Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
TORCH
INTRODUÇÃO
As infecções congênitas podem ocorrer durante a gestação (pré-natais) ou durante o parto
(paranatais). Do ponto de vista epidemiológico, as infecções congênitas são chamadas de transmissão
vertical (materno-fetal), em oposição às infecções da vida extrauterina, denominadas de transmissão
horizontal.
INFECÇÃO PRÉ-NATAL: as relações entre o feto e a mãe são necessariamente feitas pelas
membranas placentária e amniótica. Assim, as vias de penetração dos germes são divididas em dois
grupos:
Via transplacentária: Os microrganismos procedentes do sangue materno
cruzam a placenta, alcançam a circulação fetal e se disseminam (A).
Via transamniótica: Os germes da vagina e do colo acometem a cavidade
amniótica e o feto (B). A via transamniótica é ascendente, geralmente após a
ruptura das membranas, e não será aqui tratada;
Muito embora a infecção possa acometer a mãe, o ovo pode não apresentar lesões e a gravidez
prosseguir normalmente até o termo.
Se o feto for acometido pela infecção, as consequências vão depender do período da gestação:
TOXOPLASMOSE
O T. gondii é protozoário intracelular obrigatório, distribuído em quase todas as partes do
mundo, cerca de 1/3 da população mundial, mais comum em países tropicais, e capaz de infectar
diversas células do hospedeiro. O toxoplasma se apresenta de diversas maneiras, a depender do
hospedeiro: oocisto, taquizoíto e cisto. Os hospedeiros intermediários são principalmente o porco, a
ovelha e o ser humano; os hospedeiros definitivos são membros da família Felidae, e o exemplo típico é
o gato doméstico. As três principais formas de transmissão da toxoplasmose são a ingesta de carne crua
ou malcozida, a exposição a fezes de gatos contaminadas com oocistos e a transmissão vertical. A
incidência de toxoplasmose congênita no Brasil é de 3:10.000 nascidos vivos.
PEDIATRIA
A infecção primária adquirida antes da gravidez não afeta o concepto, exceto em mulher
imunodeprimida. No entanto, é aconselhável que, após infecção por toxoplasmose, a mulher espere 6
meses para engravidar (SOGC, 2013). A grávida pode ser assintomática ou apresentar sinais
inespecíficos como febre, mialgia, linfa-denopatia, odinofagia, exantema maculopapular e
hepatoesplenomegalia (sindrome de mononucleose like). A linfadenomegalia pode ser de apenas um
linfonodo. A infecção aguda em imunocompetentes é assintomática, mas pode atingir o feto quando a
mulher adquire na gravidez. Cerca de 40% das gestantes infectadas transmitirão a doença para o feto
se não forem tratadas adequadamente, e o risco de transmissão aumenta com o avanço da gravidez. O
risco aproxima-se de 100% se a infecção da genitora ocorrer no último mês da gestação. O grau de
comprometimento do concepto é maior no início da gestação. A infecção primária ocorrida na gestação
pode ser transmitida ao feto pela via transplacentária. A invasão da placenta pelos taquizoítos e a
multiplicação dos parasitas neste local é um cenário provável. Eventualmente, taquizoítos atravessam
a placenta e alcançam a circulação e os tecidos fetais. A toxoplasmose congênita pode determinar
abortamento e malformação fetal, com graves repercussões no recém-nascido, inclusive levando ao
óbito.
A incidência da infecção na gravidez, dependendo do país, varia de 1:100 a 1:1.000 nascimentos.
Cerca de 90% das grávidas infectadas não apresentam sintomas e aquelas porventura sintomáticas
exibem quadro clínico inespecífico, influenza-símile (SOGC, 2013).
Risco de transmissão:
• primeiro trimestre: 15% - apresenta repercussões graves no concepto, óbito fetal ou neonatal,
sequelas importantes;
• segundo trimestre: 25% - o recém-nascido apresentará manifestações subclínicas;
• terceiro trimestre: 65% - com manifestações subclínicas e mais raramente um quadro grave de
parasitemia.
Portanto, enquanto o risco de transmissão para o feto aumenta com a duração da gravidez - 15%
no primeiro trimestre, 30% no segundo e 60% no terceiro -, a sua gravidade diminui (Maternidade-
Escola, UFRJ, 2013). Globalmente, a transmissão congênita ocorre em 30% das grávidas infectadas e
não tratadas.
No entanto, se a transmissão ocorrer mais tarde na gravidez, especialmente após 20 semanas,
ela é muito menos grave. A maioria das crianças infectadas (85 a 90%) não apresenta sintomas ao
nascimento - infecção subclínica ou assintomática - e somente serão diagnosticadas por exames
laboratoriais (sorologia IgM). Embora possam parecer saudáveis ao nascimento, podem demonstrar
sintomas clínicos e deficiências na segunda ou terceira década da vida (coriorretinite, problemas
neurológicos e psicomotores, convulsões, retardamento mental). Estima-se que cerca de 1/3 das
crianças infectadas na gravidez desenvolvem coriorretinite ao longo da vida.
Quadro clínico: Cerca de 10% das infecções resultam em abortamento; apenas 10 a 15% dos
recém-nascidos infectados in utero mostram sinais de toxoplasmose ao nascimento, sinais graves.
Quando o quadro clínico já aparece ao nascimento, as sequelas são mais frequentes e graves, com
retardo mental, convulsões, espasticidade ou paralisia, dificuldade visual e auditiva.
Cerca de 70% das crianças acometidas são assintomáticas ao nascimento, no entanto, têm
elevadas frequências de prematuridade, retardo do crescimento intrauterino, anormalidades liquóricas
e cicatrizes de coriorretinite. Os sinais clássicos da tríade toxoplasmósica, que não são comuns mas é
importante saber, são: coriorretinite, calcificações intracerebrais e hidrocefalia. Outros recém-nascidos
exibem variedade de sintomas da infecção aguda - convulsões, esplenomegalia, febre, anemia, icterícia
e linfadenopatia. Podem apresentar doença multissistêmica ou isoladamente, afetando o sistema
nervoso e/ou a forma ocular. O quadro pode caracterizar-se por coriorretinite, convulsão, micro ou
hidrocefalia, calcificações cranianas, icterícia, anemia, hiperproteinorraquia, febre, hipotermia,
hepatoes-plenomegalia, icterícia, vômitos, diarreia, linfoadenome-galia, pneumonite, apneia,
taquipneia, diátese hemorrágica, rash cutâneo, catarata, glaucoma e microftalmia.
Então, a forma subclínica é a mais comum, com história materna, sorologia positiva no RN,
alterações leves do liquor e, posteriormente, surgimento de sequelas oculares e neurológicas. Dentre os
recém-nascidos infectados sintomáticos, aproximadamente 10 a 15% morrem da doença; os recém-
PEDIATRIA
nascidos que sobrevivem sofrem de progressivo retardamento mental ou de outras deficiências
neurológicas.
As sequelas neurológicas mais encontradas são hidrocefalia, microcefalia, retardo psicomotor,
convulsões, hipertonia muscular, hiper-reflexia tendinosa e paralisias. Quanto às complicações
oftalmológicas, podem-se observar microftalmia, sinéquia de globo ocular, estrabismo, nistagmo e
catarata.
A ocorrência de sequelas tardias é frequente em todas as formas clínicas da toxoplasmose não
tratada, podendo ser identificada até a segunda década de vida em aproximadamente 85% dos recém-
nascidos com infecção assintomática.
Diagnóstico da infecção fetal: É realizado por PCR no líquido amniótico (amniocentese). O teste
só deve ser oferecido após 18 semanas da gestação e decorridas 4 semanas da infecção materna
(soroconversão), para reduzir a taxa de resultados falso-negativos (SOGC, 2013). O método tem alta
sensibilidade e valor preditivo positivo, ou seja, se PCR positivo a chance de infecção fetal é muito alta.
Contudo, o teste tem baixa especificidade e valor preditivo negativo, ou seja, um PCR negativo, não
PEDIATRIA
exclui infecção fetal, tornando necessário o acompanhamento da criança e investigação complementar
após o nascimento. Eventualmente, o diagnóstico pode ser feito por ultrassonografia, que mostra
calcificações intracerebrais, ventriculomegalia, hidrocefalia, microcefalia, ascite,
hepatoesplenomegalia, CIR acentuado e placentomegalia.
No recém-nascido, a detecção de IgG não é adequada por causa da passagem transplacentária da
mãe para o feto. A detecção de IgM denota a produção do feto infectado, mas pode não estar presente
ao nascimento, sendo mais recomendado o ELISA IgM por “captura” ou o ISAGA.
O diagnóstico por imagem é importante para detectar envolvimento do sistema nervoso central
(SNC), por meio de radiografia de crânio, ultrassonografia transfontanela e tomografia
computadorizada (TC) de crânio. Radiografia simples de crânio: as calcificações intracranianas difusas,
sem localização característica constituem-se em um achado característico da toxoplasmose congênita.
Essas caLcificações aparecem a partir do terceiro mês de vida em aproximadamente 30% dos pacientes,
sendo a maior parte diagnosticada até os dois anos de vida. Na tomografia computadorizada de crânio
e ultrassonografia: são importantes para um diagnóstico mais preciso das lesões. Evidenciam melhor a
atrofia cortical e as dilatações ventriculares, além de revelarem calcificações não diagnosticadas na
radiografia.
Nódulos calcificados poderão ser localizados em vísceras como fígado e baço. As alterações de
ossos longos são inespecíficas (zonas transversais e/ou estrias transversais radiotransparentes nas
metáfises e irregularidades na linha de calcificação provisória). Assim como na sífilis congênita, pode
ser encontrado placentomegalia à ultrassonografia.
RUBÉOLA
Após período de incubação de 14 a 21 dias, a rubéola exterioriza-se como doença de pequena
gravidade, caracterizada por linfadenopatia pósauricular (precede de 5 dias o exantema); exantema
PEDIATRIA
maculopapular, que se inicia na parte superior do tórax, estendendo-se depois por todo o corpo; e
febrícula. As complicações são mais comuns no adulto e incluem artralgia, artrite, encefalite, neurite e
púrpura trombocitopênica (SOGC, 2009).
A excreção do vírus pela faringe pode ser detectada 7 dias antes do exantema ou até 7 a 12 dias
após o seu início; assim, o paciente é potencialmente infectante por mais de 2 semanas.
A viremia materna é seguida de infecção placentária e posterior viremia fetal. A transmissão
materno-fetal do vírus da rubéola ocorre via placenta, cerca de 5 a 7 dias após a inoculação materna. O
risco de ocorrer essa transmissão é maior nas primeiras 10 semanas de gestação. Entretanto, o risco de
ocorrer malformações prolonga-se até a 18ª a 20ª semana. Após esse tempo, os defeitos congênitos são
raros.
A infecção intrauterina causada pelo vírus da rubéola pode apresentar-se de duas formas:
• infecção congênita da rubéola: engloba todos os eventos associados à infecção intrauterina
pelo vírus da rubéola (abortos, natimortos, combinação de defeitos e também a infecção as-
sintomática); Na infecção congênita da rubéola, predominam manifestações de infecção crônica, como
morte fetal, parto prematuro e defeitos congênitos clássicos da SRC (perda auditiva, catarata e
cardiopatia congênita). Outros achados, como meningoen-cefalite, pneumonia intersticial, lesões
osteolíticas, retinopa-tia, glaucoma, hepatomegalia, icterícia, petéquias, adenopatia, anemia hemolítica
e trombocitopenia, podem ser encontrados no período neonatal.
As manifestações clínicas da infecção congênita da rubéola dependem do período em que
ocorreu a infecção materna. A incidência de defeitos anatômicos é maior nos recém-nascidos de mães
infectadas no primeiro trimestre da gestação. Crescimento intrauterino retardado pode ser a única
sequela quando a infecção materna ocorrer no terceiro trimestre da gestação.
Manifestações precoces
• Perda auditiva: aproximadamente 2/3 dos neonatos apresentam algum grau de perda auditiva
bilateral;
• cardiopatias congênitas: cerca de 50% apresentam algum tipo de defeito cardíaco estrutural,
sendo mais comuns a persistência do canal arterial e a estenose de ramos da artéria pulmonar;
• catarata: ocorre em 25% dos casos;
• microcefalia: ocorre em 27% dos casos.
Manifestações tardias
• Perda auditiva: a mais comum, ocorrendo em 80% dos pacientes. Usualmente é
neurossensorial, bilateral, e a severidade varia de moderada a grave, com progressão ao longo do
tempo;
• distúrbios endócrinos: cerca de 1% dos casos desenvolve diabete melito na infância e
adolescência e 5% apresentam patologias da tireoide;
• panencefalite: ocorre a partir da 2a década de vida, sendo progressiva e fatal.
Diagnóstico laboratorial na grávida: a sorologia para rubéola não é mais exame de rotina no
pré-natal para detectar as pacientes suscetíveis, exceto em grávidas com manifestações clínicas e/ou
vínculo epidemiológico (Ministério da Saúde, 2011).
Em 20 a 50% dos casos de rubéola, o paciente não apresenta exantema, o que dificulta o
diagnóstico; quando feito pelo teste ELISA, o diagnóstico deve ser realizado em duas situações distintas:
Nas grávidas com exantema, os seguintes resultados indicam infeção: soroconversão (caso a
paciente tenha feito teste sorológico); aumento do título de IgG de, no mínimo, 4 vezes em dois
exames espaçados de 2 a 3 semanas (fase aguda exantemática e convalescença) o IgM positivo
Nas grávidas que tiveram contato com a rubéola aplicam-se os mesmos critérios, apenas o
intervalo dos exames pareados será de 4 a 5 semanas.
PEDIATRIA
Diagnóstico da infecção fetal: O diagnóstico clinico de rubéola congênita geralmente só é
confirmado no concepto após o seu nascimento, quando as malformações já se encontram
estabelecidas. A infecção congênita da rubéola deve ser suspeitada em:
• todos os recém-nascidos de mãe com rubéola documentada ou mesmo suspeitada em qualquer
tempo da gestação. O uso de imunoglobulina para tratamento da rubéola materna não garante proteção
contra a infecção do feto;
• todos os recém-nascidos com crescimento intrauterino retardado ou portadores de
manifestações clínicas compatíveis com a SRC;
• todos os recém-nascidos que apresentem alterações significativas no teste de triagem auditiva.
Vacina: a vacinação contra a rubéola faz parte do calendário vacinal do Sistema Único de Saúde
(SUS) e é indicada, atualmente, para crianças com 1 ano de idade e reforço entre os 4 e os 6 anos.
A vacinação é recomendada para mulheres em idade fértil e no pós-parto, e está proibida na
gravidez. Mulheres vacinadas deverão aguardar 1 mês para engravidar [Centers for Disease Control and
Prevention (CDC), 2010]. O abortamento provocado não está indicado em mulheres acidentalmente
vacinadas durante a gravidez ou que não esperaram os 30 dias para engravidar.
PEDIATRIA
Tratamento: Não existe tratamento específico para a infecção congênita pelo vírus da rubéola.
O uso de agentes antivirais ou imuno-globulina específica não altera a evolução da doença, nem possui
qualquer efeito sobre o tempo de excreção do vírus. Portanto, nos casos de SRC, suas manifestações
devem ser abordadas da mesma forma que os neonatos não portadores dessa síndrome:
• perda auditiva: encaminhar para o otorrinolaringologista;
• catarata: encaminhar para o oftalmologista;
• pneumonia intersticial: pode ser necessário o uso de ventilação mecânica em UTI neonatal;
• cardiopatia congênita: encaminhar para o cardiologista;
• meningoencefalite: tratamento de suporte para a estabilização hemodinâmica e controle das
convulsões.
SÍFILIS
A sífilis é doença venérea sistêmica causada pelo Treponema pallidum. A infecção sifilítica pode
ser dividida em diversos estágios: incubação, primária, secundária, latente inicial, latente tardia e
terciária.
A classificação mais recente é em: sífilis inicial (primária, secundária e latente até 1 ano) e tardia
(latente após 1 ano e terciária).
A sífilis primária é caracterizada pelo cancro sifilítico na genitália (lábios), duro, indolor e
linfadenopatia, geralmente 3 semanas após o contato. O estágio secundário ocorre de 6 semanas a 6
meses após a lesão primária; a espiroquetemia determina exantema maculopapular envolvendo todo o
corpo, especialmente mãos e pés. Sintomas não específicos como febre, perda de peso e mal-estar
ocorrem em 50% dos pacientes.
A fase secundária é seguida pela fase latente, caracterizada pela falta de lesões clínicas aparentes
e teste sorológico positivo. A doença pode ser comunicável nos 4 anos iniciais da fase latente e
geralmente não é transmissível após esse prazo, com exceção da infecção fetal transplacentária.
A fase terciária ou tardia é o estágio de destruição tecidual que aparece 10 a 25 anos após a fase
inicial em quase 35% dos pacientes não tratados. As lesões granulomatosas (gomas) podem ocorrer em
qualquer órgão, sendo muito mais dependentes da resposta local imune que da ação direta do
organismo. As manifestações mais graves da sífilis terciária incluem o sistema cardiovascular e o SNC:
insuficiência aórtica, estenose do óstio coronário, tabes dorsalis, demência e morte.
Estudos longitudinais em pacientes não tratados indicam que aproximadamente 1/3 dos
indivíduos infectados permanece em estágio latente por toda a vida; 1/3 sofre cura espontânea e o 1/3
restante desenvolve manifestações tardias.
O rastreamento é feito com o VDRL, mas a ocorrência de falso-positivo obriga que seja feita a
confirmação com o FTA-Abs.
Em geral, o VDRL se torna positivo 1 a 3 semanas após o aparecimento do cancro duro). O VDRL
quantitativo também é o teste de escolha para seguir os casos após o tratamento, uma vez que o FTA-
Abs permanece positivo após a infecção sifilítica inicial.
Sífilis congênita
A transmissão vertical da sífilis permanece sendo um problema de saúde pública no Brasil (MS,
2006). Das várias doenças que podem ser transmitidas durante a gravidez, a sífilis é a que tem a maior
taxa de transmissão.
A sorologia VDRL na primeira consulta pré-natal é a medida mais importante para identificar os
fetos de risco para a sífilis congênita. O MS (2006) recomenda ainda a repetição do teste no terceiro
trimestre (28 semanas).
A transmissão do agente se dá através da via transplacentária ou através da contaminação do
bebe durante sua saída pelo canal de parto. O leite materno não transmite sífilis. A infecção
PEDIATRIA
transplacentária (principal) pode ocorrer durante quaisquer estágios da doença e idade da gravidez; o
comprometimento fetal depende particularmente da treponemia materna. Assim, a taxa de transmissão
em mulheres não tratadas será de 70 a 100% nas fases primária, secundária e latente inicial; e de 30%
nas fases latente tardia e terciária (MS, 2006). A infecção in utero pode determinar abortamento,
natimortalidade, hidropisia fetal não imune (HFNI), placentomegalia e parto pré-termo;
aproximadamente 50% dos fetos escapam da infecção. As mães com sífilis primária e secundária têm
maior chance de transmissão, pois a parasitemia nestes estágios clínicos é maior.
A transmissão fetal pode ocorrer ao longo de toda a gravidez, mas as chances são menores até o
quarto mês e aumentam em direção ao termo, já que o fluxo placentário aumenta progressivamente até
o terceiro trimestre. A transmissão da infecção no final da gravidez está associada a maior dano fetal,
paradoxalmente quando é maior a sua competência imunológica.
No feto, ele acomete inicialmente o fígado, para depois se disseminar para pele e mucosas,
esqueleto, pulmões e sistema nervoso central. A pneumonia alba, uma lesão pulmonar que surge ainda
no periodo fetal, é incompatível com a vida. Cerca de 40% dos casos de sífilis não tratada na gestação
terminam em óbito fetal (abortamento espontâneo, natimorto) ou morte neonatal precoce.
Sífilis Congênita Precoce: Ocorre em menores de 2 anos, resultante de infecção ativa. Além da
prematuridade e do baixo peso ao nascimento, as principais manifestações clínicas são hepatomegalia
com ou sem esplenomegalia, lesões cutâneas (pênfigo palmoplantar, condiloma plano), periostite,
osteíte ou osteocondrite, pseu-doparalisia dos membros (pseudoparalisia de Parrot), sofrimento
respiratório com ou sem pneumonia, rinite serossanguinolenta, icterícia, anemia e linfadenopatia
generalizada (principalmente epitrodear). Também podem ocorrer petéquias, púrpura, fissura
peribucal, síndrome nefrótica, hidropsia, edema, convulsão e meningoencefalite (hiperproteinorraquia,
pleiocitose, VDRL positivo no LCR), hidrocefalia, paralisia de pares cranianos, coriorretinite (lesão em
“sal e pimenta”), glaucoma e catarata.
Na sífilis congênita precoce, a hepatomegalia e esplenomegalia estão presentes na maioria dos
casos, podendo ser acompanhadas por anemia, púrpura e icterícia com grande aumento de
transaminases. Quanto mais precoces forem os sinais clínicos, maior a gravidade da doença, ocorrendo
mortalidade de 25% nos filhos de mães não tratadas. Descreveremos os principais achados clínicos:
■ [Lesões viscerais] Hepatite: sua ocorrência indica prognóstico mais reservado. Clinicamente
manifesta-se por icterícia por deficiência de excreção da bilirrubina direta. Pode acompanhar-se de
esplenomegalia e distúrbios hemorrágicos.
■ [Lesões viscerais] Baço: o aumento do baço é um dos achados mais frequentes na sifilis
congênita, sendo junto com a hepatomegalia a mais comum manifestação visceral da doença.
■ [Lesões viscerais] Rim: a lesão renal poderá apresentar-se como síndrome nefrótica ou
síndrome nefrítica associada a depósito de complexos imunes na membrana basal do glomérulo. Ela
geralmente aparece em torno do segundo ao terceiro mês. O tratamento com penicilina se
acompanhará de remissão do quadro renal.
Sífilis Congênita Tardia: Ocorre após o segundo ano de vida, com malformações ou cicatrizes
da doença precoce. As principais manifestações são: tíbia em “lâmina de sabre”, articulações de Clutton,
fronte “olímpica”, nariz “em sela”, dentes incisivos medianos superiores deformados (dentes de
PEDIATRIA
Hutchinson), molares em “amora”, rágades periorais, mandíbula curta, arco palatino elevado, ce-ratite
intersticial, surdez e dificuldade no aprendizado.
Testes não treponêmicos (VDRL, RPR ou TRUST): São muito sensíveis e pouco
específicos, indicados para diagnóstico inicial e seguimento terapêutico, porque podem ser titulados.
Os testes não treponêmicos empregam antígenos lipídicos não específicos, isolados a partir do coração
de boi (cardiolipina). Assim, eles não são muito específicos, pois não avaliam anticorpos contra o
treponema e sim contra o complexo lipídico que o treponema libera quando ele é lesado. Devem ser
realizados no sangue periférico do recém-nascido, e não no sangue do cordão umbilical.
Os dois tipos principais sào:
SERÁ QUE PODEM SER FEITAS ESSAS SOROLOGIAS NO LÍQUOR? SIM!! Devemos realizar a
punção lombar para investigação de comprometimento neurológico (60% dos casos assintomáticos)
em todos, os casos suspeitos de sífilis congênita. Sempre que o VDRL for positivo no liquido
cefalorraquidiano, o RN deve ser considerado como portador de neurossífilis congênita. Entretanto o
VDRL negativo pode não afastar neurossífilis. Na presença de pleocitose (> 25 hemácias/mm3),
aumento das proteínas no LCR (> 150 mg/dl) ou de um LCR inconclusivo, o RN deve ser considerado
como portador de neurossífilis.
O FTA realizado no LCR possui implicações de ordem técnica em sua interpretação. Dessa forma,
um RN com VDRL negativo e FTA positivo, pode representar apenas transferencia passiva de anticorpos
do sangue para o sistema nervoso central.
B.2. Recém-nascido com teste não treponêmico positivo e uma ou mais alterações:
• qualquer evidência clínica de sífilis congênita;
• qualquer manifestação radiológica de sífilis congênita;
• VDRL positivo no liquor;
• liquor com aumento de celularidade ou de proteínas, sem outra causa aparente;
• título do teste não treponêmico (VDRL/RPR) no recém-nascido, 4 vezes superior ao
materno;
• sorologia para sífilis ainda positiva após o 6° mês de vida ou VDRL que se mantém ou
aumenta nos três primeiros meses de vida;
• testes treponêmicos para detecção de IgM (FTA-Abs IgM 19S ou ELISA IgM ou Imunoblot
IgM) positivos no soro do recém-nascido;
• PCR para o antígeno 47 kDa positivo em soro/sangue e/ou LCR do recém-nascido.
TRATAMENTO
A droga de escolha é a penicilina. O Treponema pallidum continua sensível a este fármaco.
Devemos ter em mente que as formas mais comumente empregadas são a cristalina (sempre prescrita
a RN internados) e a procaína. A penicilina benzatina é usada apenas em situações excepcionais c de
baixo risco (vide adiante), pois não atravessa a barreira hematoencefálica.
Tratamento materno: A droga de escolha é a penicilina benzatina, 2.400.000 UI, IM,
semanalmente, por 3 semanas seguidas (ou seja, considerando tratamento de sífilis tardia pela
dificuldade em datar o tempo de infecção da mãe), com tratamento também do parceiro.
Nos recém-nascidos de mães com sífilis inadequadamente tratada (ou não tratada)
• Se o recém-nascido apresentar VDRL positivo (qualquer titulação) e/ou existirem
alterações clínicas e/ou de exames (radiológicas e/ ou hematológicas), mas sem
comprometimento neurológico (sem líquor alterado), tratar com penicilina cristalina, por via
endovenosa (EV) por 10 dias, na dose de 50.000 UI/kg/dose a cada 12 horas na primeira semana
de vida e a cada 8 horas após a primeira semana ou com penicilina procaína 50.000 UI/kg/dose
a cada 24 horas, por via IM por 10 dias;
PEDIATRIA
• se houver alteração liquórica ou se não for possível colher o LCR, empregar a
penicilina cristalina EV por 10 dias, na dose de 50.000UI/kg/dose a cada 12 horas na primeira
semana de vida e a cada 8 horas após a primeira semana. A penicilina procaína não é indicada na
possibilidade de neurossífilis por não penetrar pela BHE;
• se o recém-nascido for VDRL negativo, sem alterações clínicas, radiológicas,
hematológicas ou liquóricas, aplicar penicilina benzatina na dose única de 50.000 UI/kg IM, SE
HOUVER POSSIBILIDADE DE ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL. O acompanhamento é
obrigatório, incluindo VDRL sérico seriado. Sendo impossível garantir o acompanhamento, “que
é o mais comum”, tratar com penicilina cristalina ou procaína nas doses recomendadas por 10
dias.
Seguimento: Por causa do risco de reativação da doença em 14% dos casos, recomenda-se o
seguimento clínico ambulatorial e laboratorial da sífilis congênita.
CITOMEGALOVÍRUS
O citomegalovírus (CMV) é um herpes-vírus: o herpesvirus tipo 5 (HHV-5). Este grupo inclui os
vírus herpes simples (HSV) dos tipos 1 e 2, o vírus varicela-zóster (VZV) e o vírus Epstein-Barr (EBV).
No caso específico do homem, provoca a doença de inclusão citomegálica. Todos esses vírus mantêm a
característica de ficarem adormecidos, latentes nas células, para sempre.
O único reservatório para o CMV humano é o próprio homem. A infecção primária por CMV é
caracterizada por uma fase virêmica inicial, quando ocorre a replicação viral no sangue, por período
variável de dias a semanas, seguida pela excreção viral persistente em diferentes fluidos corporais,
como urina, saliva, secreções genitais, leite materno e lágrimas.1’2 Esse período é seguido por uma
ampla resposta do sistema imunológico adaptativo do hospedeiro infectado e, após diversas semanas,
a latência viral é estabelecida. A latência viral é caracterizada por uma baixa ou ausência de replicação
viral detectável com manutenção do genoma viral na forma de epissoma em células do endotélio
vascular, monócitos e células progenitoras mieloides, as quais albergam o vírus e permitem
subsequentes replicações (reativação), com ou sem manifestação da doença. A infecção não primária,
recorrente ou secundária, é caracterizada pela reativação do vírus latente endógeno ou pela nova
exposição a diferentes cepas do CMV (reinfecção).
Ao contrário de outras infecções, como rubéola e toxoplasmose, a gestante previamente imune
ao CMV pode transmitir a infecção ao feto como resultado da reativação do vírus endógeno ou pela
PEDIATRIA
reinfecção com novas cepas do CMV.1-3 Essa característica torna o CMV a causa mais comum de
infecção congênita no homem e consiste em um desafio para as estratégias de prevenção da transmissão
vertical desse vírus.
Além da sua importância em fetos e recém-nascidos, esse vírus é um importante agente
infeccioso em crianças imunocomprometidas, como receptores de transplantes e portadoras de
HIV/aids. Ao replicar no paciente imunologicamente comprometido, o CMV pode modular a resposta
imunológica e colaborar para o desencadeamento de manifestações clínicas mais graves.1 A infecção
pelo CMV e sua gravidade refletem um equilíbrio entre as propriedades do vírus e fatores relacionados
com a intensidade da resposta imunológica do hospedeiro. Em hospedeiros imunocompetentes, a
infecção é assintomática na vasta maioria dos casos ou, em uma pequena proporção, pode cursar com
quadro semelhante ao da mononucleose infecciosa, geralmente de evolução benigna. Os fatores virais
que contribuem para o aparecimento da doença pelo CMV incluem a quantidade de vírus ao qual o
paciente é exposto bem como a dinâmica da replicação viral. Os fatores do hospedeiro incluem o seu
estado imunológico, como a sua capacidade de montar uma resposta imune celular e humoral completa
e adequada. Embora existam diferentes genótipos do CMV, a variabilidade genética entre as diferentes
cepas parece não influenciar na virulência cepa-específica e no aparecimento da doença.
As crianças podem adquirir a infecção primária pelo vírus precocemente por 3 vias (transmissão
vertical): ainda no período pré-natal (congênita), pela exposição a secreções genitais durante o parto
(intraparto) ou pós-natal precoce, por meio do aleitamento materno.1,4 Após o estabelecimento de
medidas de inativação do CMV com relação à transfusão de hemoderivados, o aleitamento materno vem
sendo apontado como a fonte mais importante de infecção por esse vírus.
Uma característica já muito bem conhecida em crianças infectadas congenitamente pelo CMV é
a excreção viral prolongada na saliva e principalmente na urina, durante anos, a despeito da presença
de anticorpos contra o vírus, produzidos naturalmente pelas crianças com infecção congênita e
perinatal. A virúria é a excreção na saliva, observada em todos os lactentes jovens infectados
congenitamente ou no período pós-natal precoce, representa um importante papel no ciclo natural da
transmissão do CMV, especialmente para mulheres na idade fértil. Não é conhecido se essas crianças
albergam uma única cepa do CMV ou se a reinfecção com novas cepas contribui para manter a excreção
viral prolongada.
Dessa forma, as chances de transmissão do vírus são inúmeras, seja para a primeira exposição
da criança ao CMV bem como para o reencontro com o vírus (reinfecção), especialmente em crianças
que frequentam ambientes como creches e escolas. Estima-se que ao final da idade escolar e início da
adolescência, a soroprevalência ao CMV seja de aproximadamente 80% em países em desenvolvimento
e em populações de baixo nível socioeconômico.2 Ao final da adolescência, essas taxas podem ser
superiores a 90%, como resultado da transmissão sexual. Dessa forma, espera-se que grande parcela
das mulheres já tiveram infecção primária por CMV na idade fértil.2,3,5 A Tabela 1 mostra as taxas de
soroprevalência ao CMV de acordo com a idade em uma população de gestantes brasileiras.
A prevalência da infecção congênita por CMV aumenta à medida que aumenta a soroprevalência
materna ao CMV. Estima-se que aproximadamente 0,2 a > 1% de todos os recém-nascidos sejam
infectados pelo CMV como resultado da infecção congênita.1-3 Nos países em desenvolvimento, onde
quase todas as mulheres são soroimunes, as taxas de infecção congênita são as mais altas. No Brasil, em
uma população materna com 98% de soropositividade,5 a prevalência de infecção congênita por esse
vírus foi estimada em 1%,6 indicando que a maior carga da infecção congênita por CMV esteja associada
a infecções maternas não primárias, seja pela reativação ou reinfecção com novas cepas virais.7
Evidências crescentes sugerem que além de não prevenir contra a infecção, a imunidade materna antes
da concepção não protege contra a infecção sintomática ou a ocorrência de sequelas.3,7
A infecção pós-natal precoce por meio do aleitamento materno incide em 20 a 60% dos recém-
nascidos, dependendo da soroprevalência materna ao CMV e da prática do aleitamento materno.4
Dentre as mulheres soropositivas ao CMV, 32 a 96% podem excretar o vírus no leite (virolactia), com
pico de excreção na terceira e quarta semana; entretanto, o CMV pode ser encontrado no leite materno
no período de 1 dia a 9 meses pós-parto.4 Dessa forma, espera-se que mais da metade das crianças que
pertencem a uma população com alta exposição ao vírus já tenha sido infectada até o final do primeiro
ano de vida.
PEDIATRIA
Para a maioria das pessoas que adquirem a infecção pelo CMV após o nascimento, a
sintomatologia é pobre, síndrome mononucleose-símile, com febre prolongada e hepatite leve, com
testes para mononucleose e hepatite negativos.
Infecção congênita
Para a grávida, as duas vias mais comuns de exposição ao CMV são o contato sexual (sêmen) e o
contato com a saliva e a urina de bebês infectados.
A infecção congênita pelo CMV é responsável por sequelas definitivas e morte na infância em
maior número de casos que a síndrome de Down, síndrome alcoólica fetal e defeitos do tubo neural
(CDC, 2010) (Figura 39.16).
O CMV é causa importante de surdez neurossensorial e de retardamento mental.
Em torno de 1 a 4% das mulheres soronegativas apresentam infecção primária pelo CMV e a taxa
de transmissão fetal é de 30% (Figura 39.17). Aproximadamente 50 a 80% das mulheres em idade fértil
(até 40 anos) são soropositivas e passíveis de infecção secundária ou recorrente; neste grupo, a taxa de
transmissão fetal é de apenas 1% e é pequeno o risco de sequela definitiva no bebê infectado.
A infecção primária por CMV no primeiro e no segundo trimestres da gravidez é responsável por
5 a 10% de recém-nascidos infectados sintomáticos e, desses, 30% morrem; dos que sobrevivem, 90%
apresentam sequelas definitivas (perda da audição e comprometimento neurológico). Dos 90 a 95%
assintomáticos, 10 a 15% desenvolvem sequelas (perda auditiva neurossensorial). A infecção pelo CMV
no terceiro trimestre da gravidez traz riscos mínimos de sequelas nos fetos infectados. Uma estatística
francesa recente mostrou que, nos casos em que a infecção materna primária ocorreu após 14 semanas
da gestação, não foi observada a ocorrência de infecção congênita grave.
A história natural da infecção congênita pelo CMV pode ser vista na Figura 39.18 (CDC, 2010).
Para cada 1.000 mulheres cuja gravidez resulte em nascimento vivo, cerca de 400 não tiveram infecção
pelo CMV; das 400, sete serão infectadas na gravidez e duas transmitirão o CMV para o feto. Por outro
lado, das 600 que tiveram a infecção antes da gravidez, seis transmitirão a infecção para o feto (infecção
secundária). É importante informar que o risco é de apenas 1% e a ocorrência de sequelas definitivas
no recém-nascido é pequena. No aspecto global, de cada 1.000 nascimentos vivos, cerca de oito bebês
(< 1%) apresentarão infecção congênita, dos quais um a dois (0,1%) mostrarão sequelas definitivas.
Os sinais clínicos mais comuns observados na criança com infecção congênita por CMV
consistem na presença de peté-quias, icterícia colestática e hepatoesplenomegalia, acompanhados ou
não de anormalidades neurológicas como a microce-falia.1,8 Os achados laboratoriais observados em
cerca de 50% das crianças sintomáticas refletem o acometimento hepatobi-liar e retículo-endotelial,
caracterizados por trombocitopenia, hiperbilirrubinemia conjugada e elevações de enzimas hepáticas.
A apresentação clínica pode variar de um quadro clínico leve, com manifestações transitórias, para um
acometimento sistêmico grave, levando a uma taxa de mortalidade neonatal de 5 a 10%.1,8 O
envolvimento sistêmico geralmente é caracterizado por várias manifestações incluindo letargia,
hepatoesplenome-galia, icterícia colestática progressiva, pneumonite, hidropisia, rash petequial ou
sufusões, hemólise com anemia importante, aplasia medular com plaquetopenia e neutropenia
refratária e persistente. Essa condição geralmente pode ter evolução fulminante, evoluindo para óbito
ainda no período neonatal.8
O CMV é reconhecido como a causa infecciosa mais frequente de surdez neurossensorial não
hereditária na infância, acometendo cerca de 50% das crianças sintomáticas e de 10 a 15% das crianças
infectadas assintomáticas.9 No Brasil, a estimativa da prevalência de surdez neurossensorial
relacionada ao CMV é de 11% acometendo 50% das crianças sintomáticas e 6% daquelas
assintomáticas.10 A perda auditiva neurossenso-rial, uni ou bilateral, como consequência da infecção
congênita pelo CMV, pode estar presente ao nascimento ou manifestar e progredir tardiamente.9 As
avaliações audiológicas pelo teste do potencial evocado de tronco cerebral (PEATE) ou pela
audiometria condicionada, de acordo com a idade da criança, devem ser realizadas quando do
diagnóstico ainda no período neonatal e periodicamente até a idade escolar.
O envolvimento ocular pode ocorrer em 10 a 20% das crianças sintomáticas, sendo muito raro
em crianças assintomáticas.
A infecção pós-natal precoce adquirida através do leite materno é assintomática na vasta
maioria dos recém-nascidos a ter-mo.4 Entretanto, em recém-nascidos prematuros com peso inferior a
1.500 g e/ou idade gestacional inferior a 32 semanas, essa infecção tem sido associada a quadros
clínicos de gravidade variável, como a síndrome séptica viral, com neutropenia, plaquetopenia e
icterícia colestática acompanhado ou não de pneumonite e exacerbação de quadros pulmonares
preexistentes em recém-nascidos com prematuridade extrema.
A doença pelo CMV em crianças infectadas pelo HIV ocorre com menor frequência do que nos
adultos infectados.
PEDIATRIA
Diagnóstico da infecção fetal: Como o risco de infecção intrauterina pelo CMV ocorre em 30%
das gestações de mulheres com a infecção primária e em apenas 1% daquelas com infecção secundária,
é necessário diagnosticar a transmissão fetal.
Muitos recursos diagnósticos estão disponíveis atualmente no diagnóstico da infecção por CMV.
A escolha de qual amostra clínica deve ser obtida bem como qual recurso laboratorial é mais adequado
para cada situação clínica e a interpretação criteriosa dos resultados consistem em um desafio na
prática clínica. Os achados ultrassonográficos são importantes, mas não diagnósticos, pois são comuns
a outras doenças fetais. Além disso, as alterações sonográficas somente são observadas em não mais de
25% dos fetos infectados (SOGC, 2010). As mais frequentes incluem crescimento intrauterino restrito
(CIR) (cerca de 10%), ventriculomegalia, calcificações intracerebrais periventriculares e hepáticas,
microcefalia, intestino hiperecogênico e ascite.
Contudo, o teste usual para o diagnóstico da infecção fetal pelo CMV é a PCR no líquido amniótico
(PCR-LA). Para conseguir boa sensibilidade, a amniocentese deve ser realizada 6 semanas após o início
da infecção materna e depois de 21 semanas da gravidez.
PEDIATRIA
A presença do CMV (por isolamento viral ou pela detecção do DNA viral pela PCR) na urina
(virúria) e/ou na saliva do recém-nascido nas primeiras 3 semanas de vida é considerada como
marcador definitivo de infecção congênita por esse vírus. A ausência do vírus na saliva e/ou na urina ao
nascimento até 3 semanas de vida exclui o diagnóstico de infecção congênita. A detecção do vírus a
partir da quarta até 12 semanas de vida indica infecção adquirida no período perinatal ou pós-natal
precoce.
Tratamento:
• Nenhum tratamento está indicado para a infecção pelo CMV em pessoas saudáveis
• O tratamento antivirótico é prescrito para pacientes imunodeprimidos com infecção pelo CMV
potencialmente fatal
• Há dados limitados sobre o emprego do ganciclovir em recém-nascidos com infecção congênita
pelo CMV com envolvimento do SNC, com o propósito de evitar perda auditiva e outras sequelas
neurológicas. O ganciclovir pode apresentar graves efeitos colaterais
• Todas as crianças infectadas congenitamente pelo CMV devem ser submetidas regularmente a
testes auditivos e visuais
• Estudos recentes, ainda inconclusivos, sugerem que a administração da globulina hiperimune-
CMV a mulheres com infecção primária talvez reduza o risco de infecção congênita.
• A droga de escolha para o tratamento da doença pelo CMV em crianças HIV positivas é o
ganciclovir.
Com relação ao tratamento da infecção perinatal, ele pode ser indicado nos casos de infecção
sintomática grave, especialmente em prematuros. O ganciclovir é administrado na mesma dose
utilizada na infecção congênita, mas com duração de 2 a 3 semanas, dependendo da resposta clínica,
dos exames laboratoriais e da supressão da viremia e virúria.
PEDIATRIA
HERPES SIMPLES
O herpes simples é uma doença infecciosa determinada pelo herpes simplex virus (HSV) com
dois tipos sorologicamente distintos: tipo 1 (HSV-1) e tipo 2 (HSV-2).
O HSV-1 é o responsável pela infecção não genital (lábios, face, córnea, mucosa oral), e o HSV-2
está associado à infecção genital (pênis, uretra, vulva, vagina, cérvice, pele das coxas e das nádegas).
Depois do episódio de infecção primária genital, com remissão completa, a doença pode recorrer
sem qualquer relação com contágio venéreo ulterior (infecção recorrente).
Durante os últimos anos, houve ascensão notável na incidência de infecções do aparelho genital
por vírus herpético.
• intrauterina: muito rara. Ocorre por meio de viremia materna ou infecção ascendente do
trato genital, mesmo com membranas íntegras;
• perinatal: responde por 85% do total. Ocorre por meio do contato do recém-nascido com
o trato genital materno infectado, com lesões ou não;
• pós-natal: cerca de 10% das infecções; ocorre quando um cuidador com infecção ativa
(p.ex., herpes labial) tem contato próximo com um recém-nascido.
HSV materno: A infecção genital pelo HSV é mais comum com o HSV-2 (90%), mas a doença
genital pelo HSV-1 está aumentando de frequência (10 para 20%). Quando um indivíduo sem anticorpo
HSV-1 ou HSV-2 adquire qualquer um dos vírus no sistema genital, é estabelecida uma infecção primária
primeiro episódio. Se a pessoa com anticorpo HSV-1 preexistente adquire infecção genital HSV-2 (ou
vice-versa), ocorre a infecção não primária primeiro episódio. A reativação do vírus e a sua translocação
para a pele e mucosas produzem a infecção recorrente. A diferenciação por sorologia e por PCR/cultura
da lesão genital, entre esses três tipos clínicos, é possível e complexa, mas foge ao escopo do capítulo.
Ainda, a infecção genital HSV pode ser clinicamente aparente (p. ex., lesões genitais) ou
inaparente (assintomática ou subclínica), localizando-se o vírus na cérvice uterina.
Cerca de 2/3 das mulheres que adquirem o herpes genital durante a gravidez permanecem
assintomáticas. Isso é consistente com o achado de que 60 a 80% das mulheres cujos bebês foram
infectados pelo HSV não apresentam qualquer lesão durante o parto, nem referem história de herpes
genital. A transmissão para o recém-nascido ocorre com qualquer tipo de infecção materna, mas,
certamente, com taxas individualizadas que serão mostradas a seguir.
FETO: Na infecção transmitida por viremia materna predominam sinais de infecção placentária,
como infarto, necrose, calcificações e sinais de envolvimento fetal grave como hidropsia. A morte do
concepto geralmente ocorre. Os sobreviventes exibem lesões de pele (vesículas, ulcerações ou
cicatrizes), lesões oculares e graves anomalias do SNC, como microcefalia e hidranencefalia.
A infecção HSV do recém-nascido pode ser adquirida de três maneiras: intrauterina, intraparto
(perinatal) ou pós-natal. A época da transmissão na gravidez na maioria dos casos, cerca de 85%, ocorre
durante o parto. Cifra adicional de 10% dos recém-nascidos adquire HSV-1 pós-natal da mãe ou de
qualquer outro contato e, finalmente, 5% são infectados pelo HSV-1/HSV-2 in utero. As manifestações
da infecção congênita intrauterina são muito graves e incluem microcefalia, hepatoesplenomegalia, CIR
e natimortalidade.
Bebês nascidos de mães que apresentam infecção primária genital de HSV próxima do termo e
estejam eliminando o vírus no momento do parto apresentam risco 10 a 30 vezes maior de
desenvolverem a doença em comparação com aqueles de mães com infecção recorrente, apesar de
também estarem eliminando o vírus no parto. Isso se deve, em parte, à significativa transferência de
anticorpos protetores maternos a partir do sétimo mês de gravidez.
A incidência de herpes neonatal varia conforme o tipo de infecção materna: 57% na mulher com
infecção primária primeiro episódio; 25% naquelas com infecção não primária primeiro episódio; 2%
naquelas com infecção recorrente.
O diagnóstico da infecção herpética neonatal pode ser realizado levando-se em conta o quadro
clínico e/ou a cultura positiva, presentes 48 h após o parto. A infecção HSV adquirida intraparto ou pós-
natal pode assumir três tipos clínicos:
PEDIATRIA
• Disseminado: envolvimento de múltiplos órgãos (pulmão, fígado, suprarrenal, pele, olhos,
cérebro) (presente em 25% dos casos)
Doença disseminada: ocorre em 25% dos casos. Envolve múltiplos órgãos, como fígado,
pulmões, adrenais, SNV, pele, olhos e boca. As manifestações clínicas são muito semelhantes à
sepse causada por outros microrganismos e incluem febre ou hipotermia, apneia, letargia,
irritabilidade, desconforto respiratório, distensão abdominal. Com a progressão da doença,
podem surgir hepatite, ascite, icterícia, neutropenia, trombocitopenia, coagulação intravascular
disseminada, derrame pleural, enterocolite necrotizante, convulsões e choque. A mortalidade
ultrapassa 80% nessa forma de doença.
Diagnóstico: Todos os recém-nascidos que apresentem algum grau de suspeição clínica devem
ser submetidos ao rastreamento para infecção por HSV. Os testes laboratoriais incluem hemograma
(neutropenia e plaquetopenia), transaminases (que vão se elevar), bilirrubinas (que vão se elevar),
ureia e creatinina, amônia, PCR para HSV DNA no sangue, liquor com PCR para HSV DNA, swab
(raspagem) das lesões de pele e mucosas para identificação do HSV por imunofluorescência direta e
cultura viral.
O isolamento do vírus em cultura de tecidos e sangue é a técnica mais específica para o
diagnóstico da infecção pelo HSV, mas não é um método disponível na prática diária. Assim, a detecção
do HSV DNA pela PCR tem sido o método de escolha para o diagnóstico de infecção pelo vírus HSV por
causa de sua alta sensibilidade. Entretanto, resultados falso-negativos podem ocorrer principalmente
no liquor, quando existir grande quantidade de hemácias ou proteína elevada. A imunofluorescência
direta é um método que permite rápida identificação do antígeno viral, além de identificar o tipo (HSV1
ou HSV2). Os testes sorológicos normalmente não ajudam no diagnóstico da infecção neonatal, mas
podem ser usados no pré-natal, como método de prevenção da infecção congênita.
A ultrassonografia fetal pode ser útil ao demonstrar as lesões no cérebro fetal, porém, ao
nascimento, o diagnóstico deve ser confirmado pela ressonância magnética, que tem mostrado melhor
sensibilidade que a TC, principalmente no acompanhamento de lesões cerebrais.
A radiografia de tórax pode ser útil para demonstrar pneumonite intersticial, e a
ultrassonografia abdominal pode mostrar o envolvimento do fígado, rins e ascite.
PNEUMONIA