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2. LIVRE-ARBÍTRIO

2.1 A liberdade segundo Tomás de Aquino

Santo Tomás de Aquino1, também intitulado de Doutor Angélico, encontra-se


no período da escolástica, onde busca conciliar as verdades reveladas e os dogmas
cristãos com doutrinas filosóficas, enfatizando o platonismo e o aristotelismo.2
Tomás de Aquino é atraído às questões sobre a fé e a razão, produzindo obras
colossais, destacando-se a Suma Teológica3 e a Suma contra os gentios4, utilizando
o método escolástico5.
A definição de liberdade é um desafio para a filosofia desde a sua origem,
uma vez que seus sentidos são diversos conforme o contexto e a época em que são
apresentados, salientando ou negando sua importância. Em regimes democráticos,
é condição para a sociabilidade; em regimes totalitários, é transformada em perigo,
pois nela reside a autonomia de ação e de ideias. Sua existência é temida e ao
mesmo tempo exigida, pois a liberdade é uma condição para a felicidade e também
a necessidade de aceitar que outros são livres e que podem tomar decisões livres.

1 Tomás de Aquino é um importante filósofo medieval da família dos condes de Aquino. Nasceu
no castelo de Roccaseca (Aquino-Nápoles). Realizou seus primeiros estudos na abadia beneditina de
Monte Cassino. Iniciou os estudos superiores na Universidade de Nápoles, ingressando em 1243 nos
dominicanos dessa mesma cidade. De 1245 a 1248, estudou em Paris sob o magistério de Alberto
Magno. Voltou a Paris como “leitor” da Escritura e das sentenças de Pedro Lombardo. Os anos 1252-
1259 constituíram a primeira etapa de sua docência na Sorbonne, caracterizada pelas lutas dos
seculares. Tomás foi objeto da ira e das investidas dos canônicos e mestres seculares, até o ponto de
ver diminuída e suprimida a sua faculdade de ensinar. Em 1265, foi encarregado de organizar os
estudos da ordem, em Roma. Retornou a Paris em 1269 para lecionar durante três anos em sua
cátedra de teologia. Dedicou os últimos anos de sua vida à Universidade de Nápoles, onde começou
como estudante (1272-1274). Morreu no mosteiro cisterciense de Fossanova, enquanto se dirigia ao
Concílio de Lyon. [Cf. SANTIDRIÁN, Pedro R. Breve dicionário de pensadores cristãos. Aparecida:
Editora Santuário, 1997. p. 543]
2 Cf. CALLEGARO, Ronaldo. A doutrina do mal em Santo Tomás de Aquino. 5º encontro de

pesquisa de graduação em filosofia. São Paulo, Unesp, nº 1, v. 3. p. 66-73, 2010.


3 A citação do nome da obra Suma Teológica de Tomás de Aquino será a partir de agora citada

de forma abreviada. Assim sendo: Sum. Theo.


4 A citação do nome da obra Suma Contra os Gentios de Tomás de Aquino será a partir de

agora citada de forma abreviada. Assim sendo: Sum. C.G.


5 A Escolástica é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos,

surgida da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja, considerada então
como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. Por assim dizer, responsável
pela unidade de toda a Europa, que comungava da mesma fé. O método escolástico, aplicando a
razão e a filosofia às verdades reveladas, procura alcançar um mais profundo conhecimento do
conteúdo da fé, para assim substancialmente aproximar a verdade sobrenatural e a razão humana
pensante, de modo a tornar possível uma apresentação global, sistemática e orgânica das verdades
da fé e resolver as objeções colocadas do ponto de vista da razão contra o conteúdo da revelação.
Através de um processo evolutivo gradual, o método escolástico construiu uma determinada técnica,
uma determinada forma externa, por assim dizer, concretizou-se e materializou-se. [Nota do
pesquisador].
2

Destarte, para Tomás de Aquino a liberdade, é a tendência natural do próprio ser


humano de agir de acordo com a vontade de Deus, ou seja, agir de acordo com o
bem.6
É interessante perceber que, na análise dos dados para tal pesquisa, há
uma diversidade de conteúdos que tratam sobre a liberdade. Sendo o termo
liberdade empregado em sentido extremamente abrangente, importa, para restringir
à problemática, bem escolher a direção a ser seguida, sendo a apresentação do
conteúdo no que tange a liberdade na filosofia de Tomás de Aquino.
A filosofia moderna já nasce com uma busca de liberdade, entendida como
uma autonomia de vários bens e valores que formavam a sociedade antiga e
medieval. Sendo assim, pode parecer a muitos que a afirmação do homem como um
ser livre, foi a grande descoberta da modernidade.7 Diante deste contexto, uma
forma de introduzir o leitor nos estudos éticos de Tomás de Aquino consiste em
enfrentar duas questões: (a) ainda que se fale de consciência, como considerá-la
livre se, ao mesmo tempo, se afirma que ela deve submeter às leis, sobretudo à lei
natural, que é expressão da sabedoria divina? (b) o fato de a ética (aqui sem
considerar o mérito particular – religiosa ou não) ditar normas não instala uma
tensão entre o universal (âmbito da lei, interiorizada pela sindérese) e o particular (o
nível individual da decisão, com base na consciência)? Sobremaneira se, se admite
que Deus é a fonte da moral religiosa, como dizer que ele não anula a liberdade
individual? 8
Tomás de Aquino escreve sobre o livre-arbítrio propriamente na questão 83
da Sum. Theo. O livre-arbítrio apresenta-se como uma das exigências mais
elementares de uma parte da filosofia, a saber, daquela que estuda os atos
humanos, a moral. Por isso, a negação do livre-arbítrio deve ser contado, se assim
pode dizer, entre as opiniões anti-filosóficas. Assim, pelas palavras da Suma
Teológica podemos entender: “O homem é dotado de livre-arbítrio, caso contrário os
conselhos, as exortações, os preceitos, as proibições, as recompensas e os castigos
seriam vãos”. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo. I, q. 83, a. 1, r.).9

6 Cf. BISINELLA, Ulisses. Por que a liberdade? Ciberteologia – Revista de teologia e cultura:
PUCRS. Ano VI, nº. 32, passim, s.d.
7 Cf. ALVES, Anderson Machado R. O fundamento da liberdade humana em Santo Tomás

de Aquino. Synesis: Revista do Centro de Teologia e Humanidades. Vol. 3, Nº 2, p. 2, 2011.


8 Cf. FILHO, Juvenal Savian. O Tomismo e a ética: uma ética da consciência e da

liberdade. Bioethikós: Centro Universitário São Camilo. Vol. 2, Nº 2, (2008).


9 TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 487.
3

2.1.1 Fundamento da liberdade humana em Tomás de Aquino

A noção de liberdade em Tomás de Aquino não é unívoca ou equívoca, mas


sim análoga, referindo-se assim a diversos tipos de realidades. A liberdade é
aplicada a vários tipos de entes espirituais que possuam inteligência e vontade,
como por exemplo, Deus, os anjos e o homem. No que diz respeito a liberdade
humana, acontece que ela quase que auto-afirma análoga, podendo tocar em
diversas noções de liberdade, onde tem a capacidade de referir-se à liberdade de
escolha, que é conhecida também por livre-arbítrio; entra também na chamada
liberdade moral; toca também na liberdade mais radical do homem, chamada de
liberdade fundamental, essa que se refere principalmente à abertura transcendental
da vontade e inteligência humana à verdade e ao bem.10

2.1.2 Liberdade fundamental

Tratar da liberdade fundamental é se referir à liberdade mais radical do


homem, pois esta tem uma abertura transcendental. A origem da liberdade
fundamental se dá no actus essendi – ato de ser, de existir. A liberdade tem uma
infinidade de aplicações, esta infinidade é comunicada à inteligência, à fantasia, à
memória, e é realizada como for possível. Esse processo é comum a todos os
homens, não faz distinção, é igual a todos. A liberdade fundamental, ao passo que é
uma tarefa, uma exigência que requer responsabilidade, é antes de tudo um dom,
fundada no ato de ser.11
A questão 75 da Sum. Theo., trata da alma humana, e nela podemos
entender que esta é, a forma do corpo. Tratando da alma humana, assim afirma que:
“é o primeiro princípio da vida dos viventes”. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo. I, q.
75, a. 1).12 Deste modo, Tomás de Aquino pôde demonstrar que, diferente da alma
animal, imersa na matéria, a alma humana possui o ser por si mesmo. Há uma
novidade no mundo natural, o ato de ser, pois ele indica um modo de agir próprio,
que se dá nas operações do espírito, de entender e querer. Nessas operações,
vemos de modo claro a abertura da alma humana à totalidade do real, ou seja, ao

10 Cf. ALVES, 2011, p. 5.


11 Cf. Ibid., 2011, p. 8.
12 TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 356.
4

ente enquanto bom e verdadeiro. As operações humanas de querer e entender tem


como sujeitos a própria alma.13
A inteligência e a vontade, são a vida da alma, suas atividades imanentes.
Estas duas faculdades, distintas entre si, por que são formalmente seus respectivos
objetos a verdade e o bem, são unidas na sua origem, ou seja, a pessoa. Cada ação
pertence a cada sujeito, no ato humano. Essas ações não podem ser unitárias, ou
seja, apenas atos de pura razão ou atos de pura vontade. Ao contrário, cada ato
humano é ao mesmo tempo inteligente e voluntário. Essa união de faculdades
(inteligência e vontade) se dá no ato humano, no seu fim e principalmente no fim
último, que é o Ser e a Verdade e o Bem e o Uno. Deste modo, a autonomia
operativa da alma se fundamenta na autonomia ontológica da alma, uma vez que o
ato de agir segue o ser. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo. I, q. 75, a. 2).14
Portanto, a liberdade fundamental significa propriamente dita uma operação
da alma humana, que se manifesta no ato humano, ou seja, naquele ato realizado
com o consentimento da inteligência e da vontade. A alma humana é, pois, um
princípio de vida, que informa o corpo e todas as potências espirituais, porém não é
um princípio absoluto como a vida divina, pois está de certa forma predeterminada a
agir à Luz dos primeiros princípios e a partir da tendência que a vontade manifesta
ao fim último. A partir disto, profere Tomás de Aquino:

Embora, porém, o nosso intelecto se mova por si mesmo a agir,


contudo, certas condições lhe são impostas pela natureza, como os
primeiros princípios, que ele não pode deixar de admitir, e o último
fim, que não pode deixar de querer. Donde, embora sob certos
aspectos, move-se a si mesmo, a outros, contudo, é necessário que
seja movido por outro. Mas o ser, cuja natureza é o seu próprio
entender, e que não recebe de outro o que naturalmente tem, este
desfruta o sumo grau da vida. E tal é Deus. Logo, em Deus existe por
excelência a vida. Por isso o Filósofo, tendo demonstrado que Deus
é inteligente, conclui que tem vida perfeitíssima e sempiterna, porque
o seu intelecto é perfeitíssimo e sempre atual. (TOMÁS DE AQUINO,
Sum. Theo. I, q. 18, a. 3).15

13 Cf. ALVES, op. cit., p. 9.


14 Cf. TOMÁS DE AQUINO, op.cit., p. 359.
15 Ibid., p. 225.
5

2.1.3 Liberdade Moral

O homem possui uma liberdade que é real, porém, não é semelhante a


liberdade divina, pois a liberdade humana é uma liberdade de um ser que é criado e
limitado. A liberdade é a característica principal da nossa alma, uma síntese de
todas as suas possibilidades, também é a qualidade que dá liberdade ao espírito, e
esse enquanto tal é a emergência absoluta sobre o particular. Desta forma, o
espírito é um absoluto real, existencial e temporal. O homem, desta forma, possui
uma liberdade fundamental, a qual participa na perfeição divina, sendo que apenas
em intima sintonia com tal perfeição, pode alcançar seu fim. A nossa liberdade, é
fruto da liberdade divina, que com amor cria o homem com benevolência, que o cria
justamente para ser livre.16
Tomás de Aquino distinguiu claramente a liberdade moral, chamada de
“libertas a peccato et a miséria”, e a liberdade de eleição ou psicológica: “libertas a
coactione”. A liberdade moral é aquela que, pode-se dizes que oscila, ela pode
crescer ou diminuir, de acordo com as ações que o sujeito realiza, boas ou más.
Avesso a isso, a liberdade psicológica não, ela é inerte, a não ser em casos
patológicos.17
Um dos questionamentos feito por Tomás de Aquino refere-se ao desejo da
vontade, interrogando se a vontade quer algo por necessidade. Ele responde
fazendo uma distinção entre dois tipos de necessidade: de coação e de inclinação.
Com isso, afirmava que a vontade deseja algo pela necessidade de inclinação
natural, a felicidade e tudo aquilo que está estritamente relacionado a ela, como:
bem-aventurança, o ser, e o conhecimento da verdade. No entanto, algo que
contraria a sua mesma natureza não pode desejar algo pela necessidade de coação.
Tomás afirma que, nas realidades ordenadas, aquilo que é primeiro está incluído no
segundo, e que o que se encontra no segundo não é aquilo que lhe compete por
simples razão própria, mas também, aquilo que já estava na razão do primeiro. O
exemplo que Tomás de Aquino usa é o tato, que está presente em todos os
sentidos, e por isso é o fundamento de todos eles.18

16 Cf. ALVES, 2011, passim.


17 Cf. De Veritate, q. 22, a. 5, ad. 14. (PRIORY DA IMACULADA CONCEIÇÃO. De Veritate.
Disponível em: http://dhspriory.org/thomas/QDdeVer22.htm#14. Acesso em: 6 jun. 2016.).
18 Cf. Ibid., De Veritate.
6

A natureza e a vontade de certo modo estão ordenadas de modo


semelhante, pois a vontade é certa natureza (voluntas ut natura), pois tudo o que se
encontra nas coisas é ou participa de certa natureza. De tal modo, encontramos na
vontade não somente aquilo que é próprio da vontade, mas também há algo próprio
da natureza. Toda natureza possui uma ordenação ao bem, o que lhe faz desejar-
lhe naturalmente. Por isso, certo apetite natural do bem adequado, é próprio da
vontade. Isso mostra a intrínseca ordenação da vontade ao fim último, ponto este
central na moral tomista. A ordenação que ocorre aqui é uma relação de
proporcionalidade, esta dita voluntas ut natura, esta ligação estreita entre vontade e
natureza está direcionada para a vontade de eleição, ou seja, para o livre-arbítrio,
assim como o intelecto está para a razão teórica. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo.
I, q. 83, a. 4).19
Além disso, a vontade se lança e se determina a outras coisas que não ao
fim último. Isso acontece não por uma inclinação natural, mas por sua própria
disposição, sem nenhuma necessidade, uma vez que há bens particulares que
possuem uma relação necessária com a felicidade, e outros não. Se o que remete a
inclinação é a vontade e a natureza, o que remete à felicidade é a vontade e a
razão, meios estes com os quais buscam-na. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo. I, q.
82, a. 2, c.).20
Em outras palavras, “querer o mal não é liberdade e nem parte da liberdade,
ainda que seja um signo da liberdade”.21 A vontade é livre e ninguém a pode sujeitar
à escravidão, mas ela pode fazer-se escrava se livremente consente ao pecado. A
liberdade do homem se fundamenta no próprio ato de ser pessoal, que foi concedido
ao homem por um gesto de generosidade divina: a criação. Deste modo, o princípio
da liberdade é também, o fim último da mesma.
O ato de ser humano é uma novidade radical, onde se diferencia o homem
dos animais e demais entes desprovidos da razão e, se manifesta na possibilidade
de decisão, ou seja, da vontade determinar o seu fim último e os meios com os quais
pretende alcançá-lo. Destarte, a liberdade moral é uma liberdade fundamental do

19 Cf. TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 492. [Grifo Nosso].


20 Cf. Ibid., p. 489.
21 Cf. De Veritate, q. 22, a. 5.
7

homem, que participando na perfeição das leis, o ser, este é atingido em seu espírito
e com consciência age de forma livre, conscientes de suas ações. 22

2.1.4 Liberdade de Eleição (Livre-arbítrio)

A noção de liberdade, como já vimos, é análoga, ou seja, é apresentada de


diversos tipos e por diversas visões e pensamentos. O que faz-se necessário e que
importa é a noção de liberdade, bem como de livre-arbítrio exposta por Tomás de
Aquino. Esta noção manifesta-se em diversas dimensões da vida humana, pois para
Tomás de Aquino, ela é característica essencial dos seres racionais. É também
apresentada pelo aquinate em três níveis: a liberdade fundamental, a liberdade
moral e a liberdade de eleição ou livre-arbítrio, essa que é um dos objetos desta
pesquisa e deste subnível de produção textual.
De fato, o que é o livre-arbítrio? Para Tomás de Aquino o livre-arbítrio é ― “o
princípio pelo qual o homem julga livremente”. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I,
q. 83, a. 3, r.).23 Partindo desta perspectiva, o livre-arbítrio é uma potência apetitiva,
ou seja, ela tem a faculdade de escolher entre uma coisa e outra, tendo já uma
noção e clareza de que a escolha é a natureza do livre-arbítrio. Numa determinada
escolha, qualquer que seja, está envolvida duas potências: cognoscitiva, que requer
o conselho pelo julgamento, e a apetitiva que se apropria do julgamento do
conselho. Num ato de escolher algo, a potência que predomina é apetitiva, tendo em
vista que o desejo tem relação com o conselho. Deste modo, sendo o bem,
enquanto tal, o objeto do apetite, entende-se que, a escolha é, sobretudo, um ato da
potência apetitiva. Logo, o livre-arbítrio é uma potência apetitiva. (TOMÁS DE
AQUINO, Sum. Theo., I, q. 83, a. 3).24
O livre arbítrio ou liberdade de eleição é, considerado um juízo prático por
remeter diretamente a uma ação, escolha ou execução de algo. Esse juízo prático é
fundamental na liberdade de escolha por causa da capacidade reflexiva do intelecto,
e por que o intelecto conhece as relações entre as diversas realidades sobre as
quais julga e pelas quais julga, discernindo assim os fins e os meios. Os animais,
porém, possuem capacidade e juízo, mas esse será sempre determinado, ou seja, o
apetite e as ações dos animais a agir de certo modo. Assim sendo, Tomás de

22 Cf. ALVES, 2011, passim.


23 TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 491.
24 Cf. Ibid., p. 492.
8

Aquino afirma a realidade do livre arbítrio humano, diferenciando-o de algo análogo,


que ocorre nos animais.25
A faculdade do juízo obtém liberdade suprema. Ele, o juízo, pode atuar em
várias coisas que são escolhidas pelo homem, pois não está determinado às coisas
particulares e contingentes. O livre-arbítrio, por sua natureza, se caracteriza por sua
capacidade de escolha. Ele por sua vez, agrega o conhecimento, que requer a
deliberação a fim de julgar, e também a afetividade, que é responsável no
movimento apetitivo, por escolher entre uma coisa e outra, dada pelo julgamento.
Portanto, o intelecto e o afeto, unem-se para aperfeiçoar, por excelência, o ato
humano: a autodeterminação, a escolha livre – o livre-arbítrio.26

2.2 O Homem aberto ao livre-arbítrio

A partir do momento em que já se sabe o que é o livre arbítrio, o intuito aqui


é ver como que esse livre-arbítrio ou essa escolha livre se manifesta no homem.
Também é importante entender acerca dos atos livres, que surgem ou se
manifestam no homem a partir do livre-arbítrio. O homem é essencialmente livre, ou
seja, dotado de livre-arbítrio. Essa condição dada ao homem é proveniente de sua
capacidade de julgamento, tendo o poder de escolher e comparar as coisas, isso
tudo através do exercício da razão. 27
A resposta que a Sum. Theo., dá sobre o que é, de fato, o livre arbítrio é um
tanto quanto interessante. De início podemos dizer que o homem, pelo que é
percebido não é livre, portanto não possui livre-arbítrio, ou seja, liberdade de
escolha, pois, se o homem é livre ele faz o que quer, mas o homem não faz o que
quer. O apóstolo Paulo já dizia: “Não faço o bem que quero, mas o mal que não
quero!” (Rm 7,19). Aqui podemos ver que o homem não é livre. O agir ou fazer cabe
aquele que é livre, mas se ele não escolhe suas ações, logo ele não é livre.28
Tomás de Aquino diz que algumas coisas agem sem julgamento, como no
caso da pedra que cai pra baixo somente por ser desprovida de conhecimento.

25 De Veritate, q. 24, ad 4.
26 Cf. AMEAL, João. A Revolução Tomista. Braga: Cruz, p. 357, 1952.
27 Cf. SILVA, Antonio Wardison C.. A Natureza do ato humano: uma análise do pensamento

moral em Tomás de Aquino. Cognitios-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia do Centro de


estudos e pragmatismo. Vol. 12, Nº 1, p. 121, 2015.
28 Cf. RASSAM, Joseph. Tomás de Aquino. Tradução: Isabel Braga. São Paulo: Martins

Fontes, 1969, p. 86.


9

Também diz que outras agem com certo julgamento, porém, este se faz pelo
instinto, logo, não é livre:
Outras coisas agem com julgamento, mas não é livre: como nos
animais. Por exemplo, a ovelha vendo o lobo, julga que é preciso
fugir: é um julgamento natural, mas não livre, pois não julga por
comparação, mas por instinto natural. (TOMÁS DE AQUINO, Sum.
Theo., I, q. 83, a. 1, r.).29

O homem por sua vez, difere-se dos animais irracionais, logicamente pela
sua racionalidade. Acontece no caso do homem um julgamento livre, pois o homem
é capaz de comparar, por exemplo, certa situação de risco. Essa capacidade de
comparação é dada primeiramente pela racionalidade, posteriormente pela potência
cognoscitiva. Por isso, o tal julgamento não é feito ou aplicado em uma situação
particular, mas de forma universal, ressaltando a presença da racionalidade, ponto
fulcral e único no homem dentre os seres.

O homem, porém age com julgamento, porque, por sua potência


cognoscitiva julga que se deve fugir de alguma coisa ou procurá-la.
Mas como esse julgamento não é o efeito de um instinto natural
aplicado a uma ação particular, mas de uma certa comparação da
razão, por isso, o homem age com julgamento livre, podendo se
orientar para diversos objetos. (...) Como as ações particulares são
contingentes, o julgamento da razão sobre elas se refere a diversas e
não é determinada a uma única. (TOMÁS DE AQUINO, Sum.
Theo., I, q. 83, a. 1, r.).30

Ora, se o julgamento livre acontece por comparação e esta é uma operação


própria da razão, deve-se dizer que o homem então possui livre-arbítrio, pelo
simples fato de ele ser um animal racional, possuidor de racionalidade.31 O homem,
entretanto, age a partir de um juízo racional que consiste no conhecimento de
algumas coisas como fins e de outros como meios em relação a ditos fins. Desse
modo, o homem aparece como ser livre, ao fazer dito juízo e na atualização prática
que segue ao juízo. Aqui fica claro algo que é próprio do homem: ele é o único ser
capaz de distinguir entre meios e fins, de determiná-los, à diferença dos animais. A
ação do homem se dá de modo livre, não determinado, mas sempre tem a
capacidade e possibilidade de agir deste ou daquele modo, ou agir e não agir. O
homem pode ou não aceitar viver segundo seu instinto. 32

29 TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 487.


30 TOMÁS DE AQUINO, loc. cit.
31 CAMPOS. Sávio Laet de Baros, Do livre-arbítrio em Santo Tomás. UFMT. [s.d.], p. 2.
32 Cf. ALVES, 2011, passim.
10

O dito juízo racional que o homem possui é chamado por Tomás de Aquino
de juízo de eleição, o qual é um juízo de tipo prático, que remete e que rege uma
ação, e não simplesmente uma especulação. Para acontecer de fato uma ação do
homem, é necessário dois elementos básicos: o juízo e sua execução, os quais
estão ordenados entre si. Desses dois elementos o mais importante é o juízo, pois
levando em consideração que as ações humanas são realizadas por meio do corpo,
pode acontecer que mesmo já pelo juízo tenha decido, falhe a parte da execução.
Porém, isso não nega o fato de sermos livres.33
O homem é o único ser capaz de negar atender aos apelos do próprio
sentido, isso devido ser possuidor do livre arbítrio:

O homem, pela alma racional, é capaz de moderar ou dizer “não” ao


apetite dos sentidos, e por isso é o único animal que, com fome,
pode deliberadamente não comer; sem fome, empanturrar-se de
comida; com sono, não dormir; com desejo, sublimá-lo ou reprimi-lo;
etc.34

Nos atos humanos existem coisas que o seu movimento está no seu próprio
agente, outras que procedem do exterior. Umas se movem em si mesmas, outras
não. As coisas que possuem um princípio já intrínseco, conhecem o fim e se
direcionam para ele, caso contrário, o princípio é exterior. Aquelas coisas que se
movem por princípios intrínsecos realizam um ato voluntário que é dado pela
vontade e inteligência.35 Deste modo, é liberdade de ação voluntária o ato que não
recebe qualquer coação no âmbito de sujeição exterior. Essa ação de não estar
sujeito a ação exterior pode ser denominada:

Liberdade física (poder de se mover corporalmente); liberdade civil


(poder de agir como se quer no quadro de uma sociedade); liberdade
política (poder de participar, conforme modalidades institucionais
previstas, do governo do Estado); liberdade de consciência (poder de
exprimir suas convicções em público).36

A ausência de sujeição interior corresponde à liberdade psicológica ou a


liberdade de querer, ou seja, é a possibilidade da vontade de se determinar, agir ou

33 Cf. De Veritate q. 24, a. 2, ad. 3. [Grifo Nosso].


34 SILVEIRA, Sidney. Santo Agostinho e a Mal como Privação dos Bens Naturais. In:
AGOSTINHO, Santo. A Natureza do Bem. Trad. Carlos Ancêde Nougué. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Sétimo Selo, 2006, p. 10.
35 Cf. AMEAL, 1952, p.349.
36 GARDEIL, H. D. Iniciação à filosofia de S. Tomás de Aquino. São Paulo: Duas Cidades,

1967, p.159.
11

não agir, querer isto ou aquilo. O que caracteriza, de fato, um ato livre é o fato de ser
um ato espontâneo, isto é, que tem o seu princípio no seu próprio causador, e não
no seu exterior. O ato livre vem de mim. É necessário entender que não há uma
coextensão entre os domínios da espontaneidade e da liberdade. Desta forma, para
conseguir entender, é preciso considerar que as atividades dos seres podem ser
chamadas de espontâneas.37
Em um primeiro momento, parece que há certo domínio da espontaneidade,
e esta parece estar afastada. Isso acontece no caso da ação chamada violenta, ou
seja, aquela ação que vem do exterior e vai contra os desejos ou inclinações do ser
sobre o qual ele está se dirigindo. Assim, na cosmologia antiga, levantar uma pedra
era um ato de violência, pois contraria o peso que é natural da pedra. Em hipótese
alguma tal atividade como essa, procede do interior do ser que é movido. Há
também alguns movimentos nos seres inanimados que são por eles mesmos
movidos, pois a natureza que é interior assim o faz mover-se, porém, estes
princípios eles os recebem tais como, e de outro. Portanto, aparecem na ordem da
ação como apenas puros executantes.38
Quando se vai mais alto na hierarquia dos seres que se movem a si mesmo,
encontramos os seres viventes (animais) e os seres dotados de razão. Os seres
viventes movem-se a si mesmo pelo fato de serem organizado, sendo alguns
passivos e outros ativos, isto é, uma parte que age sobre a outra. No animal, a
interioridade do princípio da ação, manifesta-se porque as representações que estão
na origem de tal movimento, ainda que sejam determinadas externamente,
dependem do consentimento instintivo do animal, por exemplo. A respeito dos seres
dotados de razão, ou seja, aqueles que são senhores do juízo que está na raiz de
seus atos, a espontaneidade atinge o seu grau mais elevado: o ato propriamente
livre. Portanto, a espontaneidade está sujeita ao comando da liberdade, mas, como
há ausência exterior de constrangimento, não basta para caracterizá-la. 39
Enfim, Tomás de Aquino quando trata de explicar ou fundamentar recorre
sempre à natureza racional do homem ou faculdade de julgar e diz que existem
seres que são capazes e julgar por meio do juízo, mas existem também seres que
agem sem julgar. Ao apresentar aqui o resultado de um instinto natural, como

37 Cf. GARDEIL, 1967, p. 160.


38 Cf. Ibid., p. 161. [Grifo Nosso].
39 Cf. GARDEIL, loc. cit.
12

acontece nos animais, podemos constatar que não há liberdade. No entanto, as


ações realizadas por parte do homem passam por uma razão, ou seja, são ações
que são analisadas racionalmente pelo homem, tendo uma deliberação,
consumando então um ato livre.40
No ato livre ou voluntário, o conhecimento do fim é perfeito, quando são
conhecidas as razões pelas quais direcionam ao fim. Quando acontece de se
conhecer apenas o fim, mas não o que gerou o movimento ao fim, o conhecimento é
imperfeito. Se tratando de conhecimento perfeito, remete-se a natureza racional, e
quanto ao conhecimento imperfeito, remete-se aos sentidos e instintos (animais).
Ambos contem a capacidade de voluntário, porém, cada um na sua disposição:
perfeito e imperfeito. É claro, o homem que é possuidor da racionalidade, se
sobrepõe sobre os outros animais, ele tem a capacidade de escolher, deliberar,
conhecer o fim e criar novos meios para alcançá-lo; o homem também tem a
capacidade de pretender o conhecimento do bem e do verdadeiro, bem como de
tudo aquilo que vá além das coisas dadas. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q.
6, a. 2.)41
De igual maneira, pode-se afirmar o seguinte: o voluntário pode existir sem
ato. Isso é possível quando a vontade, de forma indireta, omite algo, incidindo numa
não ação da vontade, que o homem pode querer ou não.42

2.3 Vontade

A vontade representa, ao lado do conhecimento um dos grandes aspectos


da nossa vida psíquica. O ato de conhecer, aspirar ao conhecimento com todos os
jeitos e modos distintos existentes, isso manifestado na afetividade, onde se exprime
amor, desejo, gozo, alegria, tristeza; caracteriza alguns dos fenômenos mais
comuns desta vida.

40 Cf. SILVA, 2015, p. 122.


41 Cf. TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 121.
42 Cf. SILVA, op. cit., p. 123.
13

2.3.1 A Vontade distinta do livre-arbítrio

De princípio, para entender se a vontade se distingue ou não do livre arbítrio,


é preciso relacionar a potência cognoscitiva com a potência apetitiva. Então,
conhecer implica tão somente na simples aceitação de uma coisa. De outra parte,
raciocinar significa passar de um conhecimento para o outro, como no caso das
premissas para a conclusão. Deste modo, querer implica o desejo de alguma coisa,
referindo-se, propriamente dizendo, ao fim, este que é querido por ele mesmo. Já
escolher é querer uma coisa em razão de outra, por isso, escolher diz respeito, não
ao fim, mas aos meios que conduzem a tal fim. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I,
q. 83, a. 4, r.).43
É fato que não podemos chegar a conclusão de algo sem passar pelas
premissas. Desta mesma forma, não podemos chegar aos meios adequados para o
fim, sem que o fim exista. Assim sendo, como a razão tem por referência o intelecto,
igualmente o escolher tem por medida o querer.

Assim, o que é na ordem do conhecimento, o princípio em relação à


conclusão, a que assentimos por causa dos princípios; isso mesmo
é, na ordem do apetite, o fim em relação às coisas que são para o
fim, as quais são desejadas em razão do fim. Por isso é claro que
assim como o intelecto se refere à razão, assim também se refere à
vontade Pa potência de escolha, isto é, ao livre arbítrio. (TOMÁS DE
AQUINO, Sum. Theo., I, q. 83, a. 4, r.)44

Ainda, conclui Tomás de Aquino dizendo que, da mesma forma que


conhecer e raciocinar não são senão uma única potência cognoscitiva, assim
também querer e escolher não são se não uma potência apetitiva.

Foi demonstrado acima que é próprio da mesma potência conhecer e


raciocinar, como é próprio da mesma potência repousar e mover-se.
Também querer e escolher é próprio de uma só e mesma potência.
(TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 83, a. 4, r.)45

43 Cf. TOMÁS DE AQUINO, op. cit., p. 492. [Grifo Nosso].


44 Ibid., p. 493.
45 TOMÁS DE AQUINO, loc. cit.
14

Logo, vontade e livre arbítrio não são duas potências distintas, mas apenas
uma: “Et propter hoc voluntas et liberum arbitrium no sunt duae potentiae, sed uma”.
(TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 83, a. 4, r.)46

2.3.2 Estrutura dos atos humanos

Para tratar dos atos humanos, precisamos entender que eles são atos da
vontade e que, ora se referem aos meios, ora ao fim. Esses atos estão regidos pela
inteligência, e sempre buscam o bem. Partindo da base sobre os atos humanos, que
é a sua compreensão, vamos ao ponto que interessa: a estrutura do ato humano.
Ela é compreendida por quatro dimensões, a saber: intenção, conselho,
consentimento e eleição.47
A intenção significa tender para algo, é aquilo que move algo para o fim e de
onde deriva a ação. Em vista disso, a vontade possui a faculdade de mover todas as
potências da alma para o fim. Desta forma, a intenção é ato da vontade. É verdade
que a intenção é ato da vontade que visa o fim. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo.,
I-II, q. 12, a. I,).48 Para Tomás de Aquino, o fim último que é o que primeiramente se
deseja e se quer na ordem da intenção, será alcançado em último lugar na ordem de
execução.49
Desta forma, surge um questionamento: o que a intenção visa é apenas o
último fim? Se fosse assim, negar-se-ia a existência das diversas intenções
humanas. O que considera-se aqui é que o fim é sempre a bem-aventurança ou
beatitude, porém, este fim beato está entendido por um termo último, que é de todo
movimento, e um termo mais intermediário, ou seja, um princípio de uma parte do
movimento. Isso tudo pertencente à intenção. A intenção então, pode se referir a
ambos os termos, contudo, embora seja ela sempre o fim, não necessariamente
precisa ser o fim último. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 12, a. 2).50
Os questionamentos fazem parte, desta forma, outro surge: é então possível
afirmar a intenção de duas coisas ao mesmo tempo? Para Tomás de Aquino, o
homem pode possuir a capacidade de tender a várias coisas, ordenadamente ou
46 “Por isso, a vontade e o livre-arbítrio não são duas potências, mas apenas uma”. [TOMÁS
DE AQUINO, 2005, p. 493]
47 BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da filosofia cristã. Trad. Raimundo Vier.

10 ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 478.


48 TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 176. [Grifo Nosso].
49 Cf. SILVA, 2015, p. 125.
50 TOMÁS DE AQUINO, op. cit., p. 178.
15

não. Dentro desta capacidade, ele vê suas alternativas e escolhe aquela que seja
apropriado aos fins. Estas várias oportunidades que chegam ao homem são
ordenadas pela razão. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 12, a. 3).51
Ademais, a intenção é o que direciona a vontade em busca de um fim. O fim último,
da mesma forma que o meio, este tendente ao fim, são partícipes de uma mesma
singularidade. 52
A Deliberação é ato da razão, e a vontade é sua matéria. Para Tomás de
Aquino, se faz necessário investigar a razão antes de julgar o que vai se eleger.
(TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 14, a. 1).53 O ato de deliberar está para
aquelas coisas que levam para o fim, e isso se deve ao fato de haver na
investigação, vários princípios. Desta forma, é correto dizer que a deliberação não é
só das ações, mas também daquilo que se ordena para as ações. A investigação
acerca da deliberação, de em primeiro lugar, buscar o fim a ser obtido;
posteriormente, apurar a possibilidade de como chegar até esse fim. Este é o
processo resolvido, que se consolida, primeiramente no conhecimento, para depois
alcançar a existência.54
É uma questão de lógica o fato da deliberação não derivar o infinito, pois não
pode alguma coisa se mover para o impossível, mas permaneça finita em ato por
dois caminhos: ou pelo princípio da investigação, que é o fim, ou de ações dadas por
outros gênero. No entanto, a deliberação poderá proclamar sua investigação ao
infinito quando estiver em potência. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 14, a.
6).55 Portanto, a deliberação é atribuída à escolha das coisas para o fim, e das
coisas que são para o fim. Os meios que são levados ao fim, podem ser aceitos
como fim também, e vice-versa, isto até chegar ao fim último. Assim, não podendo
ser considerado meio. 56
O Consentimento faz parte da potência apetitiva, pois é um ato dela e,
poderíamos dizer que consentir significa sentir junto. Esse sentir pode ser
interpretado como uma vontade que está direcionada para alguma coisa. Desta
forma, o ato de consentir seria uma atividade de amor, amor este aquilo que foi

51 Cf. Ibid., p. 180.


52 Cf. BOEHNER; GILSON, 2007, p. 478.
53 Cf. TOMÁS DE AQUINO, op. cit., p. 195. [Grifo Nosso].
54 Cf. SILVA, 2015, p. 125.
55 Cf. TOMÁS DE AQUINO, op. cit., p. 208.
56 Cf. BOEHNER; GILSON, 2007, p. 478.
16

determinado pela deliberação. Ora, assim como a deliberação está para o fim, da
mesma forma o consentimento o está. Desta forma, entendemos assim:

Na ordem operativa, é necessário primeiro apreender o fim; em


seguida, o apetite do fim; depois, a deliberação das coisas que são
para o fim; finalmente, o apetite das coisas que são para o fim. O
apetite tende naturalmente para o último fim. Por isso, a aplicação do
apetite ao fim apreendido não tem razão de consentimento, mas de
uma simples vontade. O que vem depois, enquanto se refere ao fim,
é objeto de deliberação, e assim pode haver sobre ele
consentimento, enquanto o movimento apetitivo se aplica àquilo que
pela deliberação foi julgado. O movimento apetitivo para o fim não se
aplica à deliberação, senão a deliberação a ele, porque a deliberação
supõe o apetite do fim. Mas, o apetite das coisas que são para o fim
pressupõe determinação da deliberação. Por isso, a aplicação do
movimento apetitivo à determinação da deliberação é propriamente o
consentimento. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 15, a. 3). 57

A ação de consentir ao ato pertence sempre à razão superior, tendo ela a


capacidade de julgar todas as coisas. A razão superior abarca toda a questão da
sabedoria perene, ou seja, aquilo que está ligado com o eterno no que se refere as
verdades espirituais. Existem também as razões divinas que pertencem à razão
superior, as quais submetem a razão humana ao seu ajuizamento. Desta forma, o
parecer final (sentença final) do que se deve fazer é consentimento ao ato. (TOMÁS
DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 15, a. 4). 58
O processo que resulta no consentimento ao ato é dado na razão superior,
que por sua vez está na vontade. Portanto, o consentimento tem por finalidade
formular juízos, onde há hipóteses de que há desejo para realização de ações de
bondade. 59
A eleição é um marco decisivo para a construção do pensamento moral de
Tomás de Aquino. Eleger é um ato feito pelo intelecto e pela razão. Assim, “o ato
pelo qual a vontade tende para o que lhe é proposta como bem, visto que é
ordenado para o fim pela razão, materialmente é da vontade e formalmente é da
razão”. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 13, a. 1).60 Este aforismo deixa
claro que quando acontece de haver dois postulados, e estes para o fim, um deles é
formal em relação ao outro. Para Tomás de Aquino, eleger é um ato da vontade,
porém, está intrinsecamente ligado à razão, como matéria e forma. Ainda diz que o

57 TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 208. [Grifo Nosso].


58 Cf. Ibid., p. 210. [Grifo Nosso].
59 Cf. BOEHNER; GILSON, 2007, p. 478.
60 TOMÁS DE AQUINO, loc. cit., p. 186. [Grifo Nosso].
17

animal, sendo desprovido da racionalidade, ele é determinado para um único fim,


privando-o de escolher entre uma coisa e outra. Neste caso, não acontece eleição,
pois a ação do animal será a partir de uma determinação de sua natureza. (TOMÁS
DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 13, a. 2).61
O objeto da eleição não é o fim último, mas os meios, ou seja, os fins
particulares que podem levar a alcançar o fim. Qualquer que seja a eleição, ela
sempre será para o fim, e isso compreende sempre uma ação humano, sendo dos
atos ou das coisas. Sendo a escolha uma ação, esta ação não pode levar a escolha
de coisas impossíveis, ao contrário, se tratando de eleição se trata de ato humano,
ou seja, aquilo que seja possível ser executado. Para alcançar a perfeição dos atos
da vontade, isto é, para que sejam atos corretos, é necessário que seja uma vontade
ou desejo bom para que possa ser realizado por alguém. (TOMÁS DE AQUINO,
Sum. Theo., I-II, q. 13, a. 5).62
O ato de eleger é livre e feito pelo homem, correspondendo àquela
qualidade própria do ato ou do próprio agir. No caso dos bens eles serão
compreendidos como bem ou mal, sendo aceitos ou rejeitados por tal resultado.
Deste modo, a bem-aventurança ou o bem perfeito não abrange a dimensão de mal.
Assim, o ato livre abarca a vontade, e assim visa os meios concretos com a
finalidade da bem-aventurança final. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I-II, q. 13, a.
6).63

2.3.3 Os desejos necessários da vontade

Ao que parece, a vontade nada deseja por necessidade. Para Agostinho64,


aquilo que é necessário não voluntário, mas tudo que a vontade deseja é voluntário.
Assim, podemos dizer que nada que a vontade deseja é necessariamente desejado.
Pela vontade, somos senhores dos nossos próprios atos, porém, não somos
senhores do que é necessário. Desta forma, o ato da vontade na pode ser

61 Cf. Ibid., p. 188.


62 Cf. Ibid., p. 191.
63 Cf. Ibid., p. 194.
64 Aurélio Agostinho, bispo de Hipona, nasceu em Tagaste, hoje Souk-Arhras, na Argélia.

Sendo um dos principais responsáveis pela síntese entre o pensamento filosófico clássico e o
cristianismo. Estudou em Cartago, e depois em Roma e Milão, tendo sido professor de retórica. As
principais obras que são mais conhecidas são: Confissões (400), de caráter autobibliográfico, e A
cidade de Deus composta entre 412 e 427. Santo Agostinho sofreu grande influência platônica. Sua
filosofia tem como preocupação central a relação entre a fé e a razão. [Cf. JAPIASSÚ Hilton;
MARCONDES Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 5.]
18

necessário. De maneira contrária, segundo Agostinho todos com vontade unânime


desejam a felicidade, entretanto, se esse desejo da felicidade não fosse necessário,
mas de forma contingente, não poderia a todos possuir esse desejo, então faltaria
ao menos em algum. De tal modo, a vontade quer alguma coisa de maneira
necessária. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 1).65
O aquinate responde dizendo que a necessidade possui vários sentidos, e
ainda que “necessário é o que não pode não ser”. (TOMÁS DE AQUINO, Sum.
Theo., I, q. 82, a. 1, r).66 Tomás de Aquino chama atenção para alguns tipos de
necessidades, a saber: necessidade natural ou absoluta, necessidade de fim ou
utilidade e necessidade de coação. Entende-se por necessidade natural ou absoluta,
aquela que participa de um princípio intrínseco, ou seja, um princípio material; por
exemplo, quando dizemos que é necessário que os três ângulos de um triângulo,
sejam iguais a dois retos. À necessidade de fim ou utilidade compreende aquilo que
não pode não ser, isto é, algo que seja fruto de um princípio extrínseco, causa final
ou eficiente; por exemplo: a alimentação é necessária para vida, ou o cavalo é
necessário para a viagem. Quanto a causa eficiente, trata de que algo convém ou
concorda com alguém; por exemplo, quando alguém é forçado por outro alguém a
afazer algo que não possa fazer o contrário, isso é a necessidade de coação.
(TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 1, r).67
Este último tipo de necessidade, de coação, causa repugna à vontade, pois
o que é contrário à inclinação de uma coisa é chamado de violento. O movimento da
vontade é certa inclinação a algo. Em consequência disso, há uma comparação:
assim como se chama de natural aquilo que acontece segundo a inclinação da
natureza, chama-se de voluntário aquilo que acontece segundo a inclinação da
vontade. Desta mesma forma de comparação, assim como é impossível que algo
seja ao mesmo tempo natural e violento, é de igual forma impossível que algo seja
coercivo e violento, e voluntário. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 1,
r).68
Algo que não repugna ou incomoda a vontade é a necessidade do fim, isso
quando essa não pode atingir certo fim sem um determinado meio. Por exemplo,
quando se tem a vontade de atravessar uma piscina a nado, é necessário que na

65 Cf. TOMÁS DE AQUINO, 2005, 475.


66 TOMÁS DE AQUINO, loc. cit.
67 Cf. Ibid., 476.
68 Cf. TOMÁS DE AQUINO, loc. cit.
19

vontade se manifeste primeiro o saber nadar, depois nadar. Da mesma forma que a
necessidade do fim, a necessidade natural não gera mal estar na vontade, pelo
contrário, como o intelecto está ligado necessariamente aos primeiros princípios, a
vontade una-se necessariamente ao fim último que é a bem-aventurança. (TOMÁS
DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 1, r).69
Em vista disso, quando Agostinho fala do necessário, este deve ser
compreendido por necessidade de coação e, a necessidade natural não tira a
liberdade da vontade como diz ele na mesma obra. A vontade quando quer alguma
coisa de forma natural, ou seja, quando se inclina à algo, esta corresponde antes ao
intelecto, onde estão os primeiros sentidos do que a razão, que refere-se a objetos
contrários. Assim, a vontade é mais uma faculdade intelectual do que racional. Por
isso, Tomás de Aquino fala que devemos entender que somos senhores dos nossos
próprios atos até quando não mais podemos decidir entre isso ou aquilo. Desta
forma, a escolha não se refere ao fim, mas sobre os meios para alcançar o fim.
Como consequência disto, o desejo que se refere ao fim último, não faz parte
daqueles atos aos quais somos senhores. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q.
82, a. 1, r).70
Há ainda questionamentos acerca da vontade, se esta quer
necessariamente tudo o que ela quer. Tomás de Aquino usando do pensamento de
Agostinho, diz que é pela vontade que acontece os atos bons e ruins, isto é, pecar e
viver retamente. Assim, a vontade se refere a objetos contrários, não querendo por
necessidade tudo o que ela quer. Afirma Tomás de Aquino que a vontade não quer
por necessidade tudo aquilo que ela quer. Para provar tal afirmação, deve-se haver
uma comparação: “assim como o intelecto adere necessária e naturalmente aos
primeiros princípios, assim também a vontade adere ao fim último” (TOMÁS DE
AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 2, r).71
A vontade age com a noção de bem, destra forma ela não pode tender a
algum objeto que não seja sob a razão e o bem. Há um motor que causa de forma
necessária o movimento daquele que é movido, isso quando na falta da força
daquele que é movido. A capacidade da vontade refere-se ao bem universal e
perfeito. Portanto, não está subordinado a um bem particular, sendo assim, não é

69 Cf. Ibid., 477.


70 Cf. TOMÁS DE AQUINO, loc. cit.
71 TOMÁS DE AQUINO, loc. cit.
20

necessariamente movida por ele. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 2,


r).72
Por fim, a potência sensitiva que é diferente da razão não é uma potencia
que reúne diversos tipos de objetos, mas apreende absolutamente um só objeto. Por
conseqüência disso, o apetite sensitivo, de maneira determinada, esse único objeto.
Diferentemente, a razão é aquela faculdade que reúne vários objetos, e por isso, o
apetite intelectivo que é a vontade, pode ser movido por diferentes objetos, e não
necessariamente por um. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 2, r).73

2.3.4 A vontade e o intelecto

A partir de que esclarecido o que se passa na vontade e no intelecto, cabe


perguntar: qual dos dois é superior ou mais nobre, o intelecto ou a vontade? Para
responder a tal questionamento, é necessário considerar que uma coisa pode ser
mais perfeita ou nobre do que a outra de duas maneiras: em si mesma ou
relativamente. Pois bem, se considerarmos ambos, isto é, intelecto e vontade em si
mesmos, constata-se que o intelecto é mais nobre que a vontade, pelo fato da
superioridade e importância de seu objeto. Todavia, caracteriza-se um objeto mais
nobre do que outro, quando este é mais simples e abstrato do que ele. (TOMÁS DE
AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 3, r).74
O objeto do intelecto é o ser inteligível, onde está a razão do bem que atrai a
vontade. Já o objeto da vontade é o bem desejável, cuja razão está contida no
intelecto. Desta maneira, é claro que em si mesmo o intelecto é superior e mais
nobre do que a vontade, isto por que a razão cujo bem é querido e satisfeito à
vontade está nele. No entanto, falando da segunda maneira de identificar a
superioridade das potências, a relativa, a vontade pode ser mais nobre que o
intelecto. Para entender como se dá isso, se faz necessário definir o que é o
conhecimento e o que é a vontade. Assim sendo, consiste o conhecimento no fato
de estar representado algo naquele que conhece. Já a vontade, é de fato tender
para a coisa tal qual é em si mesma, ou seja, da mesma forma em que o bem e o
mal que são objetos da vontade estão nas coisas, a verdade e falsidade estão no

72 Cf. TOMÁS DE AQUINO, 2005, 478.


73 Cf. TOMÁS DE AQUINO, loc. cit.
74 Cf. TOMÁS DE AQUINO, op. cit., 479.
21

intelecto, pois são seus próprios objetos. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82,
a. 3, r).75
No entanto, na questão do conhecimento, se aquilo que pode ser conhecido
é maior que a própria alma, é fato que, num sentido relativo a aquilo que se
conhece, a inclinação da vontade é superior à assimilação que é dada por meio do
conhecimento intelectual. Assim sendo, de fato, é melhor ou mais fácil amar à Deus
que é maior que tudo do que conhecê-lo. Portanto, se aquilo que é conhecido é
inferior à alma daquele que conhece, é claro que eu conhecê-lo será melhor e mais
fácil que amá-lo, pois tratando de coisas materiais é melhor conhecê-las que amá-
las. A partir disso, ao adentrar no que diz respeito a ordem dos moventes e movidos,
o questionamento que ergue-se é: é a vontade que move o intelecto ou é o intelecto
que move a vontade? (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 3, r).76
Diante disso, apresenta-se que uma coisa tema capacidade de mover outra
de duas maneiras, a saber: enquanto fim ou enquanto agente. Na capacidade de
mover enquanto fim, a causa final move a causa eficiente, assim sendo, é o intelecto
que move a vontade, pois a vontade é movida pelo bem, este conhecido pelo
intelecto. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 4, r).77 Já na capacidade
movida enquanto agente, a vontade é que move quase todas as potências da alma,
ficando de fora apenas a vegetativa, pois esta não está submetida a nossa vontade.
O motivo pelo qual a vontade move quase todas as potências da alma, é que,
naquilo que compete às potências ativas, o fim universal move os fins particulares.
(TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I, q. 82, a. 4, r).78
Portanto, pode-se entender que o objeto da vontade é o bem e o fim comum,
logo, a vontade move como agente quase todas as potências da alma, incluindo o
intelecto e excluindo as potências vegetativas. (TOMÁS DE AQUINO, Sum. Theo., I,
q. 82, a. 4, r).79 Finalizando este capítulo referente a liberdade, bem como livre-
arbítrio em Tomás de Aquino, é importante salientar que:

A liberdade encontra-se, como em seu sujeito, na vontade, mas é ao


mesmo tempo faculdade de razão, de sorte, de sorte que se pode
igualmente defini-la como uma inteligência dotada de apetite,
intellectus appetitivus, ou, o que é preferível, um apetite dotado de

75 Cf. TOMÁS DE AQUINO, 2005, 479.


76 Cf. Ibid., 480.
77 Cf. Ibid., 481.
78 Cf. Ibid., 482.
79 Cf. Ibid., 483.
22

inteligência, appetitus intellectivus: todo o mistério e toda a


explicação da liberdade está na associação dos dois termos.80

Concluindo, centra-se na vontade humana essa tendência para desejar o


bem, o livre-arbítrio, a capacidade de escolher e decidir para além do que lhe
apontam os instintos e as paixões. Neste horizonte, a vontade somente é livre
quando atua, nas suas escolhas, iluminada pela inteligência. Quando a escolha
reflete algo contrário ao que deve ser desejado e querido pela vontade, é orientada
por instintos e paixões. Justamente por isso deve tender a Deus, não o fazer, ofende
mais intensamente seu Criador, por preferir as criaturas e preterir Deus.81

80 Cf. GARDEIL, 1967, p.168.


81 DUZIONI, Guilherme Bada. A comparação da fundamentação metafísica da concepção
de mal em Agostinho e Tomás de Aquino. 2015. 83 f. Trabalho de Conclusão de Curso
[Bacharelado] – Faculdade de Filosofia, Faculdade São Luiz, Brusque, 2015.

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