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ISBN: 978-85-99680-05-6
REFERÊNCIA:
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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consumo está estabelecida uma rede complexa de relações humanas que envolve
segmentos da sociedade – social, político, econômico, etc. – norteados por diferentes
valores, interesses e, porque não dizer, ambições. Assim, o ideal seria que na escritura
de diferentes gêneros de textos de propaganda concorressem critérios relativos à ética e
à moral, nos sentidos mais amplos dos termos, e, no sentido mais específico, as demais
propriedades lingüístico-discursivas que garantissem a sua eficiência informativa.
Infelizmente, no mundo da propaganda, no afã para “fazer crer” e “fazer fazer”,
usa-se subterfúgios de convencimento nem sempre condizentes com a realidade
fenomênica do objeto em questão. Os múltiplos meios de comunicação midiática
apontam caminhos segundo os seus interesses, tornando-se, muitas vezes, canais
formadores de opiniões equivocadas e, por conseguinte, maléficas para o público
consumidor, nem sempre suficientemente esclarecido para não se deixar levar pelas
trapaças discursivas da comunicação (FARIA, 1979; FIORIN, 2003).
Isso posto, tendo em vista o papel formador da escola e a sua co-participação no
processo de aperfeiçoamento da sociedade e, em termos mais específicos, a sua
responsabilidade com a vivência pedagógica dos usos e das funções da linguagem, tanto
nas práticas orais quanto nas escritas, o estudo dos diferentes gêneros de textos de
propaganda é fundamental para o aperfeiçoamento das múltiplas atividades de interação
verbal estabelecidas entre os sujeitos falantes.
No contexto acadêmico-pedagógico, professor e aluno têm o grande desafio de
compreender o texto como um produto histórico-social que se relaciona a outros textos
já lidos e/ou ouvidos. De modo que a sua leitura é apenas uma das leituras suscitadas
pelo texto, inerentemente aberto às múltiplas co-autorias no grande palco das relações
sociais. É nessa perspectiva, a do papel da escola no aperfeiçoamento da leitura e da
escrita dos diferentes gêneros de textos por meio dos quais a sociedade estabelece a
interação verbal que a motivação para o presente trabalho foi erigida.
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Texto disponível em: http://www.cefetsp.br/edu/sinergia/claudia2.html
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Nessa mesma perspectiva lingüística e filosófica, Dahlet (2005) defende a idéia
de que o indivíduo é um sujeito social, pois é por meio do signo que age com outros
sujeitos e, por conseguinte, se constitui de tudo aquilo que ele não é. Então, um sujeito
não pode ser conhecido, se não dentro do discurso que ele produz. Em outros dizeres, o
sujeito é falado no discurso. Conseqüentemente, vem a lume o caráter intersubjetivo
(social) do discurso, no que diz respeito à teoria dialógica. Se o sujeito é constituído de
tudo aquilo que ele não é, é coerente afirmar, portanto, que o que ele faz é imitação,
ainda que essa imitação seja resultante de suas opções no bojo das suas relações com o
outro. Então, parece ser possível dizer que é nesse processo de escolha que o indivíduo
constitui o seu eu, a sua identidade, no seu discurso.
Os filósofos gregos concebiam a subjetividade da seguinte forma: Deus é o
único que cria, o homem apenas imita. Um exemplo claro disso, hoje em dia, são os
trabalhos científicos. Ninguém desenvolve uma pesquisa sem que tenha um ponto de
referência, isto é, é a partir de idéias já ditas que se constroem novas idéias. Dessa
forma, o sujeito do discurso é pura alteridade, porque, conforme já dito, ele só se
constitui como tal no discurso, confrontando-se com vozes variadas. Com efeito, é por
meio da consciência do outro que ele conhece o seu “eu”.
Se tudo o que se faz é imitação, pode-se dizer que o discurso de um sujeito
nunca estará acabado, já que nele se encerram diferentes sopros de vozes e sentidos
conflitantes. Nesse sentido, parece ser possível dizer que o discurso alheio aparenta ser
de um sujeito, quando, na verdade, é de outro, pois a palavra 2 do outro exerce grande
influência no “eu”. Então, é pertinente a metáfora de que o sujeito é uma lacuna a ser
preenchida, sendo que esse espaço vazio será ocupado por diversos indivíduos na
formulação do enunciado. Por exemplo, no contexto de um discurso político, o locutor,
dependendo da posição que adotar, poderá ou não comprometer sua imagem. Então, ele
toma posse dos dizeres, conhecimentos, de diferentes discursos que, aliás, autorizam o
seu dizer (ORLANDI, 2001), a fim de construir uma imagem, segundo a sua
interpretação das expectativas do público que o ouve. Assim, na sociedade em geral,
diante dos mais diferentes contextos enunciativos são as máscaras que prevalecem.
Segundo Bakhtin (apud DAHLET, 2005), a vida é dialógica por natureza. Com
efeito, ignorar a sua natureza é o mesmo que apagar a ligação existente entre a
linguagem e a vida. Nesse sentido, viver significa participar de um diálogo (BARROS,
2005). Logo, a identidade de um ser é o reflexo daquele ser ao qual se opõe. Entretanto,
mesmo nessa relação de troca, há o que pode ser chamado de unicidade, algo que é
realmente individual ao sujeito, pois este ocupa um lugar no mundo que é único e,
assim, o diferencia de qualquer outro sujeito, sendo, portanto, um sujeito de vontade e
idéia próprias.
Para entender-se a unicidade, é salutar dizer que o dialogismo bakhtiniano
apresenta o sujeito como um sujeito de consciência. Nessa perspectiva, Chauí (apud
BRANDÃO, 2005, p. 266) diz que a consciência
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É importante ressaltar aqui que ‘palavra’ não está sendo usada no seu sentido lexical, e sim discursivo.
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epistemológicas e esse poder definem aquilo que a Filosofia
denomina o Sujeito.
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Vale dizer que a intertextualidade pressupõe a interdiscursividade, ao passo que o contrário não
acontece.
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A intertextualidade refere-se ao diálogo entre textos, nos seus processos de
reprodução, construção ou transformação do sentido. Em outras palavras, a
intertextualidade pode ser entendida como a “incorporação” – a citação, a alusão e a
estilização – de um texto em outro. A citação é uma transcrição de texto alheio,
marcada pela confirmação ou alteração do texto original. A alusão acontece quando são
reproduzidas construções sintáticas, podendo ou não ser citadas palavras do texto que se
utiliza. Pode ocorrer, por exemplo, alusão de figuras, quadros, personagens, etc. Já a
estilização é entendida como a incorporação do estilo do discurso de outrem (FIORIN,
2003).
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis,
com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas,
tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós
muito bem olharmos, não se envergonhavam (ou: não nos
envergonhamos).
Pero Vaz de Caminha. Carta (fragmento)
As meninas da gare
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saber, que, ao mostrar as duas mãos, uma com cinco e a outra com quatro, Lula
representava o número 45, isto é, o do candidato opositor.
3. ANÁLISE
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Nada me parece mais útil do que poder, falando, manter as assembléias dos homens, aliciar as mentes,
impelir as vontades para onde se queira (Marcus Tullius Cícero, séc. I a.C.).
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De acordo com a teoria psicanalítica, o sujeito pode se dividir em um sujeito interior e um exterior. A
interioridade refere-se ao sujeito individualizado, ao passo que a exterioridade é tida como “o outro”
compondo um sujeito, o “eu” (interdiscurso). Ainda, segundo a teoria psicanalítica, a exterioridade se
encontra no Outro do inconsciente (ZOPPI-FONTANA, 2005, p. 116).
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“Operações de enquadre: uma determinada expressão pode evocar um conjunto de propriedades,
relações ou associações (frames, cenários, esquemas, etc.) [...]” (MARCUSCHI; KOCH, 1998, p. 5).
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mas também pelo coro de vozes do público objeto de interesse da revista Caras —
artistas, empresários, socialites — e demais indivíduos alvo da mídia. Essas diferentes
vozes representam elementos históricos e sociais distintos, que intercruzam-se e
permitem a formação de um novo texto, o da Fruittella. De modo que, nesse processo de
grandes percursos temáticos, a força polifônica objetiva induzir o leitor-consumidor a
adquirir o produto. Ainda, ao utilizar os dizeres legitimados pela psicanálise, cujo
acontecer mexe com o status quo da maioria dos indivíduos que norteiam a feitura dos
textos da Caras, o autor tenta alcançar o íntimo de cada pessoa, reforçando a
“legitimidade” do produto.
Como dizia Lavoisier (1789), “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
Esse consenso também pode ser aplicado à linguagem, posto que, devido à sua natureza
histórica e à sua plasticidade, principalmente, ela é dotada da latência sígnica, ou seja,
está sempre a espera do fôlego da vida das vozes que em diferentes contextos históricos
e sociais lhe atribuem pertinência comunicativa. Em termos filosóficos abrangentes, o
autor do texto da Fruittella contou com a potencialidade de proliferação (FOUCAULT,
1995) da linguagem. Tudo para vender a bala Fruitella.
O sujeito do texto de propaganda da Fruittella é resultante do assujeitamento
(ORLANDI, 2001) às forças ideológicas emanadas da marca Fruittella, o seu texto será
avaliado segundo a sua capacidade de convencer o público a cair na cilada da sua
argumentalogia, comprando o doce psicanaliticamente milagroso. Pelas forças sopradas
pelo coro de vozes do universo de feitura da Caras, pelos possíveis universos nos quais
a revista Caras pode ser inserida, e, finalmente, pelo seu próprio universo, ou seja, o seu
contexto social no qual entram em jogo o sopro de vozes concernentes a questões
financeiras, estabilidade profissional, entre outros imperativos. Com efeito, o sujeito do
texto é um ser ideologizado por múltiplas forças que o constitui no discurso da
propaganda, fora dessa limitação, não sabemos quem ele é.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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do presente empreendimento. Pois, no processo de ‘desmontagem’ do texto poderia se
identificar o grau de mascaramento de um discurso cujo dizer é legitimado pelo uso
“deslocado” de outros discursos, outras vozes pertencentes a outras realidades históricas
e sociais, mas nem por isso isentas de se moldarem a outros interesses enunciativos.
Entende-se que é nesse processo de desmontagem que seria erigida a atuação do
leitor crítico, político, capaz de identificar as estratégias discursivas de enlaçamento e,
no caso em questão, de desvio das informações que efetivamente pudessem esclarecer o
público consumidor sobre os atributos do que está posto a venda.
REFERÊNCIAS
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Dialogismo, polifonia e enunciação. In: BARROS,
Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José Luiz (orgs.). Dialogismo, polifonia e
intertextualidade. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2003.
CASTRO, Maria Lília Dias de. A dialogia e os efeitos de sentido irônicos. In: BRAIT,
Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2. ed. rev. Campinas:
Unicamp, 2005.
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FIORIN, José Luiz. Polifonia textual e discursiva. In: BARROS, Diana Luz Pessoa
de; FIORIN, José Luiz (orgs.). Dialogismo, polifonia e intertextualidade. 2. ed. São
Paulo: Edusp, 2003.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
Revista Caras, São Paulo, edição 629, ano 12, n.47, 25 de nov. 2005.
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ZOPPI-FONTANA, Mônica G. O outro da personagem: enunciação, exterioridade e
discurso. In: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2. ed.
rev. Campinas: Unicamp, 2005.
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Anexo
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