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Sumário

Apresentação ............................................................................................................................................................................................... 3

Aula 01 - PARTICIPAÇÃO SOCIAL: HISTÓRIA, AVANÇOS E DESAFIOS ........................................................................... 5

A história da participação social no Brasil ..................................................................................................................................... 5

Cidadania e democracia participativa.............................................................................................................................................. 9

As origens da cidadania ambiental.................................................................................................................................................13

Participação social e gestão ambiental no Brasil ......................................................................................................................15

Desafios que se apresentam .............................................................................................................................................................19

Aula 02 - PARTICIPAÇÃO SOCIAL DE PERTO ................................................................................................... 23

Participação: conceitos e potenciais benefícios.........................................................................................................................23

Cultura política emancipatória .........................................................................................................................................................25

Capacidades fundamentais à democracia....................................................................................................................................28

A racionalidade trabalhada pela linguagem ...............................................................................................................................30

Aula 03 - A NATUREZA ATIVA DA LINGUAGEM.............................................................................................. 33

Ontologia da linguagem.....................................................................................................................................................................33

O significado de diálogo ....................................................................................................................................................................36

As qualidades do diálogo...................................................................................................................................................................39

Comunicação não violenta.................................................................................................................................................................41

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Apresentação
Olá! Seja bem-vindo(a) ao curso Participação Social e Cidadania Ambiental: fortalecer a
democracia para promover a sustentabilidade. Esse curso com 60 horas de duração, tem como objetivo
capacitar gestores, servidores, técnicos ambientais e sociedade civil, visando à ampliação e qualificação da
participação social, nas esferas federal, estadual/distrital e municipal.
A questão ambiental é eminentemente uma questão coletiva. Em vista disso, a participação e o controle
social são preponderantes para a efetividade das políticas ambientais.
A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), instituída pela Lei nº 9.795/1999, aponta, em seu
artigo 5º, entre os objetivos fundamentais da educação ambiental, o incentivo à participação individual e coletiva
na preservação do equilíbrio ambiental e a defesa da qualidade ambiental como um valor inerente ao exercício
de cidadania. Assim, o curso busca fortalecer a democracia para promover a sustentabilidade.
Os quatro módulos que compõem o curso fornecem linhas gerais para a qualificação e a ampliação da
participação social na elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas de meio ambiente, que tem
sido pautada em movimentos, diálogos, discursos, documentos e normas no campo ambiental.
Percorreremos esse universo e, por meio de exercícios, estudos de caso, propostas de reflexão e
sugestões de atividades práticas, buscaremos superar os desafios do amadurecimento da concepção sobre o
que realmente é e como pode acontecer a participação social e, ainda, a conjugação de participação e diálogo
com eficiência e efetividade na gestão.
Assim, você – e a equipe à qual pertence – terá a chance de elaborar e implementar ações educativas
capazes de contribuir para a superação de tais desafios.
Todos os módulos contêm exercícios e atividades, glossários, avaliação e bibliografia, assim como
texto-base, exemplos, propostas de reflexão, sugestões de atividades práticas e indicação de cursos e formações
e leituras complementares.
Então, vamos conhecer os módulos do curso?
Módulo 01 - Desvendando a participação social: Ao longo do módulo, o participante conhecerá o
contexto histórico de desenvolvimento da democracia participativa no Brasil e os elementos que
caracterizam como participativos os processos de elaboração e implementação de políticas públicas. O
módulo objetiva também desenvolver habilidades dialógicas entre os participantes.
Módulo 02 - Políticas Públicas e Espaços Participativos: Esse módulo tem o objetivo de ampliar os
conhecimentos sobre os espaços de participação social no campo ambiental, bem como sobre sua
importância, estrutura de funcionamento e formas de mobilização e participação. Ao longo do módulo,
o participante conhecerá as principais instâncias participativas socioambientais, em âmbito federal,
estadual/distrital e municipal, como comitês e conselhos, seus objetivos, formas de funcionamento e
marco legal. Será capaz de refletir sobre a contribuição, a importância dessas instâncias e conhecerá
também os principais processos participativos de meio ambiente, como conferências e consultas, seus
objetivos, etapas e contribuições para a elaboração e implementação de políticas públicas efetivas.
Módulo 03 - Como fazer: Métodos e Ferramentas: O objetivo desse módulo é capacitar os
participantes a desenhar e conduzir reuniões e oficinas de maneira mais participativa, criativa, ágil e

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eficiente, oferecendo ferramentas básicas para qualificar os processos de elaboração e implementação
de políticas públicas no campo ambiental, bem como a gestão participativa.
Módulo 04 - Participação: Ponto de Partida, Caminho e Linha de Chegada: Este módulo tem como
objetivo construir conhecimentos acerca da importância dos processos de prestação de contas por parte
dos gestores e o papel dos cidadãos para estreitar a relação entre o que é planejado e os resultados das
políticas propostas e/ou implementadas, incentivando assim o controle social, a prática de avaliação e
monitoramento de políticas públicas e a compreensão da relevância desses processos na gestão pública
participativa.

Agora que você se ambientou com a temática do curso, vamos passar para o Módulo 01?

Esse primeiro módulo tem como objetivos: desenvolver conhecimentos sobre o histórico da
participação social no Brasil, com atenção ao campo ambiental; introduzir os fundamentos da participação que
devem permear os processos participativos; e desenvolver habilidades dialógicas. Para tanto, abordaremos o
histórico da construção da democracia participativa, do processo de ampliação da cidadania no Brasil e do
marco legal relacionado à participação social e ao meio ambiente no Brasil.
Estudaremos, ainda, os conceitos, princípios, características e potenciais benefícios da participação
social. Daremos especial atenção ao componente da linguagem e do comportamento dialógico como fatores
capazes de gerar mudanças significativas no contexto dos processos participativos.

Vamos lá?

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Aula 01 - PARTICIPAÇÃO SOCIAL: HISTÓRIA, AVANÇOS E
DESAFIOS

Querendo ou não é a política que determina a vida de um povo”.

(Rubem Alves)

Olá, seja bem-vindo(a) à Aula 01, do Módulo 01. Esse módulo, como os demais deste curso, está
dividido em três aulas. É composta por cinco tópicos, dedicaremos a explorar a história, os avanços – em termos
de aprendizados, institucionalização e consolidação do marco legal – e os desafios da participação social no
Brasil.
No início desta jornada de aprendizagem, é fundamental entender por que estamos aqui nos
debruçando sobre esse tema, você não acha? Então, vamos lá. Nesta aula, entenderemos como o Brasil é
governado atualmente, perpassando um breve histórico, para compreender melhor o papel da participação
social nesse processo.

A história da participação social no Brasil

Vivemos em sociedade, o que quer dizer que aderimos a um conjunto de normas convencionais que
orientam nossa convivência coletiva, em prol de interesses comuns. A essa forma de organização coletiva, em
território definido e politicamente organizado, dá-se o nome de Estado.
O Brasil hoje é um Estado Democrático. E o que isso quer dizer? Quer dizer que o Estado brasileiro é
regido por um regime político baseado nos princípios da soberania popular. O povo deve governar e tomar as
decisões políticas. Isso acontece indiretamente, por meio de representantes eleitos, ou diretamente, por meio
de institutos de participação direta como o:
Plesbicito: Consulta popular com o objetivo de aprovar ou rejeitar assunto relevantes antes da existência
da lei ou do ato administrativo.
Iniciativa popular: Outra forma de o povo participar diretamente. Por meio dela, apresenta-se um
projeto de lei sobre determinado assunto, assinado por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional,
distribuído por pelos menos 5 estados.
Referendo: Consulta popular convocada depois que o ato foi aprovado. O povo ratifica ou rejeita a
proposta.

Essas são conquistas significativas, mas viver em um Estado democrático quer dizer ainda mais, se
escolhermos conceber a democracia como: “[...] uma decisão, tomada por toda a sociedade, de construir e viver
uma ordem social na qual os Direitos Humanos e a vida digna sejam possíveis para todos” (TORO; WERNICK,
1996, p.03). Tornar essa decisão possível, demanda a participação e a vontade de todos.

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Atualmente, embora haja institutos de participação direta, como os citados, a característica central do
modelo dominante de democracia é a representação, em que a sociedade delega a um representante o direito
de representá-la, decidindo de acordo com os interesses da coletividade. Esse modelo é denominado
Democracia Representativa.
A seguir, conheceremos o histórico de sua consolidação, para então compreendê-lo em perspectiva com
outras formas mais ativas de exercício da democracia.
A eleição de representantes foi instalada no Brasil ainda no período imperial. Em 1881, a Câmara dos
Deputados aprovou a lei que introduzia o voto direto, mas poucos eram os que podiam votar. A proclamação
da República ocorreu em 1889 e, em 1891, foi promulgada a primeira Constituição, que eliminou a exigência da
renda de 200 mil réis como requisito para ser eleitor, mas ainda deixou excluídos do direito ao voto analfabetos,
mulheres, mendigos, soldados e membros das ordens religiosas. Ou seja, a maior parte da população ainda não
podia exercer o direito ao voto (ESAF, 2009).
Desde então, foram eleitos 19 presidentes da República, sendo oito deles por meio de eleições indiretas.
A primeira eleição indireta foi em 1891, quando a Assembleia Constituinte elegeu Marechal Deodoro da Fonseca
como Presidente, após seu governo provisório instalado com a Proclamação da República. A segunda, quando
após o governo provisório promovido pela Revolução de 1930, Getúlio Vargas foi eleito também por uma
Assembleia Constituinte. Entre essas ocasiões, prevaleceram as eleições diretas para presidente.
Durante esse período, mesmo ocorrendo práticas que deturpavam o exercício do voto e das leis que
restringiam seu direito, não houve, no Brasil, movimentos populares exigindo maior participação eleitoral. O
movimento pelo sufrágio feminino, após a revolução de 1930, foi uma exceção (ESAF, 2009). O voto obrigatório
foi instituído pelo Código Eleitoral de 1932.
No período de ditadura militar, a tradição democrática foi interrompida. Entre 1964 e 1985, vivemos um
retrocesso e as eleições indiretas tornaram-se uma prática. Viveu-se um período de desrespeito aos direitos
humanos, com perseguição política, uso de violência armada, torturas e eliminação de opositores ao regime.

Conheça mais das memórias do período de retrocesso da democracia no site Memórias da


Ditadura disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/.

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Você já pensou sobre como seria viver em sociedade sem poder expressar livremente
suas ideias?

Se você viveu ou conhece alguém que viveu no período da ditadura no Brasil, que tal
parar para refletir sobre quais as principais diferenças entre aquela época e hoje em
dia?

Para começar e inspirar a sua reflexão, leia o trecho e a letra de música a seguir:

“Qualquer solto som pode dar tudo errado”, alertou o letrista Paulo César Pinheiro no poema
“Cautela”. “É um tempo de guerra, é um tempo sem sol”, cantava Maria Bethânia na canção
de Edu Lobo e Gianfracesco Guarnieri. Nos rebeldes anos 1960 a 1970, cantar virou atividade
de risco. Compor, ainda mais. A censura baixava seu carimbo sobre aqueles que insurgiam
contra o regime elaborando metáforas para combater a linha dura, a censura e outras
torturas”.

Está disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/musica.

“Se não te cuidares o corpo


Cuida teu espírito torto
Que teu corpo jaz perfeito

Se não te cuidares o peito


Cuida teu olho absurdo
Que teu peito tomba morto
Diante de tudo

Se não te cuidares, cuidado


Com as armadilhas do ar
Qualquer solto som pode dar tudo errado”

CAUTELA (Letra de Paulo César Pinheiro)


Nesse período, foram realizadas seis eleições indiretas para presidente da República, sendo três pelo
Congresso Nacional e três pelo Colégio Eleitoral. A profunda insatisfação da população com o retrocesso
democrático nesse período culminou em um dos movimentos de maior participação popular do Brasil: o
movimento Diretas Já.
A última eleição direta para presidente havia sido em 1960. Em 1984, seria realizada mais uma eleição
de modo indireto. A população se mobilizou para a aprovação da emenda constitucional, proposta pelo então
deputado Dante de Oliveira, que instituiria a eleição para presidente da República por voto popular.
Foram realizadas inúmeras manifestações públicas. Mais de um milhão de pessoas reuniram-se em
movimentos pelas Diretas Já. Por fim, a emenda não foi aprovada pelo Congresso Nacional, mas com o apoio

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das lideranças das Diretas Já, depois de 20 anos de governo militar, foi eleito um presidente civil, Tancredo
Neves.
Esse movimento pela reinstituição das eleições diretas não foi um ato pontual, mas integrou um
processo de mobilizações sociais que foi se fortalecendo ao longo dos anos 70 e 80 e que consolidou as bases
para o projeto participativo, por meio de um processo de construção democrática e de ampliação da cidadania
no Brasil (ROCHA, 2008).
Inúmeras organizações, formais e informais – militantes, religiosos e movimentos sociais – mobilizaram
debates na base da sociedade brasileira, inspirados, principalmente, pelos referenciais da Teologia da
Libertação e o movimento pedagógico criado por Paulo Freire, a Educação Popular (CICONELLO, 2008).
Esse movimento atuava junto a grupos populares com a finalidade de gerar emancipação e consciência
cidadã. Segundo Ciconello (2008, p. 02):

Educar a população para a transformação social era o objetivo. Essa estratégia estava em
sintonia com outro referencial, a perspectiva do pensador marxista Antônio Gramsci, para quem a
mudança só́ poderia ocorrer a partir de uma maior consciência de classe e das estruturas de
desigualdade e de opressão a que estava submetida a maior parte da população brasileira”.

Nesse período, outros fatores também contribuíram para a ampliação da cidadania no Brasil, como o
crescimento das associações civis, a reavaliação da ideia de direitos, a prática de apresentação pública de
reivindicações, a tentativa de diálogo com o Estado e a demanda por espaços participativos com o objetivo de
enfrentar problemas nas áreas de saneamento, urbanização, saúde e habitação (AVRITZER, 2002).
Todo esse anseio da população, manifestado em inúmeras formas de mobilização e organização social,
alcançou o processo de elaboração da Constituição Federal promulgada em 1988. Foi apresentado e aceito
pela Assembleia Constituinte um manifesto com mais de quatro mil assinaturas, com proposta de garantia de
iniciativa popular no Regimento Interno Constituinte (CICONELLO, 2008).
O texto constitucional promulgado integrou 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de
assinaturas. Mas, como relatou Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, no
discurso da promulgação: “A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de 10 mil
postulantes franquearam livremente as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento à procura
dos gabinetes, comissões, galeria e salões”.

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Leia e/ou ouça na íntegra o discurso de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia
Nacional Constituinte, na promulgação da Constituição Federal de 1988 disponível em:
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/CAMARA-E-
HISTORIA/339277--INTEGRA-DO-DISCURSO-PRESIDENTE-DA-ASSEMBLEIA-NACIONAL-
CONSTITUINTE,--DR.-ULISSES-GUIMARAES-(10-23).html.

Perpassando a construção histórica do projeto democrático, é possível perceber que a cidadania está em
permanente construção e se trata de um referencial de conquista, apropriação e exercícios de direitos.
Democracia e cidadania são conquistas históricas, frutos de disputas de interesses antagônicos e sujeitas às
marchas e contramarchas da história.
Vivemos agora um novo momento da participação social no Brasil. Há uma herança histórica de
conquistas e aprendizados. Há diversos grupos e instâncias participativas organizados, por exemplo, conselhos
e comitês, e outros tantos meios e caminhos para a participação da sociedade em espaços públicos de
interlocução com o Estado.
Nesse contexto, uma questão é ressaltada:

Como fortalecer e aproveitar bem esses espaços, tanto da perspectiva do gestor


quanto da perspectiva do cidadão, para criar e implementar políticas públicas efetivas?

Diante de tal questão, a apropriação das heranças no campo da participação social, bem como a reflexão
e o aprendizado acerca desse tema, tornam-se fundamentais para continuarmos avançando no exercício da
democracia, seja no papel de servidor/gestor público, seja no papel de cidadão.
Neste tópico, abordou-se a participação social na história do Brasil, construindo uma noção sobre como
se deu e se dá atualmente, e de como contribuiu para a conquista de direitos e para o exercício da democracia.
Nos próximos tópicos, entenderemos um pouco mais sobre democracia participativa e cidadania e seus reflexos
no campo ambiental.

Cidadania e democracia participativa

Afinal, do que estamos falando quando usamos o termo cidadania? Conceitualmente, o termo cidadania
expressa: “[...] um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do
governo de seu povo” (DALLARI, 1998, p.14).
No entanto, a noção e a forma de exercício da cidadania estão diretamente relacionadas à qualidade da
democracia na qual que vivemos. Se interpretarmos participação ativa como votar, pagar impostos e cumprir
outras obrigações impostas, a cidadania é exercida sob os limites da democracia representativa.

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Mas há uma outra visão de democracia, a democracia participativa, que se propõe à intervenção direta
dos cidadãos nos processos de decisão de governo e no controle do exercício do poder pelos governantes.
Como revela a história, essa qualidade de democracia promoveu significativas conquistas sociais e
transformações em prol do interesse coletivo.

Entenda sobre a história da consolidação da democracia participativa no Brasil, lendo o


artigo A Participação Social como processo de consolidação da democracia no Brasil, escrito
por Alexandre Ciconello como contribuição ao livro “From Poverty to Power: How Active
Citizens and Effective States Can Change the World”, Oxfam International 2008. Está
disponível no curso digital (dentro da Plataforma de Ensino).

Na década de 1980, os movimentos da sociedade que se mobilizaram pela abertura política no Brasil,
cientes das limitações do regime democrático representativo, buscavam referenciais para o exercício da
democracia participativa que pudessem contribuir para a construção de novas institucionalidades no Estado
brasileiro (CICONELLO, 2008).
A questão em pauta era: quais seriam os aspectos de uma democracia participativa e quais mecanismos
institucionais a viabilizariam? Em resposta a essa questão, predominava o entendimento de que a participação
deveria possuir as seguintes características (CICONELLO, 2008):
Ser um processo educativo voltado para o exercício da cidadania, levando ao estabelecimento de
conexões e influências mútuas entre as esferas pública e privada;
Permitir que as decisões coletivas sejam aceitas mais facilmente pelos indivíduos, uma vez que esses
tomam parte do processo de decisão;
Produzir maior integração social, na medida em que cria um sentimento de pertencimento de cada
cidadão isolado à sua comunidade ou grupo organizado (associação, sindicato e movimento social).

As experiências participativas baseadas nessa proposta de intervenção direta dos cidadãos vêm
estimulando o desenvolvimento e a incorporação de novos modelos teóricos de democracia que ampliam os
atores e os espaços da política (LÜCHMANN, 2007 apud SANTIN; MATOS, 2013).
A sociedade civil passou a reivindicar maior presença em instituições responsáveis por deliberações
sobre políticas públicas, especialmente nas áreas de saúde, assistência social e políticas urbanas (AVRITZER,
2007 apud SANTIN; MATOS, 2013).
Assim, o Brasil, ao longo das últimas décadas, constituiu-se em um dos principais “laboratórios” de
experiências e de análise de participação social na gestão pública (CORTES, SILVA, 2012 apud SANTIN; MATOS,
2013). Ocorreu algo como uma incorporação de “[...] pressupostos da democracia direta no interior da
democracia representativa, dando ênfase à inclusão dos setores excluídos do debate político e à dimensão
pedagógica da política” (LÜCHMANN, 2007 apud SANTIN; MATOS, 2013).
Em 2008, o Brasil foi considerado um dos países com o maior número de instituições participativas
(AVRITZER, 2008). Está permeado de iniciativas que envolvem cidadãos e cidadãs nas decisões políticas, havendo
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inúmeros mecanismos, como consultas e audiências públicas, e espaços formais de participação social, como os
Conselhos Municipais de Saúde e de Meio Ambiente.
Ao longo dos últimos 20 anos, foram construídos diferentes espaços formais de participação social nos
âmbitos federal, estadual e municipal. Em 2008, a estimativa era de que existiam: “[...] mais de 40 mil Conselhos
de Políticas Públicas, ligados a diversas estruturas governamentais e que contam com a participação de milhares
de organizações da sociedade civil em todo o país” (CICONELLO, 2008, p. 01).
O número indicado por essa estimativa é surpreendente, não é mesmo? Também consideradas
instrumentos importantes de ampliação da participação social e das possibilidades de interação entre Estado e
sociedade, as conferências nacionais tornaram-se uma prática nos últimos anos. Entre 2003 e 2013, foram
realizadas 97 conferências nacionais. Essas conferências envolveram milhões de pessoas no debate e construção
de propostas de políticas públicas, da escala local a nacional (IPEA, 2013).
As conferências nacionais foram reconhecidas, pelo Decreto nº 8.243, que instituiu a Política Nacional de
Participação Social (PNPS) em 2014, como instâncias periódicas de debate, de formulação e de avaliação sobre
temas específicos e de interesse público, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil,
podendo contemplar etapas estaduais, distrital, municipais ou regionais, para propor diretrizes e ações acerca
do tema tratado.
O Decreto nº 8.243/14 (disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2014/Decreto/D8243.htm) estabelece que a PNPS tem como objetivo fortalecer e articular os mecanismos
e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade
civil, mas sofreu críticas de partes que consideram que o instituto invade prerrogativas do Congresso Nacional
e pode significar uma tentativa de aparelhamento do Estado. Com base nessa crítica, foi proposto um projeto
de decreto legislativo PDL nº 1.491/14 (disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=617737) para anular o decreto
presidencial que instituiu essa política.

No link disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=abCDuIueIkY tem um


vídeo que apresenta a visão de alguns ativistas, profissionais e estudiosos do campo da
participação social, a respeito dos impasses em torno do decreto nº 8.243, que instituiu a
Política Nacional de Participação Social (PNPS).

Um passo relevante do decreto que instituiu a PNPS foi reconhecer e apresentar a definição de outros
mecanismos e instâncias de participação social, além das conferências nacionais. São eles:
Conselho de Políticas Públicas: Instância colegiada temática permanente, instituída por ato normativo,
de diálogo entre a sociedade civil e o governo para promover a participação no processo decisório e na
gestão de políticas públicas;

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Fórum Interconselhos: Mecanismo para o diálogo entre representantes dos conselhos e comissões de
políticas públicas, no intuito de acompanhar as políticas públicas e os programas governamentais,
formulando recomendações para aprimorar sua intersetorialidade e transversalidade;
Ouvidoria Pública Federal: Instância de controle e participação social responsável pelo tratamento das
reclamações, solicitações, denúncias, sugestões e elogios relativos às políticas e aos serviços públicos,
prestados sob qualquer forma ou regime, com vistas ao aprimoramento da gestão pública;
Consulta Pública: Mecanismo participativo, a se realizar em prazo definido, de caráter consultivo, aberto
a qualquer interessado, que visa a receber contribuições por escrito da sociedade civil sobre determinado
assunto, na forma definida no seu ato de convocação;
Comissão de Políticas Públicas: Instância colegiada temática, instituída por ato normativo, criada para
o diálogo entre a sociedade civil e o governo em torno de objetivo específico, com prazo de
funcionamento vinculado ao cumprimento de suas finalidades;
Audiência Pública: Mecanismo participativo de caráter presencial, consultivo, aberto a qualquer
interessado, com a possibilidade de manifestação oral dos participantes, cujo objetivo é subsidiar
decisões governamentais;
Mesa de Diálogo: Mecanismo de debate e de negociação com a participação dos setores da sociedade
civil e do governo diretamente envolvidos no intuito de prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais;
Ambiente Virtual de Participação Social: Mecanismo de interação social que utiliza tecnologias de
informação e de comunicação, em especial a internet, para promover o diálogo entre administração
pública federal e sociedade civil.
E então? Essas definições contribuem bastante para a compreensão dos mecanismos e instâncias
participativos, não é mesmo? Mas isso não quer dizer que esgotam as possibilidades de processos participativos.
De acordo com o artigo 6º do referido decreto, além das instâncias e mecanismos de participação social
apontados, podem ser criadas e reconhecidas outras formas de diálogo entre administração pública federal e
sociedade civil.

Decreto nº 8.243/14 - VI - mesa de diálogo - mecanismo de debate e de negociação


com a participação dos setores da sociedade civil e do governo diretamente envolvidos
no intuito de prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais”

Neste tópico, tivemos a oportunidade de compreender a visão de cidadania na perspectiva da


democracia participativa, suas características e os avanços na institucionalização da participação no Brasil. Nos
dois próximos tópicos, vamos explorar um pouco mais o histórico da participação social com foco na área de
meio ambiente, inicialmente em uma perspectiva mundial e, posteriormente, concentrando-nos no Brasil.
Serão abordadas as relações entre participação e gestão ambiental, em uma perspectiva mundial, e a
contribuição de amplos processos internacionais de diálogo para o movimento ambiental.

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As origens da cidadania ambiental

A importância da gestão ambiental e sua relação com a participação social tem recebido cada vez mais
reconhecimento. Grande parte dos gestores e educadores ambientais convenceu-se de que não é possível
separá-las no processo de construção do desenvolvimento sustentável.
Consolida-se a visão de que o: “[...] binômio participação e ambientalismo, inicialmente colocado como
se fosse uma alternativa arbitrária, foi se mostrando como um binômio indissociável – duas faces de uma mesma
moeda” (TASSARA, 2001, p. 211).
Observa-se que tanto uma questão quanto a outra começaram a tornar-se mais presentes nas reflexões
e iniciativas no início do século XX e evoluíram na segunda metade desse mesmo século, quando ganharam
força e se uniram a partir de movimentos socioambientais.
Por volta da metade do século XX, alguns eventos de impacto negativo sobre o meio ambiente
ganharam destaque e a problemática ambiental começou a tornar-se visível. Episódios de poluição e
degradação ambiental* de grandes proporções começaram a gerar a percepção da sociedade quanto à
importância do meio ambiente para sua qualidade de vida.
*Poluição atmosférica causada pelas indústrias siderúrgicas em Donora (Pennsylvania) em 1948, que levou 20 pessoas a óbito e
centenas acamadas e a contaminação da Baía de Minamata (Japão) em 1956 por metais pesados advindos de um fábrica de fertilizantes,
culminando em um processo cumulativo desses componentes tóxicos nos seres humanos. Anos mais tarde, ainda haviam relatos de
mortes por doenças congênitas e crianças nascendo com deficiência mental (HOGAN et al., 2010, apud GIARETTA, 2011).

Por exemplo: Poluição atmosférica causada pelas indústrias siderúrgicas em Donora (Pennsylvania)
em 1948, que levou 20 pessoas a óbito e centenas acamadas e a contaminação da Baía de Minamata (Japão)
em 1956 por metais pesados advindos de um fábrica de fertilizantes, culminando em um processo cumulativo
desses componentes tóxicos nos seres humanos. Anos mais tarde, ainda haviam relatos de mortes por doenças
congênitas e crianças nascendo com deficiência mental (HOGAN et al., 2010, apud GIARETTA, 2011).
A crescente preocupação com os problemas ambientais levou um grupo de cientistas a se reunir, em
1968, a fim de tratarem dessa problemática, a partir de foros de discussões. Esse grupo ficou conhecido como
Clube de Roma e seu trabalho resultou na publicação do relatório “Os limites do crescimento”.
O relatório apresentou os efeitos do crescimento populacional em relação a poluição e ao esgotamento
dos recursos naturais. As projeções apresentadas mostraram-se incorretas e alarmistas, no entanto, contribuíram
para mudanças de comportamento e como alerta a população (LAGO, 2007).
Nas décadas seguintes, foram realizados eventos que marcaram a ecopolítica internacional como:
CNUMAH (Estocolmo/1972);
CNUMAD (Rio de Janeiro/1992);
CMDS (Johanesburgo/2002).

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (CNUMAH), realizada em Estocolmo em
1972
Foi o primeiro evento de grande amplitude do movimento de conscientização da sociedade em relação
à questão ambiental. Representou um marco no processo de mudança de visão sobre a relação entre homem e

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meio ambiente e desempenhou um papel decisivo na sensibilização das nações quanto a suas responsabilidades
diante dos problemas ambientais crescentes.

Conheça na íntegra a Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, publicada


pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente humano, em Junho de 1972.
Está disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-
Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html

Conferência das Nações unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio
de Janeiro, em 1992, e conhecida como Rio-92
A Rio-92 manteve a discussão central da Conferência de Estocolmo sobre a necessidade de mudança
de paradigma na relação entre sociedade e meio ambiente. A Agenda 21 foi um dos seus principais resultados
e se trata de um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes
bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.

Conheça a Agenda 21 Global. Seu programa está “[...] voltado para os problemas
prementes de hoje e tem o objetivo, ainda, de preparar o mundo para os desafios do
próximo século. Reflete um consenso mundial e um compromisso político no nível mais
alto no que diz respeito a desenvolvimento e cooperação ambiental” (Preâmbulo da
Agenda 21). Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-
socioambiental/agenda-21/agenda-21-global.

Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (CMDS), em Johanesburgo, em 2002, conhecida


também como Rio+10
Essa cúpula tratou principalmente dos avanços alcançados pela Agenda 21 e outros acordos da Cúpula
de 1992, bem como da identificação de novas prioridades. Dois documentos resultaram do encontro: a
Declaração de Joanesburgo e o Plano de Implementação.

Leia, na íntegra, o Plano de Implementação de Johanesburgo, que estabelece metas e


ações de forma a guiar a implementação dos compromissos assumidos pelos países
participantes. Está disponível no curso digital (dentro da Plataforma de Ensino).

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Os eventos e reuniões de cúpulas de caráter internacional tornaram-se uma prática regular. Foram
realizadas conferências mundiais com temas específicos, por exemplo, a Conferência das Nações Unidas para a
Água e a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática.
Em 2012, o Brasil sediou a Rio+20, Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada
mais uma vez na cidade do Rio de Janeiro, reunindo um total de 193 países representados. O encontro produziu
o documento: O futuro que queremos, reafirmando compromissos anteriores importantes, mas sofreu críticas
sobre a falta de metas concretas para que os países reduzam a emissão de poluentes e avancem nas ações em
prol do equilíbrio ambiental.
A Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática teve sua vigésima primeira edição em 2015,
em Paris. O encontro resultou no chamado Acordo de Paris, que valerá a partir de 2020, e pactua a obrigação
de participação de todas as nações no combate às mudanças climáticas. Ao todo, 195 países membros da
Convenção do Clima da ONU e a União Europeia ratificaram o documento.
A Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática teve sua vigésima primeira edição em 2015,
em Paris. O encontro resultou no chamado Acordo de Paris, que valerá a partir de 2020, e pactua a obrigação
de participação de todas as nações no combate às mudanças climáticas. Ao todo, 195 países membros da
Convenção do Clima da ONU e a União Europeia ratificaram o documento.
Acompanhando o movimento mundial, o qual tivemos a oportunidade de visualizar neste tópico,
emergiram no Brasil muitos encontros, propostas e ações. Em nosso país, o processo de evolução e união da
gestão ambiental e da participação tem se refletido em iniciativas da sociedade – que passou a se organizar
para o desenvolvimento de projetos em prol da preservação ambiental – e do Estado – por meio da estruturação
do aparato legal e institucional para a participação social e a gestão ambiental.
Na próxima aula, teremos a oportunidade de conhecer o histórico e os avanços desse processo até os
dias de hoje. Agora, no quarto tópico, exploraremos o processo histórico de consolidação do aparato legal na
área de meio ambiente, integrado aos movimentos e processo participativos ambientalistas no Brasil.

Participação social e gestão ambiental no Brasil

Em termos de aparato legal, na primeira década do século XX, o Código Civil Brasileiro estabeleceu
regras pontuais que indicavam preocupações com a contaminação do meio ambiente. Na década seguinte, o
Regimento de Saúde Pública tratava do afastamento das indústrias com atividades nocivas ou incômodas.
Na década de 1930, foram promulgadas as primeiras leis efetivamente focadas na proteção ambiental:
Código Florestal (disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d23793.htm).
Código das Águas (disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d24643.htm).
Código de Caça (disponível em:
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=23672&tipo_norma=DEC&data=193
40102&link=s).
Mineração (disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D24642.htm).
Decreto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0025.htm).

15
Trinta anos depois, passamos a contar com um importante conjunto legislativo sobre temas ambientais:
Estatuto da Terra - Lei nº 4.504/64 - (disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm).
Código Florestal - Lei nº 4.771/65 - (disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4771.htm).
Lei de Proteção da Fauna - Lei nº 5.197/67 - (disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5197.htm).
Política Nacional do Saneamento Básico - Decreto nº 248/67 - (disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0248.htm).

Nessa mesma época, foi criado o Conselho Nacional de Controle da Poluição Ambiental (disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0303.htm) - Decreto nº 303/67. Mas foi após
a década de 1970 que o Brasil começou a tratar a questão ambiental de forma integrada. A Conferência de
Estocolmo, em 1972, contribuiu para um novo entendimento acerca da gestão na área ambiental. No ano
seguinte, foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), por meio do Decreto nº 73.030/73
(disponível em: http://www.meioambiente.am.gov.br/wp-content/uploads/2015/06/compensacao-ambiental-
peq.jpg), com atribuições de atuar para a conservação do meio ambiente e para o uso racional dos recursos
naturais.
Essa mudança de olhar sobre uma temática tão estratégica teve avanços conceituais e institucionais
relevantes nos anos seguintes. Em 1981, foi aprovado o mais importante diploma legal na área: a Lei nº 6.938/81
(disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm) que dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente (PNMA), seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, além de instituir o Sistema
Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA).
O SISNAMA é constituído pelos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios e pelas Fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da
qualidade ambiental. Em sua estrutura, foi previsto um órgão consultivo e deliberativo, o Conselho Nacional
do Meio Ambiente (CONAMA), colegiado representativo de órgãos federais, estaduais e municipais, setor
empresarial e sociedade civil.

Conheça a forma de funcionamento e composição do CONAMA, o órgão consultivo e


deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Disponível em:
http://www.mma.gov.br/port/conama/.

Dedicaremos mais tempo para estudá-lo no Módulo 02 deste curso.

16
Em seguida, estabeleceu-se a Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade
por danos causados ao meio ambiente. A legislação refletia uma mudança de perspectiva, saindo do foco de
proteção econômica e ampliando o foco ambiental para uma questão ecológica e, mais para frente, também
social.

Conforme a Lei nº 7.347/85, você, cidadão, pode provocar a iniciativa do Ministério


Público para a instauração de ação civil ou cautelar em face de danos ao meio ambiente.
Para tanto, deverá informar sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicar os
elementos de convicção. A ação civil pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

E também tem legitimidade para propor essa ação civil a associação que,
concomitantemente: (a) esteja constituída há pelo menos 1 ano nos termos da lei civil e
que (b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e
social, ao meio ambiente ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347orig.htm.

Em 1988, a nova Constituição Federal, conhecida como Constituição Cidadã, instituiu a atual
configuração de gestão das políticas públicas. Os mecanismos de tomada de decisões passaram a ser guiados
pelos princípios da descentralização e da gestão democrática e a área ambiental os incorporou, já na década de
1980.
Foi instituída também, no artigo 23 (disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm) da nova Constituição, a
competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para proteger o meio ambiente
e combater a poluição em qualquer de suas formas; preservar as florestas, a fauna e a flora; a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico; registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de
pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; entre outros.
A Constituição Cidadã é, portanto, resultado e também o marco formal do processo de alargamento
da democracia, expressa na criação de espaços públicos e na crescente participação da sociedade civil nos
debates e decisões acerca da formulação de políticas públicas. Foi institucionalizada a participação social, como
norma constitucional — com representação paritária de representantes governamentais e da sociedade civil —
nos Conselhos Gestores de Políticas Públicas, nos diferentes níveis de governo. A partir daí, ocorre no Brasil a
proliferação de arranjos institucionais destinados a fomentar a participação da sociedade, sob formatos e
características diversas, tanto no âmbito dos governos locais quanto na esfera nacional (CASTRO, 2010).
Por consequência, e em especial no que se refere ao conjunto de iniciativas e ações empreendidas na
primeira década do século XXI, importantes laços de cooperação foram experimentados nas: Relações
Federativas e Relações do Estado. Com a sociedade para a formulação e gestão das políticas públicas de meio
ambiente.

17
Foram criados inúmeros conselhos de meio ambiente, comitês de bacia e outras instâncias formalmente
previstas na legislação brasileira. Os fóruns e redes de organizações da sociedade civil também se tornaram
comuns no Brasil. Essas instâncias podem ou não ter uma interlocução instituída com o Estado, mas quase
sempre estão conectadas a lutas por mudanças na agenda pública (IEB, 2005).
Nesse contexto, as edições da Conferência Nacional do Meio Ambiente (CNMA) constituíram-se
espaços importantes de interlocução entre Estado e sociedade para a formulação de políticas públicas de meio
ambiente. De 2003 a 2013, foram realizadas quatro edições.
2003 – I CNMA: Fortalecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente (disponível em:
http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/conferencia-nacional-do-meio-ambiente/i-
conferencia);
2005 – II CNMA: Gestão Integrada das Políticas Ambientais e Uso dos Recursos Naturais (disponível em:
http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/conferencia-nacional-do-meio-ambiente/ii-
conferencia);
2008 – III CNMA: Mudanças Climáticas (disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-
socioambiental/conferencia-nacional-do-meio-ambiente/iii-conferencia);
2013 – IV CNMA: Resíduos Sólidos (disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-
socioambiental/conferencia-nacional-do-meio-ambiente/iv-conferencia).

Participam das CNMA representantes de toda a sociedade brasileira – setor público, sociedade civil
organizada e setor empresarial. O processo se inicia nas etapas municipais e regionais, que avançam para as
conferências estaduais e culminam na etapa nacional. Iremos aprofundar os estudos sobre a CNMA no Módulo
02.
Somada aos processos participativos, a gestão ambiental compartilhada também ganhou força e base
legal. Em 2011, foi promulgada a Lei Complementar nº 140, regulamentando o artigo 23 da Constituição Federal.
Esse marco na legislação ambiental versa sobre a competência administrativa comum entre os entes federados,
ressaltando a necessidade de ação cooperada e articulada entre eles para a efetivação das políticas ambientais.
A referida Lei alterou o art. 10 da Lei nº 6.938/1981, definindo no seu art. 3º os objetivos fundamentais
da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, sendo um deles “proteger, defender e conservar
o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e
eficiente”.
Alcançamos, portanto, não apenas patamares de maior participação, mas também mais integração na
gestão ambiental. Com um aparato legal amadurecido, espaços de interlocução entre Estado e sociedade
institucionalizados, novos desafios se colocam nos processos participativos de elaboração e gestão de políticas
públicas.

18
Deparamo-nos, então, com outra questão de peso:

Como superar os desafios que se apresentam e potencializar os organismos e


instâncias participativos em prol da efetividade das políticas públicas de meio ambiente?

Refletir sobre essa questão nos leva a perceber que, assim como a cidadania, a cidadania ambiental
também está em constante construção. Nesse processo, a educação ambiental cumpre papel fundamental para
a construção de um contexto de participação permanente dos cidadãos no controle social da elaboração e
execução de políticas públicas, na gestão do uso dos recursos ambientais e nas decisões que afetam a qualidade
do meio ambiente (IBAMA, 2002).
No Módulo 02, aprofundaremos as reflexões sobre esse tema, ao estudar o terceiro tópico, da Aula
01, sobre Políticas Públicas de Meio Ambiente. Neste tópico, dedicamo-nos a conhecer um pouco sobre o
processo histórico de consolidação do aparato legal na área de meio ambiente. No próximo tópico,
abordaremos um pouco mais a fundo na reflexão acerca dos desafios para a participação ativa dos cidadãos,
em especial nos espaços de participação institucionalizados. Que tal, antes de seguir para o próximo tópico, ir
um pouco mais longe na compreensão da história e do marco legal ambiental no Brasil?

Legislação Sobre Meio Ambiente - Parte 1 (disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=AbJMsbCbNQs) e para Legislação Sobre Meio Ambiente -
Parte 2 (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=S5n2HzDEL9I).

A indicação desses vídeos tem como objetivo oferecer uma visão geral sobre o histórico do
marco legal ambiental brasileiro, mas é importante destacar que eles não incluem alterações
mais recentes. Por exemplo, não aborda o novo Código Florestal, sancionado em 2012.

No tópico anterior, conhecemos os marcos históricos e legais no campo de participação social, em


especial, relacionados ao tema ambiental no Brasil. Neste tópico, iremos conhecer o outro lado da moeda,
perpassando alguns dos desafios e obstáculos que se colocam no exercício da cidadania, na perspectiva da
democracia participativa.

Desafios que se apresentam

Em meio a profusão de espaços públicos de participação social, é preciso reconhecer que a participação
ativa dos cidadãos e cidadãs ainda representa um desafio significativo. “No caso específico dos conselhos
gestores, muitas vezes, a conjuntura torna o conselheiro mais um representante distante da sociedade do que
um canal de expressão dela” (IEB, 2005, p. 42).

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Por outro lado, podem ocorrer situações em que o Estado, embora com roupagens diferentes, mantém
uma característica autoritária, sem interlocução efetiva com a sociedade civil. Muitas vezes, representantes do
governo e agentes privados se apresentam, no espaço público, com mais poder político e de persuasão do que
os movimentos sociais e grupos marginalizados. Portanto, para que o espaço público cumpra seu papel de
forma efetiva, é necessária uma constante busca de equidade nas relações de poder (IEB, 2005).
Outra questão que merece atenção é o fato de que é muito comum que espaços públicos de
participação sejam criados como meras formalidades e como pré-requisitos para a obtenção de recursos
federais. Somado a isso, há pessoas que se envolvem como representantes em espaços públicos de temáticas
diversificadas, seja por falta de envolvimento de outras pessoas, seja por motivações que não representam o
interesse da coletividade. De um modo ou de outro, ocorre certa dificuldade de conhecimento de temas variados
e deficiência na representação.
Observa-se, portanto, que são diversos os fatores que concorrem para a dificuldade de tornar a gestão
ambiental efetivamente descentralizada e participativa, desde posturas centralizadoras do Estado até a herança
cultural da própria sociedade. Assim, a descentralização e a participação, mesmo compondo a pauta de tantos
discursos, têm encontrado diversos entraves para se efetivarem de fato e não apenas de direito.
Um dos entraves, sem dúvida, é a dificuldade de se construir estratégias conjuntas que abarquem a
diversidade de interesses. Afinal: “A promoção do fortalecimento do espaço público implica trazer ao
conhecimento do público os temas ou problemas vivenciados por grupos ou atores específicos, permitindo que
um leque mais amplo de agentes possa analisar e debater livremente as várias nuances do problema em
questão” (IEB, 2005, p. 64).
Outro aspecto problemático diz respeito à relação entre espaço público e as estruturas formais de
representação política, como as câmaras de vereadores, assembleias legislativas e Congresso Nacional” (IEB,
2005, p. 67). Ainda segundo IEB (2005), a influência dos processos participativos no tratamento de determinados
temas pelo Estado aponta a necessidade de internalização desses mesmos temas e seu tratamento pelas
instâncias legislativas.
“Também devemos considerar, entre os desafios para a participação ativa, o processo de formação da
opinião pública no contexto da modernidade e dos meios de comunicação de massa” (IEB, 2005, p. 68). Em
consequência da sobreposição de mídias e da sobrecarga de informações, a opinião pública torna-se uma noção
difusa e sem condições propícias ao debate (IEB, 2005).
Por fim, há que se considerar também um outro aspecto crítico: a tensão entre a autonomia da instância
de participação social e a possibilidade de manipulação política por agentes mais fortalecidos do ponto de vista
político ou econômico (IEB, 2005).
Em relação às conferências, um dos desafios que se coloca é a compreensão desses espaços públicos
não apenas como eventos, mas como processos de diálogo e interação entre governo e sociedade, marcados
por diferentes etapas (RIBEIRO et al., 2015).
Nesses processos, há ainda muito o que se aprimorar, em especial no que diz respeito ao
monitoramento, etapa fundamental para a efetividade das conferências. O monitoramento de resultados de
conferências dá-se com a observação sistemática do encaminhamento das propostas, de modo a criar condições

20
para a prestação de contas por parte do governo e tornar possível o diálogo e controle social pela sociedade
(RIBEIRO et al., 2015).
“As atividades de monitoramento e avaliação de políticas têm por objetivo estreitar a relação entre o
que é planejado para a política pública e o que de fato acontece na realidade” (RIBEIRO et al., 2015, p. 72). O
monitoramento e avaliação consistem em procedimentos diferentes, mas estreitamente relacionados,
constituindo procedimentos complementares. No Módulo 04, teremos a oportunidade de compreender melhor
essas diferenças e conhecer experiências e metodologias sobre o assunto.
Neste momento, importa compreender que são encontradas muitas dificuldades para garantir a
implementação das deliberações, por exemplo, dificuldades para sensibilizar os órgãos executores,
descontinuidades entre as edições das conferências e das práticas de monitoramento, bem como a imaturidade
do fenômeno, que é ainda recente (RIBEIRO et al., 2015).
Como podemos notar, são muitos os desafios à consecução plena de espaços democráticos de diálogo
e decisão política, não é mesmo? Ainda assim: “[...] o fortalecimento dos espaços públicos de participação social
dedicados às questões socioambientais assume importância estratégica na construção do desenvolvimento
sustentável” (IEB, 2005, p.73). O lado positivo é que contamos com aprendizados, métodos, reflexões e
contribuições significativos para enfrentar esses desafios.

E você identifica algum desafio ou obstáculo a ser superado nos processos ou


instâncias participativos de que participa, participou ou gostaria de participar? E quanto
aos avanços? O que esse espaço ou instância já conquistou? E, por fim, quais são os
possíveis caminhos para superar os desafios e obstáculos identificados?

Pense sobre essas questões e verifique opiniões que convergem ou divergem. A partir
disso, você poderá traçar um plano inicial de ação para superar as fragilidades
identificadas. As aulas seguintes apresentam algumas ferramentas que podem auxiliar
nesse processo.

Assim, tendo em conta todos os avanços que tivemos e considerando as dificuldades a serem superadas
em direção à democracia participativa, abordaremos o estudo das próximas lições com mais clareza de nosso
papel nesse processo. Neste tópico, dedicamo-nos a refletir sobre alguns desafios e obstáculos para o exercício
da cidadania, na perspectiva da democracia participativa. Antes de finalizarmos a Aula 01, vamos explorar um
pouco mais os assuntos tratados aqui? Clique no recurso abaixo.

Acesse o link https://www.youtube.com/watch?v=ewoBh_MSjcY e assista neste vídeo, produzido pela


TV Justiça sobre o tema Participação Social, assuntos que estudamos até aqui e ainda mais. Trata-se de
um bate-papo com Fábio Sá e Silva, doutor em Teoria Geral do Direito, e o historiador Fernando Horta.
Aproveite! Faça uma revisão assistindo ao vídeo e entenda um pouco mais sobre o assunto.

21
Chegamos ao final da Aula 01 e aqui aprendemos um pouco mais da história, das evoluções e os
desafios da participação social no nosso país. Na Aula 02, que tem como título Participação social de perto,
será dedicada a estudar os conceitos da participação social e saber muitas visões sobre seus potenciais
benefícios. Aprenderemos, ainda, as particularidades de uma cultura política emancipatória e muitas
capacidades essenciais à democracia. E por último, será introduzido a temática da linguagem e sua ligação com
a participação.

Elabore uma linha do tempo de sua trajetória pessoal de formação como sujeito participativo e com
os marcos históricos da participação social no seu campo de atuação. Para isso, desenhe uma linha
horizontal e, nela, demarque uma data e acontecimento de referência. Com base nessa referência, vá
localizando outras datas e acontecimentos. Seguem algumas questões que podem auxiliá-lo nesse
processo:

Você já atuou em atividades ou grupos comunitários?


Qual o tema social que mais te gerou interesse?
Você identifica momentos significativos em sua experiência como agente participativo?
Você já estudou o tema da participação social?
Em que momento você se sentiu interessado por esse tema?
O que gerou seu interesse nesse curso?

PROPOSTA 1: Reflita sobre as seguintes questões:

Quais os principais desafios que você observa ou vivencia na prática em processo(s)


participativo(s) que você conhece ou dos quais participa?

O que você acredita que pode ser feito para superar esses desafios?

Compartilhe sua experiência e troque ideias no fórum com seus colegas de curso. Observe se algum
colega compartilha desafios que já foram superados nos processo(s) participativo(s) que você
conhece ou dos quais participa e compartilhe com ele a experiência de superação.

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Aula 02 - PARTICIPAÇÃO SOCIAL DE PERTO

Artigo I. 
Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida e, de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira”.

(Thiago de Mello)

Olá, seja bem-vindo(a) à Aula 02, do Módulo 01. Na aula anterior nos debruçamos sobre aspectos da
construção histórica da participação social e da relação entre o binômio participação e ambientalismo.
Perpassamos, também, a construção do marco legal nesses dois campos.
Agora, neste primeiro momento, dialogaremos mais sobre participação social e suas possibilidades. A
ideia é refletirmos sobre a seguinte questão: participar para quê? De início, abordaremos alguns conceitos sobre
o tema. Ótima aula!

Participação: conceitos e potenciais benefícios

A participação social diz respeito à atuação organizada e responsável da sociedade com o objetivo de
solucionar problemas coletivos e promover o bem comum (MONTORO, 1992). Na sociologia, o conceito de
participação social está relacionado a um princípio de integração dos indivíduos nos diversos núcleos
organizacionais da sociedade para tratar de assuntos e interesses comuns.
O envolvimento de um indivíduo em ações da vida sociocomunitária, como se fazer presente em
eventos e reuniões escolares, clubes esportivos e associações de moradores também pode ser compreendido
como participação social, assim como prestar serviços voluntários a causas sociais ou movimentos comunitários.
Muitas vezes é participando nesses espaços que as pessoas percebem melhor as necessidades sociais,
envolvem-se com grupos e movimentos sociais e passam a atuar politicamente, não é mesmo? Assim, podemos
considerar que todas essas formas de participação são importantes. Mas, neste curso, direcionaremos nossa
atenção para um tipo específico de participação.
Nosso foco aqui é na Participação Social entendida como participação da sociedade em espaços
públicos de interlocução com o Estado. Esse tipo de atuação possibilita influenciar de forma efetiva as políticas
públicas locais, regionais, nacionais e internacionais e impactar a agenda pública. É por meio da participação
que os sujeitos poderão fazer parte das decisões que lhe dizem respeito nos aspectos políticos, sociais, culturais
ou econômicos (ALVES, 2013).
E quais os resultados podemos esperar disso?

Identificam-se inúmeros benefícios ao se agregar mecanismos participativos na elaboração e execução


de políticas públicas, conforme apresentado a seguir (MARQUES, 2010):

23
Obtenção de informações importantes para o aperfeiçoamento de planejamentos e de políticas
governamentais. Ao considerar criticamente as demandas encaminhadas pelos cidadãos e suas
fundamentações, os agentes públicos têm a possibilidade de obter contribuições substantivas,
conhecendo suas reais necessidades e vislumbrando possíveis dificuldades na implementação de
programas ou políticas. Esses fatores acabam por colaborar no sucesso final dessas iniciativas.
Otimização dos prazos e custos quanto à implementação de políticas. Mesmo que se possa dizer
que a previsão de mecanismos de participação torna o processo decisivo mais lento, uma vez que
diversos agentes terão de ser ouvidos e reivindicações cautelosamente avaliadas, argumenta-se que esse
tempo pode ser compensado de duas formas: uma vez concluído o processo de elaboração de uma
iniciativa específica, sua implementação será, possivelmente, mais rápida, visto que não enfrentará
dificuldades, como ações judiciais. Ou seja, reconhecendo que suas demandas foram efetivamente
debatidas, aumenta-se a possibilidade de os cidadãos se portarem de maneira favorável ou menos
opositora a determinado programa. Além disso, uma vez que os cidadãos forneçam informações e
opinem sobre quais políticas seriam as melhores ou como elas deveriam ser operacionalizadas, os custos
de tal implementação podem ser diminuídos.
Imposição de dificuldades à prática do clientelismo e do patrimonialismo. Uma vez que
mecanismos institucionais de participação efetiva estejam disponíveis, e a depender da dimensão
decisória com a qual se lide, aponta-se a tendência de diminuição da necessidade de intermediários para
se levar à frente reivindicações de interesse dos cidadãos. Ou seja, a oferta de espaços de diálogo entre
Estado e sociedade não chega a dispensar a necessidade de representantes eleitos, mas diminui a
dependência de mandatários para realizar o encaminhamento de demandas importantes. A troca de
favores e a perpetuação de práticas clientelistas e patrimonialistas estão propensas, assim, a serem
amenizadas.
Estímulo à atividade cívica e à aprendizagem sobre o funcionamento dos processos políticos
institucionais e não institucionais. A existência desses artifícios de influência e controle social aumenta
a competência política dos cidadãos mediante o desenvolvimento de habilidades, como o saber acerca
de procedimentos para encaminhar reivindicações, a sustentação de argumentos e razões em debate, o
contato com representantes, entre outras aptidões. Esses aspectos são enfatizados por Almond e Verba
(1963 apud MARQUES, 2010) como importantes para evitarem que burocratas desconsiderem as
requisições da esfera civil.
Organização da sociedade para requisições de cunho político. Observa-se que iniciativas dessa
natureza, impetradas pelas instituições do Estado, podem ter o mérito de provocar uma forma de
envolvimento que leva em conta não só o emprego de recursos de participação oferecidos, mas,
também, a organização e o uso de mecanismos de mobilização internos à sociedade civil e suas
entidades.
Oportunidade de cidadãos excluídos tomarem parte no processo de decisão política. As
oportunidades de participação institucionalmente oferecidas diminui o desequilíbrio do poder decisório

24
e favorecem a percepção do cidadão acerca da prestação de serviços e bens por parte do Estado não
como favor, mas como direito.
Modificações na maneira como as instituições políticas percebem as demandas do público.
Argumenta-se que há experiências nas quais os agentes políticos modificaram sua impressão de que os
cidadãos pouco teriam a contribuir, dada uma suposta falta de capacidade e conhecimento de aspectos
técnicos. Ou seja, a depender do caso, o ceticismo dos governos em relação aos cidadãos pode diminuir,
caso a eles sejam oferecidas chances de intervir politicamente no plano institucional (GASTIL, 2000 apud
MARQUES, 2010).
Credibilidade das instituições que promovem mecanismos de input participativos. Em geral, os
cidadãos demonstram uma melhor impressão no que se refere à transparência acerca da atuação das
instituições políticas e conferem maior credibilidade geral ao governo (fortalecendo, por tabela, a
legitimidade do regime democrático), e não apenas às suas decisões e políticas. Tal argumento está em
consonância com o diagnóstico de Almond e Verba (1963, apud MARQUES, 2010), que detectaram um
crescimento na sensação de legitimidade do sistema uma vez que os cidadãos se sentem parceiros na
produção da decisão política e na implementação de políticas.

De acordo com Marques (2010), algumas das iniciativas governamentais cuja intenção é fomentar a
participação da esfera civil já demonstram ser possível alcançar, em maior ou menor medida, os benefícios
citados. No entanto, nem todos os benefícios apontados se manifestam da mesma maneira, dão-se na mesma
intensidade ou ocorrem com a mesma frequência nas diversas iniciativas de participação que já vêm sendo
empreendidas pelas instituições democráticas. Não há garantias, portanto, de que os processos participativos
de modo geral possam gerar tais resultados.
Segundo Marques (2010), os benefícios apontados são apenas possibilidades que dependem, em boa
medida de: (1) uma elaboração cuidadosa dos mecanismos envolvidos com a participação e (2) consideração
consistente de uma rede de fatores externos.
Mesmo que os benefícios apontados sejam potenciais e dependam do contexto em que o processo
participativo é realizado, ainda assim, podemos considerá-los como respostas significativas à nossa questão
inicial (participar para quê?), você concorda?
Bom, agora que já conhecemos algumas perspectivas sobre o que é participação social e seus
potenciais benefícios, que tal refletirmos mais a fundo sobre o que caracteriza um processo como participativo
de fato? Seguimos, então, para o próximo tópico.

Cultura política emancipatória

A questão de que vamos nos ocupar neste tópico é a seguinte: o que caracteriza um processo como
participativo de fato? Essa é um reflexão muito importante, considerando as influências da herança política
autoritária que ainda nos ronda.

25
Mas antes de mais nada, o que quer dizer o termo PROCESSO PARTICIPATIVO? Usamos
esse termo em nosso curso para nos referir a qualquer tipo de reunião, encontro ou
atividade que se baseie em uma cultura política emancipatória, envolvendo conversações
entre pessoas que partilham, atual ou potencialmente, objetivos comuns, visando à
solução de problemas, coordenação de ações e/ou criação de novas realidades.

Mesmo que seja de nosso maior interesse integrar e fortalecer processos participativos, por vezes,
acabamos por reproduzir comportamentos não participativos, ora agindo como opressores, ora agindo como
oprimidos, sem mesmo nos darmos conta disso (BOSCH, 2003).
A participação é uma aprendizagem e também uma necessidade para o desenvolvimento social (TORO;
WERNICK, 1996). Seu exercício demanda esforços coletivos e constantes de todos, governo e sociedade, com o
objetivo de renovar nossa cultura política, agregando as qualidades potencializadoras da democracia
participativa (BOSCH, 2003).
Por cultura política entende-se o modo pelo qual os valores são colocados em prática aos serem
tomadas decisões. Nas práticas decisórias, quando a participação reúne liberdade e responsabilidade, estamos
diante de uma cultura política emancipatória. Suas características principais são as seguintes (BOSCH, 2003):
Participação; Transparência; Diálogo; Compartilhamento de poder; Responsabilidade coletiva e Eficácia
das decisões.
Sobre participação, já tratamos bastante até aqui, não é mesmo? No entanto, é importante entender
que ela não anda sozinha. Está reunida a outros elementos sem os quais não podemos dizer que exista
participação de fato, são eles: transparência, diálogo, compartilhamento de poder, responsabilidade coletiva e
eficácia das decisões. Vamos compreender melhor cada um deles:

A Transparência, um dos elementos essenciais à democracia e à participação social, diz respeito ao


direito dos cidadãos de terem à sua disposição informações completas relacionadas a questões de seu
interesse. Está associada principalmente à divulgação de informações que permitam que sejam
averiguadas as ações dos gestores e a consequente responsabilização por seus atos (FIGUEIREDO;
SANTOS, 2013). Desse modo, para o exercício da democracia é essencial que as ações dos governantes
sejam divulgadas e assim quando tornadas públicas possam ser esmiuçadas, julgadas e avaliadas
(BOBBIO, 1987 apud FIGUEIREDO; SANTOS, 2013).
Os mecanismos de controle e fiscalização são condicionados pela transparência e pela visibilidade das
ações do poder público. Sem transparência, fidedignidade e clareza das informações não há como cidadãos se
apropriarem do processo de controle social e cobrarem dos agentes públicos” (CENEVIVA; FARAH, 2006 apud
FIGUEIREDO; SANTOS, 2013).
Assim sendo, a transparência estimula a participação social, considerando que a informação divulgada
aproxima a sociedade da gestão exercida por seus representantes. As entidades públicas têm o dever de
26
promover a transparência de sua administração e a sociedade tem o direito ao acesso e ao acompanhamento
da administração pública, como forma de consolidação da cidadania. Para isso, contamos, a partir do ano de
2011, com a Lei de Acesso à Informação.

Conheça na íntegra a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) que está


disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2011/lei/l12527.htm.

Dessa maneira, podemos dizer que transparência e participação social são conceitos indissociáveis,
interdependentes e intercambiáveis. A transparência revestida do conceito de accountability se torna um
poderoso instrumento de participação social (SANTOS, 2012 apud FIGUEIREDO; SANTOS, 2013). No Módulo 04,
aprofundaremos no estudo desse tema.

Outro elemento essencial a uma cultura política emancipatória é o Diálogo. Os processos de diálogo
são um pilar central frente ao desafio de fortalecimento da democracia, tanto em sua essência como em
sua forma.
As instituições que promovem o diálogo identificam a necessidade de construir as atitudes, habilidades,
práticas e experiências constitutivas da capacidade da sociedade para a democracia. Tratar de temas sociais
importantes e conflituosos com variados atores sociais é visto como caminho para superar diferenças e criar a
cultura da democracia (ACDI/IDEA/OEA/PNUD, 2008). Mais adiante, ainda neste módulo, teremos a
oportunidade de nos debruçar sobre o desenvolvimento de atitudes e habilidades de diálogo.
Um aspecto muito importante a ser abarcado na concepção de diálogo é a explicitação e enfrentamento
de conflitos. O professor Carlos Frederico Loureiro argumenta que a explicitação e o enfrentamento dos conflitos
constituem elementos fundamentais dos processos participativos.
Nos processos participativos devem ser garantido o direito à divergência e o respeito a posições
minoritárias, tomando precauções para que não atrapalhem o bom funcionamento do grupo. Ou seja, a minoria
também deve respeitar a existência de uma maioria (NOGUEIRA et al., 2001).

Assista ao vídeo do professor Carlos Frederico Loureiro que tece algumas reflexões
sobre explicitação e enfrentamento de conflitos em processos participativos. Está
disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QpaJ9K35MoU

.
O Compartilhamento de poder, também um dos elementos característicos de uma cultura política
emancipatória, diz respeito ao envolvimento habitual e significativo da população nos processos de
tomada de decisão, na definição de metas e objetivos, na resolução de problemas e no acesso às
informações da Administração Pública, em processos de gestão compartilhada.

27
A gestão compartilhada obviamente está associada à Responsabilidade coletiva. Não é possível
compartilhar poder sem compartilhar responsabilidades. Neste tópico, já de início falamos sobre
liberdade e responsabilidade como elementos que definem a cultura política emancipatória, lembra? É
necessário liberdade para manifestar opiniões, demandas e necessidades, mas participar não é somente
reivindicar, é comprometer-se a tomar parte na construção do futuro comum.

Por fim, mais um elemento característico de uma cultura política emancipatória é a Eficácia das
decisões. A ideia de que a participação da esfera civil nos negócios públicos é incompatível com uma
gestão eficiente do Estado, vem sendo questionada já há algum tempo (MARQUES, 2010).

Segundo Marques (2010), autores ligados à área de administração pública reforçam a ideia de que
conceder oportunidades de participação aos cidadãos traz benefícios práticos à execução de programas
governamentais. Isto é, deve-se levar em consideração que determinadas políticas possuem uma eficácia
reconhecidamente maior quando há um envolvimento direto da comunidade na execução do projeto. Defende-
se, por exemplo, a ideia de que o sucesso das políticas públicas está condicionado à escuta da população no
que se refere às suas necessidades. Afinal, quem melhor do que a própria população para conhecer os problemas
que a afetam ou saber a qualidade dos serviços que está recebendo?” (COELHO, 2007, p.78 apud MARQUES,
2010).
Olhando por essa perspectiva, fica claro que a participação não anda sozinha, não é mesmo? Para
afirmarmos que um processo é de fato participativo é necessário que esteja fundado em uma cultura política
emancipatória, reunindo participação, transparência, diálogo, compartilhamento de poder, responsabilidade
coletiva e eficácia das decisões. Obviamente, não podemos esperar que os processos participativos já tenham
todos esses elementos consolidados, afinal, a participação é uma aprendizagem, conforme mencionado logo
no início deste tópico.

Capacidades fundamentais à democracia

Abordaremos questões mais específicas da cultura política emancipatória, relacionadas ao


desenvolvimento de quatro capacidades fundamentais ao fortalecimento do exercício da democracia nos
processos de participação social. Agora, conheceremos quatro capacidades fundamentais a serem desenvolvidas
nesse caminho de aprendizagem como:

A capacidade de resolver conflitos de forma pacífica


É um ingrediente básico de uma cultura democrática e requer que as pessoas possam dialogar entre si
sobre os problemas que as dividem. Além disso, para prevenir os conflitos violentos, é necessário que as
sociedades sejam capazes de abordar as condições subjacentes que geram conflito, tais como: a pobreza, a
desigualdade e os padrões de discriminação ou exclusão social. Nos próximos tópicos, teremos a oportunidade
de adentrar o estudo da comunicação em uma perspectiva de respeito e empatia para com os outros.

28
A capacidade de cooperar transcendendo linhas políticas partidárias
Para que essa capacidade seja desenvolvida, deve-se considerar a concorrência entre os partidos
políticos como um mecanismo para o debate público sobre as prioridades e as questões nacionais. Assim, uma
vez finalizadas as eleições, os políticos devem encontrar uma forma de cooperar e governar em benefício de
todos. Do contrário, pode-se produzir um colapso. Portanto, o desenvolvimento dessa capacidade demanda
esforços para promover um diálogo entre as linhas partidárias, visando proporcionar alternativas à fragmentação
e à polarização política, que possam impedir os avanços na consolidação dos acordos de paz e face a problemas
sociais e econômicos persistentes.

Será que a capacidade de resolver conflitos e cooperar implica evitar os conflitos? Para inspirar sua
reflexão, leia o trecho a seguir:

“Em sociedades caracterizadas por redes complexas de interesses conflitantes, o desafio não é evitar o
conflito, mas transformá-lo, fortalecendo as estruturas sociais legítimas e evitando a violência. O
diálogo democrático nos permite enfrentar este desafio quando aplicado como uma ferramenta para a
mudança e a construção de consensos básicos que possibilitem o equilíbrio de poder na sociedade,
abrindo novos canais de acesso e participação da cidadania. Durante um processo de diálogo,
trabalhamos para alcançar uma compreensão sistêmica do problema e fortalecer as relações entre
todas as partes interessadas. Isso nos permite identificar ações transformadoras do sistema em
questão” (Trecho do Guia Prático de Diálogo Democrático/tradução livre).

Leia o texto completo no Guia Prático de Diálogo Democrático (versão disponível em espanhol) no link
disponível no curso digital (dentro da Plataforma de Ensino).

A capacidade de desenvolver agendas inclusivas voltadas para a ação


Está relacionada à vontade e às habilidades para desenvolver planos e programas que respondam às
necessidades da sociedade como um todo. Quando bem feito, o desenvolvimento desses planos constrói
consenso em torno das propostas e permite um alinhamento que apoia as medidas sugeridas. Isso é essencial
para garantir o apoio e a cooperação de atores-chave da sociedade, tais como: integrantes de organizações
empresariais, trabalhadores e representantes da sociedade civil. Além disso, quando a agenda plasma uma visão
positiva do que guia a sociedade, há mais probabilidade de se manter ativa mesmo diante de mudanças na
liderança política.

A capacidade de participação dos cidadãos


A perspectiva aqui é de que a participação nos processos de elaboração e implementação de políticas
públicas é necessária não apenas em circunstâncias extraordinárias ou em momentos de elaboração de agendas,
mas de forma rotineira. Isso implica a criação e manutenção de espaços permanentes em que o governo e todos
os setores sociais, incluindo os mais marginalizados, possam interagir e tratar, em conjunto, questões de
interesse da sociedade, construindo, com isso, democracias mais justas e participativas. O desenvolvimento
dessa capacidade deve ser permeado pelo raciocínio de que quanto mais inclusivo e participativo o processo,
mais eficazes e legítimos os seus resultados.

29
Note que essas quatro capacidades fundamentais ao fortalecimento do exercício da democracia que
tivemos a oportunidade de explorar neste tópico são indissociáveis da construção de atitudes e habilidades
dialógicas. Sendo a realidade tão complexa, ela só pode ser percebida na sua complexidade por meio do
confronto entre os diferentes pontos de vista e, portanto, por meio de comunicação entre os sujeitos. Quanto a
isso: [...] os homens no plural, isto é, os homens que vivem e se movem e agem neste mundo, só podem
experimentar o significado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmo” (ARENDT,
2004 apud IEB, 2005, p.12).
Situações politicamente conflituosas são marcadas por significativos bloqueios ou limitações
comunicacionais, ao passo que a busca de soluções consensuais ou negociadas requer uma considerável
intensificação de fluxos de comunicação (IEB, 2005).
O consenso, no sentido aqui trabalhado, não se refere à hegemonia conquistada por uma ideia dada
anteriormente, mas sim a acordos socialmente construídos que exigem dos atores envolvidos a revisão de suas
posições com base no confronto com as posições dos outros. Esse é um processo possibilitado pela linguagem,
em processos de diálogo.
Neste tópico, investigamos as capacidades fundamentais ao fortalecimento do exercício da democracia
nos processos de participação social, por exemplo, a capacidade de resolver conflitos de forma pacífica. No
próximo tópico, refletiremos sobre o papel da linguagem nas experiências de participação social.

A racionalidade trabalhada pela linguagem

Segundo Nogueira et al., (2001, p. 15), os processos participativos são: “[...] processos conversacionais,
em que a linguagem, por ser o principal meio de comunicação entre as pessoas, possibilita-lhes criarem novas
realidades, discutirem problemas e se coordenarem para a ação”.
Na Aula 03 será dedicada à abordagem mais profundada desse tema. Neste momento, apenas
iniciaremos o trabalho de exploração do papel da linguagem no campo da participação.
Inicialmente, é importante considerar que a linguagem:

[...] que distingue a espécie humana das demais, é também o meio pelo qual os seres
humanos podem construir consensos, ou seja, um sujeito falante pode ouvir e interpretar
a argumentação de outro sujeito falante, derivando dessa relação uma razão que não
está dada antes, resultado do ato mesmo de comunicar: a razão comunicativa. Por meio
dela, é possível a construção do consenso para além da razão instrumental ou estratégica
de cada sujeito particular” (IEB, 2005, p. 63).

30
Razão comunicativa é um conceito, elaborado pelo filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas, que
coloca a razão como algo implementado socialmente, no processo de interação dialógica dos atores
envolvidos em uma mesma situação. A razão comunicativa integra o questionamento e a crítica como
elementos constitutivos, de forma dialógica, em situações sociais, em que a verdade resulta de um
diálogo entre pares, seguindo a lógica do melhor argumento (FREITAG, 1993).

Razão instrumental designa uma forma de operação em que o conhecimento é tomado como meio de
dominação, ou seja, a razão, que é a capacidade da mente humana chegar a conclusões, torna-se um
instrumento. Nesse caso, os meios são elaborados visando a um fim.

Pela via da razão comunicativa, portanto, uma ideia é construída. A racionalidade não é uma faculdade
abstrata ao indivíduo isolado, mas um procedimento argumentativo pelo qual dois ou mais indivíduos se põem
de acordo sobre questões relacionadas com a verdade, a justiça e a autenticidade” (FREITAG, 1993, p. 59).
Nessa perspectiva, no diálogo deve-se privilegiar a abertura para que todas opiniões rigorosas e
verdades consideradas exatas sejam questionadas, assim como normas e valores devem ser justificados. E, assim,
o resultado alcançado precisa decorrer de ponderações, orientadas à busca do consenso e baseadas na
reciprocidade e melhor argumento (FREITAG, 1993).
Quando a busca pelo consenso é priorizada, permite-se que, durante o processo de comunicação, a
faculdade de pensar seja influenciada pela comunicação entre os sujeitos, à medida em que consentem que
suas vontades individuais sejam relativizadas em prol da pluralidade de interesses em pauta.
No entanto, é comum a ocorrência de resistências, preconceitos e dificuldades de comunicação nos
processos e instâncias participativos. Com isso, não raro, os participantes acabam se posicionando em lados
opostos. “É preciso superar desconfianças mútuas para então haver condições de diálogo e exercício da razão
comunicativa, chegando a rever metas e formular objetivos comuns” (IEB, 2005, p. 63).
O espaço público é um “lugar”, como vimos, sob o primado da racionalidade trabalhada pela linguagem
(AVRITZER, 1999). É, portanto, a expressão dos vários pontos de vista e interesses, nos quais estão situados os
diferentes atores sociais que constituem sua base. Nesse sentido, a questão da diferença coloca-se de maneira
central no espaço público e nele ocorre a ampliação do significado da democracia e da política porque, como
lembra Avritzer (1999, p. 182): “[...] passam a incorporar o reconhecimento de identidades múltiplas que, uma
vez tematizadas e apresentadas, passam a ser processadas institucionalmente pelo sistema político”.
Essa percepção nos ajuda a compreender o surgimento de espaços públicos que tematizam
determinados aspectos problemáticos da realidade e forçam a busca por soluções para esses problemas. Um
exemplo claro são as Conferências Nacionais pelo Meio Ambiente, que a cada edição promove diálogos em
torno de questões ambientais em evidência. A razão comunicativa possui uma fundamentação ética. A ética da
razão comunicativa baseia-se em três regras básicas (FREITAG, 1992):
Regra da Participação: Se um sujeito é capaz de agir e falar ele pode participar de discursos;
Regra da Inclusão: Qualquer sujeito pode problematizar qualquer afirmação, apresentar novas
afirmações e expressar suas necessidades, desejos e convicções;

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Regra da Comunicação Livre de Violência e Coação: Nenhum sujeito pode ser impedido, por forças
internas ou externas ao discurso, de usar plenamente os direitos assegurados nas duas regras anteriores.
Ainda no que concerne à comunicação, é importante considerar que os espaços participativos cumprem
papel na formação de opinião pública, já que possui como atributos o diálogo aberto sobre temas e problemas,
alternativas possíveis e publicidade das questões tratadas em seu âmbito. Ou seja, as proposições e decisões
construídas repercutem para além do espaço participativos, sejam eles conferências, conselhos ou outros
mecanismos de participação social.
A disputa de ideias em torno de temas irão, em um acirrado processo seletivo, cristalizar-se na forma
do que se entende por opinião pública, uma amalgamação de consensos públicos amplos (COSTA, 1994, apud
IEB, 2005). Esse processo se dá basicamente por meio da linguagem a partir da expressão dos vários pontos de
vista e interesses. Essa percepção amplifica a noção da importância de se buscar basear os processos de diálogo
na ética da razão comunicativa. Também fica mais clara a necessidade de nos dedicarmos a compreender melhor
o papel da linguagem nos processos participativos, tema que introduzimos neste tópico e estudaremos de forma
mais aprofundada na próxima aula. Não se esqueça de participar do fórum e da atividade a seguir.

Escolha umas das capacidades fundamentais à democracia que você acredita ser a mais
importante para desenvolver na relação com seus pares ou em sua área de atuação. Escreva um
parágrafo sobre o porquê é importante desenvolver tal capacidade na sua prática e liste dez
comportamentos que você acredita serem necessários ao exercício da capacidade escolhida.

PROPOSTA: Dialogue com seus colegas de curso sobre a seguinte questão: Em sua opinião, quais
as relações existentes entre as características de uma cultura política emancipatória e as capacidades
fundamentais à democracia?

Na Aula 03 - A natureza ativa da linguagem, investigaremos mais amplamente a relação entre


linguagem e construção de ideias como ação que cria e transforma.

32
Aula 03 - A NATUREZA ATIVA DA LINGUAGEM

Precisamos saber abraçar os conflitos”.

(Dominic Barter)

Olá, bem-vindo a Aula 03, do Módulo 01. Na aula anterior, nos aproximamos mais da participação
social, perpassando alguns de seus conceitos e potenciais benefícios. Estudamos, ainda, os elementos que se
somam à participação para formar o que chamamos de cultura política emancipatória.
Foi possível notar a importância do diálogo – viabilizado pela linguagem – na superação de diferenças,
na criação de consenso e na formação da opinião pública. Abordaremos, então, a compreensão da linguagem
como meio pelo qual os seres humanos podem construir consensos.
A terceira aula é composta por quatro tópicos. Daremos especial atenção à linguagem,
compreendendo-a como um aspecto primário do ser humano e refletindo sobre esse aspecto nos processos
conversacionais. Exploraremos também o significado e as qualidades do diálogo. Por fim, teremos a
oportunidade de conhecer um método de comunicação que favorece a empatia. Nosso estudo, neste tópico,
terá como base teórica a Ontologia da Linguagem. Então, vamos lá!

Mas o que é Ontologia da Linguagem?

Ontologia da linguagem

De acordo com Nogueira et al. (2001, p. 35):

A Ontologia da Linguagem relaciona-se com a investigação sobre o modo particular de ser,


que é ser humano. Quando falamos que algo é ontológico, estamos nos referindo às dimensões
constitutivas que partilhamos enquanto seres humanos e que nos conferem uma forma
particular de ser, diferenciando-nos de outras formas de ser”.

Leia a dissertação em Ciência Política, intitulada: “Ontologia da Linguagem e Ciência


Política: Análise Crítica dos Possíveis Vínculos”. Nessa dissertação, Paulo Argenta identifica e
analisa as contribuições que a ontologia da linguagem pode oferecer à ciência política. Está
disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/161445/monografia%20final.pdf?seque
nce=4.

33
Há três principais postulados nos quais a Ontologia da Linguagem se baseia:

Os seres humanos são seres linguísticos;


A linguagem é geradora;
Os seres humanos criam-se na/por meio da linguagem.

Qual sua visão sobre esses postulados? Já havia pensado na realidade humana a partir dessa
perspectiva?
A seguir, vamos compreender melhor cada um deles.
Os seres humanos são seres linguísticos. “Isso quer dizer que é a linguagem que faz de nós o tipo
particular de seres que somos, diferentes de outros. Vivemos na linguagem e esta é fundamental para a
compreensão dos fenômenos humanos” (NOGUEIRA et al., 2001, p. 35). Essa visão não pretende reduzir
a complexidade dos fenômenos humanos à linguagem, mas entende que o domínio da linguagem é
prioritário já que, por meio dele, conferimos sentido à nossa vida e se torna possível reconhecer a
importância dos outros dois domínios primários: o corpo e a emocionalidade (NOGUEIRA et al., 2001).
A linguagem é geradora. “Essa afirmação rompe com a concepção tradicional da linguagem de que a
‘realidade existe muito antes da linguagem’ e que seu papel é apenas descrevê-la” (NOGUEIRA et al.,
2001, p.36). A perspectiva aqui é de que cada vez que alguém usa um ato linguístico está influindo no
rumo das coisas, criando novas realidades e assumindo compromissos sociais (NOGUEIRA et al., 2001).
Os seres humanos criam-se na/por meio da linguagem. Assume-se nessa afirmação que a vida é o
espaço no qual as pessoas se inventam e reinventam a todo tempo. “A partir da ação – e linguagem é
ação –, o indivíduo vai constantemente criando e recriando sua identidade no mundo” (NOGUEIRA et al.,
2001, p.36).

Os três postulados acima resultam em três teses centrais para uma reinterpretação do humano:

Não sabemos como as coisas são. Podemos apenas observá-las e interpretá-las. Vivemos em
um mundo de interpretações.
Atuamos de acordo com o que somos, e também somos de acordo com o que atuamos. A ação
gera ser.
Há uma relação recíproca entre indivíduo e sociedade: atuamos de acordo com a sociedade a
que pertencemos, porém, por meio das nossas ações também mudamos os sistemas sociais.

A primeira tese afirma que Vivemos em um mundo de interpretações. Essa afirmação não
desconsidera a existência da realidade do que acontece ao nosso redor. Por outro lado, não concebe

34
que alguém possa dizer que as coisas são em si – como verdades absolutas – independentemente de
quem as observa (NOGUEIRA et al., 2001).

Para ilustrar essa tese, consideremos que: “[...] um mesmo fato, um acidente de carro, por exemplo,
pode ser um problema para um (o dono do carro) e uma oportunidade para outro (o dono da oficina mecânica).
Neste caso, qual é a verdade do acidente?” (NOGUEIRA et al., 2001, p. 37). Portanto, a perspectiva da tese em
questão é de que as coisas e fatos existem a partir da percepção ou interpretação de alguém. Cada pessoa irá
interpretar um fato a partir de sua perspectiva, de suas experiências pessoais e contexto histórico cultural.

Essa perspectiva propõe uma compreensão que possibilita a diversidade de


interpretações com respeito mútuo entre as pessoas, bem como observar e
aceitar nossas diferenças e, eventualmente, desenhar alternativas para superá-
las. Na sua compreensão, essa visão faz sentido?
A ideia de reciclagem surge a partir de uma reinterpretação de uma coisa que
antes era considerada lixo/inaproveitável e passa a ser considerada como
matéria-prima, não é mesmo?
E será que qualquer pessoa pode perceber o material reciclável da mesma forma
que uma pessoa que trabalha com reciclagem percebe?
Como esta perspectiva pode ser aplicada a questões conflituosas no campo
ambiental?

Considere uma problemática socioambiental, e até mesmo as soluções novas que vão
surgindo para lidar com as questões ambientais, e reflita a partir dessa perspectiva. A
proposta de reciclagem, por exemplo.

Ao dizermos que não há uma interpretação verdadeira (já que acreditamos que há
apenas percepções/interpretações e não verdades), não significa que uma interpretação
é tão válida quanto a outra, ou que todas as interpretações têm o mesmo peso. Em vez
da verdade, adota-se como critério de discernimento o poder que as interpretações
geram. Reconhecemos que uma interpretação é mais – ou menos – poderosa conforme
as possibilidades que ela abre ou fecha, se é potente para alterar o curso dos
acontecimentos e se consegue impor-se como consenso social ou não” (NOGUEIRA et al.,
2001, p.38).

Por fim, sobre essa tese, é importante considerar que:

A tese de que A ação gera ser propõe que: “[...] somos abertos à transformação. Temos a capacidade de
aprender e inovar, de desenhar a pessoa que queremos ser. Mudando nossas ações, mudamos nosso
ser” (NOGUEIRA et al., 2001, p.38).
A terceira tese de que Há uma relação recíproca entre indivíduo e sociedade afirma que: “[...] cada
pessoa é um ser social e histórico, que vive em um momento e lugar definidos. Como seres históricos,
dispomos de distinções que nos permitem fazer certos tipos de observações e não outras” (NOGUEIRA
et al., 2001, p.39).

35
Por exemplo, uma pessoa que sempre viveu em área urbana e outra que sempre viveu em área rural
farão tipos diferentes de observações quanto às utilidades da água e sua conservação, você não acha?
Naturalmente, elas terão relações diferentes com água.
Por outro lado, deve-se considerar que embora cada pessoa interprete a realidade de acordo com sua
própria perspectiva e experiência de vida, ninguém é imutável. Todo indivíduo é capaz de mudar o observador
que é, de gerar novas e poderosas distinções, de aprender e inovar, de participar da criação de novas práticas
sociais, de transformar a realidade pessoal e social (NOGUEIRA et al., 2001).
Essas teses apontam perspectivas fundamentais para compreendermos a potência dos processos
participativos, não é mesmo? No espaço ou instituição participativa, é possível observá-las de forma bem clara.
Em uma reunião para tratar de interesses sociais, por exemplo, não há como dizer que um está certo e outro
errado, ou seja, que existe uma única verdade, afinal, a realidade é complexa.
Também não haveria porque realizar reuniões ou encontros para tratar de interesses sociais, se não
estiver subentendido que, naquele espaço ou por meio dele, as pessoas podem se transformar (passando a
existir com base em novas percepções/interpretações) ou atuar sobre a realidade, transformando-a.
Assim, os espaços participativos podem ser vistos como “lugares” de recriação de si e da realidade que
nos cerca, não é mesmo? No próximo tópico, continuaremos nossos estudos explorando o campo da linguagem,
com foco nos processos dialógicos. Conheceremos melhor o significado de diálogo e suas características.

O significado de diálogo

A palavra diálogo deriva do grego dialogos, que significa através (dia) da palavra (logos), ou através do
significado da palavra. O termo diálogo, portanto, diz respeito a toda comunicação que utilize palavras para
transmitir significado.

Os conteúdos relativos ao tema “Diálogo” abordados em nossas aulas foram colhidos


principalmente no livro “Diálogo Democrático – Un Manual para Practicantes”
(ACDI/IDEA/OEA/PNUD, 2008). Para saber mais, acesse o livro na íntegra e aprofunde seus
conhecimentos. Está disponível no curso digital (dentro da Plataforma de Ensino).

Praticantes de diálogo são pessoas que se comprometem ativa ou potencialmente com o trabalho de
diálogo, organizando-o, facilitando-o e promovendo-o nas instituições e sociedades a que pertencem. Se você
já é um praticante de diálogo ou deseja se tornar um, nessa aula, você encontrará orientações relevantes para
sua prática.
No campo de interlocução entre sociedade e governo, alguns estudiosos e profissionais possuem uma
visão sobre diálogo focada em resultados, definindo-o como um “processo de resolução de problemas" que
"é usado para tratar de temas econômicos e sociopolíticos, que instituições do governo não podem
resolver por conta própria, de forma adequada e eficaz”.

36
Um amplo levantamento com o pessoal do Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (PNUD)
que trabalha com processos de diálogo identificou certa convergência entre as definições, apontando que: “[...]
a qualidade fundamental do diálogo é criar um espaço seguro para os participantes compreenderem os pontos
de vista de cada um, a fim de considerar novas opções para lidar com um problema identificado por todos“
(ACDI/IDEA/OEA/PNUD, 2008, p.20).

Um dos obstáculos consideráveis nos atuais processos participativos é a dificuldade de


escuta entre os participantes. Então, vale uma reflexão: em que medida realmente tenho
uma postura dialógica, escutando e ponderando opiniões distintas da minha? Leia o
trecho abaixo para inspirar sua reflexão:

“O diálogo é um processo de interação genuína por meio do qual as pessoas mudam


através da aprendizagem adquirida por sua profunda disposição para escutar. Cada um
se esforça para incluir as preocupações dos demais em sua perspectiva, mesmo quando o
desacordo persiste. Nenhum dos participantes renuncia à sua identidade, mas cada um
reconhece suficientemente a validade das reivindicações humanas dos demais, e,
portanto, age de forma diferente na relação com os outros” (SAUNDERS, 1999, apud
OEA/PNUD, 2014, p.20).

Nessa perspectiva, os processos de diálogo devem se caracterizar por dar maior ênfase à aprendizagem
e à construção de sentimentos de confiança, respeito e empatia, além de privilegiar a troca de ideias e formas
de pensar, como fundação para alcançar um entendimento compartilhado sobre temas que importam.
As qualidades específicas de diálogo se distinguem de outros tipos de conversa, tais como debates e
discussões. O diálogo difere-se do debate na medida em que promove a diversidade de pensamentos e
opiniões, em vez de eliminá-la. Na prática do diálogo, está acordado que as ideias ou crenças de uma pessoa
não têm prioridade sobre as de outra.

“O objetivo do diálogo não é defender, mas questionar; não é argumentar, mas


explorar; não é convencer, mas descobrir”.

(Louise Diamond, do Instituto para a Diplomacia de Multivias)

Conforme aponta o manual para praticantes de diálogo democrático: “O debate pressupõe uma única
resposta correta e insiste em forçá-la e defendê-la, enquanto o diálogo supõe a possibilidade de uma resposta
melhor do que qualquer um dos pontos de vista iniciais. O debate limita as perspectivas e fecha mentes, o
diálogo pode construir novas relações” (ACDI/IDEA/OEA/PNUD, 2008, p.21)”.

37
O diálogo também difere da negociação ou mediação formal. Hal Saunders lista algumas das diferenças
entre o diálogo e as negociações ou mediações formais (SAUNDERS, 1999 apud ACDI/IDEA/OEA/PNUD, 2008,
p. 21):
O produto desejado por meio da mediação ou negociação é um acordo específico. O objetivo do diálogo
é a transformação das relações humanas;
As negociações exigem que as partes estejam dispostas a chegar a um acordo. O diálogo pode ser
frutífero quando envolve partes que, mesmo não estado prontas para negociar, não querem que
relacionamentos destrutivos sejam mantidos;
O diálogo também difere da negociação ou mediação formal. Hal Saunders lista algumas das diferenças
entre o diálogo e as negociações ou mediações formais (SAUNDERS, 1999 apud ACDI/IDEA/OEA/PNUD,
2008, p. 21):
Negociação lida com bens ou direitos que podem ser divididos, compartilhados ou definidos de forma
tangível. O diálogo pode transformar as relações a estabelecer as bases em busca de respeito e
colaboração mútuos.

Como é possível notar, em situações de conflito, o diálogo não substitui a negociação ou a mediação.
No entanto, o diálogo é uma parte essencial da resolução de conflitos e em processos de prevenção, que visem
construir uma paz sustentável. Bem, e quanto à deliberação e à tomada de decisões? Esses processos também
se distinguem do diálogo? Conforme apontado no manual do praticante de diálogo democrático:

Deliberação é um processo cuidadoso em que são consideradas e pensadas as


alternativas disponíveis para tomar decisões difíceis. Estas decisões têm consequências
importantes e, no processo, em última análise, os valores desempenham um papel
importante, por exemplo, quando se renunciam questões ambientais em favor do
desenvolvimento econômico, ou vice-versa” (ACDI/IDEA/OEA/PNUD, 2008, p.22).

Portanto, envolvem processos diferentes Diálogo e deliberação. No entanto, como acontece com o
diálogo e a negociação ou mediação, esses conceitos podem ser compreendidos como passos complementares
dentro de um processo participativo mais amplo de tomada de decisão, tais como os vislumbrados no conceito
de democracia deliberativa.
Veja na tabela a seguir a relação de complementaridade entre diálogo, deliberação e tomada de decisão:
Diálogo Reunir muitas vozes, histórias, perspectivas;
Indagação, exploração, descoberta compartilhados;
Escuta profunda para fomentar o respeito e o entendimento;
Formação de significado compartilhado e construção de conhecimento.
Deliberação Argumento justificado;
Análise das possíveis soluções ;
Análise detalhada das vantagens e desvantagens;

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Juízo justificado e informado.
Tomada de Decisão A autoridade decide;
Negociação;
Consenso;
Voto.

Como sugerido pelo diagrama, a tomada de decisões pode permanecer na esfera de estruturas e
processos de governança formais, e ainda assim permitir a influência e a contribuição da participação dos
cidadãos quando necessário para resolver problemas complexos. As diferenças entre o diálogo e deliberação
podem ser muito sutis na prática. No entanto, é útil distingui-los para que seja mantido o foco nos resultados
que se espera produzir.
Neste tópico, dedicamo-nos a compreender as qualidades específicas do diálogo, bem como as
características que o diferenciam de outros processos de comunicação. Já no próximo tópico, continuaremos
nosso estudo, buscando compreender as qualidades que definem um determinado processo como dialógico,
continuaremos nosso percurso de estudo acerca do diálogo.

As qualidades do diálogo

Explorando as qualidades necessárias para definir um processo como de fato dialógico.

Os processos de diálogo devem possuir as cinco seguintes qualidades:

Inclusividade;
Apropriação compartilhada;
Aprendizagem;
Humanidade;
Perspectiva de longo prazo.

A inclusividade talvez seja o princípio mais fundamental na prática do diálogo. Na medida em que todos
aqueles que fazem parte de uma situação problemática podem estar presentes ou ser representados em um
processo de diálogo, os participantes terão, coletivamente, a habilidade necessária para resolver seus problemas
e não dependerão completamente de outros para encontrar suas soluções.
Isso porque para que a mudança seja sustentável, as pessoas envolvidas no problema precisam
desenvolver um senso de propriedade, do processo para tratar tal problema e das propostas de solução que
possam surgir. O desenvolvimento desse senso de demanda participação no processo de mudança.
Assim, a inclusividade é um requisito indispensável para que o processo de diálogo seja legítimo e o
resultado, eficaz. É notável também que, se a inclusão não é abrangente, pode comprometer a sustentabilidade
dos acordos alcançados.
Democracia inclui estado, sociedade e setor privado. Todos partilham responsabilidades comuns e
complementares para o seu avanço. Inclusão e participação são duas dimensões essenciais da democratização.
Essa abordagem inclusiva e participativa é a base para uma sociedade pluralista.
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Mas o que fazer para alcançar a inclusividade? Bom, em primeiro lugar é preciso ir além da noção de que
incluir é criar um grupo diversificado de participantes. Não se trata apenas de reunir facções ao redor da “mesa”,
por que estar presente no processo de diálogo não significa estar em igualdade de condições, não é mesmo?
Inclusividade, portanto, implica criar espaços horizontais de discussão, ou seja, nivelar o campo de jogo.
Isso é essencial em um processo de diálogo includente.
Apropriação compartilhada diz respeito à visão de que o processo de diálogo não é um instrumento
de um único ator, por exemplo, o governo, com objetivo de economizar tempo ou cumprir uma agenda. Ou,
ainda, de que o diálogo não pode ser apenas uma consulta superficial: algo como convidar um punhado de
pessoas, conversar com elas, consultá-las e pronto. Em vez disso, o diálogo é uma "troca". O diálogo encarna a
"noção de democracia", em que todos tomam parte e se comprometem igualmente.
Um dos requisitos para que as pessoas se comprometam com o diálogo e com a transformação da
realidade é o sentimento de que há algo real em jogo. Esse sentimento contribui para a apropriação do processo
e favorece o comprometimento com a mudança. Quando isso ocorre, os resultados são extraordinários em
comparação com outras experiências.
Para criar esse senso de apropriação, o processo de diálogo deve dar lugar a conversas sobre o que
realmente importa: a realidade. Um diálogo significativo não deve ser uma discussão semântica sobre como
escrever um acordo, mas uma discussão significativa sobre problemas fundamentais.
A Aprendizagem deve se fazer presente a partir da visão de que o diálogo não se refere ao ato físico de
falar, mas à abertura da mente. Isso é possibilitado pela qualidade de interação no processo de diálogo que
legítimo é distinto de uma “simulação” de diálogo, em que a comunicação é apenas de uma via, ou de um
debate ou negociação, em que cada um dos participantes está focado em obter os maiores benefícios.
Essa qualidade de "abertura" diz respeito à condição em que os participantes estão dispostos à
experiência de ouvir e refletir sobre o que os outros têm a dizer, sobre o que eles mesmos dizem e sobre as
novas ideias e perspectivas que resultam dessa experiência.
Além disso, a aprendizagem acontece como resultado do exercício de autorreflexão e de não fazer
julgamentos, mas de escutar e alcançar uma maior compreensão e uma maior consciência sobre as questões
em jogo.
A Humanidade está presente nos diálogos por nos permitir revelar nossa inteligência inata. É oferecida
a possibilidade de reconhecimento próprio. Como a aprendizagem, a humanidade, nos processos de diálogo
contribui para diferenciá-los de outros tipos de interação.
Essa característica está intimamente relacionada com o modo como as pessoas se comportam na relação
com os demais quando participam plenamente em um diálogo. É necessário empatia, ou seja, saber se colocar
no lugar do outro.

Quando as pessoas começam a se esforçar para compreender o outro, planta-se


uma semente de diálogo.

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Criar um ambiente que favoreça uma interação mais humana entre os participantes é um aspecto central
do trabalho de diálogo. As boas práticas em experiências dialógicas apontam algumas condutas favoráveis,
segundo as quais os participantes em um diálogo devem:
Demonstrar empatia, ou seja, realmente compreender a posição da outra pessoa, em vez de reagir a ela;
Mostrar-se aberta a expressar seu ponto de vista, respeitando as regras do diálogo;
Manter um tom respeitoso, mesmo nas situações mais extremas;
Falar sobre o que realmente importa, o real;
Assumir a responsabilidade, individual e coletivamente, tanto para com o problema quanto para com a
solução;
Desbloquear emoções e ouvir as razões do coração, que a razão geralmente ignora;
Ter a coragem de reconhecer as diferenças e, mais ainda, de reconhecer as semelhanças;
Demonstrar capacidade de mudar.

Juntas, essas condutas ecoam a definição de diálogo como: “[...] um processo de interação genuína
através do qual os seres humanos escutam-se mutuamente com profundidade suficiente para serem
transformados pelo que aprenderam” (SAUNDERS, 1999 apud ACDI/IDEA/OEA/PNUD, 2008, p.31).
Uma qualidade que distingue o trabalho de diálogo dos demais é a Visão de longo prazo, necessária
para a construção de soluções sustentáveis. Os praticantes de diálogo reconhecem que os problemas que
afligem a sociedade requerem soluções imediatas, por outro lado, sabem que é necessário tempo para trabalhar
no nível das relações e comportamentos subjacentes aos problemas e crises. Trabalhar nesse nível é o que gera
a possibilidade de mudança sustentável.
Na perspectiva do diálogo, o tempo é empregado de uma forma diferente, no sentido de se dar conta
de que não há soluções rápidas. Afinal, é necessário tempo para promover mudanças profundas, não é mesmo?
Mas será que podemos contar com ferramentas específicas de comunicação que nos apoiem no exercício
dialógico? Isso é o que abordaremos no próximo tópico, em complemento aos estudos sobre as qualidades e
boas práticas relacionadas ao diálogo estudadas neste tópico. Agora, no último tópico da Aula 03,
apresentaremos uma abordagem realmente prática para desenvolver nossa capacidade dialógica.

Comunicação não violenta

Essa abordagem foi desenvolvida por Marshall Rosenberg, um psicólogo americano que trabalhou em
escolas e universidades que desejavam cessar a segregação racial nos anos 1960, nos Estados Unidos. Enquanto
estudava os fatores que afetam nossa capacidade de empatia, verificou o papel crucial da linguagem e do uso
das palavras. A partir desse estudo, ele identificou uma abordagem específica de comunicação que permite que
nossa capacidade natural de nos colocar no lugar do outro floresça.
Rosemberg denominou essa abordagem de Comunicação Não Violenta (CNV), usando o termo não
violência na mesma acepção que lhe atribuía Gandhi. Em algumas comunidades, o processo descrito por
Rosenberg é conhecido como comunicação compassiva. A CNV se baseia em habilidades de linguagem e
comunicação que fortalecem nossa capacidade de nos tornarmos humanos, mesmo em condições adversas.

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Hoje, a CNV serve de guia para a resolução de conflitos em mais de 65 países. É aplicada, também, no
desenvolvimento de novos sistemas sociais, numa perspectiva de parceria e compartilhamento de poder,
principalmente na área de educação.
De acordo com Rosenberg (2006, p. 21): “A CNV nos ajuda a reformular a maneira pela qual nos
expressamos e ouvimos os outros. Nossas palavras, em vez de serem reações repetitivas e automáticas, tornam-
se respostas conscientes, firmemente baseadas na consciência do que estamos percebendo, sentindo e
desejando”.
Por meio da CNV, somos levados a nos expressar com honestidade e clareza, ao mesmo tempo que
damos aos outros uma atenção respeitosa e empática. Essa ferramenta nos ensina a observarmos
cuidadosamente (e sermos capazes de identificar) os comportamentos e as condições que estão nos afetando.
Aprendemos a identificar e a articular claramente o que de fato desejamos em determinada situação
(ROSENBERG, 2006).

Assista no link: https://www.youtube.com/watch?v=mNUPlBTXnVY, a uma


entrevista em que um especialista e formador em CNV fala sobre o tema.

Para usarmos a CNV, as pessoas com quem estamos nos comunicando não precisam conhecê-la, ou
mesmo estar motivadas a se comunicar compassivamente conosco. Basta nos concentrarmos nos princípios
desse método e fazermos o possível para nos comunicar com empatia, que os demais se unirão a nós no
processo, que não quer dizer que isso sempre aconteça rapidamente” (ROSENBERG, 2006).
No processo da CNV, devemos concentrar nossa consciência nos quatro componentes a seguir
(ROSENBERG, 2006):
Observar o que de fato está acontecendo em uma situação: Olhamos o que os outros estão dizendo
ou fazendo, sem fazer nenhum julgamento ou avaliação, apenas identificando o que nos agrada ou não
naquilo que as pessoas estão fazendo ou dizendo.
Identificar como nos sentimos ao observar aquela fala ou situação: Nós nos perguntamos: o que
sinto exatamente quando essa pessoa faz ou diz isso?
Reconhecer as necessidade ligadas ao que identificamos: Nós nos perguntamos: Qual a necessidade
por trás desse sentimento? O que preciso para não me sentir assim?
Fazer um pedido bem específico: Falamos claramente o que precisamos da outra pessoa.

Há um exemplo bem simples, apresentado por Rosenberg no livro Comunicação Não Violenta, que pode
ajudar a compreender o processo da CNV na prática. Uma mãe expressa-se usando o método da CNV com seu
filho adolescente dizendo o seguinte: “Roberto, quando eu vejo duas bolas de meias sujas debaixo da mesinha
e mais três perto da TV, fico irritada, porque preciso de mais ordem nos espaços que usamos em comum. Você
poderia colocar suas meias no seu quarto ou na lavadora?” (ROSENBERG, 2006).

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A seguir, o mesmo exemplo é reapresentado, relacionando-se cada parte da fala da mãe às etapas do
método CNV:
Roberto, quando eu vejo duas bolas de meias sujas debaixo da mesinha e mais três perto da TV (ponto
1 - observar), fico irritada (ponto 2 – identificar o sentimento), porque preciso de mais ordem nos espaços
que usamos em comum (ponto 3 – reconhecer a necessidade). Você poderia colocar suas meias no seu
quarto ou na lavadora? (ponto 4 – fazer um pedido claro).
Note que, no ponto 1, do exemplo, a mãe não diz “quando você deixa suas meias jogadas”, e sim “quando
vejo suas meias em tais locais”. A mãe nem mesmo diz que isso é feio, absurdo, ou expressa qualquer
tipo de julgamento. Apenas identifica e expressa honestamente seu sentimento e faz seu pedido.
O processo da CNV consiste em expressar as quatro informações muito claramente e também em receber
essas mesmas quatro informações do seu interlocutor, quando o escuta. Nesse sentido, exercemos uma
escuta ativa.

“No esquema tradicional, o escutar é interpretado como uma postura passiva, como o
ato de recepção da mensagem. Porém, o fenômeno do escutar é também um ato
interpretativo, portanto, uma postura ativa. Importante registrar uma distinção entre o
escutar e o ouvir. O ouvir é requisito do escutar, é a percepção dos sinais sonoros. O
escutar é a percepção associada com a interpretação. Quando escutamos estamos
ativamente procurando dar sentido ao que está sendo dito” (ARGENTA, 2008, p.15).

Veja o detalhamento do processo do método CNV no diagrama a seguir:

Ao usarmos esse processo, podemos começar nos expressando ou então recebendo com empatia essas
quatro informações dos outros. É importante destacar que a essência da CNV está na nossa consciência acerca
daqueles quatro componentes, não nas palavras que efetivamente são trocadas. Quando utilizamos a CNV em
nossas interações – com nós mesmos, com outra pessoa ou com um grupo -, nós nos colocamos em nosso
estado natural de empatia. Trata-se, portanto, de uma abordagem que se aplica de maneira eficaz a todos os
níveis de comunicação e às mais diversas situações.

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Este tópico buscou oferecer uma ferramenta prática para aprimorar nossa comunicação para que
realmente seja possível estabelecer pontes de diálogo. Os elementos abordados são centrais na abordagem da
CNV, mas é importante destacar que esta abordagem é muito mais ampla.
Aqui finalizamos o Módulo 01 de nosso curso. A seguir são propostos alguns exercícios de fixação e
aprofundamento. O próximo módulo tratará dos espaços e instituições participativas. Agora, que tal colocar em
prática o método CNV e refletir sobre sua efetividade na sua própria prática?

Identifique um potencial conflito baseado na forma como você tem se comunicado. A


partir da análise dessa questão e de sua forma de comunicação, avalie como você
poderia se comunicar utilizando o processo da CNV. Escreva uma frase expressando-se
sobre a questão, concentrando sua atenção nos quatro componentes:

Observar o que de fato está acontecendo numa situação;


Identificar como nos sentimos ao observar aquela fala ou situação;
Reconhecer as necessidade ligadas ao que identificamos;
Fazer um pedido bem específico.

Coloque em prática essa forma de comunicação e lembre-se de ouvir a resposta de seu


interlocutor, também concentrando a atenção nos quatro componentes.

PROPOSTA: Em sua opinião, quais os aspectos mais significativos em relação ao


significado do diálogo e suas qualidades? Você identificou algo que se diferencie de sua
concepção usual de diálogo? Se sim, o que você identificou?

No Módulo 02, abordaremos sobre o tema Políticas públicas e espaços participativos, com
direcionamento para área ambiental e vai conhecer vários espaços, instituições e mecanismos participativos de
hoje em dia. Até mais.

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