pelos modelos e métodos de projeto nessa época, se deu
pela convicção de que os projetistas não faziam seu trabalho com a perfeição que deveriam e que a nova escala
dos problemas e a complexidade das novas exigências carecia de novos métodos.

A maioria das abordagens estabelecia estreitas relações com as teorias desenvolvidas na área da Psicologia sobre
os processos criativos e cognitivos, especialmente quando dirigidos à resolução de problemas. Observa-se
influência das correntes de pensamento behaviorista, da Gestalt e mais recentemente da psicologia cognitiva,
cujas características gerais relacionadas com a projetação podem ser assinaladas como a seguir.

A teoria behaviorista desenvolveu a noção de “estados rígidos” para estruturar os modelos de comportamento
criativo para resolução de problemas. Baseando-se nesta noção foram elaborados vários modelos, mas todos
tiveram em comum a definição de quatro estados: preparação, incubação, iluminação e verificação. Estas fases
se constituíram em base para algumas das propostas de métodos de projeto e mesmo para várias das abordagens
que buscaram entender o processo projetual e sistematizá-lo como modelo. Inúmeros trabalhos foram
desenvolvidos relacionando os estados rígidos com as fases da projetação (estudos preliminares, anteprojeto,
projeto executivo). Contudo, a denominação mais comumente usada foi análise, síntese, avaliação, as quais
correspondem aos estados de preparação, iluminação e verificação, respectivamente.

A Gestalt empreendeu ampla pesquisa sobre “pensamento produtivo” ou resolução criativa de problema como
comportamento direcionado, desenvolvendo para tanto o conceito de esquemacomo estruturante da informação.
Ou seja, existem determinados arranjos no cérebro, associados às respostas pensadas, a tipos de estímulos gerais
ou experiências cognitivas, e a “imaginação ou ‘insight’ criativo dentro do problema, consiste da construção
livre nesses arranjos ou esquemas fixos” (Rowe, 1998 p. 44 referindo-se a Barlett). Ao trabalhar a criatividade
do ponto de vista da resolução de problema, essa abordagem aproximou-se significativamente das
peculiaridades inerentes ao processo projetual em arquitetura. Embora possamos identificar as influências da
Gestalt nas abordagens desenvolvidas sobre metodologia projetual, estas são menos evidentes que aquelas
relativas aos estados rígidos do behaviorismo.

As relações entre a psicologia cognitiva e as abordagens sobre métodos e processos projetuais é mais recente,
tendo como eixo principal a questão do reconhecimento de um sistema de gerenciamento e controle de funções
da mente, apresentado por esta corrente de pensamento. Neste sentido, a psicologia cognitiva juntamente com
outras áreas do conhecimento como a neurociência, teoria da informação, antropologia, filosofia e educação
constituem a Ciência Cognitiva, a qual tem se expressado no âmbito da projetação arquitetônica pelo esforço
em criar mecanismos eletrônicos que possam reproduzir o processo projetual, especialmente através das
pesquisas em Inteligência Artificial.

Embora tratados historicamente de maneira separada, podemos observar a tendência em abordar os processos
cognitivos e criativos paralelamente, como mecanismos inteiramente imbricados. Ostrower (1987), nos
apresenta uma visão interessante neste sentido, fundamentada na concepção de que a criatividade é um potencial
inerente ao homem e a realização do mesmo é uma de suas necessidades. Considera que a criação deve ser vista
num sentido global, onde viver e criar interligam-se, argumentando que criar corresponde a um formar, a
um dar forma a alguma coisa nova, que se realiza através de ordenações. Segundo a autora, “o ato criador
abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar,
significar”. (p.9) Ou ainda “FORMAR importa em TRANSFORMAR. Todo processo de elaboração e
desenvolvimento abrange um processo dinâmico de transformação, em que a matéria, que orienta a ação
criativa, é transformada pela mesma ação.” (p.51)

Para Ostrower os processos de criação ocorrem no âmbito da intuição, embora integrem toda a experiência
possível do indivíduo, incluindo a racional. Mas que só tornam-se conscientes quando expressos, ou seja,
quando tomam forma. Neste sentido, a “matéria” em elaboração criativa é mais que algo físico e está vinculada
à área de atuação dos indivíduos, que podem mesmo ser “pensamentos” como na filosofia. Entretanto, mesmo
que intuitivo – e portanto estreitamente vinculado à percepção e à sensibilidade – o ato criativo é também um
ato cognitivo. Na medida em que o dar uma nova forma implica em domínio e conhecimento da “matéria”
trabalhada e no nível de associações que o indivíduo é capaz de realizar, “ (...) o imaginar seria um pensar
específico sobre um fazer concreto” (op. cit. p.32)

Este “pensar específico” se realiza através da capacidade humana de simular uma série de atuações, associando
objetos e eventos (por meio da memória), manipulando-os mentalmente sem a presença física dos mesmos. Este
processo de pensamento capaz de imaginar simulações que vão ordenando a matéria, criando uma nova forma,
principalmente através das associações, relaciona-se com uma linguagem específica que estabelece a
comunicação entre o sujeito e o objeto em elaboração.

Ainda segundo afirmação de Ostrower “pensa-se falando” dentro de um quadro de idéias de uma língua,
inserida nos relacionamentos afetivos e intelectuais complexos de uma cultura. “O homem usa palavras para
representar as coisas. Nessa representação, ele destitui os objetos das matérias e do caráter sensorial que os
distingue, e os converte em pensamentos e sonhos, matéria-prima da consciência. Representa ainda as
representações. Simboliza não só objeto, mas também idéias e correlações. Forma do mundo de símbolos uma
realidade nova, novo ambiente tão real e tão natural quanto o do mundo físico.” (op. cit. p.22)

Consideramos a projetação como um processo onde as naturezas cognitiva e criativa do indivíduo convergem de
maneira singular. O ato de projetar é por essência uma criação através do domínio do conhecimento específico
de uma área do saber – “um dar forma a uma matéria específica”. No processo projetual em arquitetura esse
conhecimento é multidisciplinar e recheado de aspectos subjetivos tornando a relação ente criação e cognição
algo especial.

A interação entre arquiteto e problema/proposta projetual: um


processo dialógico
Nas fases de desenvolvimento da projetação são utilizados suportes para o pensamento e a criatividade do
projetista, afim de que possa registrar a evolução do desenvolvimento de sua idéia/proposta, comunicar-se com
a mesma e interagir com os demais indivíduos envolvidos no processo. O suporte historicamente usado neste
contexto tem sido a representação gráfica, que como um instrumento mediador alia-se aos processos cognitivos
e criativos do arquiteto permitindo ao mesmo a comunicação com sua imaginação e também com a equipe
projetual.

São comuns as referências ao “diálogo” que se estabelece entre o projetista e sua idéia através do desenho.
Parafraseando Ostrower diríamos que no processo projetual arquitetônico “pensa-se desenhando”. Acreditamos
que este processo de interação entre o arquiteto e a proposta/problema projetual através do desenho constitui-se
em mais que um diálogo e pode ser considerado como um processo dialógico como definido por Bakhtin em
abordagem sobre a linguagem verbal.

Fazendo uma crítica radical às grandes correntes teóricas da lingüística contemporânea, Bakhtin desenvolve sua
concepção de linguagem defendendo que a prática viva da língua se estrutura sob modos muito diferentes de
falar, muitas linguagens, refletindo a diversidade da experiência social. Discorda, pois, da concepção de
linguagem como um sistema construído, comumente adotado pela lingüística, que não é capaz de compreender
realmente como a língua funciona. (Souza, 1994)

A dialogia consiste numa forma de conversação reflexiva, quer entre um ou mais sujeitos, quer entre um sujeito
e uma ou mais enunciações. Desta forma, as relações dialógicas são entendidas como relações de sentido, seja
entre os enunciados de um diálogo real e específico, ou no âmbito mais amplo do discurso das idéias criadas
por vários autores ao longo do tempo e em espaços distintos. Assim, a noção de dialogia vai além da de
diálogo, pois, geralmente, diz respeito às muitas formas como duas ou mais vozes entram em contato.

Acreditamos que a concepção dialógica sobre a linguagem verbal pode ser estendida à linguagem gráfica
utilizada no processo projetual arquitetônico, embora o mesmo se utilize também do primeiro tipo de
linguagem. Durante o processo projetual estrutura-se um “diálogo de múltiplas imagens” que se configuram
em “enunciações” através do desenho. Neste sentido, acreditamos que assim como o discurso (falado ou
escrito) estrutura as relações dialógicas da linguagem verbal, a representação gráfica pode ser entendida como o
centro da dialogia na projetação arquitetônica.
Se para a linguagem verbal o sentido do enunciado é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido
por meio do material de um determinado complexo sonoro ou escrito, para a linguagem gráfica a interação se
dá através das técnicas de representação.

Robbins (1994, p.34) acredita que o arquiteto pode usar o desenho para aprender sobre outras visões e entender
o projeto, e faz uma relação com o pensamento de Bakhtin afirmando que “usado neste sentido o desenho
proporciona uma base para o verdadeiro discurso dialógico. As variadas linguagens explicativas dos muitos
diferentes atores associados com o ato arquitetônico são unificadas, para um momento particular, num
maravilhoso todo comunicativo e cultural.”

Bakhtin argumenta também que a atividade mental se organiza através da expressão, ou seja, no âmbito da
linguagem verbal quanto mais se fala e se expressam as idéias, melhor as mesmas são formuladas no interior do
pensamento. Da mesma maneira ocorre com a linguagem gráfica: quanto mais se representa (se desenha),
melhor compreende-se a idéia (proposta projetual).

As técnicas de representação gráfica são os principais instrumentos mediadores na dialogia que se estabelece
durante a projetação arquitetônica. Mas não apenas o desenho exerce esse papel, outros instrumentos como a
linguagem verbal (oral ou escrita) e os modelos físicos reduzidos são de grande relevância no processo.

Lévy (1993) tem proposto a noção de tecnologias da inteligência, que são constituídas da conjugação dos
diferentes tipos de linguagem e mecanismos de representação, os quais necessitam de dispositivos materiais que
os suportem. A escrita é, segundo o autor, o mais significativo exemplo de tecnologia da inteligência. Criadas
pelo homem, as tecnologias da inteligência servem de instrumentos mediadores nas relações individuais ou
coletivas e portanto na constituição da cultura. Neste contexto, Lévy destaca a capacidade humana de pensar
por representações, ou seja, através da simulação de modelos mentais, ressaltando o papel relevante e mediador
das tecnologias da inteligência. Estas aliadas à inteligência humana possibilitam a sistematização,
enquadramento, decodificação e decifração que se constituem nas principais ações envolvidas nos processos
cognitivos e conseqüentemente na atividade criativa.

Assim, procurando investigar como e porque diferentes tecnologias intelectuais geram estilos de pensamento
distintos, o autor considera que é necessário partir para uma tentativa de explicação que requer uma análise
precisa das diversas articulações do sistema cognitivo humano com as técnicas de comunicação e
armazenamento.

Neste contexto analisa a escrita como tecnologia intelectual e de como a mesma configurou um modo de
pensar, proporcionando um saber teórico e uma forma de comunicação radicalmente nova, onde os
discursos podiam separar-se das circunstâncias particulares que tinham sido produzidos, o que levou o
exercício de interpretação, de atribuição de sentido, ao centro do processo comunicativo. “As tecnologias
intelectuais ocupam o lugar de auxiliares cognitivos dos processos controlados, aqueles que envolvem a
atenção consciente e dispõem de tão poucos recursos no sistema cognitivo humano. Desta forma, as
tecnologias intelectuais servem como paliativo para certas fraquezas dos processos automáticos como as
heurísticas de raciocínio e os mecanismos esquematizados da memória de longo prazo.” (op. cit. p. 92)

Assim, na relação mediatizada da projetação o desenho auxilia a memória de curto prazo, através do registro de
alguns aspectos em desenvolvimento para a resolução do problema. O arquiteto pode “guardar” a idéia surgida
para analisá-la depois em confronto com outros aspectos. Neste sentido, a representação gráfica registra
hipóteses de resolução que podem ser comparadas com outras e funciona como mecanismo de simulação. Essas
tecnologias também desempenham papel comunicativo durante a projetação, considerando mais
especificamente a comunicação entre os indivíduos envolvidos no processo.

Desta forma, acreditamos que uma mudança no tipo de instrumento mediador usado no processo dialógico de
projetação arquitetônica, tende a influenciar os processos cognitivos e criativos envolvidos na atividade, cuja
expressão mais concretamente percebida ocorrerá em modificações do processo projetual.

Os instrumentos mediadores: das técnicas tradicionais às tecnologias


computacionais
A análise das tecnologias de representação e comunicação, como instrumentos mediadores empregados na
projetação arquitetônica, pode possibilitar a compreensão das formas de dialogia que podem ser estabelecidas
entre o projetista e o problema/proposta projetual através dos instrumentos mediadores. Desta forma,
acreditamos ser possível compreender e vislumbrar as possibilidades de mudanças do processo projetual quando
da adoção de outros instrumentos, ou seja, de outros tipos de tecnologia.

O desenho, como já assinalamos, tem sido o instrumento mediador mais usado durante o processo projetual.
Variando sua característica e nível de detalhamento a depender da fase de desenvolvimento da atividade
arquitetônica, a representação gráfica é usada tanto para registro quanto como forma de comunicação da
proposta. Tem sido, portanto, o instrumento mediador da relação entre o arquiteto e a idéia e entre os membros
da equipe de projetação.

Quando nos referimos à “comunicação” que ocorre na projetação, estamos considerando as formas e
instrumentos utilizados para troca de dados e informações sobre a proposta projetual em elaboração. Neste
sentido, o desenho é um dos meios de comunicação, especialmente entre os membros da equipe, como também
o são os recursos como textos, planilhas orçamentárias e outros. Contudo, destacamos a questão da
comunicação sob a ótica dos mecanismos e meios técnicos empregados para a troca desse conjunto de
informações, que são comumente realizada pelo contato pessoal entre os envolvidos no trabalho projetual

A partir da segunda metade deste século e mais especificamente nas últimas duas décadas, o desenvolvimento
das tecnologias computacionais relacionadas à Computação Gráfica colocaram à disposição dos projetistas um
instrumental que, embora esteja baseado nos conceitos e fundamentos das técnicas tradicionais de
representação, apresenta sofisticados recursos de manipulação, visualização, armazenamento e intercâmbio de
informações gráficas, como nunca imaginado antes. Paralelamente, a convergência dos recursos das
telecomunicações e informática tornou possível a comunicação via rede de computadores, restabelecendo as
noções de tempo e espaço, e cujo potencial de uso na atividade projetual tem sido comprovado.

Entre as características mais relevantes das redes informatizadas para a projetação arquitetônica, estão os
recursos de intercâmbio de diferentes tipos de dados e informações (texto, imagem, som, vídeo), a
disponibilidade de acesso a variados conjuntos de repertórios, linguagens, tecnologias construtivas, em alguns
casos com mecanismos de interatividade e os chamados “ambientes virtuais de projeto”, que embora estejam
em fase de pesquisa e desenvolvimento, já apresentam indícios de viabilização.

Estamos, portanto, diante de dois novos instrumentos mediadores na projetação arquitetônica, cujas
características apresentadas têm o potencial de influenciar na interação entre o(s) projetista(s) e o
problema/proposta projetual, especialmente pela possibilidade de simulações diversas e pelas formas de
trabalho cooperativo permitidas.

Em relação à representação gráfica tradicional, a projetação arquitetônica tem se utilizado basicamente de três
técnicas: esboços, perspectiva exata e desenhos ortográficos. Por esboçosentendemos todos os desenhos feitos à
mão livre e que são comumente empregados no início do processo projetual. A perspectiva exata refere-se à
técnica gráfica de representar os objetos no espaço bidimensional do papel, através de artifícios que simulam a
visão humana. E os desenhos ortográficos constituem-se nas representações baseadas nos princípios da
Geometria Descritiva, cuja fundamentação consiste no conceito de dupla projeção ortogonal, a partir das
relações homológicas que podem ser estabelecidas entre o objeto no espaço e suas projeções em planos
ortogonais entre si, e entre as próprias projeções.

Os esboços mesmo sendo feitos à mão livre, mantêm as convenções da perspectiva exata, das projeções
paralelas oblíquas e ortogonais, mas não têm compromissos com escala ou rigor com as características do
traçado. O principal objetivo dos esboços é o registro com rapidez e facilidade da concepção geral do problema
e dos indícios de sua solução.

Assim, são esboços os diagramas e fluxogramas que servem para visualizar as relações entre as diversas
variáveis e restrições envolvidas no problema projetual; os croquis de perspectivas cônicas e axonométricas
para entendimento e visualização da volumetria da proposta espacial; os croquis ortográficos de plantas,
elevações e seções que auxiliam na definição e articulação dos espaços do ponto de vista de seu funcionamento,
proporções dimensionais e relações de pertinência e proximidade. Todas essas representações podem recorrer
ao uso de cores e texturas e normalmente demonstram a linguagem gráfica particular do projetista e/ou da
equipe.
A perspectiva exata tem sido usada para apresentação da proposta projetual quando a mesma é considerada
satisfatória pela equipe, em termos de atender às questões fundamentais do problema. Embora a proposta ainda
careça de detalhamento, este tipo de representação é fundamental para a compreensão da idéia pelo cliente. A
perspectiva exata também é empregada quando da necessidade de divulgar o projeto para fins comerciais e nem
sempre é feita na empresa que desenvolve o projeto, sendo freqüente a contratação de profissional especializado
em sua elaboração.

Os desenhos ortográficos sistematizados pelo método mongeano estabelecem o chamado Desenho Técnico
Arquitetônico, para o qual existem normas e convenções com objetivo de reduzir a carga informativa necessária
à representação, através de simbologia específica. É a mais abstrata de todas as técnicas usadas, visto proceder a
uma redução dimensional (uma das três grandezas do objeto – largura, comprimento, altura- é anulada pela
projeção paralela ortogonal). Por um lado, esta técnica foi fundamental para o processo de industrialização,
principalmente por tornar disponível um sistema ao mesmo tempo preciso e que mantinha as relações
topológicas e dimensionais do objeto representado. Por outro lado, os desenhos técnicos arquitetônicos
representam o objeto de maneira segmentada, o que dificulta a percepção e compreensão da volumetria do
mesmo.

As representações ortográficas são comumente empregadas na comunicação final do projeto, para fins legais e
construtivos. Entretanto, observa-se que muitos projetistas utilizam essa técnica (à mão livre ou não) como
instrumento mediador principal durante o desenvolvimento do projeto. Acreditamos que este fato pode estar
relacionado à exigência de habilidade específica para os outros tipos de representação, especialmente as
perspectivas, e também à influência do Movimento Moderno na arquitetura, onde o princípio da “planta
geradora” tendia a explorar a idéia projetual a partir de uma projeção ortogonal horizontal.

Como recurso da Computação Gráfica relacionado à projetação as ferramentas CAD têm sido as mais
utilizadas. Entendemos por ferramentas CAD os programas aplicados ao desenvolvimento e representação de
projetos. Inicialmente desenvolvida como um editor de desenho informatizado essas ferramentas evoluíram
rapidamente no sentido de atenderem satisfatoriamente às exigências específicas de cada área de projeto.

Neste contexto, podemos definir duas categorias para as ferramentas CAD: as genéricas e as dedicadas. Os
programas CAD genéricos constituem-se em editores de desenho 2D, que podem ou não possuir recursos de
modelamento tridimensional, e que são aplicáveis a qualquer área de atuação como arquitetura, engenharia,
design, etc.

Os programas CAD dedicados constituem-se em ferramentas com aplicações específicas para determinada
atividade, constituindo-se de algoritmos, estrutura de dados e bibliotecas de símbolos que respondem
diretamente, com alto índice de eficiência e eficácia, a necessidades de projeto ou de representação de áreas de
conhecimento específicas. Estas ferramentas podem ser estruturadas a partir de rotinas de trabalho que
otimizam os recursos de um programa genérico, funcionando sob o ambiente destes (sendo chamados de plug-
in) ou podem ser completamente independentes, necessitando apenas do sistema operacional para serem
executados (sendo chamados de stand alone).

Cabe assinalar, entretanto, que ainda não há consenso sobre a terminologia empregada para as ferramentas
dedicadas, podendo-se encontrar na bibliografia, o termo “programa especialista” (consideramos este termo
inadequado pela confusão que pode trazer com os Sistemas Especialistas, usados na área de Inteligência
Artificial, e que também pode ser empregado na resolução de problemas de arquitetura), “programa específico”
ou “programa aplicativo”, por exemplo. Na área de arquitetura estes tipos de programas são conhecidos pela
denominação em língua inglesa de Computer Aided Architectural Design – CAAD.

Podemos distinguir dois tipos de programas dedicados para arquitetura: os que se destinam ao desenvolvimento
da proposta projetual e sua representação, e aqueles voltados para avaliação dos efeitos de iluminação,
insolação, ventilação, etc., que, contudo, dependem dos primeiros para sua aplicação. Ambos podem ser
considerados como programas para simulação, uma vez que permitem o teste e experimentação das soluções
encontradas (tanto espaciais e estéticas quanto técnicas) com objetivo de um projeto de melhor qualidade, cujo
desdobramento deverá ser um espaço construído o mais adequado possível.

Interessa-nos neste trabalho, especificamente os programas dedicados para desenvolvimento e representação de


projetos. A avaliação que temos realizado de algumas ferramentas deste tipo (DataCAD, MiniCAD 7, ArCAD,
TriFORMA, Arqui3D, AutoCAD Architectural Desktop), tem evidenciado que a estrutura e recursos básicos
das mesmas são muito semelhantes. Existem algumas diferenças quanto às características da interface (do ponto
de vista da facilidade de aprendizagem e manipulação), flexibilidade na adoção de procedimentos para
desenvolvimento do projeto e formas de visualização. Entretanto, consideramos como característica comum
mais importante, no sentido de proporcionar um novo tipo de interação entre o arquiteto e o problema/proposta
projetual, a possibilidade de desenvolvimento do projeto através do modelo tridimensional digital.

Se nos programas CAD genéricos a elaboração de um modelo tridimensional é trabalhosa e normalmente usada
para apresentação final da proposta, nos dedicados o modelo é fácil e rapidamente desenvolvido. Com
tecnologia baseada na orientação ao objeto (paredes, esquadrias, coberturas, elementos estruturais, etc.), esses
programas permitem uma manipulação relativamente fácil e que contribuem significativamente para o estudo
da composição espacial e definição da proposta. A possibilidade de visualizar o modelo de diferentes maneiras
funciona como se o projetista estivesse usando ao mesmo tempo diferentes tipos de representação, ou seja, pelo
menos uma perspectiva (cujo ponto de vista pode ser modificado sem dificuldade) e um desenho ortográfico
(planta e/ou elevação).

A maioria dos arquitetos ainda considera esse tipo de ferramenta muito deficiente para uso nos primeiros
momentos do processo projetual, normalmente tomando os esboços como parâmetro de comparação e
enfatizando a flexibilidade e rapidez de interação que os mesmos proporcionam. Há também queixas quanto à
rigidez de traçado e exigência de precisão imposta pelas ferramentas CAAD, tornando as mesmas inadequadas
para o início da projetação.

Embora não discordemos de todos os argumentos comumente apresentados contra o uso de ferramentas
computacionais como instrumento de concepção, caracteristicamente o momento inicial do processo,
acreditamos que não se pode considerar os recursos informatizados sob a mesma ótica da representação por
esboços, visto serem técnicas diferentes que requerem outras habilidades, formas de uso e interação. Podemos,
sim, discutir se uma ou outra é mais adequada dependendo de quem a use e para que fins. Assim, pode ser que
para alguns projetistas os tradicionais esboços continuem sendo o principal e mais eficiente instrumento
mediador no início da projetação. Entretanto, podemos observar a tendência do emprego de diferentes
ferramentas computacionais (não necessariamente do tipo CAAD) já na concepção do projeto, especialmente
em arquitetos mais jovens, cuja formação já se deu tendo as tecnologias computacionais como instrumento de
representação.

É claro que são coisas bem distintas a utilização das ferramentas computacionais para representação e para
desenvolvimento do projeto. Enquanto o CAD genérico for a principal ferramenta empregada pelos projetistas,
estaremos explorando o recurso essencialmente como instrumento de desenho, gerando as representações
técnicas de comunicação final do projeto. Ou seja, os desenhos ortográficos para fins legais e construtivos. Este
procedimento traz grandes benefícios do ponto de vista do aumento de produtividade, uma vez que a
representação final do projeto é um trabalho mecânico e exaustivo. Mas na medida em que se utilizem os CAD
dedicados, estar-se-á explorando o real potencial da ferramenta como instrumento mediador da atividade
projetual, para desenvolvimento da proposta através dos recursos de visualização e simulação disponíveis. A
primeira idéia pode continuar até sendo esboçada da forma tradicional, mas no momento em que for necessário
qualquer grau de dimensionamento, já será viável a continuidade do processo com o uso desse instrumento
informatizado. O projetista passa a explorar a proposta de uma maneira diferente, especialmente através do
modelo tridimensional digital e os desenhos ortográficos finais tornam-se apenas uma conseqüência do mesmo,
quando a proposta for considerada satisfatória pelo projetista.

O trabalho projetual com o emprego do modelo tridimensional possibilita diferentes percepções da proposta,
aliadas às simulações de ordem espaciais e estéticas. Paralelamente as outras áreas envolvidas na atividade
arquitetônica como o cálculo estrutural e instalações prediais podem interagir com a proposta de maneira muito
mais precoce e eficaz que antes. Esse procedimento possibilita que o arquiteto disponha das restrições de ordem
técnica com maior clareza, quando a solução do problema ainda encontra-se em elaboração.

Tradicionalmente, os engenheiros calculistas e de instalações prediais só entravam no processo de projeto


quando o arquiteto considerava concluída a proposta. Mesmo com consultas pontuais àqueles profissionais, os
chamados “projetos complementares” apenas eram desenvolvidos a partir da conclusão do projeto arquitetônico
e exigiam a criação de representação específica para cada área, a partir dos desenhos ortográficos arquitetônicos
(especialmente as plantas). O emprego de ferramentas CAD elimina por completo essa dificuldade e através do
recurso de referência externa todos os profissionais podem compartilhar uma base de dados comum, cujas
modificações seguem uma lógica de permissão.
A associação do emprego de ferramentas CAD aos recursos das redes informatizadas viabiliza o processo de
intercâmbio entre os diversos profissionais envolvidos na projetação de uma maneira ainda mais dinâmica e
integrada. Possibilita também a ampliação da equipe de projeto (aqui considerando todos os profissionais) quer
do ponto de vista da quantidade quer da qualidade, uma vez que deixa de ser condição de participação na
atividade a proximidade física. A atividade cooperativa de projeto, facilitada com adoção dos recursos das redes
informatizadas, amplia a característica multi e interdisciplinar do processo projetual desde seus primeiros
momentos.

Reflexões finais: identificando os espaços para mudanças


As limitações das ferramentas computacionais anteriormente discutidas, especialmente os CAD dedicados, são
inúmeras e não estamos defendendo seu emprego irrestrito. Pelo contrário, acreditamos que a exploração
máxima do potencial das mesmas só pode ocorrer por meio de seu conhecimento e domínio aprofundado e
principalmente pelo exercício de uma visão crítica por parte dos profissionais-usuários.

É nessa perspectiva que temos nos proposto a discutir o potencial que os programas CAD dedicados e os
recursos das redes informatizadas têm em trazer modificações ao processo projetual arquitetônico. Dessa forma,
o trabalho de pesquisa que vimos desenvolvendo, tem evidenciado alguns aspectos na atividade projetual, os
quais estamos considerando como espaços mais suscetíveis de sofrerem mudanças a partir do uso de um
instrumental técnico diferente.

O modelo tridimensional e as formas de simulação e interação que são possíveis a partir dos mesmos são as
características mais relevantes das ferramentas CAD dedicadas, com potencial de modificar o processo
projetual arquitetônico. São esses recursos que podem permitir a estruturação de novos mecanismos
exploratórios em busca da solução mais adequada ao problema proposto, desenvolvendo habilidades mentais
que terão desdobramentos nas formas de projetação.

Com o desenvolvimento da proposta projetual a partir do modelo tridimensional, podemos vislumbrar a


desestruturação das tradicionais “fases” a que costumamos dividir o processo. Esta divisão guarda uma relação
direta com os tipos de representação gráfica e os conseqüentes níveis de definição da proposta, estabelecendo,
por outro lado, estágios de comunicação no âmbito da equipe de projeto, entre esta e os profissionais de outras
áreas, entre a equipe e o cliente, e fora do contexto da empresa quando a documentação do projeto destina-se
aos trâmites legais.

O modelo tridimensional torna desnecessário “parar” o processo para elaborar a representação de comunicação
ao cliente, por exemplo, na fase dita de anteprojeto. A participação do cliente no processo pode se dar logo que
o modelo tridimensional possa expressar o conceito projetual - partido arquitetônico - e ser continuamente
posto à discussão a cada evolução que sofra.

A possibilidade de gerar visualizações perspectivas de quantos pontos de vista forem necessários com rapidez
(que depende basicamente da capacidade de processamento do sistema computacional) e de criar animações
simulando um percurso do observador no espaço proposto, constitui-se em recurso capaz de proporcionar uma
relação dialógica mais intensa entre o projetista e objeto projetual.

O conjunto de novas formas de simulação e interação tende a alterar a percepção do projetista exigindo do
mesmo novos mecanismos cognitivos e criativos, na medida em que na ordenação da matéria (como assinalado
por Ostrower, vide item “Os processos cognitivos e criativos e a projetação arquitetônica”) o projetista tem ao
seu dispor instrumentos mediadores que potencializam sua natural capacidade de simular e representar
mentalmente o objeto em elaboração.

Outra modificação percebida mais claramente relaciona-se à organização e gerenciamento do processo. Se por
um lado a tecnologia amplia e facilita a troca de informações entre os profissionais envolvidos na projetação,
por outro exige uma organização e padronização dessas informações para que o processo possa tornar-se
eficiente e eficaz. Neste sentido, as empresas de arquitetura estão sendo obrigadas a repensar a visão
comumente corrente na área, que considera a projetação arquitetônica um processo naturalmente caótico e
desorganizado por sua inerente natureza artística.
No que se refere ao uso dos recursos das redes informatizadas, percebemos que o compartilhamento da
atividade projetual, seja via rede local ou via Internet, tende a distribuir o trabalho projetual arquitetônico entre
vários projetistas deixando cada um responsável por desenvolver a proposta sob um aspecto. Se isto pode
significar a manutenção de um padrão de qualidade projetual da empresa, na medida em que o profissional
melhor qualificado em lidar com determinado aspecto é o mesmo em cada projeto, por outro lado exige uma
organização e gerenciamento do processo ainda mais eficiente, para que não se comprometa o todo pela ênfase
nas partes.

Estas são as primeiras tendências e possibilidades que temos observado com andamento de nossa pesquisa.
Estamos cientes que alguns aspectos do processo projetual são extremamente subjetivos e portanto dificilmente
passíveis de uma investigação sistematizada. Contudo, acreditamos que a maior contribuição que nosso
trabalho poderá trazer está na discussão de um tema ainda pouco explorado no contexto brasileiro e em especial
no âmbito da região nordeste.

Referências bibliográficas
Banham, Reyner. (1979) Teoria e projeto na primeira era da máquina. Trad. A. M. Golberg Coelho. 2a ed. São
Paulo: Perspectiva,. 515p

Broadbent, Geoffrey.(1974) Diseño arquitectónico – arquitetctura e ciencias humanas. Barcelona: Gustavo


Gilli,. 463p. (Coleccion Arquitectura / Perspectivas)

Lévy, Pierre.(1993) As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Trad. Carlos
Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 203p.

Ostrower, Fayga.(1987) Criatividade e processos de criação. 6a ed. Petrópolis: Vozes,. 200p

Rapoport, Amos. (1971) “Hechos y modelos”. In: Metodología del diseño arquitectónico. Broadbent, Geoffrey.
Barcelona: Gustavo Gilli, 297-323.

Robbins, E.(1994) Why architects draw. Cambridge: Mit Press.

Rowe, P. G.(1991) Design thinking. Mass: MIT Press.

Souza, Solange Jobim. (1994) Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas/SP: Papirus.
173p.

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