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2°/2017
1. Introdução
Pretende-se com este ensaio realizar uma análise sociológica da obra do poeta
paraibano Augusto dos Anjos “ Eu e outras poesias”. Para realizar esta análise
sociológica, se faz necessária uma matriz de análise. Os conceitos utilizados
durante a análise desta obra poética de Augusto dos Anjos são provenientes dos
autores Pierre Bourdieu, Norbert Elias, Baxandal e Ginzburg.
De Pierre Bourdieu, me concentrarei na análise do campo social, ou seja, nas
estruturas de produção poética e sociais do período em que Augusto dos Anjos
viveu, de 1884 a 1914, assim como o seu habitus e suas relações com estas leis
sociais incorporadas. Desta forma, este ensaio possui como objetivo pelos
conceitos de Bourdieu, tentar relacionar e delimitar em sua produção, a relação
poética com as estruturas sociais vigentes neste meio.
De Norbert Elias, trago as ideias de sociogênese e psicogênese da produção
poética de Augusto dos Anjos. Partindo do pressuposto de que não existem
gênios, mas na verdade posições sociais experiência individual em um meio
social, Elias nos diz que tudo é construído, não há talento ou habilidades inatas
no ser humano. Desta forma, existem condicionantes sociais e psicológicas,
raízes da produção artística. Com Augusto dos Anjos não é diferente, tentarei
apontar estas questões.
De Baxandal, tentarei discorrer sobre os problemas observados por Augusto
dos Anjos no mundo material e imaterial, na medida em que a produção artística,
de acordo com Baxandal, seria justamente para exprimir e resolver questões,
problemas que surgem das constrições sociais.
De Ginzburg, exponho suas ideias referentes as formas iconográficas, o
sentido dos símbolos e das imagens descritas de forma poética por Augusto dos
Anjos, em sua produção. Quais os significados atribuídos, e o porquê destas
atribuições e sentidos a suas poesias.
É importante ressaltar que o autor publicou a obra “Eu” em 1912, porém
postumamente, foram adicionadas outras poesias as edições do “Eu” o que
enriquece ainda mais a análise com poemas não selecionados pelo mesmo,
durante a sua breve existência na terra.
2. Campo e habitus de um sensível
“Solilóquio de um visionário
Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!
A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressões visuais que eu sinto,
Nas divinas visões do íncola etéreo!
Como foi inferido anteriormente, Augusto dos Anjos nasceu na Paraíba, filho
de família aristocrata paraibana. Seu pai, homem letrado fez com que o jovem
Augusto, desde a infância tivesse contato com grandes autores, como Herbert
Spencer, e Ernst Haeckel e Arthur Schopenhauer. Como pode-se observar,
Augusto dos Anjos era dotado de muito capital, seja social, econômico ou
cultural, ocupando uma posição social muito privilegiada no fim do século XIX e
início do século XX no Brasil. Em 1903 ingressou na faculdade de Direito de
Recife, conseguindo o título de Bacharel em 1907. Laurino Leão, um professor
filósofo da faculdade de direito influenciou bastante seus alunos, incluindo
Augusto dos Anjos, acerca da corrente do materialismo histórico, o que acarretou
em um impacto profundo na visão de mundo e produção poética do mesmo.
A produção poética de Augusto dos Anjos, tem uma visão tão pessimista, que
sua poética vai se transformando na poética do horror pela vida, o homem que
dolorosamente se depara e reflete sobre toda a dor universal da existência
humana, pois o contexto material e social brasileiro naquela época, era
degradante e horrendo. Se por um lado, nas famílias aristocráticas e nas grandes
cidades estaria em curso o processo de modernização, com as novas
manifestações de tecnologias, por outro, oculto aos olhos de quem não queriam
ver, existia um Brasil violento, antropofágico e destruidor, que arrasava com os
povos indígenas, com a população negra, com os pobres. Mortes precoces,
devido as condições da medicina no contexto da época, onde as várias doenças
se proliferavam e arrasavam com a vida dos menos afortunados, falta de
saneamento básico, explorações de todos os tipos, fome e muita morte animal.
Augusto tira a máscara da falsa alegria carnavalesca brasileira, e via as mazelas
do “circo dos horrores” do Brasil na época. Com o poema “ A um mascarado”, é
possível identificar a visão direcionada para a realidade material do povo
brasileiro, que tem que comer comida azeda, conviver com atrocidades como o
incesto, em que a sua proibição é uma das primeiras regras sociais:
“A um mascarado
“A árvore da serra
— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
“Soneto
Augusto tem a ideia de ir para o sudeste, pois para ele o “Eu” poderia ter uma
melhor recepção no sudeste do Brasil. Parte então para o Rio de Janeiro, sendo
sua segunda grande mudança na expectativa de conseguir sucesso como poeta,
e abandona o cargo de professor substituto que ocupava em Recife para isto,
fazendo assim um sacrifício em busca de seu sonho artístico. Augusto vai pedir
dispensa e deseja também conseguir algum dinheiro para a sua viagem, porém
o governador se nega a pagar as quantias que lhe cabiam por seus serviços
como professor. É com esse sentimento de ingratidão e revolta, que Augusto
escreve um de seus poemas mais aclamados postumamente, “Versos íntimos”:
“Versos íntimos
Muda-se então para Minas Gerais, onde lecionava aulas particulares de vários
idiomas, inclusive o grego e o latim. Após um tempo, consegue uma cadeira de
diretor de um colégio Leopoldino, que atendia alunos filhos dos barões do café.
Após alguns meses, Augusto vai a um enterro, pega uma chuva e contrai
pneumonia, sendo os esforços da medicina da época, não suficientes para curá-
lo. Morre em 12 de novembro de 1914, aos 30, precoce e tragicamente.
Acerca da imaterialidade e da busca pelo espírito que para Augusto seria sua
saída assim como a de toda a humanidade, a solução para toda a podridão
humana na terra, que só poderia ser alcançada a partir da morte física, da
transcendência da matéria, atingindo assim a existência somente nas ideias. Em
vida também realizava sessões de psicografia, em seu município natal, o que
constata sua afinidade com supostos outros planos de existência. Um dos
poemas que mais ilustram esta perspectiva, é o poema “O meu Nirvana”, já na
coletânea de outras poesias, este não foi publicado na edição original do “Eu”,
em 1912. Segue o poema para fins de maior compreensão:
“O meu nirvana
Como vem sendo explanado neste ensaio, Augusto dos Anjos é um poeta
visceral, e no sentido mais literal da palavra. Sempre sensível as mazelas
humanas, Augusto vai utilizar de uma “iconografia da putrefação” em sua
produção poética, associando a vida humana corpórea a metáforas associadas
a podridão da matéria, que em certo sentido faria com que os seres humanos se
comportassem de forma tão nociva para Augusto dos Anjos, e o mesmo sempre
tentando ir até a raiz da questão, buscando a origem de tudo, e ao mesmo tempo
o fim, com a morte. Termos como sombras, verme, embriões, tumbas e podridão
estão se inter-relacionando na produção artística de Augusto, e fazem alusão a
espécies ciclos de encarnações e permanência constante desta “sujeira
instintiva”, como umas espécie de karma hereditário da humanidade, que
Augusto está fadado a perceber para onde quer que olhe e atente a sua
consciência, enfatizando como inferido anteriormente neste ensaio, a morte
como a saída para sua agonia, em seu “destino” tão peneroso segundo seus
pensamentos.
“Versos a um cão
“O caixão Fantástico
“O deus verme
6. Considerações Finais
Por ser de família aristocrata, teve berço e pode estudar em uma universidade,
cursando direito no contexto de início do século XX, e adquiriu assim muito
capital social e cultural, o que contribuiu vivamente para a profundidade
conceitual de sua produção artística, e desenvolvimento de sua poética.
A vida para Augusto dos Anjos, foi como um cósmico fardo, e viu assim a
necessidade de “vomitar” o que estava em seus subsolos. Apesar de seu estilo
mórbido, Augusto dos Anjos foi um poeta quente, de emoção, que viu na vida a
dor de um mundo contraditório materialmente, a ponto de não ver saída, senão
na imaterialidade da existência, a morte.
7. Referências Bibliográficas
NÓBREGA, Humberto. Augusto dos Anjos e sua época. João Pessoa, Edição
da Universidade da Paraíba, 1962