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SZCZESNIAK - O Retorno Da Hipótese Sapir-Whorf PDF
SZCZESNIAK - O Retorno Da Hipótese Sapir-Whorf PDF
ENSAIO
LINGÜÍSTICA Novos estudos reacendem polêmica entre linguagem e pensamento
O retorno da hipótese
de Sapir-Whorf
Konrad Szczesniak
Faculdade da Língua Inglesa,
Universidade da Silésia (Sosnowiec, Polônia)
64 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 4
ENSAIO
rett – estudou a tribo amazônica Pirahã, cuja língua rias), e são obcecadas com o poder dos números (por
só tem três maneiras de exprimir numerais. Além exemplo, ‘sexta-feira, 13’), mas para uma tribo que
das palavras hói (‘um’), hoí (‘dois’) e baagi ou aibai nunca se importou com quantidades isso deve ser
(que correspondem a ‘muito; mais que dois’), os uma novidade estranha. Assim, é bem provável que
Pirahã não têm outros numerais. Para Gordon, os a falta dos numerais na língua reflita apenas a au-
Pirahã e sua língua eram uma oportunidade exce- sência de matemática na vida dos Pirahã, e não seja
lente para averiguar a hipótese de Sapir-Whorf, bas- a causa de bloqueios mentais diante de números.
tando verificar se a relativa escassez léxico-numéri- Apesar do entusiasmo de outros, o próprio Gordon
ca dessa língua estava ou não relacionada a uma per- admite que suas observações não servem para dar
cepção também falha de quantidades maiores que apoio absoluto a Sapir e Whorf. Se elas comprovam
dois entre os seus falantes. a influência da língua, é só em relação a umas pou-
No artigo ‘Numerical cognition without words: cas áreas limitadas de pensamento. Por mais inte-
evidence from Amazonia’ (‘Cognição numérica sem ressante que esse assunto seja, é prudente encará-lo
palavras: evidência da Amazônia’), publicado em com cautela, pois parece que ainda teremos que es-
agosto de 2004 na revista Science, Gordon descreve perar muito tempo para conhecer toda a verdade
como, durante suas três estadias na selva amazôni- sobre a questão. Na psicologia, por exemplo, inúme-
ca, observava os índios nas tarefas que envolviam ras teorias foram tidas como sen-
quantidades maiores que três, ouvindo o que di- sacionais e depois descarta-
ziam e tentando ainda verificar se eles por acaso não das com desilusão. A pró-
usavam outros meios de exprimir números, como, pria hipótese de Sapir- Mesmo os mais
por exemplo, algum tipo de gesticulação. Tendo ex- Whorf também já viveu ásperos críticos de Sapir
cluído essa possibilidade, após várias observações, seus melhores dias,
Gordon constatou que os Pirahã realmente não pa- entrando até, graças e Whorf, como Pinker, deixam
reciam ver diferença alguma entre, por exemplo, aos eloqüentes tex- uma margem de dúvida, dizendo,
oito, nove ou 10 pedaços de pau, e não conseguiam tos de seus autores,
reconstituir, de memória, a ordem em que viram no mainstream cul- por exemplo, que nossa língua
essas quantidades. tural e despertando o materna pode de fato dirigir
É importante ressaltar que a metodologia em- interesse de não-espe-
pregada pelo lingüista e o grande número de testes cialistas, só para depois nosso pensamento, mas só
feitos parecem impecáveis, garantindo que os resul- ser, alternadamente, ani- no exato momento em
tados não foram distorcidos, e claro, que os Pirahã quilada e ressuscitada com
não se divertiam à custa dos pesquisadores. Por in- novas provas. que se fala
crível que pareça, os integrantes da tribo realmente O que vai acontecer com essa
não sabem o que fazer com numerais, considerando hipótese? Realmente ninguém sabe. Mes-
objetos em grandes quantidades como uma espécie mo os mais ásperos críticos de Sapir e Whorf, como
de mundo desconhecido. As descobertas de Gordon Pinker, deixam uma margem de dúvida, dizendo,
e dos Everett excitaram o mundo a tal ponto que os por exemplo, que nossa língua materna pode de fato
maiores jornais e revistas chegaram a dizer solene- dirigir nosso pensamento, mas só no exato momento
mente que as idéias de Sapir e Whorf finalmente se em que se fala. Alternativas desse tipo surgem em
confirmaram. cada novo texto sobre a questão. O problema com tal
Entretanto, muitos lingüistas advertem que as di- hipótese é que, quanto mais se pensa na questão,
ficuldades numéricas dos Pirahã podem ter outras mais possibilidades parecem surgir.
causas não relacionadas com a língua. Inicialmente, Com dados assim tão facilmente disponíveis,
considerou-se a possibilidade de os Pirahã serem como os obtidos com os índios, é possível que sejam
deficientes mentais por casamentos consangüíneos, descobertos outros elos entre a linguagem e o pensa-
mas isso foi descartado, pois eles se mostravam nor- mento. Mas é igualmente possível que nunca saiba-
mais em muitos outros aspectos, como orientação mos se Sapir e Whorf tinham razão. Por enquanto, as
espacial ou táticas de caça. Uma causa muito mais tecnologias de imageamento do cérebro não permi-
plausível para esses problemas numéricos parece tem definir onde acaba o pensamento e onde come-
ser a mera falta de prática. Afinal, é muito natural ça a palavra que o exprime – não podemos facil-
que pessoas que nunca usaram números em sua vida mente separar essas duas coisas observando ima-
fiquem atrapalhadas diante de formidáveis fileiras gens do cérebro na tela de um computador. O certo é
de oito pedaços de pau ou nove nozes, que o pesqui- que, graças ao encanto e à controvérsia da hipótese,
sador branco quer que reconstruam de memória. não faltarão novos experimentos com o intuito de
Tal tarefa pode parecer banal para pessoas que con- resolver o enigma de Sapir e Whorf, o que só vai
tam diariamente altas somas de dinheiro (ou calo- proporcionar novos enigmas. ■