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Beatitude
Uma vez apresentado sobre as duas esferas centrais deste trabalho que é o
Livre-arbítrio e a Divina Providência, verifica-se a necessidade de apresentar o
resultado da conciliação de ambas para o alcance da Beatitude. Este capítulo tem
por objetivo refletir sobre a concepção ética de Tomás de Aquino no que diz respeito
a noção beatitude. Demonstrar-se-á que a felicidade é o fim que todo homem
deseja, é a virtude das virtudes e que só pode ser obtida na prática social. Para
Santo Tomás, o homem conhece o fim das coisas, mas não conhece plenamente
Deus.
Ademais, dois são os objetos da ética tomista: o estudo dos atos humanos e
o estudo da moralidade, que trata sobre a bondade ou maldade humana proveniente
da ação voluntária. Portanto, a ética de Santo Tomás basicamente tem a intenção
de levar o homem, juntamente com seus atos livres, ao bem último, felicidade última,
que é Deus.1
A busca da própria finalidade é a tendência de tudo o que existe, “desde o
grão de areia até Deus. Nossa inteligência conhece sua própria finalidade: julgar em
conformidade com a natureza e com a existência das coisas e elevar-se à sua
Causa primeira e a seu Fim último”. 2
Existe uma tendência de buscar o seu fim, sendo esta natural e
inconsciente, sem sensibilidade nenhuma, como ocorre com os seres sem razão: um
ser mineral, por exemplo, sempre tenderá para o centro da terra, para sua
estabilidade. Ou com sensibilidade vegetativa, como as plantas tendem para a luz e
o calor do Sol; ou ainda com certo conhecimento sensível, como os animais que
buscam alimento e defendem a própria vida, protegendo-se e evitando os perigos,
que para eles constituem o contrário do bem ao qual tendem. Já os seres
inteligentes devem querer seu fim de modo racional. Por isso, segundo São Tomás,
no homem, “as coisas para as quais tem inclinação natural, a razão apreende como
bens e, em consequência, como algo que deve ser buscado. E o contrário destas
1 SIQUEIRA, Grégori Lopes; BRIXNER, Israel. O fim último da ética de Santo Tomás de
Aquino. Educação e ciência na era digital. Santa Maria: UNIFRA, p. 1-9, jan./dez. 2011.
2 GARRIGOU-LAGRANGE, Réginald. El realismo del principio de finalidad. Buenos Aires:
Santo Tomás faz uma distinção: há a beatitude imperfeita, que pode ser
alcançada nesta vida, pois é dada a natureza humana, e há a beatitude perfeita, que
é a visão de Deus e que não pode ser alcançada nesta vida, porque transcende a
natureza humana. Diz Tomás: “Duas são as bem-aventuranças: a imperfeita, que se
tem nesta vida, e a perfeita, que consiste na visão de Deus”. (TOMÁS DE AQUINO,
Sum. Theo., I-II, q. 4, a. 5, r.).6 O corpo é algo necessário para colocar em prática a
beatitude imperfeita, pois a ação da beatitude imperfeita é a ação do intelecto
especulativo ou prático. O que acontece na ação do intelecto, é que ele é movido
(no caso da beatitude imperfeita) pelas representações imaginárias, as quais são
expressas em um determinado órgão corpóreo. É aqui, que se fundamenta a
necessidade da existência do corpo para que possa ter a beatitude nesta vida, esta,
neste caso, como dependente deste corpo. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II,
q. 4, a. 5, r.).7
A beatitude imperfeita na filosofia moral de Santo Tomás é alcançável e
praticável na imanência, ou seja, nesta vida. Tal noção de beatitude recebe esta
denominação de imperfeita porque é realizável no mundo sensível, na pratica e nas
ações do homem. Este modelo beatífico é passível de todas as formas de mudanças
Alberto Oteiza Quirno. Buenos Aires: Ediciones Desclée de Brouwer, 1951, p. 491.
É, pois, desta forma que a felicidade não encontra-se de forma plena nos
entes que foram criados por Deus, a não ser no próprio criador. Através do
conhecimento do amor de do bem agir de Deus, o homem é capaz de conhecer a
felicidade, mas de forma parcial ainda nesta vida, e desta forma aperfeiçoar cada
vez mais suas atitudes com bens superiores. Quanto a felicidade perfeita, esta
encontra-se apenas na vida eterna. Assim, a partir do conhecimento espiritual e da
tendência racional que o ser humano possui, ele já se insere no reino da
moralidade.18
Sobre esta aquisição de felicidade, Santo Tomás investiga ainda mais a
fundo quanto sua obtenção, de que forma podemos conquistar a felicidade, mesmo
que parcialmente. Assim diz o Aquinate:
Filosofia. Trad. James Bastos Ares e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes; Rio de
Janeiro: PUC, 2001, p. 163.
25 Cf. OLIVEIRA, op. cit., 71.
26 Cf. OLIVEIRA, loc. cit.
27 Cf. TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 63.
forma, fica claro que somente uma realidade pode satisfazer as condições
necessárias para ser o fim último par ao homem, enquanto capaz de satisfazer o seu
desejo. Somente Deus pode ocupar tal lugar, isso dado por ele ser o Ser em seu
sentido pleno, ato puro, onde nele está toda a perfeição. Nada pode satisfazer a
vontade do homem senão o bem universal: Deus, pois toda criatura tem bondade
participada. Em Deus, a vontade encontra pleno alívio ou repouso, e a beatitude se
realiza. A partir disso, podemos resumir a filosofia do ser de Santo Tomás: Deus é o
Ser em sentido pleno, só ele pode dispensar o ser, onde o ser criado para ele
converge. Deus é a origem e o fim de todo ser.28
Santo Tomás também analisou a possibilidade de a beatitude se estruturar
na primazia da vontade, chegando a conclusão de que a beatitude consiste primeira
e essencialmente em um ato do intelecto, mais do que em um ato da vontade. E
conclui diferentemente da visão e tradição de Santo Gostinho, que o primeiro
desejado é o fim último do homem, a beatitude, e não o ato da vontade.29
Assim sendo, partindo de que a vontade, enquanto apetite natural não é
próprio da natureza do intelecto, mas depende dele para a operacionalidade. Desta
forma,
315.
31 PICHLER, [s.d], p. 315.
perfeição final, o próprio Deus. Sendo assim, no sentido geral, a bem-aventurança
refere-se à união do homem com o Sumo Bem. É importante entender que tal união
não se realiza por meio da operação sensitiva, pois não se refere aos bens do corpo
a bem-aventurança. Portanto, a ação pela qual a mente do homem se unirá com
Deus não dependerá dos sentidos, mas sim do intelecto, principalmente.32
Com isso, pode-se concluir a existência de duas espécies de felicidade: a
perfeita, que deve ser aguardada para a vida futura, e a imperfeita, pela qual se é
feliz nesta vida. Assim, a felicidade da vida presente dá-se sob dois modos: o da
vida ativa e da vida contemplativa:
Portanto, a felicidade não pode ser entendida como uma utopia que é
simplesmente jogada de lado e uma realidade da vida futura. Já se é feliz neste
mundo, embora de forma imperfeita. E assim, querer a felicidade é querer viver em
plenitude para sempre, inclusive no hoje, no aqui e no agora.36
O Livre-arbítrio é uma das noções diante das inúmeras, expostas por Santo
Tomás. Assim, investigamos acerca do que é então o livre-arbítrio? Para Santo
Tomás o livre-arbítrio é ― “o princípio pelo qual o homem julga livremente”. (TOMÁS
DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 83, a. 3, r.).43 Partindo desta perspectiva, o livre-
arbítrio é uma potência apetitiva, ou seja, ela tem a faculdade de escolher entre uma
coisa e outra, tendo já uma noção e clareza de que a escolha é a natureza do livre-
arbítrio. Numa determinada escolha, qualquer que seja, está envolvida duas
potências: cognoscitiva, que requer o conselho pelo julgamento, e a apetitiva que se
apropria do julgamento do conselho. Num ato de escolher algo, a potência que
predomina é apetitiva, tendo em vista que o desejo tem relação com o conselho.
Deste modo, sendo o bem, enquanto tal, o objeto do apetite, entende-se que, a
escolha é, sobretudo, um ato da potência apetitiva. Logo, o livre-arbítrio é uma
potência apetitiva. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 83, a. 3).44
O Livre-arbítrio é o principio ativo da vontade, ou seja, é de fato parte
necessária da vontade em caráter intrínseco. Assim sendo, move as diversas
potências da alma, com exceção da vegetativa. Em outras palavras, a vontade é
livre. A liberdade que a vontade tem, é uma das exigências mais elementares da
Francisco de Assis Dias. Maringá, Paraná: Editora Humanitas Vivens. 2012, p. 103.
48 Cf. COROBIM, Kátia Regina de Vicenzo. O problema do mal: uma análise do sofrimento
51 Ibid., p. 491.
52 Ibid., p. 494.
53 Cf. LOPES, Maria Inácia; NEVES, Louredo Fábio. A liberdade Humana. Revista De
Magistro de Filosofia. Anápolis: Faculdade católica de Anápolis, n. 12, p. 37-52, jul./dez. 2003.
54 Cf. TURMINA, Leonardo Balbinot. O livre-arbítrio no pensamento de Tomás de Aquino.