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2. LIVRE-ARBÍTRIO
1 Tomás de Aquino é um importante filósofo medieval da família dos condes de Aquino. Nasceu
no castelo de Roccaseca (Aquino-Nápoles). Realizou seus primeiros estudos na abadia beneditina de
Monte Cassino. Iniciou os estudos superiores na Universidade de Nápoles, ingressando em 1243 nos
dominicanos dessa mesma cidade. De 1245 a 1248, estudou em Paris sob o magistério de Alberto
Magno. Voltou a Paris como “leitor” da Escritura e das sentenças de Pedro Lombardo. Os anos 1252-
1259 constituíram a primeira etapa de sua docência na Sorbonne, caracterizada pelas lutas dos
seculares. Tomás foi objeto da ira e das investidas dos canônicos e mestres seculares, até o ponto de
ver diminuída e suprimida a sua faculdade de ensinar. Em 1265, foi encarregado de organizar os
estudos da ordem, em Roma. Retornou a Paris em 1269 para lecionar durante três anos em sua
cátedra de teologia. Dedicou os últimos anos de sua vida à Universidade de Nápoles, onde começou
como estudante (1272-1274). Morreu no mosteiro cisterciense de Fossanova, enquanto se dirigia ao
Concílio de Lyon. [Cf. SANTIDRIÁN, Pedro R. Breve dicionário de pensadores cristãos. Aparecida:
Editora Santuário, 1997. p. 543]
2 Cf. CALLEGARO, Ronaldo. A doutrina do mal em Santo Tomás de Aquino. 5º encontro de
surgida da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja, considerada então
como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. Por assim dizer, responsável
pela unidade de toda a Europa, que comungava da mesma fé. O método escolástico, aplicando a
razão e a filosofia às verdades reveladas, procura alcançar um mais profundo conhecimento do
conteúdo da fé, para assim substancialmente aproximar a verdade sobrenatural e a razão humana
pensante, de modo a tornar possível uma apresentação global, sistemática e orgânica das verdades
da fé e resolver as objeções colocadas do ponto de vista da razão contra o conteúdo da revelação.
Através de um processo evolutivo gradual, o método escolástico construiu uma determinada técnica,
uma determinada forma externa, por assim dizer, concretizou-se e materializou-se. [Nota do
pesquisador].
2
6 Cf. BISINELLA, Ulisses. Por que a liberdade? Ciberteologia – Revista de teologia e cultura:
PUCRS. Ano VI, nº. 32, passim, s.d.
7 Cf. ALVES, Anderson Machado R. O fundamento da liberdade humana em Santo Tomás
homem, que participando na perfeição das leis, o ser, este é atingido em seu espírito
e com consciência age de forma livre, conscientes de suas ações. 22
25 De Veritate, q. 24, ad 4.
26 Cf. AMEAL, João. A Revolução Tomista. Braga: Cruz, p. 357, 1952.
27 Cf. SILVA, Antonio Wardison C.. A Natureza do ato humano: uma análise do pensamento
Também diz que outras agem com certo julgamento, porém, este se faz pelo
instinto, logo, não é livre:
Outras coisas agem com julgamento, mas não é livre: como nos
animais. Por exemplo, a ovelha vendo o lobo, julga que é preciso
fugir: é um julgamento natural, mas não livre, pois não julga por
comparação, mas por instinto natural. (TOMÁS DE AQUINO, Sum.
Theo., I, q. 83, a. 1, r.).29
O homem por sua vez, difere-se dos animais irracionais, logicamente pela
sua racionalidade. Acontece no caso do homem um julgamento livre, pois o homem
é capaz de comparar, por exemplo, certa situação de risco. Essa capacidade de
comparação é dada primeiramente pela racionalidade, posteriormente pela potência
cognoscitiva. Por isso, o tal julgamento não é feito ou aplicado em uma situação
particular, mas de forma universal, ressaltando a presença da racionalidade, ponto
fulcral e único no homem dentre os seres.
O dito juízo racional que o homem possui é chamado por Tomás de Aquino
de juízo de eleição, o qual é um juízo de tipo prático, que remete e que rege uma
ação, e não simplesmente uma especulação. Para acontecer de fato uma ação do
homem, é necessário dois elementos básicos: o juízo e sua execução, os quais
estão ordenados entre si. Desses dois elementos o mais importante é o juízo, pois
levando em consideração que as ações humanas são realizadas por meio do corpo,
pode acontecer que mesmo já pelo juízo tenha decido, falhe a parte da execução.
Porém, isso não nega o fato de sermos livres.33
O homem é o único ser capaz de negar atender aos apelos do próprio
sentido, isso devido ser possuidor do livre arbítrio:
Nos atos humanos existem coisas que o seu movimento está no seu próprio
agente, outras que procedem do exterior. Umas se movem em si mesmas, outras
não. As coisas que possuem um princípio já intrínseco, conhecem o fim e se
direcionam para ele, caso contrário, o princípio é exterior. Aquelas coisas que se
movem por princípios intrínsecos realizam um ato voluntário que é dado pela
vontade e inteligência.35 Deste modo, é liberdade de ação voluntária o ato que não
recebe qualquer coação no âmbito de sujeição exterior. Essa ação de não estar
sujeito a ação exterior pode ser denominada:
1967, p.159.
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não agir, querer isto ou aquilo. O que caracteriza, de fato, um ato livre é o fato de ser
um ato espontâneo, isto é, que tem o seu princípio no seu próprio causador, e não
no seu exterior. O ato livre vem de mim. É necessário entender que não há uma
coextensão entre os domínios da espontaneidade e da liberdade. Desta forma, para
conseguir entender, é preciso considerar que as atividades dos seres podem ser
chamadas de espontâneas.37
Em um primeiro momento, parece que há certo domínio da espontaneidade,
e esta parece estar afastada. Isso acontece no caso da ação chamada violenta, ou
seja, aquela ação que vem do exterior e vai contra os desejos ou inclinações do ser
sobre o qual ele está se dirigindo. Assim, na cosmologia antiga, levantar uma pedra
era um ato de violência, pois contraria o peso que é natural da pedra. Em hipótese
alguma tal atividade como essa, procede do interior do ser que é movido. Há
também alguns movimentos nos seres inanimados que são por eles mesmos
movidos, pois a natureza que é interior assim o faz mover-se, porém, estes
princípios eles os recebem tais como, e de outro. Portanto, aparecem na ordem da
ação como apenas puros executantes.38
Quando se vai mais alto na hierarquia dos seres que se movem a si mesmo,
encontramos os seres viventes (animais) e os seres dotados de razão. Os seres
viventes movem-se a si mesmo pelo fato de serem organizado, sendo alguns
passivos e outros ativos, isto é, uma parte que age sobre a outra. No animal, a
interioridade do princípio da ação, manifesta-se porque as representações que estão
na origem de tal movimento, ainda que sejam determinadas externamente,
dependem do consentimento instintivo do animal, por exemplo. A respeito dos seres
dotados de razão, ou seja, aqueles que são senhores do juízo que está na raiz de
seus atos, a espontaneidade atinge o seu grau mais elevado: o ato propriamente
livre. Portanto, a espontaneidade está sujeita ao comando da liberdade, mas, como
há ausência exterior de constrangimento, não basta para caracterizá-la. 39
Enfim, Tomás de Aquino quando trata de explicar ou fundamentar recorre
sempre à natureza racional do homem ou faculdade de julgar e diz que existem
seres que são capazes e julgar por meio do juízo, mas existem também seres que
agem sem julgar. Ao apresentar aqui o resultado de um instinto natural, como
2.3 Vontade
Logo, vontade e livre arbítrio não são duas potências distintas, mas apenas
uma: “Et propter hoc voluntas et liberum arbitrium no sunt duae potentiae, sed uma”.
(TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 83, a. 4, r.)46
Para tratar dos atos humanos, precisamos entender que eles são atos da
vontade e que, ora se referem aos meios, ora ao fim. Esses atos estão regidos pela
inteligência, e sempre buscam o bem. Partindo da base sobre os atos humanos, que
é a sua compreensão, vamos ao ponto que interessa: a estrutura do ato humano.
Ela é compreendida por quatro dimensões, a saber: intenção, conselho,
consentimento e eleição.47
A intenção significa tender para algo, é aquilo que move algo para o fim e de
onde deriva a ação. Em vista disso, a vontade possui a faculdade de mover todas as
potências da alma para o fim. Desta forma, a intenção é ato da vontade. É verdade
que a intenção é ato da vontade que visa o fim. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo.,
I-II, q. 12, a. I,).48 Para Tomás de Aquino, o fim último que é o que primeiramente se
deseja e se quer na ordem da intenção, será alcançado em último lugar na ordem de
execução.49
Desta forma, surge um questionamento: o que a intenção visa é apenas o
último fim? Se fosse assim, negar-se-ia a existência das diversas intenções
humanas. O que considera-se aqui é que o fim é sempre a bem-aventurança ou
beatitude, porém, este fim beato está entendido por um termo último, que é de todo
movimento, e um termo mais intermediário, ou seja, um princípio de uma parte do
movimento. Isso tudo pertencente à intenção. A intenção então, pode se referir a
ambos os termos, contudo, embora seja ela sempre o fim, não necessariamente
precisa ser o fim último. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 12, a. 2).50
Os questionamentos fazem parte, desta forma, outro surge: é então possível
afirmar a intenção de duas coisas ao mesmo tempo? Para Tomás de Aquino, o
homem pode possuir a capacidade de tender a várias coisas, ordenadamente ou
46 “Por isso, a vontade e o livre-arbítrio não são duas potências, mas apenas uma”. [TOMÁS
DE AQUINO, 2005, p. 493]
47 BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da filosofia cristã. Trad. Raimundo Vier.
não. Dentro desta capacidade, ele vê suas alternativas e escolhe aquela que seja
apropriado aos fins. Estas várias oportunidades que chegam ao homem são
ordenadas pela razão. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 12, a. 3).51
Ademais, a intenção é o que direciona a vontade em busca de um fim. O fim último,
da mesma forma que o meio, este tendente ao fim, são partícipes de uma mesma
singularidade. 52
A Deliberação é ato da razão, e a vontade é sua matéria. Para Tomás de
Aquino, se faz necessário investigar a razão antes de julgar o que vai se eleger.
(TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 14, a. 1).53 O ato de deliberar está para
aquelas coisas que levam para o fim, e isso se deve ao fato de haver na
investigação, vários princípios. Desta forma, é correto dizer que a deliberação não é
só das ações, mas também daquilo que se ordena para as ações. A investigação
acerca da deliberação, de em primeiro lugar, buscar o fim a ser obtido;
posteriormente, apurar a possibilidade de como chegar até esse fim. Este é o
processo resolvido, que se consolida, primeiramente no conhecimento, para depois
alcançar a existência.54
É uma questão de lógica o fato da deliberação não derivar o infinito, pois não
pode alguma coisa se mover para o impossível, mas permaneça finita em ato por
dois caminhos: ou pelo princípio da investigação, que é o fim, ou de ações dadas por
outros gênero. No entanto, a deliberação poderá proclamar sua investigação ao
infinito quando estiver em potência. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 14, a.
6).55 Portanto, a deliberação é atribuída à escolha das coisas para o fim, e das
coisas que são para o fim. Os meios que são levados ao fim, podem ser aceitos
como fim também, e vice-versa, isto até chegar ao fim último. Assim, não podendo
ser considerado meio. 56
O Consentimento faz parte da potência apetitiva, pois é um ato dela e,
poderíamos dizer que consentir significa sentir junto. Esse sentir pode ser
interpretado como uma vontade que está direcionada para alguma coisa. Desta
forma, o ato de consentir seria uma atividade de amor, amor este aquilo que foi
determinado pela deliberação. Ora, assim como a deliberação está para o fim, da
mesma forma o consentimento o está. Desta forma, entendemos assim:
Sendo um dos principais responsáveis pela síntese entre o pensamento filosófico clássico e o
cristianismo. Estudou em Cartago, e depois em Roma e Milão, tendo sido professor de retórica. As
principais obras que são mais conhecidas são: Confissões (400), de caráter autobibliográfico, e A
cidade de Deus composta entre 412 e 427. Santo Agostinho sofreu grande influência platônica. Sua
filosofia tem como preocupação central a relação entre a fé e a razão. [Cf. JAPIASSÚ Hilton;
MARCONDES Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 5.]
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vontade se manifeste primeiro o saber nadar, depois nadar. Da mesma forma que a
necessidade do fim, a necessidade natural não gera mal estar na vontade, pelo
contrário, como o intelecto está ligado necessariamente aos primeiros princípios, a
vontade una-se necessariamente ao fim último que é a bem-aventurança. (TOMÁS
DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 1, r).69
Em vista disso, quando Agostinho fala do necessário, este deve ser
compreendido por necessidade de coação e, a necessidade natural não tira a
liberdade da vontade como diz ele na mesma obra. A vontade quando quer alguma
coisa de forma natural, ou seja, quando se inclina à algo, esta corresponde antes ao
intelecto, onde estão os primeiros sentidos do que a razão, que refere-se a objetos
contrários. Assim, a vontade é mais uma faculdade intelectual do que racional. Por
isso, Tomás de Aquino fala que devemos entender que somos senhores dos nossos
próprios atos até quando não mais podemos decidir entre isso ou aquilo. Desta
forma, a escolha não se refere ao fim, mas sobre os meios para alcançar o fim.
Como consequência disto, o desejo que se refere ao fim último, não faz parte
daqueles atos aos quais somos senhores. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q.
82, a. 1, r).70
Há ainda questionamentos acerca da vontade, se esta quer
necessariamente tudo o que ela quer. Tomás de Aquino usando do pensamento de
Agostinho, diz que é pela vontade que acontece os atos bons e ruins, isto é, pecar e
viver retamente. Assim, a vontade se refere a objetos contrários, não querendo por
necessidade tudo o que ela quer. Afirma Tomás de Aquino que a vontade não quer
por necessidade tudo aquilo que ela quer. Para provar tal afirmação, deve-se haver
uma comparação: “assim como o intelecto adere necessária e naturalmente aos
primeiros princípios, assim também a vontade adere ao fim último” (TOMÁS DE
AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 2, r).71
A vontade age com a noção de bem, destra forma ela não pode tender a
algum objeto que não seja sob a razão e o bem. Há um motor que causa de forma
necessária o movimento daquele que é movido, isso quando na falta da força
daquele que é movido. A capacidade da vontade refere-se ao bem universal e
perfeito. Portanto, não está subordinado a um bem particular, sendo assim, não é
intelecto, pois são seus próprios objetos. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82,
a. 3, r).75
No entanto, na questão do conhecimento, se aquilo que pode ser conhecido
é maior que a própria alma, é fato que, num sentido relativo a aquilo que se
conhece, a inclinação da vontade é superior à assimilação que é dada por meio do
conhecimento intelectual. Assim sendo, de fato, é melhor ou mais fácil amar à Deus
que é maior que tudo do que conhecê-lo. Portanto, se aquilo que é conhecido é
inferior à alma daquele que conhece, é claro que eu conhecê-lo será melhor e mais
fácil que amá-lo, pois tratando de coisas materiais é melhor conhecê-las que amá-
las. A partir disso, ao adentrar no que diz respeito a ordem dos moventes e movidos,
o questionamento que ergue-se é: é a vontade que move o intelecto ou é o intelecto
que move a vontade? (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 3, r).76
Diante disso, apresenta-se que uma coisa tema capacidade de mover outra
de duas maneiras, a saber: enquanto fim ou enquanto agente. Na capacidade de
mover enquanto fim, a causa final move a causa eficiente, assim sendo, é o intelecto
que move a vontade, pois a vontade é movida pelo bem, este conhecido pelo
intelecto. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 4, r).77 Já na capacidade
movida enquanto agente, a vontade é que move quase todas as potências da alma,
ficando de fora apenas a vegetativa, pois esta não está submetida a nossa vontade.
O motivo pelo qual a vontade move quase todas as potências da alma, é que,
naquilo que compete às potências ativas, o fim universal move os fins particulares.
(TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 4, r).78
Portanto, pode-se entender que o objeto da vontade é o bem e o fim comum,
logo, a vontade move como agente quase todas as potências da alma, incluindo o
intelecto e excluindo as potências vegetativas. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I,
q. 82, a. 4, r).79 Finalizando este capítulo referente a liberdade, bem como livre-
arbítrio em Tomás de Aquino, é importante salientar que: