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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS NATURAIS E EXATAS

DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS

GEOGRAFIA:
ENSINO & PESQUISA

GEOGRAFIA: ENSINO & PESQUISA, Santa Maria, v.11, n.1, jul., p.1-56, 2001.
GEOGRAFIA: ENSINO & PESQUISA

Geografia : Ensino & Pesquisa / Universidade Federal de Santa


Maria.
Centro de Ciências Naturais e Exatas. Departamento de Geociên-
cias. – V. 1 (1987)-_____________. – Santa Maria, 1987-____.

Anual
V. 11, Nº 1 (2001)

CDU 911

Ficha catalográfica elaborada por


Alenir Inácio Goularte CRB-10/990
Biblioteca Central da UFSM

PERMUTA

Desejamos estabelecer permuta com Revistas similares

Deseamos establecer el cambio con Revistas semejantes

Desideriamo cambiare questa Revista con altri similari

On désir établir l'échange avec les Revues similaires

We wish to establish exchange with all similar Journals

Wir wünschen den Austausch mit gleichartigen Zeitschriften

A correspondência deverá Universidade Federal de Santa Maria


ser dirigida para: Centro de Ciências Naturais e Exatas
Departamento de Geociências, sala 1106-B
All correspondence should 97.105-900 - Santa Maria - RS - Brasil
be addressed to: Fone: (0xx55) 220 - 8143
Fone/Fax: (0xx55) 220 - 8207
Email: depgeoc@base.ufsm.br

Tiragem: 300 exemplares

O presente fascículo da revista "Geografia: Ensino & Pesquisa" foi


publicado com o auxílio concedido pelo Centro de Ciências Naturais e
Exatas (CCNE/UFSM).
iii

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS NATURAIS E EXATAS

DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS

REITOR

Paulo Jorge Sarkis

DIRETOR DO CENTRO

Edgardo Ramos Medeiros

CHEFE DO DEPARTAMENTO

Roberto Cassol

COORDENADORA DO CURSO DE GEOGRAFIA


Maria da Graça Barros Sartori

COMISSÃO EDITORIAL
Prof. MSc. Carlos Alberto Pires
Profª. MSc. Ivaine Maria Tonini
Prof. Dr. Luis Eduardo Robaina
Profª. Drª. Maria da Graça Barros Sartori
Prof. MSc. Mauro Kumpfer Werlang
Profª. Drª. Meri Lourdes Bezzi
Prof. Dr. Roberto Cassol
Profª. Drª. Vera Maria Favila Miorin
Prof. Dr. Waterloo Pereira Filho
iv

PROFESSORES DO DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS

Professores Endereço eletrônico


MSc. Adriano Severo Figueiró Asf@base.ufsm.br
MSc. Andrea Valli Nummer Nummer@genesis.cpgec.ufrgs.br
MSc. Átila Augusto Stock da Rosa Atila@base.ufsm.br
Dr. Bernardo Sayão Penna e Souza Sayao@base.ufsm.br
MSc. Carlos Alberto da Fonseca Pires Capires@ccne.ufsm.br
MSc. Cesar de David Cdavid@base.ufsm.br
MSc. Edgardo Ramos de Medeiros Edgardo@base.ufsm.br
MSc. Eliane Maria Foleto Efoleto@oslo.ccne.br
MSc. Ivaine Maria Tonini Ivaine@ccne.ufsm.br
Dr. José Luiz Silverio da Silva Silverio@base.ufsm.br
MSc. Lilian Hahn Mariano da Rocha Lhrocha@base.ufsm.br
MSc. Luciane R. Bittencourt Lrd@base.ufsm.br
Dr. Luis Eduardo Robaina Lesro@base.ufsm.br
Dra. Maria da Graça Barros Sartori Magraca@hanoi.ufsm.br
MSc. Mauro Kumpfer Werlang Mwerlang@base.ufsm.br
Dra. Meri Lourdes Bezzi Meri@oslo.ufsm.br
Dr. Roberto Cassol Rcassol@base.ufsm.br
Eng. Valdir José Fração Cofram@sma.zaz.com.br
Dra. Vera Maria Favila Miorim Vmiorim@base.ufsm.br
MSc. Vilma D. M. Figueiredo Vilma@base.ufsm.br
Dr. Waterloo Pereira Filho Waterloo@base.ufsm.br
v

SUMÁRIO / TABLE OF CONTENTS

Considerações sobre a temática ambiental em Geografia.


Considerations about the environmental theme in Geography.
Deina Farenzena, Ivaine Maria Tonini e Roberto Cassol......................................................................... 1-8

Classificação das zonas agroecológicas na sub-bacia rio Ibicuí-mirim: adequação das culturas ao tipo
de solo - RS.
Classification of the agro-ecological zones at the Ibicui-mirim hydrological sub-basin:
matching the cultures to the type of soil - RS.
Isimar Stefenon Hundertmarck e Vera Maria Favila Miorin Miorin........................................................... 9 - 15

A estrutura da produção agrícola e o perfil socioeconômico do município de Salvador das Missões -


RS.
The structure of the agricultural production and the social-economical profile of the borough
of Salvador das Missões - RS.
Ivete Teresinha Strieder e César de David............................................................................................... 17 - 23

Uso da terra em vertentes íngremes: O caso da microbacia hidrográfica do Arroio Jacutinga - RS.
Land-Use in Sheer Slops: the case of River Jacutinga - RS.
Marcuse de Jesus da Cunha Guazina, Andréa Rossato Branco e Waterloo Pereira Filho...................... 25 - 31

Astronomia e livro didático: erros ou enganos?


Astronomy and didactic books : errors or mistakes ?
Paulo Cesar Zanon e Ivaine Maria Tonini................................................................................................ 33 - 39

Estudo da ação antrópica sobre o meio ambiente em área de produção familiar, na sub-bacia do
Areal, município de Quarai - RS.
A study of the anthropic action over the environment in a familiar production area at the areal
hydrological sub-basin, county of Quaraí - RS.
Rógis Juarez Bernardy e Vera Maria Favila Miorin.................................................................................. 41 - 50

Adequação do ensino de Geografia a realidade rural: um estudo junto as escolas-núcleo do


município de Santa Maria - RS.
Adequacy of teaching Geography to the rural reality: a study done by the nucleus schools in
the borough of Santa Maria - RS.
Rosangela Spironello e Meri Lourdes Bezzi............................................................................................. 51 - 55
vi

EDITORIAL

A Revista Geografia: Ensino & Pesquisa é mesmo tempo, esse periódico, ressurge com novo
uma publicação do Departamento de Geociências, visual e formatação.
unidade do Centro de Ciências Naturais e Exatas da A revista permuta trabalhos em caráter
Universidade Federal de Santa Maria e, visa, desde o nacional e internacional e constitui-se em periódico
seu primeiro volume, editado em 1987, divulgar aberto ao corpo discente, oportunizando que o
essencialmente a produção científica de acadêmicos formando demonstre que assimilou os conteúdos e
do Curso de Geografia, nas habilitações Licenciatura as técnicas de elaboração de sua Ciência. Esse
ou Bacharelado desta Instituição de Ensino Superior. periódico busca, também, evidenciar ao acadêmico
Com a qualificação teórico-metodológico- que a criação científica deve ser aprofundada, que
instrumental e técnica de seu corpo docente e a envolve planejamento, é trabalhosa e exige
diversificação dos Laboratórios de Pesquisa do persistência e determinação. Ao apresentar o
Departamento, a revista englobará, também, resultado de seu trabalho ele se conscientiza de que
trabalhos elaborados em bolsas de Iniciação tem competência e está habilitado, não só para o
Científica, financiada por órgãos externos à exercício profissional, mas principalmente, para
universidade, como CNPq e FAPERGS e de produzir e retransmitir o pensamento científico
incentivos internos como FIPE e FIEX, ampliando seu alicerçado na ciência geográfica.
espectro temático. Este Volume 11, Número 1, inclui sete
As contribuições abrangem, principalmente, contribuições: duas na área de Geografia Física,
trabalhos de pesquisas nas áreas de conhecimento quatro na área de Geografia Humana e uma na área
da Geografia, segundo classificação da CAPES: de Ensino da Geografia.
Geografia Física (Geomorfologia, Climatologia Destaca-se que a Geografia apresenta-se
Geográfica, Pedologia, Hidrogeografia, Geoecologia, como um espaço privilegiado para reflexões e
Fotogeografia, Geocartografia); Geografia Humana experiências relativas aos estudos integrados e
(Geografia da População, Geografia Agrária, interdiciplinares. Esta publicação soma-se aos
Geografia Urbana, Geografia Econômica, Geografia demais periódicos que tem nesta ciência seu objeto
Política); Geografia Regional (Teoria e de estudo.
Desenvolvimento Regional, Regionalização, Análise
Regional); Ensino da Geografia e áreas afins à
ciência geográfica. Novembro de 2001
Desde 1987, Geografia: Ensino & Pesquisa
está indexada e caracterizava-se por ter uma
periodicidade anual. Salienta-se, no entanto, que a
mesma ficou por cinco anos, sem ser publicada e, o
seu último volume editado, foi o de número dez,
publicado em 1996. No entanto, pretende-se com
esta publicação, resgatar a sua continuidade e, ao
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEMÁTICA AMBIENTAL EM GEOGRAFIA1


CONSIDERATIONS ABOUT THE ENVIRONMENTAL THEME IN GEOGRAPHY

Deina Farenzena2; Ivaine Maria Tonini3 e Roberto Cassol4

RESUMO Geográfica até a atualidade, ressaltando a visão da


temática ambiental implícita neste período. Nesta
Este artigo fundamenta-se em um resgate bibliográfico perspectiva, dois períodos distintos são salientados. O
sobre a evolução do pensamento geográfico, desde a primeiro período, naturalista, que perdurou do século
institucionalização e consolidação da Ciência XIX até meados do século XX,
quando à natureza era designado um elevado valor ambientais em pesquisas, em planejamentos e
econômico-material; o segundo período, ambientalista, igualmente no ensino.
de meados do século XX (décadas de 50/60) até a Este capítulo tem por objetivo proceder a
atualidade, quando a deterioração do meio ambiente abordagem teórica e, neste contexto, prioriza o resgate
atinge níveis preocupantes e de relevante importância histórico da evolução do pensamento geográfico, desde
social. a institucionalização e consolidação da Ciência
Geográfica até os dias atuais, ressaltando a visão
Palavras-chaves: Evolução do pensamento geográfico, ambiental deste período.
Temática ambiental.
2 A TEMÁTICA AMBIENTAL EM GEOGRAFIA
ABSTRACT
A temática ambiental está sendo o centro
This article is based on a bibliographic research about polarizador de estudos em diversos campos do
the evolution of the geographic think, since its conhecimento, que preocupados com a destruição do
institucionalization and consolidation of Geography as a patrimônio natural e com a qualidade de vida, tentam
Science up to the present days, highlighting the vision of resgatar as boas condições ambientais que hoje se
the environmental theme implicit in this period. In this encontram abaladas pelos sucessivos anos de
perspective, there are two distinct periods. The first one, apropriação e uso depredatório dos recursos naturais
the naturalist that lasted from the nineteenth century to disponíveis na superfície terrestre e passível de geração
the twentieth, when to nature it was designed an de lucros.
elevated material-economical value, the environmentalist Como destaca MENDONÇA (1993, p.8):
from the middle of the twentieth century (the 50 and 60
decades), the second period to the present days when Nem todas as ciências, entretanto, tiveram uma
the deterioration of the environment reaches considerate preocupação ambientalista durante sua evolução e isto
levels of relevant social importance. é bastante interessante quando, na atualidade, se
percebe que quase todas – senão todas – têm voltado
Key words: Evolution of the geographic think, sua atenção para essa temática; a despeito das críticas
environmental theme. negativas, deve-se salientar que isto é
consideravelmente bom e contribui para um melhor
1 INTRODUÇÃO equacionamento da questão. A geografia, ao lado de
outras ciências, desde sua origem tem tratado muito de
A temática ambiental mundialmente preocupa perto a temática ambiental, elegendo-a, de maneira
instituições governamentais e não governamentais geral, uma de suas principais preocupações.
tornando-se objeto de estudo para pesquisadores e
planejadores. Também, devido a sua relevância deve No entanto, mesmo que a Geografia tenha se
ser incorporada ao processo educacional, de modo a preocupado desde a sua gênese com o quadro natural,
contribuir para a formação de cidadãos conscientes e um resgate histórico comprova a existência de dois
comprometidos com o futuro da sociedade e da momentos distintos relacionados a esta temática: um
natureza. primeiro, que se inicia com a consolidação da Geografia
A Geografia, como campo de conhecimento, têm como ciência no século XIX e vai até meados do século
apresentado preocupação com as transformações da XX; e um segundo momento, que se inicia no século
sociedade, com o espaço humanizado e com a natureza XX, mais precisamente nas décadas de 50 e 60 e
socializada permitindo refletir sobre as questões perdura até a atualidade.

1
Capítulo integrante do trabalho de Graduação A: “A Educação Ambiental em Geografia nas Escolas Estaduais de Ensino
Fundamental da Quarta Colônia de Imigração Italiana/RS”. Apresentado ao Departamento de Geociências, CCNE/UFSM.
2
Licenciada em Geografia pela UFSM, Santa Maria, RS.
3
Co-orientadora, Profª. M.Sc. do Departamento de Geociências, CCNE/UFSM.
4
Orientador, Prof. Dr. do Departamento de Geociências, CCNE/UFSM.

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2 Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 1-8, 2001

2.1 A Institucionalização e a Consolidação da No início do século XIX, as condições culturais,


Ciência Geográfica: o Período Naturalista. econômicas e políticas propiciaram a mudança nas
diretrizes intelectuais levando as idéias ao positivismo
O período em que pontificaram os estruturado por Augusto Comte.
institucionalizadores da Geografia e em que ocorreu a Os postulados positivistas, profundamente
consolidação do conhecimento geográfico – século XIX empiristas e naturalistas, foram a base sobre a qual foi
até meados do século XX – pode ser denominado estruturada a Geografia deste período e que influenciou
segundo MENDONÇA (1993) de período naturalista. os fundadores da Geografia, enquanto ciência.
Neste período, a concepção naturalista vinculada No entanto, apenas a existência de pressupostos
a Geografia deveu-se, fundamentalmente, a influência históricos e filosóficos não poderia proporcionar a
do modo de produção capitalista; a burguesia, como colocação da Geografia no rol das ciências particulares
importante classe social da época e; a filosofia e autônomas.
positivista, que estruturou metodologicamente os O impulso desencadeador da sistematização do
trabalhos das inúmeras ciências, inclusive da Geografia. conhecimento geográfico adveio da Alemanha, onde
O capitalismo, influenciou as ciências, e particularmente as relações capitalistas penetraram
particularmente a Geografia, devido a necessidade de tardiamente, pois no início do século XIX, o território
alastrar e intensificar as relações comerciais pelo alemão ainda não se constituía como Estado Nacional,
mundo. Para que isso pudesse ocorrer, havia a inexistindo uma unidade econômica e política, devido a
necessidade de conhecimento da superfície terrestre, forma coesa da estrutura feudal.
não necessariamente de sua totalidade mas, pelo Com a penetração do capitalismo na estrutura
menos, das áreas litorâneas de fácil acesso. feudal, sem alterá-la, o comércio passou a desenvolver-
Com o expansionismo do comércio, a burguesia se sendo prejudicado pela falta de um Estado Nacional
capitalista européia estendeu suas relações comerciais constituído e coeso, no qual as relações com outros
a outros povos. Isto fez aumentar seu poder financeiro e Estados pudessem ser duradouras e onde pudesse
sua influência política e, segundo ANDRADE (1987), existir um centro organizador e polarizador das relações
passou a estimular o desenvolvimento de técnicas e econômicas. Desta forma, a questão do espaço, seu
pesquisas, visando racionalizar e maximizar a domínio e organização, passaram a ser primordial para
exploração dos recursos naturais. a classe hegemônica alemã e também para os
A gama de informações acumuladas a respeito estudiosos que iriam fazer as primeiras colocações no
da superfície da terra, proporcionada pelo incentivo do sentido de uma Geografia sistematizada, destacando-se
capitalismo e da burguesia, através das inúmeras dentre eles Alexandre von Humboldt e Karl Ritter.
viagens e do aprimoramento técnico, constituíram o De acordo com MORAES (1989, p.15):
pressuposto histórico e material para a sistematização
do conhecimento geográfico. Humboldt e Ritter são, sem dúvida, os pensadores que
O pressuposto filosófico e metodológico, que dão o impulso inicial à sistematização geográfica, são
permitiria a transformação da Geografia em ciência eles que fornecem os primeiros delineamentos claros do
autônoma e unitária, surgiu no final do século XVIII domínio dessa disciplina em sua acepção moderna, que
juntamente com uma grande revolução econômica e elaboram as primeiras tentativas de lhe definir o objeto,
cultural que consolidou o domínio burguês e o modo de que realizam as primeiras padronizações conceituais.
produção capitalista.
O Iluminismo representante da visão da Humboldt era naturalista, viajou pelo mundo
burguesia intelectual da época, passou a considerar a procurando conhecer a natureza física, porém tinha
razão como chave para o entendimento do mundo e a grande curiosidade pelo homem e sua organização
questionar as leis da Igreja e os fenômenos naturais. social e política.
Segundo ANDRADE (1987, p.49): Segundo ANDRADE (1987, p.52):

A superestrutura ideológica-cultural se consolidava As idéias centrais de Humboldt foram o resultado da


consagrando a racionalidade da ação do homem sobre influência do racionalismo ilustrado francês do século
a natureza, o que permitiria a sua exploração com XVIII, do idealismo alemão e do projeto positivista. Daí a
grandes vantagens, a dominação técnica, a valorização sua grande preocupação com o estabelecimento de leis
do pensamento científico, com a preocupação do gerais que explicassem o mundo em que vivia,
estabelecimento de leis universais, a partir das relacionando o povo, categoria social, com o meio
formulações de Newton, e crença generalizada no ambiente..., não se preocupando porém com as
progresso, que seria linear e contínuo. O homem, relações sociais em si.
empregando os meios de que dispunha, procuraria
dominar a natureza e fazê-la produzir, de acordo com Ritter, filósofo e historiador, não excursionou pelo
suas metas e com os seus interesses. mundo. Apresentou um trabalho essencialmente
metodológico, numa proposta que reforça a análise
A intensa preocupação em conhecer a superfície empírica e, segundo Moraes (1989) inaugurou a
da terra e em controlar a natureza, fez com que as discussão geográfica sobre a relação homem-natureza,
ciências da observação e da experimentação se colocando-a mesmo como um dos objetos principais de
expandissem. A Geografia passou a ter lugar destacado tal disciplina.
dentre as ciências por ter função essencialmente A união dos conhecimentos destes dois
descritiva, o que satisfazia a necessidade da classe estudiosos alemã, lançou as bases da Ciência
hegemônica que buscava “explicações” objetivas e Geográfica, ciência esta profundamente preocupada
quantitativa da realidade. com os aspectos físicos-naturais das paisagens e com a
relação dos homens com a natureza.

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acentuou o propósito humano, propondo uma


2.1.1 A Geografia Tradicional despolitização no temário geográfico.
La Blache, segundo MORAES (1991, p.68):
Após o desaparecimento de Humboldt e Ritter,
no final do século XIX o processo de sistematização da Definiu o objeto da Geografia como a relação homem-
Geografia ganhou novo impulso através das colocações natureza, na perspectiva da paisagem. Colocou o
de Friedrich Ratzel. homem como um ser ativo, que sofre influência do meio,
Assim como seus antecessores, Ratzel também, porém que atua sobre este, transformando-o. Observou
estavam ligados a classe hegemônica alemã, mas ao que as necessidades humanas são condicionadas pela
contrário de Humboldt e Ritter, vivenciou a unificação do natureza, e que o homem busca as soluções para
estado alemão e a transformação da Alemanha em um satisfazê-las nos materiais e nas condições oferecidos
Estado industrial. pelo meio. Neste processo, de trocas mútuas com a
Dentre os estudos de Ratzel, o maior destaque natureza, o homem transforma a matéria natural, cria
fica para a Geografia Política, onde, segundo SODRÉ formas sobre a superfície terrestre: para Vidal é aí que
(1986) teria considerado o Estado como organismo começa a “obra geográfica do homem”.
parte humano parte terrestre e, a conquista de novos
territórios essencial para a manutenção e Mesmo que La Blache tenha se preocupado em
desenvolvimento de um Estado. combater a concepção naturalista, continuou inexistente
Neste momento histórico era de fundamental também na Geografia francesa a preocupação com o
importância para os mais diversos estados, e também processo de produção das relações sociais e as
para o Estado alemão, defender a posse de seu conseqüências destas para o meio físico. Ao contrário
território buscando ampliá-lo cada vez mais, pois isso da proposta ratzeliana, estendeu seus estudos a
traria riqueza - através da exploração de seus recursos pequenas áreas, supervalorizando o trabalho de campo
naturais - e poder ao Estado. e a intuição do geógrafo no trabalho com os aspectos
MORAES (1991, p.56) comenta: físicos, posteriormente sobrepondo a estes os aspectos
humanos e econômicos, o que reforçou a concepção
Para Ratzel o território representa as condições de naturalista em vez de descartá-la.
trabalho e existência de uma sociedade. A perda de No entanto, La Blache contribuiu com
território seria a maior prova da decadência de uma importantes conceitos para a Ciência geográfica tais
sociedade. Por outro lado, o progresso implicaria a como o que caracterizou a Geografia francesa – o
necessidade de aumentar o território, logo, de Possibilismo e a Região. O primeiro entendido como a
conquistar novas áreas. possibilidade da ação do homem sobre o meio e o
segundo como o gênero de vida.
Em seu pressuposto, Ratzel buscou justificar Comenta ANDRADE (1987, p.71):
com o conceito de “espaço vital”, que seria a relação
entre a população de um Estado e a capacidade de Admitindo que a região ou o meio físico é o suporte que
utilização do seu território (ANDRADE, 1987). o homem utiliza para viver, para fazer suas construções,
Ratzel também privilegiou em seus estudos as para extrair os produtos de que necessita, Vidal de La
relações entre o homem e o meio natural de forma Blache estimulou grande preocupação nos geógrafos
dissociada, sendo que ao explicar o determinismo dos com a descrição deste meio, das formas de utilização do
lugares sobre os homens, reduziu o homem a um mesmo e deu base à formulação da noção de gênero de
animal, não o considerou como elemento social ao vida, vital ao esquema de trabalho. Para ele, o gênero
igualar os fenômenos humanos aos naturais. de vida seria o conjunto articulado de atividades que,
Mesmo que Ratzel tenha inovado em algumas de cristalizadas pela influência do costume, expressam as
suas formulações, este intelectual manteve a visão formas de adaptação, ou seja, a resposta dos grupos
naturalista que caracteriza o período da Geografia. De humanos aos desafios do meio geográfico.
acordo com GOMES (1996) o pensador tentou
estabelecer uma teoria positiva que se aplicaria ao La Blache, embora contestando as idéias do
homem, fundamentada na teoria evolucionista, a prussiano Ratzel, em termos de método não rompeu
exemplo do que já havia sido feito nas ciências ditas com as formulações deste, sendo o positivismo o ponto
“naturais”. que aproxima as duas concepções.
Reforçando, mais uma vez, a idéia de que a No final do século XIX e início do século XX, um
natureza, considerada território, era um espaço a ser grande geógrafo francês deu sua contribuição para o
dominado e explorado no seu potencial máximo para desenvolvimento de uma Geografia comparável com o
privilégio de alguns grupos sociais (classe hegemônica) que se conhece atualmente por ambientalismo.
ou de alguns Estados mais poderosos, política, Ao contrário dos geógrafos que o antecederam,
econômica e militarmente, isto ocorrendo com o auxílio Élisée Reclus não se associou a estrutura social
dos conhecimentos geográficos. dominante, mas posicionou-se contra a estrutura de
Em contraposição as idéias políticas, poder passando a defender as classes menos
expansionistas e naturalistas de Ratzel, surgiram às favorecidas.
formulações do historiador francês Paul Vidal de La Influenciado pelo marxismo e por uma
Blache. metodologia de análise dialética, produziu trabalhos que
Assim como as idéias de Ratzel evidenciaram foram refutados em sua época, o que dificultou a
atender a classe hegemônica prussiana, a Geografia expansão de seu pensamento. Para Reclus, segundo
desenvolvida por La Blache, mesmo de forma mais ANDRADE (1985, p.21):
dissimulada, também buscou responder positivamente à
ideologia das classes dominantes francesas, contudo

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4 Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 1-8, 2001

A geografia era uma única ciência, e a natureza e o que dificultou os estudos de inter-relação entre os
homem, por ela estudados, formavam um conjunto aspectos físicos e humanos.
harmônico em que o meio natural exercia influência No entanto, a Geografia Tradicional foi eficiente
sobre o homem, provocando a sua ação, modificando-o, quando atendeu aos desafios da classe dominante,
transformando-o e conduzindo-o à produção do espaço. concentrando-se na luta pela exploração dos recursos e
dos homens na superfície terrestre.
O autor possuía uma visão totalizante da
realidade, ou seja, não reduziu seus estudos aos limites 2.2 O Período de Transição: do Naturalismo para o
da dicotomia geografia física versus geografia humana, Ambientalismo.
sendo que se preocupou com problemas que
interrelacionavam o meio físico com as atividades O ano de 1950 marcou o início de uma grande
humanas, tais como os comentados por ANDRADE crise mundial que implicou na transformação das
(1987, p.58): categorias social, política, econômica e cultural e atingiu
a Ciência Geográfica, levando-a a uma nova forma de
... o da degradação do meio ambiente intensificado com tratar os aspectos naturais.
a expansão, em escala mundial, do capitalismo e hoje
fonte de grande preocupação para estudiosos e 2.2.1 A Crise da Ciência Geográfica
administradores; o crescimento urbano e industrial,
provocando o surgimento de grandes aglomerações A crise da Geografia que se iniciou na metade do
populacionais e intensificando os problemas de século XX e levou os geógrafos a formularem críticas
transporte, de saúde e de abastecimento; o do controle em relação à Geografia construída até então, permitiu
dos países dominados, hoje chamados Terceiro Mundo, traçar novos caminhos metodológicos que atendessem
pelos países industrializados etc. as necessidades impostas pela nova realidade social.
Esta crise, além de ter introduzido um
O trabalho de Reclus representa para sua época pensamento crítico à Geografia Tradicional, também
uma visão crítica e moderna para os dias de hoje, por se alargou seus horizontes de interesse na busca de novos
ter preocupado com os problemas que afligiam a paradigmas.
sociedade: desenvolvimento industrial e tecnológico, Este movimento de renovação no pensamento
surgimento e expansão dos grandes centros urbanos e geográfico foi causado primeiramente pela alteração da
uso intensivo e depredatório dos recursos naturais que base social que engendrou os fundamentos da
se fortaleceriam rapidamente. Geografia Tradicional, a burguesia e o capitalismo
Outro geógrafo alemão, que como Reclus teve concorrencial haviam sido derrubados pelo capitalismo
suas formulações pouco aceitas e difundidas em sua monopolista e pela ação do Estado no planejamento
época, devido ao domínio do Possibilismo, ao econômico e territorial. Estes últimos necessários à
isolamento cultural da Alemanha e também devido às reconstrução da paisagem destruída pela Segunda
preocupações com a realidade que pontificaram como Guerra Mundial.
temas de seus trabalhos foi Alfrede Hettner. Segundo MORAES (1991, p.94):
Hettner que privilegiou o método dedutivo
encaminhou o conhecimento geográfico em direção à O planejamento econômico estava estabelecido como
ecologia, considerando a Geografia como o estudo das uma arma de intervenção do Estado. E, com ele, o
formas de inter-relação dos elememtos no espaço planejamento territorial, com a proposta de ação
terrestre. (MORAES, 1991) deliberada na organização do espaço. A realidade do
As idéias de Hettner só foram retomadas pelo planejamento colocava uma nova função para as
geógrafo americano Richard Hartshorne após a Iª ciências humanas: a necessidade de gerar um
Guerra Mundial que desenvolveu e aprimorou as idéias instrumental de intervenção, enfim uma feição mais
de seu mestre. tecnológica. O espaço terrestre se globalizara nos fluxos
Em seus estudos, baseados fundamentalmente e nas relações econômicas. Vivia-se o capitalismo das
na análise das inter-relações entre os fenômenos no empresas multinacionais, dos transportes e das
espaço terrestre, Hartshorne buscou desenvolver uma comunicações interoceânicas. A realidade local era
Geografia Geral, de menor carga empirista e apenas o elo de uma cadeia, que articulava todo o
privilegiando mais o raciocínio dedutivo. planeta.
O trabalho de Hartshorne finalizou este período
“naturalista” da Geografia, e mesmo sem haver rompido Um exemplo disso foi a rápida
com o pensamento tradicional, suas formulações já internacionalização da economia dos Estados Unidos, o
configuravam a transição que ocorreria do pensamento grande vitorioso do conflito mundial que buscou
geográfico tradicional para a busca de novos expandir suas empresas em outros países
paradigmas. superprotegendo o seu mercado interno, não se
Mesmo refletindo inúmeras deficiências, a preocupando com os problemas gerados pela
Geografia Tradicional possuiu e ainda mantém uma exploração dos recursos naturais e humanos.
relevante importância porquê, formou a base do Afirma MENDONÇA (1993, p.38):
conhecimento sobre a qual foi e está sendo construída a
Ciência Geográfica, formulou e desenvolveu alguns Em busca do acréscimo da produtividade de matérias-
conceitos e elaborou um rico acervo empírico. primas muito se destruiu em termos de sociedade e de
As lacunas da Geografia Tradicional são ambiente dos países subdesenvolvidos ou em
encontradas nas dicotomias que foram geradas, tais desenvolvimento, e a industrialização – que neles
como Geografia Física “versus” Geografia Humana, o deveria promover desenvolvimento social – acabou por
garantir a situação de dependência atual onde estão

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presentes desempregos, analfabetismo, êxodo rural, Este estudo busca evidenciar a importância da
epidemias, violência, subnutrição, degradação Geografia Crítica em detrimento da Geografia
ambiental, etc. e onde a luta em defesa do meio Pragmática ou Nova Geografia, pois esta última embora
ambiente não consegue – e por coerência nem deveria refutando as tradições geográficas e adotando novas
– suplantar lutas por direitos básicos de vida e técnicas e novas perspectivas apoiadas na visão
cidadania. sistêmica, por modelos e por modelos lógico-
matemáticos, hesitou em contestar os fundamentos
A industrialização tornou a realidade social ainda geográficos e os fundamentos sociais que sustentavam
mais complexa, pois fez com que ocorresse a a Geografia Clássica, ainda visíveis em sua base de sua
mecanização da agricultura, que se intensificasse o sustentação. (GOMES, 1996)
processo de urbanização e de mundialização da Também aborda-se algumas vertentes que se
economia. desenvolveram paralelamente a Geografia Crítica, que
O crescimento da industrialização, e destacam-se pela preocupação com o meio ambiente e
consequentemente a concentração populacional em com a problemática ambiental, tais como a Geografia da
determinadas áreas sem infra-estrutura, passou a Percepção ou Comportamental e a Geografia Ecológica
pressionar o ecossistema do local e a baixar o nível da
qualidade ambiental de vida, como afirma ANDRADE 2.2.2 A Geografia Crítica
(1987, p.103):
A Geografia Crítica ou Radical desenvolveu-se a
Este crescimento rápido teria de ser feito à custa da partir da década de 60, através de um grupo de
degradação do meio natural – uma política geógrafos que, mesmo não apresentando uma
preservacionista tornaria mais elevado o custo de uniformidade de pensamento, buscaram se opor a coisa
produção – e da condição de vida da população, social e romper com o pensamento geográfico anterior,
sobretudo no chamado mundo subdesenvolvido.... de profundo caráter classista. A consciência da
necessidade de transformações desenvolveu-se assim,
O instrumental geográfico elaborado até o sob o estímulo de uma seqüência de eventos sociais,
momento não era suficiente para apreender e analisar o políticos, naturais e econômicos mutantes.
espaço mundializado, o que exigiu que a Geografia Segundo Peet apud CHRISTOFOLETTI (1985,
passasse da observação a campo para o uso de p.226):
técnicas mais modernas, tais como o sensoriamento
remoto e a computação. A ciência radical, e a Geografia Radical dentro dela, põe
Entre os fatores essencialmente geográficos que a descoberto esta “falsa cultura” porque ela é – um
influenciaram a crise da Geografia estão: os plano para a proteção do sistema econômico contra a
fundamentos filosóficos baseados no positivismo, no ascensão da consciência revolucionária em seu próprio
qual estava assentado o pensamento geográfico povo. A ciência radical mostra os desvios, expõe as
tradicional, e com o passar do tempo se tornou simplista explicações existentes à crítica, providencia explicações
e arcaico; as próprias formulações geográficas que alternativas que tracem a relação entre os “problemas
permitiram inúmeras dicotomias e muitas vezes sociais”, na superfície, e as causas sociais profundas, e
enfraqueceram o discurso geográfico; a indefinição do encoraja as pessoas a engajarem-se na construção de
objeto de análise da Geografia Tradicional e; por fim a sua própria teoria.
falta de leis que permitissem a generalização na
explicação dos fenômenos estudados. Desta forma, o próprio conhecimento geográfico,
Assim, o movimento de renovação da Geografia passou a ser o instrumento de ataque a ordem
buscou romper com o pensamento tradicional o que constituída, ou seja, as contradições e injustiças sociais,
levou muitos geógrafos a refletirem sobre a natureza da que até então eram analisadas sob a ótica do
Geografia, reformulando seus princípios científicos e materialismo histórico e dialético.
filosóficos e buscando novos paradigmas que os Sendo assim, a Geografia Crítica buscou
permitisse disputar espaço com outras disciplinas da construir um conhecimento que se distanciasse da
área de planejamento e da crítica social. (ANDRADE, neutralidade que impregnava a Geografia Tradicional e
1987) inserir a ciência geográfica num contexto político,
Dentro deste preâmbulo, afirma MORAES (1991, econômico e social popular, embasada por fundamentos
p.98): filosóficos de diversas correntes, mas principalmente
marxistas.
O movimento de renovação, ao contrário da Geografia Para VESENTINI (1989), Marx foi o fundante do
Tradicional, não possui uma unidade; representa pensamento crítico, pois ele é ao mesmo tempo um
mesmo uma dispersão, em relação àquela. Tal fato analista, um propagador e um crítico da modernidade
advém da diversidade de métodos de interpretação e de capitalista.
posicionamentos dos autores que o compõem. A busca Quanto a preocupação com o meio ambiente, a
do novo foi empreendida por variados caminhos; isto corrente que mais se preocupou com o tema foi a
gerou propostas antagônicas e perspectivas liderada por Yves Lacoste, que dentre uma diversidade
excludentes. O mosaico da Geografia Renovada é muito grande de temas procurou privilegiar em seu
bastante diversificado, abrangendo um leque muito trabalho temas como os problemas gerados pela
amplo de concepções. Entretanto, é possível agrupá-las urbanização, o problema do habitat e ainda os
em função de seus propósitos e de seus problemas climáticos e ecológicos.
posicionamentos políticos, em dois grandes conjuntos: No entanto a Geografia Crítica, ao contrário da
um pode ser denominado Geografia Pragmática, outro Tradicional que abordava a temática ambiental na forma
Geografia Crítica. de descrições do quadro natural independente da ação

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6 Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 1-8, 2001

do homem, passa a conceber meio ambiente de forma Esta buscaria entender como os homens percebem o
mais complexa, como expõe MENDONÇA (1993, p.66): espaço por eles vivenciado, como se dá sua consciência
em relação ao meio que os encerra, como percebem e
Nesta nova abordagem o meio ambiente deixa de como reagem frente às condições e aos elementos da
receber aquela “tradicional” visão natureza ambiente, e como este processo se reflete na
descritiva/contemplativa por parte da geografia como se ação sobre o espaço. Os seguidores desta corrente
fosse um santuário que existe paralelamente à tentam explicar a valorização subjetiva do território, a
sociedade. O meio ambiente é visto então como um consciência do espaço vivenciado e o comportamento
recurso a ser utilizado e como tal deve ser analisado e em relação ao meio.
protegido, de acordo com suas diferentes condições,
numa atitude de respeito, conservação e preservação. Porém, a Geografia da Percepção e do
Comportamento apresentou três linhas mestras que
No Brasil, a Geografia Crítica ou Radical surgiu nortearam os trabalhos dos pesquisadores desta
no final da década de 70 e continua sendo desenvolvida Escola. Segundo GOODEY & GOLD (1986) a primeira
até hoje, contemplando uma variada gama de temas, diz respeito à percepção da criança e sua relação com o
entre eles o ambientalismo, que segundo MENDONÇA desenvolvimento de sua visão geográfica; a segunda, a
(1993) passou a ter destacada importância a partir do morfologia urbana; e a terceira trata da percepção
final dos anos 80, quando após a promulgação da regional.
Constituição Federal de 1988, a Legislação Ambiental A grande preocupação com a criança e com o
normatizou as atividades relacionadas ao meio futuro da humanidade, permitiu o desenvolvimento de
ambiente. atividades voltadas ao ensino, as quais estavam
Desta forma, tanto o trabalho do geógrafo, amplamente relacionadas com a psicologia piagetiana.
através da elaboração de laudos técnicos, diagnósticos Além disso, os geógrafos engajados nesta
ambientais, planejamento para recuperação de áreas Escola e influenciados pela linha behaviorista, também
degradadas etc., quanto o do licenciado em Geografia se preocuparam, segundo GOODEY & GOLD (1986,
através da Geografia Escolar e de uma eficiente p.16), com:
Educação Ambiental, torna-se fundamental para
equacionar ou minimizar os impactos da inter-relação ... os modelos de sociedade empregados na
sociedade e meio ambiente. investigação geográfica, a multidisciplinaridade, a
No entanto, o pensamento geográfico crítico orientação para a política de planejamento, e o desejo
ainda encontra-se em desenvolvimento, especialmente de produzir estudos geográficos mais integralmente
no Brasil, onde seu surgimento ocorreu de forma mais envolvidos na educação ambiental e na interpretação
tardia. No ensino, a Geografia Crítica ainda encontra-se do meio ambiente. (Grifo nosso)
em fase de estruturação, o que não impede o professor
de Geografia a orientar o seu aluno a práxis Esta preocupação com a Educação Ambiental e
transformadora da realidade que o cerca. com o meio ambiente, apresentada pela Geografia da
Percepção e do Comportamento, deve-se ao
2.2.3 Geografia da Percepção ou Comportamental agravamento dos problemas ecológicos pelo
desenvolvimento do capitalismo, o que implicaria
No final da década de 60 e início da década de diretamente no futuro da humanidade. No entanto,
70, a realidade mundial passou a exigir dos geógrafos mesmo considerando a grande importância dos
uma nova interpretação para as transformações que trabalhos preservacionistas realizados por esta Escola
envolviam o mundo. O crescimento e desenvolvimento da Geografia, uma crítica deve ser feita, pois esta
econômico, social e político, que aconteceu de forma Escola não contesta a ordem dominante, ou seja não se
desordenada, fez aumentar a disparidade entre os direciona ao cerne do problema, neste caso
países, acentuando os níveis de pobreza e as representado pelo sistema econômico em vigência,
desigualdades sociais. transferindo a responsabilidade para o campo individual.
Segundo ANDRADE (1987, p.111):
2.2.4 A Geografia Ecológica
O uso cada vez maior de tecnologias avançadas
aumentava as rendas das grandes empresas, mas Na segunda metade da década de 70, a
acelerava o processo de destruição e de degradação do perspectiva de degradação das condições de vida e até
meio ambiente. Viram os geógrafos que os seus de possível desaparecimento da humanidade,
estudos abstratos, técnicos, despreocupados com a demonstrou a premente necessidade de acabar com o
situação real e os seus cálculos matemáticos não discurso neutro e apolítico que entremeava a Ciência
contribuíram para resolver os problemas que estavam geográfica, tanto nos trabalhos científicos como na
levando a humanidade a uma crise mais aguda. Geografia Escolar.
As transformações provocadas pelo
Diante desta situação, um grupo de geógrafos desenvolvimento industrial, na sociedade e na natureza,
retornou as velhas fontes do conhecimento geográfico e acabaram por mexer com alguns geógrafos,
o revestiram de uma nova roupagem, articulando-o com principalmente os mais ligados ao tratamento da
a Psicologia. Geografia Física, e pouco a pouco se intensificaram os
O produto desta articulação designou-se trabalhos que enfocavam a natureza sob o ponto de
Geografia da Percepção ou Comportamental e, segundo vista da dinâmica natural das paisagens em interação
MORAES (1997, p.106): com as relações sociais de produção.
Os geógrafos ligados a corrente ecológica
abordaram de forma crítica a problemática ecológica

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nas mais variadas realidades – em economias lablachiana e da metodologia positivista, que


socialistas e em economias capitalistas; em países conduziram os trabalhos aos estudos regionais,
desenvolvidos e em países subdesenvolvidos; em áreas centrados na busca de explicações objetivas e
de florestas e em áreas desérticas, entre outras. quantitativas da realidade compartimentados, ou seja,
Ainda afirma ANDRADE (1987, p.119): estudos do quadro natural, econômico e humano, sem
relacionar um aspecto ao outro.
Os geógrafos passaram também a preocupar-se No ensino, a Geografia Tradicional imprimiu
seriamente com o problema do meio ambiente, fortes características, tais como designar maior
observando-se que na área de Geografia Física, muitos importância para o estudo descritivo tanto das
evoluíram de trabalhos específicos sobre morfologia, paisagens quanto das sociedades e uma maior
clima, hidrologia etc. para realizar pesquisas mais valorização e memorização em detrimento de um estudo
amplas a respeito do meio ambiente, ou, continuando os crítico e politizado.
trabalhos em suas áreas específicas, passaram a Após a Segunda Guerra Mundial a Geografia
aplicar os conhecimentos especializados, levando em Tradicional tornou-se insuficiente para tentar explicar o
conta o impacto dos elememtos naturais quando complexo momento vivido pelo contexto mundial.
influenciados pela sociedade sobre o meio ambiente. O desenvolvimento econômico e a passagem do
capitalismo concorrencial para a sua fase monopolista,
No Brasil também foram inúmeros os fizeram com que crescessem as desigualdades sociais
pesquisadores que se associaram a corrente ecológica, e econômicas entre os países e as suas estruturas
entre eles destacaram-se Aziz Ab’Saber e Carlos sociais.
Augusto de Figueiredo Monteiro. O primeiro, A influência marxista proporcionou o surgimento
geomorfólogo, preocupou-se com a reorganização do de tendências críticas a Geografia Tradicional, que
espaço e com os impactos ambientais em áreas passou a destacar o estudo das relações que ocorriam
atingidas pela construção de barragens e lutou contra o quando da transformação do espaço propondo novas
desmatamento e a poluição do ar pelas grandes formas de interpretar criticamente estas transformações.
indústrias. O segundo, especialista em climatologia, A preocupação com as transformações da sociedade,
realizou trabalhos enfatizando sua preocupação com a com o espaço humanizado e com a natureza socializada
poluição do ar e suas conseqüências para o clima e permitiu a Geografia contemplar a temática do meio
para a agricultura. ambiente e as problemáticas ambientais.
Além destes trabalhos, outros buscaram Para o ensino, a produção geográfica das últimas
contemplar os problemas ambientais das regiões décadas serviu de estímulo para inovações, tanto em
brasileiras e, principalmente, com a problemática do termos de métodos como de conteúdos e também para
desenvolvimento diante do impacto ecológico por ele a produção de novos modelos didáticos. No entanto, as
gerado. mudanças provocadas pela Geografia Crítica não foram
No entanto, comenta ANDRADE (1987, p.121): totalmente incorporadas pelas propostas didáticas e
pelos profissionais responsáveis pela Geografia Escolar.
Não há, naturalmente, identidade ideológica entre os No entanto, a Geografia Escolar construída,
vários geógrafos sobre as soluções a serem dadas aos atualmente, se encaminha para uma abordagem crítica
impactos ecológicos, mas em comum eles defendem a com o objetivo de despertar maior interesse do aluno
preservação da natureza e combatem a política pelo conteúdo e de fazê-lo compreender e atuar no
desenvolvimentista que vem financiando a devastação contexto das transformações do seu ambiente social.
da vegetação natural, feita de forma indiscriminada e a Através de um trabalho dinâmico, crítico e que
implantação de indústrias altamente poluidoras, e a leve em consideração a compreensão dos processos
degradação das condições de vida e de alimentação históricos e atuais de transformação do espaço, a
das populações. Geografia como disciplina constante nos currículos,
poderá alargar seus horizontes associando-se à
Mesmo assim, a Associação de Geógrafos Educação Ambiental, e conscientizar os alunos para a
Brasileiros, reunida com especialistas de outras áreas importância da preservação de um meio ambiente
de pesquisa, permitiu que fossem apresentadas críticas equilibrado para a manutenção da vida humana.
as políticas antiecológicas dos governos e alternativas Segundo OLIVEIRA (1989, p.143):
mais racionais para minimizar os impactos ambientais.
É nesses termos que seu ensino adquire dimensão
2.3 A Geografia Escolar e a Educação Ambiental fundamental no currículo: um ensino que busque incutir
nos alunos uma postura crítica diante da realidade,
A construção da Ciência Geográfica, fez-se comprometida com o homem e a sociedade; não com o
através de crises e da aglutinação de várias idéias e homem abstrato, mas com o homem concreto, com a
reflexões, muitas vezes ambíguas e contraditórias, a sociedade tal qual ela se apresenta, dividida em classes
respeito de objetivos e métodos, mas que no entanto com conflitos e contradições. E contribua para sua
serviram para dar unidade a esta ciência. transformação.
A difusão das diversas correntes de pensamento
geográfico, influenciou intensamente a Geografia A Educação Ambiental inserida na disciplina de
Escolar, devendo-se salientar principalmente a Geografia, e também em outras disciplinas, poderá
Geografia Tradicional, que imprimiu características até dinamizar o processo ensino-aprendizagem, pois hoje
hoje notáveis nas práticas pedagógicas escolares. os problemas ecológicos e as transformações
No Brasil, a institucionalização e o ambientais não ocorrem de forma isolada em um único
desenvolvimento da Geografia nas universidades, a lugar, mas sim, e lamentavelmente, de forma
partir de 1934, sofreu forte influência da escola generalizada e próxima da realidade do aluno.

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3 CONCLUSÃO

A temática ambiental tem sido alvo de discussões em


todos os campos do conhecimento, pois vivemos hoje
uma crise ambiental sem precedentes. Faz-se
necessária, portanto, uma reorientação da atuação
humana em sua relação com o meio-ambiente. Em tal
contexto, a Geografia Escolar tem sua entrada garantida
nessa busca de melhores entendimentos dessa
problemática.
Este estudo mostrou, através de uma
historicidade, que a Geografia sempre trouxe em suas
discussões conceituais uma preocupação com a
temática ambiental. Também, mostrou como ocorreram
as tramas que iam tecendo a emergência de outros
entendimentos sobre a temática ambiental. Isso mostra,
que embora houvesse uma diversidade de pressupostos
epistemológicos a temática ambiental sempre esteve
centrada nos estudos geográficos. Portanto, a Geografia
reúne as ferramentas analíticas necessárias para atuar
com legitimidade na temática ambiental.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, M. C. de (Org.) Élisée Reclus. São Paulo:


Ática, 1985.
________. Geografia, ciência da sociedade. São Paulo:
Atlas, 1987.
________. Caminhos e Descaminhos da Geografia. São
Paulo: Papirus,1993.
CRHISTOFOLETTI, A. Perspectivas da Geografia. São
Paulo: Difel, 1985.
GOMES, P. C. da. Geografia e Modernidade. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
GOODEY, B. & GOLD, J. Geografia do comportamento
e da percepção. Belo Horizonte, Departamento de
Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais,
1986.
MENDONÇA, F. Geografia e meio ambiente. São Paulo:
Contexto, 1993.
MORAES, A. C. R. A Gênese da Geografia Moderna.
São Paulo: Hucitec,1997.
________. Geografia: pequena história crítica. São
Paulo: Hucitec,1997.
________. Meio ambiente e ciências humana. São
Paulo: Hucitec, 1997.
OLIVEIRA, A. U. de. Educação e ensino de Geografia
na realidade brasileira. In: Para onde vai o ensino de
Geografia? São Paulo: Contexto, Edusp, 1989.
VESENTINI, J. W. Geografia, natureza e sociedade.
São Paulo: Contexto, 1989.

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CLASSIFICAÇÃO DAS ZONAS AGROECOLÓGICAS NA SUB-BACIA RIO


IBICUÍ-MIRIM: ADEQUAÇÃO DAS CULTURAS AO TIPO DE SOLO - RS1
CLASSIFICATION OF THE AGRO-ECOLOGICAL ZONES AT THE IBICUI-MIRIM HYDROLOGICAL SUB-BASIN:
MATCHING THE CULTURES TO THE TYPE OF SOIL - RS

Isimar Stefenon Hundertmarck2 e Vera Maria Favila Miorin3

RESUMO da política ambiental, deixando ocorrer superposição de


funções que geram conflitos e torna-se ineficaz.
O estudo se refere aptidão dos solos e as Contudo, nos últimos anos registra-se o despertar de
relações entre uso e adequação das culturas produzidas uma consciência ambiental popular relacionada ao meio
nos municípios da sub-bacia do rio Ibicuí-mirim. natural. Pode-se dizer que passamos a entender que o
Segundo os tipos de solo existentes e que estão meio ambiente é o reflexo não apenas dos processos
classificados por zonas agroecológicas, foi possível naturais, mas também das contradições da sociedade,
tipificar a adequação do tipo de cultura ao tipo de solo na medida dos interesses sociais e econômicos,
em escala preferencial, tolerado, marginal e inapto, além determinantes das formas de exploração e apropriação
de poder verificar os procedimentos que o homem rural do espaço.
realiza para obter uma cultura não recomendada ou não Captando o desenvolvimento destas mudanças,
adequada a zona agroecológica em questão. Como este estudo analisa o espaço rural da produção primária
resultado destaca-se a necessidade de introduzir entendendo que a agricultura moderna, baseada na
técnicas de gerenciamento da produção e de excessiva dependência de fertilizantes e biocidas está
administração dos negócios voltadas para uma visão do comprometendo, seriamente, os solos férteis e
futuro, sem perder de vista as possibilidades de cultivos acelerando a redução das terras produtivas do ponto de
alternativos e agroindústrias compatíveis com o vista de seu equilíbrio ecológico. Tal situação torna as
potencial edafoclimático presente em cada zona. áreas alvo de estudo na tentativa de, através de
diagnósticos, analisar e espacializar os impactos
Palavras-chaves: Zonas agroecológicas; Tipos de solo; decorrentes das formas de uso.
Adequação das culturas. O meio rural não podendo superar os
desequilíbrios transfere para as gerações a necessidade
ABSTRACT de construir o desenvolvimento sustentável, pois a
permanência de formas agressivas tem provocado, cada
The study refers to the soils aptitude and the vez mais, a deterioração ambiental e tem reduzido as
relationship between use and adequacy of the culture possibilidades de elevação do nível de reprodução das
produced in the counties of the Ibicui-Mirim sub-basin. relações produtivas destas populações rurais, gerando
According to the types of soils which exist and which are crises sociais e políticas, além de diminuir as chances
classified by agro-ecological zones, it was possible to de um futuro.
tipify the adequacy of the type of culture to the type of
soils using the scale: preferential, tolerated, borderline 2 A SUB-BACIA RIO IBICUÍ-MIRIM
and unfit, besides being able to verify the procedures
that the rural population does in order to obtain a culture A sub-bacia rio Ibicuí-mirim localiza-se a oeste de
not recommended or not adequated to the agro- Santa Maria entre as coordenadas geográficas de 290
ecological zone being discussed. As a result, it was 55’ e 290 26’ de latitude sul e 530 42’ e 540 30’de
stressed the need to introduce techniques of production longitude oeste da linha de Greenwich, ocupando,
and business administration management directed to the praticamente, o centro do Estado.
future, without losing sight of the possibilities of the Do ponto de vista da administração pública, a
alternative cutures and agro-business fitted to the área estudada abrange os municípios de São Martinho
edapho-climatic potential present in each zone. da Serra, Santa Maria, São Pedro do Sul e Dilermando
de Aguiar respeitando as divisões impostas pelo relevo
Key Works: Agro-Ecological zones; Type of the soil; e não pelos limites municipais.
Adequacy of the culture. As nascentes do rio Ibicuí-mirim se encontram no
extremo sul do Planalto Meridional Brasileiro, no
município de São Martinho da Serra, em altitudes
1 INTRODUÇÃO aproximadas de 500 metros acima do nível do mar e
sua desembocadura no rio Toropi possui altitudes em
Atualmente ocorrem diferentes problemas ligados torno de 80 metros.
a questão ambiental. O Brasil tem tratado esta questão O rio Ibicuí-mirim de sua fonte até a
de forma setorial (solo, água, florestas), sem uma ação desembocadura percorre dois compartimentos

1
Resumo do Trabalho de Graduação A, apresentado ao Departamento de Geociências, CCNE/UFSM.
2
Licenciado em Geografia pela UFSM – Santa Maria, RS.
3
Orientadora, Profª .Drª. Adj. do Departamento de Geociências, CCNE/UFSM.

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geomorfológicos do estado do Rio Grande do Sul: o remontante, cujo trabalho é facilitado pela existência de
Planalto Meridional ou Planalto Rio-grandense e a falhas e fraturas.
Depressão Periférica ou Depressão Central. Ë possível O controle estrutural, representado pelos
individualizar quatro unidades morfológicas (de relevo) falhamentos e diaclasamentos resultantes dos esforços
na área que se enquadram em dois dos grandes de soerguimento do Planalto, determina que grande
domínios morfoclimáticos propostos por AB’SABER parte dos cursos d’água desta área seja retilínea. A
(1970), o das pradarias e o das araucárias, onde drenagem perene é responsável pela intensa
dominam zonas agroecológicas de distinta exploração dissecação do Rebordo ocasionando a formação de
rural. vales em “V” ou em “U” encaixados e profundos.
Pertencentes a domínio morfoclimático das Ao domínio morfoclimático das pradarias, têm-se:
araucárias, têm-se: - Coxilhas da Depressão Periférica
- Topo do Planalto A unidade de relevo de ondulações suaves
A unidade de relevo do Topo do Planalto abrange (coxilhas) contorna as áreas baixas, geralmente
o setor norte do município de São Martinho ou seja, as recobertas por aluviões finos, onde afloram os lençóis
áreas onde se encontram as fontes da sub-bacia do rio d’água que originam os banhados. Estas coxilhas
Ibicuí-mirim. Trata-se de um compartimento com pertencentes a Formação Rosário do Sul e/ou
topografia fracamente ondulada possuindo altitudes que Formação Santa Maria, se constituem em pequenos
variam de 340 a 520 metros e declividade média de 8 a divisores d’água que separam os tributários do rio Ibicuí-
12%. mirim. Em áreas associadas a esta ultima formação
O relevo da área se formou devido aos percebe-se o desenvolvimento de voçorocas que,
sucessivos derrames de lavas, juntamente com a devido a intensificação da ação fluvial, dão origem as
presença de arenitos “inter trapp” e rochas vulcânicas. “sangas” as quais, em conjunto com os sedimentos
Realizando estudos a esse respeito Sartori e Maciel síltico-argiloso da fácies Alemoa (superior), formam a
Filho (1975), acrescentam que os últimos derrames de feição típica da Depressão Periférica.
lavas (superiores) no oeste e centro do Planalto Rio- - Planícies aluviais da Depressão Periférica
grandense, principalmente nas proximidades do As planícies aluviais se encontram embutidas nas
Rebordo. planícies onduladas da Depressão Periférica, formadas,
A morfologia fracamente ondulada é um reflexo basicamente, de sedimentos recentes provenientes de
da resistência das rochas aos processos compartimentos mais elevados que se depositam no
morfoclimáticos e da própria disposição estrutural em leito maior dos rios. O estudo desses depósitos fluviais
camadas que mergulham suavemente para oeste. recentes tem sua importância ligada ao considerável
Neste ponto o rio Ibicuí-mirim apresenta um espaço que ocupam na área da sub-bacia do rio Ibicuí-
padrão dendritico, com tendência a retangular, reflexos mirim.
das condições litoestruturais que sustentam a As altitudes das várzeas ficam em torno de 40 a
morfologia do Topo do Planalto. 60 metros e a diferença entre a várzea e a calha do rio é
A expressiva contribuição hídrica proveniente superior a dois metros e inferior a 10 metros. Esta
dessa unidade geomorfológica foi um fator determinante altimetria permite um arranjo espacial da drenagem da
da escolha do local para construção dos reservatórios sub-bacia estudada que tende para o dendritico, canais
d’água do município de Santa Maria. O rio Ibicuí-mirim meândricos e, também, alguns braços abandonados.
representa a principal artéria de fornecimento d’água
para a cidade. A barragem de maior capacidade se 3 AS ZONAS AGROECOLÓGICAS
localiza a uma distância de 11,5 Km a montante do rio
Ibicuí-mirim e a outra se localiza a 21,5 Km, seguindo a As zonas agroecológicas foram estabelecidas
mesma direção. com a finalidade de reunir municípios que apresentam
- Rebordo do Planalto características geomorfológicas, climáticas e
O Rebordo do Planalto não se constitui em um capacidade de uso do solo, considerando o uso atual
compartimento geomorfológico individualizado, mas em nível de macro clima, o mais homogêneo possível,
parte integrante do Planalto Meridional Brasileiro. embora tenham sido concebidas respeitando os limites
Apresenta-se como faixa de transição entre o Planalto e municipais. (MACROZONEAMENTO
a Depressão Central, abrangendo áreas significativas do AGROECOLÓGICO E ECONÔMICO DO ESTADO DO
município de São Martinho da Serra e Santa Maria, RIO GRANDE DO SUL, 1994).
principalmente em seu distrito de Boca do Monte. A adoção desta regionalização torna-se um
A origem do Rebordo está relacionada com a instrumento normatizador para estabelecer programas
superposição de sucessivos derrames de lavas de desenvolvimento agrícola municipais e regional,
ocorridos na Bacia do Paraná, ocasionando um desnível selecionando alternativas culturais e agro-industriais
da ordem de 370 metros, entre o seu topo e as terras da compatíveis com o potencial edafoclimático presente em
Depressão. A área é muita acidentada, possuindo alta cada região.
energia de relevo, com declividades médias que variam Deste modo, deve ser criada uma política
entre 5,6 e 45,5%, da base para os setores mais agrícola que contemple as atividades e culturas
elevados. (MACIEL FILHO et al, 1978). Revelando uma agrícolas que estiverem integradas à vocação ecológica
topografia de degraus ou patamares que decaem em diferenciada, dando ao produtor a garantia de
direção as terras mais baixas e apresentando escarpas estabilidade e rentabilidade competitiva.
abruptas, dependendo da intensidade da ação erosiva. O estado do Rio Grande do Sul foi dividido em
Neste ponto o rio Ibicuí-mirim, juntamente com doze grandes regiões agroecológicas, sendo algumas
seus afluentes e devido ao grande desequilíbrio do perfil delas subdivididas em duas ou mais sub-regiões. Os
longitudinal, secciona a escarpa em uma erosão municípios situados na sub-bacia rio Ibicuí-mirim estão
situados na REGIÃO 1 Depressão Central e fazem

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parte da Sub-região 1C Santa Maria, constituindo as


 De acordo com a aptidão climática, a cultura do
Zonas Agroclimáticas, cujo grau de aptidão é variável e arroz nos quatro municípios da sub-bacia, está inserida
permite o zoneamento das culturas e sua distribuição na classe PREFERENCIAL I. Esta classificação é
espacial. decorrente da não existência de restrições quanto a
temperatura durante o período em que a planta esta em
3.1 Graus de Aptidão Agroclimática e Distribuição desenvolvimento, pois as médias térmicas são
das Culturas na Sub-Bacia Rio Ibicuí-Mirim superiores a 200C. Estas características vão influenciar
diretamente nos rendimentos desta cultura na área que
A indicação da cultura em uma região, sub-região e são, em conjunto, ligeiramente acima da média
município, obedecem a seguinte classificação: estadual. (Tabela 1)
preferencial, tolerada, marginal e inapta. Em
substituição a classe inapta, se utilizou a denominação Tabela 1 - Área colhida, quantidade produzida e
de não recomendada, pois para a maioria das culturas, rendimento médio do arroz irrigado nos municípios da
não chega a caracterizar a inaptidão da área e sim a sub-bacia rio Ibicuí-mirim.
limitação imposta por restrições de ordem climática ao MUNICÍPIO ÁREA QUANTIDADE RENDIMENTO
rendimento econômico do produto final, tornando-se COLHIDA PRODUZIDA (t)MÉDIO (Kg/ha)
neste caso o cultivo, muitas vezes, inviável. (ha)
ZONAS PREFERENCIAIS - Se caracterizam por Santa Maria e
Dilermando de
apresentarem as melhores condições climáticas para a
Aguiar 6500 35750 5500
cultura, podendo ser ou não o local ideal para a mesma, São Pedro do Sul 3800 19000 5000
se comparadas com outras áreas do mundo, mas São Martinho da
evidentemente apresentam boas condições para uso Serra 210 1092 5200
agrícola no Estado. Total do Estado 981526 4965210 5058
ZONAS TOLERADAS - Aquelas áreas que apresentam Fonte: Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul (1995)
Montagem: Isimar Stefenon Hundertmarck
um fator negativo à cultura, a temperatura ou condições
de deficiência ou excesso hídrico. O arroz, por ser cultivada em áreas preferenciais
ZONAS MARGINAIS - correspondem as áreas que dada as condições climáticas deveria apresentar
apresentam dois fatores negativos para o cultivo, rendimentos mais elevados. Estes rendimentos vão
temperatura e umidade, por exemplo. influenciar diretamente na renda dos produtores,
ZONAS INAPTAS (NÃO RECOMENDADA) - Referem- impossibilitando investimentos na melhoria da produção.
se as áreas do Estado inadequadas ao cultivo. O problema da fertilidade poderia ser solucionado com a
Com exceção do arroz, as demais culturas se aplicação de corretivos e a utilização de técnicas de
concentram nos solos que produzem colheitas médias e manejo do solo anulando, em parte, os problemas de
elevadas sem a necessidade de praticas ou medidas deterioração do solo.
especiais de preservação, por se tratarem de solos Apesar do arroz ser cultivado em solos planos ou
profundos fáceis de trabalhar e sem problemas quase planos, a ação da erosão acelerada ou agrícola,
relacionados com a umidade, fertilidade ou limitações provocada pela ação antrópica, devido a incorreta
que dificultam a livre mecanização e até mesmo utilização da área cultivada é constante. Este tipo de
exigindo o emprego de práticas especiais de manejo. erosão, se não for controlada, poderá ocasionar
Nas áreas de solos com profundidade variável, conseqüências maiores como o êxodo de sua
topografia plana fortemente ondulada, a principal população rural. O inadequado manejo deixa o solo
restrição ao uso relaciona-se com a presença de rochas abandonado às águas da chuva que o removem,
na porção superficial do solo, quer soltas, quer na forma contribuindo, também, para o assoreamento do rio
de afloramentos, porém com forte limitação relacionada Ibicuí-mirim e seus afluentes.
com a extrema susceptibilidade à erosão, tanto hídrica A lavoura do arroz também contribui para
como eólica. A presença de ondulações na topografia diminuição da vazão do rio Ibicuí-mirim, por conta da
torna-se um elemento restrito ao seu uso, pois os intensidade do volume de água utilizado no processo de
declives são sempre acentuados, ainda que se irrigação, desviando seu curso e assoreando as
apresentem de forma contínua e/ou descontínua e de margens.
extensão variável. - Milho
Deste modo, as culturas produzidas em áreas da sub- Com relação ao zoneamento agroclimático, essa
bacia são classificadas: cultura se encontra nas classes PREFERÊNCIAL I e II.
Esta classificação relaciona-se com o mês de
3.1.1 Zonas Preferenciais semeadura do milho que é realizada nos meses de
setembro, outubro, novembro e dezembro, o que
- Arroz irrigado determina diferenças quanto a temperatura e deficiência
O cultivo do arroz é o único que se realiza sobre hídrica. Assim, nos quatro municípios da sub-bacia rio
solos de áreas planas ou quase planas, nas Ibicuí-mirim, a soma térmica no período da semeadura
proximidades do leito do rio, caracterizando os solos de ao espigamento geralmente será superior a 800° C,
várzea que geralmente são rasos e estão sobre solos de podendo em algumas áreas, com exceção de São
má permeabilidade. A principal restrição a essa cultura é Pedro do Sul, ficar entre 700° C e 800° C. A deficiência
a suscetibilidade ao alagamento e/ou a presença do hídrica acumulada varia de zero a 25mm dependendo
lençol freático excessivamente superficial. O excesso do mês, ano e região. A deficiência hídrica acumulada é
d’água pode originar-se da sua posição à margem de a soma do mês do florescimento com o mês anterior e
cursos d’água, quando se verifica por inundações de posterior ao florescimento. (Tabela 2).
freqüência e durações variáveis.

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12 Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 9-15, 2001

Tabela 2 - Área colhida, quantidade produzida e revertendo o processo de ausência de capitais de


rendimento médio da produção de milho nos municípios investimento.
da sub-bacia rio Ibicuí-mirim.
MUNICÍPIO ÁREA QUANT. REND. Tabela 3 - Área colhida, quantidade produzida e
COLHIDA PRODUZIDA MÉDIO rendimento médio da produção de soja nos municípios
(ha) (t) (Kg/ha) da sub-bacia rio Ibicuí-mirim
Santa Maria e MUNICÍPIO ÁREA QUANT. REND
Dilermando de COLHIDA PRODUZIDA MÉDIO
Aguiar 12000 40800 3400 (ha) (t) (Kg/ha)
São Pedro do Santa Maria e
Sul 8000 14400 1800 Dilermando de
São Martinho Aguiar 5000 10500 2100
da Serra 1800 5220 2900 São Pedro do Sul 9000 13500 1500
Total do Estado 1741492 4605268 2644 São Martinho da
Fonte: Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul (1995) Serra 1500 2880 1920
Montagem: Isimar Stefenon Hundertmarck
Total do Estado 3078313 6067494 1971
Fonte: Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul (1995)
Percebe-se que juntos os municípios de Santa Montagem: Isimar Stefenon Hundertmarck
Maria e Dilermando de Aguiar ocorre a maior área
ocupada com essa cultura e o rendimento médio acima 3.1.2 Zonas Toleradas
da média do Estado.
O município de São Martinho da Serra, que - Cana-de-açúcar
possui a menor área colhida, apresenta um rendimento Essa cultura se encontra na classe TOLERADA
ligeiramente acima da média do estado do Rio Grande IV. Esta classificação deve-se ao fato da temperatura
do Sul. Entretanto, São Pedro do Sul, que possui uma média anual ser maior ou igual a 18,50C e menor que
grande área colhida, não obtém grande quantidade 200C. O número de geadas por ano é superior a 7 e
produzida pois seu rendimento esta abaixo da média inferior a 13 e o número de horas de frio abaixo de
estadual. 7,20C do mês de maio a agosto é maior que 150 e
Assim, qualquer política agrícola deve ser menor que 200 horas.
direcionada também a essa cultura, pois com a melhoria Entretanto, as restrições a essa cultura
das técnicas e aplicação de insumos, principalmente decorrente dos danos causados pelo frio não impedem
nos municípios de São Pedro do Sul e São Martinho da que a mesma obtenha bons rendimentos.
Serra, a renda dos produtores poderá se elevar. A maior área da sub-bacia ocupada com esta
- Trigo cultura se encontra no município de São Pedro do Sul,
Dos municípios da área em estudo, apenas São 500ha, mas o rendimento está situado abaixo da média
Pedro do Sul se encontra na Zona Preferencial II. 30 000kg/ha, impede que a quantidade total da
De acordo com o Zoneamento Climático do trigo produção seja elevada. Esse rendimento não é
na ZONA PREFERENCIAL II a umidade relativa do ar é decorrente apenas das restrições causadas pelo frio,
menor que 75%, diminuindo, em parte, o problema de pois nos outros municípios o rendimento (50.000Kg/ha)
doenças. Nesta Zona a média mínima do mês mais frio está acima da média do estado gaúcho, demonstrando
é inferior a 8° C, não ocasionando restrições. Apesar que as restrições decorrentes da temperatura podem
destas características, no município a cultura não ser compensadas, em parte, com a utilização de
alcança bons rendimentos (700Kg/ha), embora seja insumos e uso de técnicas.
classificada como PREFERENCIAL para esta área, A obtenção de bom rendimento do produto
deveria apresentar altos rendimentos, no entanto, esta cultivado, em área considerada tolerada, só não é
muito abaixo da média estadual. elevada para o município de São Pedro do Sul.
Pode-se concluir que a área colhida com essa - Mandioca
cultura esta sendo mal utilizada. Cuidados com a Na sub-bacia rio Ibicuí-mirim a cultura da
adubação adequada, sanitários, sementes de boa mandioca está inserida na classe TOLERADA VII. Esta
qualidade e adequação da época de semeadura são classificação é decorrente das restrições causadas
alguns dos fatores que requerem melhorias para o pelas baixas temperaturas de inverno, que
aumento do rendimento. Destaca-se a ausência de proporcionam a formação de geadas, tornando
capitais disponíveis por parte dos produtores e a necessário o armazenamento das mavinas. No entanto
necessidade de programas assistenciais ao cultivo do o verão é quente, sem restrições, e a deficiência hídrica
trigo. é nula.
- Soja Assim, esses fatores vão influenciar diretamente
Nas terras que circundam o rio Ibicuí-mirim a na produtividade e conseqüentemente na renda dos
cultura da soja se encontra na classe PREFERÊNCIAL I produtores.
pois a deficiência hídrica é nula e a soma térmica das Embora que os quatro municípios da sub-bacia
temperaturas acima de 15° C , durante o mês de detenham rendimento abaixo da média do estado do Rio
crescimento, é superior a 1200° C. Destaca-se o Grande do Sul. Os municípios de Santa Maria e
município de São Pedro do Sul pela maior área colhida Dilermando de Aguiar, juntos, possuem a maior área
mas, a quantidade produzida é pouco significante, pois colhida, 3.000ha mas, no entanto possuem os menores
seu rendimento médio esta abaixo da média do estado rendimentos 12.000 kg/ha. Destaca-se o município de
do Rio Grande do Sul. (Tabela 3) São Pedro do Sul por possuir a maior área colhida,
Esta cultura, sendo preferencial para esta área 15.000kg/ha, na região, mas não alcança a média do
deveria ser de interesse dos produtores, pois assim estado gaúcho.
estariam contribuindo para o aumento de seus ganhos e - Batata

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Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 9-15, 2001 13

De acordo com o zoneamento climático, em Assim, mesmo que os produtores invistam em


todos os municípios da sub-bacia, esta cultura se tecnologia os rendimentos nunca poderão competir com
enquadra na ZONA TOLERADA VIII e as épocas do o das áreas preferenciais pois os custos da produção
plantio são os meses de fevereiro e setembro. Nesta impediriam qualquer disputa de mercado.
Zona a média das temperaturas mínimas é maior que - Forrageiras
16° C, em um ou dois meses, prejudicando o Em todos os municípios da sub-bacia as
rendimento. A deficiência hídrica nula durante o ciclo forrageiras de verão são encontradas em ZONAS
não causa restrições, no entanto o excedente hídrico TOLERADAS VIII a classificação decorre do número de
nos meses de maturação e colheita, ou seja, maio e meses com temperaturas toleradas pela cultura. Para as
junho ou dezembro e janeiro, causam problemas para a pastagens de verão a estação de crescimento efetivo é
efetivação da colheita. de 9 meses e a temperatura média das mínimas é
A presença da batata ocorre em todos os superior a 10° C, sendo as variedades mais comuns a
municípios da sub-bacia estudada, porém como o ano pensacola, feijão miúdo, sorgo e milhetos. Como se
de informação dos dados, ainda que publicados em trata de uma área tolerada para forrageira, a soja
1995, estão baseados em informações de anos perene e a centrosena são consideradas inaptas.
anteriores e estas informações coletadas se referem a Para o caso das pastagens de inverno a área
época em que o município de São Martinho da Serra também esta inserida na ZONA TOLERADA VIII, sendo
era, então, distrito de Santa Maria, dificulta a análise a classificação decorrente do número de meses com
desta cultura e sua identificação de forma isolada. temperatura abaixo de 10° C ser maior que 3 meses e a
Pesquisa de campo, junto aos produtores, no referido temperatura média do mês mais quente superior a 24° C.
Município, revelam que atividades com a batata, plantio, Como espécies destaca-se a aveia, azevém, trevo
rendimento e comercialização existe, principalmente, branco e centeio.
nas propriedades de pequeno e médio porte (abaixo de
100 hectares), ainda que não seja possível precisar seu 3.1.3 Zonas Marginais:
montante.
- Sorgo - Feijão
Em todos os municípios da área estudada a A aptidão climática esta cultura nos municípios de
cultura está classificada como TOLERADA II. Isso se Santa Maria e Dilermando de Aguiar se insere na ZONA
deve a existência de excedente hídrico no mês de maio MARGINAL III e VII enquanto que nos municípios de
que corresponde ao mês de maturação. O excedente São Martinho da Serra e São Pedro do Sul se
hídrico é maior que 100mm e causa eventuais enquadram na ZONA MARGINAL VII.
problemas de apodrecimento e germinação das A ZONA MARGINAL III se caracteriza por
sementes antes da colheita. Esse problema vem sendo apresentar deficiência hídrica durante o ciclo (inferior a
resolvido, em parte através da utilização de híbridos 50mm), que é raramente prejudicial ao rendimento, não
com sementes de alto conteúdo de tanina. Durante o provocando restrições durante a maturação e colheita. A
crescimento da planta a soma térmica é superior a temperatura média durante o ciclo é superior ou igual a
600° C o que não gera restrições. 23,9° C. Em algum mês, gera restrições devido ao
A análise desta cultura, pelas mesmas razões da rendimento ficar prejudicado.
anterior teve suas informações prejudicadas, ainda que Na ZONA MARGINAL VII a deficiência hídrica
em trabalho de campo houvesse sido notada a presença durante todo ciclo é nula. As condições térmicas com
de sua comercialização além do uso interno nas temperatura média em algum mês superior ou igual a
propriedades. Objetivamente verificou-se a presença da 23,9° , ocasiona prejuízos de rendimento, porém o
cultura na área estudada. excesso de umidade da maturação até a colheita
- Pessegueiro quando situado abaixo de 50mm, não provoca
Em todos os municípios da área analisada a restrições.
cultura esta contida na ZONA TOLERADA III que se O feijão é uma cultura adaptada a praticas
caracteriza pelo número de horas anual, com manuais, inclusive na colheita. Entre os produtos
temperaturas abaixo de 7,2° C ser maior que zero e vegetais ela é a primeira a proporcionar renda no ano
menor que 100h. Contudo o que torna possível sua agrícola e ajudando na manutenção da família. Talvez
prática é a proximidade de mercados consumidores. seja esta a principal razão do seu cultivo. (Tabela 5)
Porém, as restrições decorrentes da temperatura
influenciam diretamente a produção final permitindo que Tabela 5 - Área colhida, quantidade produzida e
os rendimentos fiquem abaixo da média do estado. rendimento médio da produção de feijão nos municípios
Gaúcho. (Tabela 4) da sub-bacia rio Ibicuí-mirim
MUNICÍPIO ÁREA QUANT. REND.
Tabela 4 - Área colhida, quantidade produzida e COLHIDA PRODUZIDA MÉDIO
rendimento médio da produção de pêssego nos (ha) (t) (Kg/ha)
municípios da sub-bacia rio Ibicuí-mirim. Santa Maria e
Dilermando de Aguiar 150 135 900
MUNICÍPIO ÁREA QUANT. REND.
São Pedro do Sul 1350 945 700
COLHIDA PRODUZIDA MÉDIO
São Martinho da Serra 400 360 900
(ha) (1000fr) (fr/ha)
Total do Estado 203499 156212 767
Santa Maria e Fonte: Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul (1995)
Dilermando de Aguiar 38 1390 36578 Montagem: Isimar Stefenon Hundertmarck
São Pedro do Sul 15 625 41666
São Martinho da Serra 4 146 36500 O município de São Pedro do Sul se destaca pela
Total do Estado 14012 740972 52881 maior área ocupada com essa cultura, porém sua
Fonte: Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul (1995)
Montagem: Isimar Stefenon Hundertmarck produtividade é a mais baixa do conjunto dos
municípios. Embora a sub-bacia rio Ibicuí-mirim seja

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14 Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 9-15, 2001

uma área marginal para a cultura do feijão, os Tabela 6 - Área colhida, quantidade produzida e
rendimentos permitem algum ganho. rendimento médio da produção de fumo nos municípios
Além das condições climáticas, a adubação da sub-bacia rio Ibicuí-mirim
deficiente e a qualidade das sementes contribuem para MUNICÍPIO ÁREA QUANT. REND.
que o rendimento seja baixo. Mesmo assim, a presença COLHIDA PRODUZIDA MÉDIO
de mercados consumidores próximos a cultura torna-se (ha) (t) (Kg/ha)
apta para exploração comercial. Santa Maria e
Dilermando de Aguiar 180 288 1600
- Trigo
São Pedro do Sul 300 540 1800
Nos municípios de Santa Maria, Dilermando de São Martinho da Serra 20 32 1600
Aguiar e São Martinho da Serra essa cultura está Total do Estado 161610 318690 1971
inserida na ZONA MARGINAL V. Fonte: Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul (1995)
De acordo com o zoneamento climático da Montagem: Isimar Stefenon Hundertmarck

cultura do trigo, a ZONA MARGINAL V se caracteriza


por apresentar a umidade relativa do ar superior a 75% Os municípios da sub-bacia apresentam
proporcionando o surgimento de problemas com rendimento abaixo da média estadual. Para que essa
doenças. No inverno a média mínima do mês mais frio é cultura obtenha colheitas elevadas se faz necessária a
maior que 8° C, trazendo restrições por serem os utilização de tecnologia, o que é impossível dado as
invernos quentes. condições econômicas dos agricultores e, também,
Os municípios de Santa Maria e Dilermando de porque o aumento do custo da produção tornaria
Aguiar se destacam pela maior área colhida, 80hectares impossível a competição no mercado.
e rendimento acima da média do estado gaúcho, Assim, para aumentar a renda da
1.700kg/ha., o rendimento do município de São Martinho propriedade, os produtores devem encontrar culturas
da Serra, 1.200kg/ha, está, igualmente, acima da média que tenham uma formação ecológica para esta área.
gaúcha.
Os produtores, embora com aplicação intensiva 4.1.4 Zonas Inaptas ou Não Recomendadas:
de insumos e de tecnologia não obterão grandes
rendimentos com essa cultura pois o clima exerce forte - Abacaxi
influencia na produtividade. A cultura do abacaxi é classificada como INAPTA
- Alho e Cebola VI, para a área da sub-bacia rio Ibicuí-mirim. Esta zona
Em todos os municípios da sub-bacia rio Ibicuí- tem como características a temperatura média do
mirim estas culturas se encontram na ZONA MARGINAL inverno inferior a 15,5° C o que causa insuficiência
V. Nesta Zona a temperatura média do mês de outubro térmica e a presença de geadas freqüentes também se
é maior que 16° C não causando restrições a cultura. constituem em restrições a essa cultura, pois são muito
Entretanto a deficiência hídrica nula causa restrições prejudiciais. O fato de não ocorrer o cultivo do abacaxi
para a cura dos bulbos. indica que o solo esta sendo bem utilizado ao ser
O município de São Pedro do Sul se destaca pela destinado a outros cultivos.
maior área colhida dessa cultura, 5ha, mas seus - Banana
rendimentos, de 2.000kg/ha, ficam abaixo da média Esta cultura é classificada como INAPTA VI com
estadual. Tratando-se de uma área marginal para a temperaturas médias do inverno inferiores a 15,5° C,
cultura, os municípios de Santa Maria e Dilermando de provoca insuficiência térmica. A deficiência hídrica é
Aguiar, possuem uma boa produção, (10t), que só não é variável e as geadas são muito freqüentes. A geada é o
maior devido a pequena área cultivada, que é de 2 principal fator restritivo a esta produção, resultando em
hectares. uma produtividade pouco destacável.
Com relação ao cultivo da cebola o município de Apesar dos municípios de São Martinho da Serra
São Pedro do Sul se destaca pela maior área colhida, e São Pedro do Sul apresentarem rendimento
40ha, mas devido ao baixo rendimento, (10.000kg/há), a ligeiramente acima da média estadual, sua
quantidade produzida não é elevada. A produção é produtividade é muito baixa comparada com as culturas
decorrente da zona climática e, em parte, devido a não das áreas preferenciais. Deste modo, esses produtores
utilização de tecnologia, pois nos outros municípios, não conseguem uma renda elevada. A única razão da
também, classificados como zonas marginais para esta prática desta cultura é a proximidade dos mercados
cultura, ocorre uma produtividade acima da média consumidores.
estadual. - Videira
- Fumo A videira americana é classificada como INAPTA
Em todos os municípios da área estudada esta IV, por encontrar horas de frio inferior a 100, não
cultura se enquadra na ZONA MARGINAL V. Nesta correspondendo ao número mínimo de repouso exigido.
zona a deficiência hídrica durante os meses de As condições de maturação encontram um índice
novembro e dezembro varia de zero a 25mm causando heliopluviométrico maior que 1,7 e menor que 2,
algumas restrições. As condições térmicas apresentam- provocando restrição à maturação.
se com temperatura média nos meses de novembro e A videira européia, devido ao índice hidrotérmico
dezembro maior que 20° C causando, restrições ser maior que 70 unidades e o repouso hibernal ser
variáveis dentro da zona. Estas restrições vão deficiente está inserida na zona INAPTA XVI.
influenciar diretamente na renda dos produtores.(Tabela Por se tratar de área inapta para esta cultura, não
6) ocorrem áreas de dimensão significativa deste cultivo.
Apresentando-se as poucas culturas em pequenas
propriedades que ainda preservam a tradição da
fabricação do vinho. Em geral, nestes municípios a
produção do vinho tem a finalidade de complementar a

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renda dos proprietários através da venda e abastecer o de uso. Isto deve se tornar uma prática de
consumo interno. recomendações usual ao agricultor.
Além disso, é recomendada a utilização de
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS técnicas para diminuir os níveis de degradação do solo,
podendo ser utilizadas as faixas de retenção, rotação de
O estudo permitiu determinar a aptidão e as culturas, cobertura vegetal, construção de terraços e a
relações entre uso do solo e adequação. As culturas do adubação orgânica.
arroz irrigado, milho e soja nos municípios da sub-bacia Finalmente, considera-se que existem condições
e a cultura do trigo especialmente no município de São para o progresso econômico, porém é necessária a
Pedro do Sul foram classificadas como preferenciais. introdução de novas idéias e de uma nova visão do
Apesar das melhores condições climáticas futuro, onde se poderá ter a certeza de produzir os
apresentadas, as culturas mostram um rendimento não alimentos, reduzindo e/ou anulando o impacto sobre o
elevado e isto ocorre pela inexistência de técnicas de meio natural.
preservação e de insumos no manejo das culturas
preferenciais. Estas culturas, sendo preferencial para 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS
esta área deveriam ser de interesse dos produtores,
pois assim estariam contribuindo para o aumento de AB’SABER, A. N. O Relevo Brasileiro e seus Problemas.
seus ganhos e revertendo o processo de ausência de In: Brasil - A Terra e o Homem. São Paulo: Companhia
capital de giro. Editora Nacional, 1964, V. 1, p. 135-200.
Para as culturas da cana-de-açúcar, mandioca, ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO RIO GRANDE DO Sul.
batata, sorgo, pessegueiro e forrageiras a área Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística, V.
apresenta um fator climático negativo, classificando 27, 1993/1995, 1996.
estas culturas como toleradas. Com a utilização de BARROS SARTORI, M. da G. O Clima de Santa Maria,
insumos e algumas técnicas adequadas as restrições RS: do Regional ao Urbano. São Paulo: USP.
decorrentes do clima poderão ser compensadas. Dissertação de Mestrado, 1979. 167p.
As culturas do feijão, alho, cebola, fumo foram BELÉM, J. História do Município de Santa Maria. Porto
classificadas como marginais para todos os municípios, Alegre: Selbach, 1993. 227p.
além do trigo, com exceção do município de São Pedro BOLETIM TÉCNICO DO MINISTÉRIO DA
do Sul. Analisando os retornos de produção e lucros AGRICULTURA. Levantamento e Reconhecimento dos
percebem-se que os municípios da sub-bacia Solos do estado do Rio Grande do Sul. Recife:
apresentam rendimento abaixo da média estadual. Para INCRA/RS-MA, 1973. 428p.
que estas culturas obtenham colheitas elevadas se faz BORIN, C. J. A. et all. Contribuição à Geografia Física
necessário a utilização de tecnologias, o que é do Município de Santa Maria: Unidades de Paisagem.
impossível devido a situação financeira dos agricultores Revista Ensino & Pesquisa. Santa Maria: UFSM, No 3,
e, também, porque o aumento do custo da produção 1989.
diminui as possibilidades de competição no mercado. CERON, A. O. Revolução Industrial e Sistema Espacial
Assim, para aumentar a renda da propriedade, os Agricultural. Boletim de Geografia Teorética. Rio Claro:
produtores devem buscar culturas ecologicamente UNESP, 3 (5), p. 5-38, 1973.
compatíveis com a área. CHRISTO, S. S. M. de. Um Novo método para elaborar
Como marginais foram classificadas as culturas diagnóstico físico-conservacionista de sub-bacias
do abacaxi, banana e videira. Por se tratar de zonas hidrográficas. Santa Maria: UFSM/CCR/CEIIOSO, 1989.
inaptas ou não recomendadas para estas culturas, na 61p. (Monografia de especialização)
sub-bacia rio Ibicuí-mirim não são comuns estes CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia Fluvial: O Canal
cultivos. Fluvial. São Paulo: Edgard Blücher, V.1, 1981. 313p.
A falta de um manejo adequado do solo na área DINIZ, J. A. F. Geografia da Agricultura. São Paulo:
tornou o grau de erosão e a perda da fertilidade DIFEL, 1984.
acentuada. Os solos lavrados, principalmente em áreas
de declives, uma ou duas vezes por ano e, geralmente,
em épocas ou estações chuvosas, tornam-se
susceptíveis a erosão.
Deve ser ressaltar que falta sensibilidade do
agricultor para distribuir do uso do solo na propriedade,
muitas vezes os produtores fazem potreiros na parte
plana do imóvel e as lavouras no alto dos morros,
contrariando as normas do bom uso do solo.
Além da utilização da água do rio Ibicuí-mirim
para irrigação do arroz, o desmatamento é considerado
como o elemento mais importante para o desequilíbrio
do volume de água do leito maior do Ibicuí-mirim. Tal
comportamento permite entender porque o rio possui
seu leito quase seco e por ocasião das enxurradas as
águas sobem assustadoramente, muitas vezes
provocando enchentes sobre as lavouras.
Nesse sentido, para que ocorra algum progresso
econômico na região faz-se necessário utilizar o solo
agrícola de acordo com as suas aptidões ou capacidade

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16 Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, 2001

ISSN 0103-1538
Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 17-23, 2001 17

A ESTRUTURA DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA E O PERFIL SOCIOECONÔMICO DO


MUNICÍPIO DE SALVADOR DAS MISSÕES – RS1
THE STRUCTURE OF THE AGRICULTURAL PRODUCTION AND THE SOCIAL-ECONOMICAL PROFILE OF
THE BOROUGH OF SALVADOR DAS MISSÕES-RS

Ivete T. Strieder2 e César de David3

RESUMO décadas, devido, principalmente, ao acelerado


crescimento tecnológico e da comunicação. Quando
O trabalho analisa a organização espacial do ocorrem inovações no sistema é preciso que esteja claro
município de Salvador das Missões/RS, sobretudo do o quanto isto o afetará, pois elas podem gerar efeito
meio rural, com vistas a reconhecer os principais negativo.
problemas causas, conseqüências e apontar possíveis Assim, este trabalho tem como objetivo analisar a
soluções. O município possui uma estrutura agrária organização espacial do município de Salvador das
baseada na pequena propriedade na qual está Missões/RS, sobretudo do meio rural, com vistas a
ocorrendo grave problema conseqüente das técnicas reconhecer os principais problemas enfrentados pela
inadequadas empregadas para trabalhar a terra e população e apontar soluções. Problemas comuns a um
insuficiência de políticas governamentais direcionadas a grande número de municípios da região noroeste do
pequena propriedade. estado do Rio Grande do Sul que possuem um processo
de colonização e desenvolvimento semelhante. Para
Palavras-chaves: Estrutura Agrícola; Perfil atender ao objetivo foi aplicado um questionário em todas
Sócioeconômico; Salvador das Missões. as unidades residenciais, do município entre os dias
01/04/1998 a 30/06/1998. Na pesquisa cada entrevistado
ABSTRACT pode, além de informar sobre a situação socioeconômica,
identificar o setor onde estão os principais problemas e
The study analyzes the special organization of the suas causas, além de sugerir alternativas para solucioná-
borough of Salvador das Missões-R.S., above all in the los.
countryside, with the objective of recognizing the main O município de Salvador das Missões está
problems, the causes, the consequences, and to pointing situado na região noroeste do estado do Rio Grande do
out possible solutions. The borough has na agrarian Sul, distante da capital do estado 535 km. Tem sua
structure based on small properties that are suffering posição estabelecida pelas coordenadas geográficas de
deep problems in consequence of inadequate techniques 28° 10' de latitude sul e 54° 45' 30" de longitude oeste. A
used to cultivate the land and insufficient governmental área do município é de 94,82 Km2, com uma população
politics directed to small homesteads. total de 2.732 habitantes (Conforme questionário
aplicado em 1998) distribuindo-se em 682 domicílios,
Key Words: Agricultural structure; Social-economical sendo a população urbana composta de 414 habitantes
profile; Salvador das Missões-RS. ocupando 108 residências e a população rural de 2.318
habitantes dividindo-se em 574 residências.
1 INTRODUÇÃO
2 HISTÓRICO DA COLONIZAÇÃO DO RIO GRANDE
A agricultura está ligada à cultura, à história, às DO SUL E A INTRODUÇÃO DA PEQUENA
oportunidades e as restrições geográficas e ecológicas PROPRIEDADE NA REGIÃO NOROESTE DO
do local, assim como aos valores, conhecimentos, ESTADO
habilidades, tecnologias e instituições da sociedade rural.
O sistema de produção do estabelecimento O inicio da colonização estrangeira no Rio Grande
agrícola é determinado pelo contexto biofísico e, do Sul ocorreu com o total apoio do governo Imperial.
também, pelas características socioeconômicas, culturais Desejoso de povoar o sul do território brasileiro para
e políticas, sobretudo as ligadas à família. garantir a posse definitiva do mesmo, pois a região era
Alguns processos que influenciam nos sistemas palco de constantes conflitos entre o exército nacional e
são: os contatos sempre maiores com as sociedades invasores (principalmente espanhóis) com interesse de
urbanas; o desenvolvimento dos meios de comunicação; expandir seus domínios a leste (BASTIDE, 1976).
a integração ao sistema comercial de mercado; o nível de Os primeiros grupos de estrangeiros receberam
educação dos componentes da família; a degradação do passagens pagas, propriedade de terras gratuitas,
meio natural e as políticas governamentais dirigidas ao alguns animais, sementes, ajuda em dinheiro nos
setor. primeiros dois anos, naturalização com todos os direitos
Os sistemas agrícolas não são estáticos, mudam dos demais brasileiros. Isto acarretou em enormes
ao longo das gerações, e mais rapidamente nas últimas

1
Projeto de pesquisa financiado pelo FIPE -UFSM.
2
Aluna do Curso de Geografia.
3
Orientador. Prof. M. Sc. do Depart. de Geociências, CCNE, UFSM.

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18 Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 17-23, 2001

gastos e o posterior corte de verbas para a colonização Acredita-se que a primeira fase tenha sido
estrangeira, por parte do Governo. (ROCHE, 1969) estendida por mais tempo nas chamadas “colônias
Em 1850 houve a criação da Lei de Terras velhas” fundadas antes da metade do século XIX e
(estabelecendo a compra como única forma de acesso à anteriores a Lei de terra, considera-se, também, que os
terra) elaborada pela aristocracia latifundiária, a qual colonos que chegaram posteriormente foram obrigados
temia a possível concorrência da nova classe produtora a pagarem por suas propriedades obrigando-se a
que estava se formando no sul do Império, produzir excedentes e vender ao mercado para adquirir
principalmente no Rio Grande do Sul – os pequenos recursos, livrando-se da dívida inicial. Neste contexto se
proprietários. enquadra o município de Salvador das Missões.
Até a adoção desta Lei de Terras a aquisição da Inicialmente o desenvolvimento foi lento devido a
terra sempre foi gratuita, desde a época anterior a dificuldade de comunicação, as terras cobertas por
colonização, quando o governo presenteava com florestas, a falta de capital e a necessidade de
enormes extensões de terra (as sesmarias), a quem era, sobrevivência. Assim, desde o início os problemas não
a seu ver, merecedor, como soldados participantes de se limitavam aqueles relacionados aos aspectos físicos,
guerras e pessoas ligadas a corte. (CUNHA, 1991) muitos tiveram que buscar crédito junto a comerciantes
A introdução da pequena propriedade na região mais próximos, contraindo nova divida, que era paga em
noroeste do estado do Rio Grande do Sul ocorreu no valor de produto ficando dependente do comerciante
processo de colonização desencadeado pelos primeiros que funcionava como banqueiro. (ORLANDO,1994)
imigrantes que chegaram ao estado gaúcho (alemães, Devido as circunstância em que foi instalada a
em 1824), formando núcleos de economia agrícola pequena propriedade no estado do Rio Grande do Sul
(BASTIDE,1976). Quase um século após, em 1906, teve se estabeleceu uma policultura baseada na variedade
origem o núcleo de Salvador das Missões. de produtos agropecuários, sempre e, em primeiro
No processo de colonização o tamanho das lugar, a produção daqueles mais consumidos na
propriedades foi diminuindo “O lote rural (colônia) alimentação da família. De acordo com BRUM
recebido pelo imigrante (o colono) não variou de (1988:56):
tamanho: até 1851, era de 77ha; de 1851 a 1889 foi de
48,4ha, e de 1889 em diante passou a ser de 25ha” Em cada propriedade rural, cultivada pelos
(BRUM, 1988). Por vários motivos, tais como: o membros da própria família, produzia-se grande
interesse do governo de que o imigrante desenvolvesse variedade de produtos: milho, mandioca, trigo, arroz,
a agricultura de subsistência - produção de alimentos; feijão, cana-de-açúcar, erva mate, batata inglesa, batata
as atividades praticadas fossem desenvolvidas com a doce, etc. ...Junto a residência da família ficava a horta,
mão-de-obra dos próprios membros da família do onde se produzia hortaliças, verduras, legumes, pomar.
proprietário, o que, em princípio não exigia grandes Assim, a maior parte das necessidades de consumo da
extensões de terra para o progresso das famílias; e família rural era atendida pela própria produção.
também, dessa forma o governo evitava entrar em Adquiria-se no comércio apenas o que não era
conflito com os estancieiros temerosos do poder que os produzido na propriedade.
colonizadores poderiam adquirir.
A produção variada logo gerou excedentes,
3 A INSTALAÇÃO DA PEQUENA PROPRIEDADE NO alguns produtos se adaptaram melhor ao local,
RIO GRANDE DO SUL despertando maior interesse da família ou ainda por que
dispunham de condições para a comercialização.
Para SINGER (1968), independentemente do O excedente produzido precisava de alguém que
período e local em que foram instaladas, todas as o levasse ao local de comércio (atravessador), pois as
colônias passaram por três fases: a primeira baseada condições de transporte e as longas distâncias a serem
em uma economia de subsistência que sucedeu ao percorridas, consumiam horas e às vezes dias no ir e
desmatamento e a organização da produção agrícola e vir, apareceu assim os comerciantes vindos de outros
de artesanato incipiente, importando manufaturados lugares e/ou algum colono vizinhos dispostos a
mínimos exigidos; na segunda fase, conjuntamente com comercializar os produtos, embolsando o valor
a expansão da agricultura de subsistência ocorreu a resultante da diferença entre o preço pago ao produtor e
produção de excedentes comercializáveis em troca de aquele recebido na venda. Na volta sempre traziam, sob
alguns produtos necessários ao consumo dos colonos e; encomenda ou não, inúmeros artefatos necessários e
na terceira fase, houve o surgimento de uma agricultura não produzidos artesanalmente, cobrando pelos
comercial especializada, em sincronia com a ampliação mesmos um preço estipulado, pois não havendo meios
do mercado consumidor dos produtos coloniais que até de comunicação o agricultor não tinha noção de preços
a fase anterior se restringia a Porto Alegre, a partir de praticados no mercado. Com o progresso da colônia,
então, atingiu o centro do país. Segundo Singer aumentava a produção e com ela prosperava o
(1968:169): comerciante por ficar com a maior parte do lucro. Este
processo dava o monopólio ao comerciante que com
... esta evolução não ocorreu simultaneamente isso controlava a produção da colônia. De acordo com
em todas as colônias, nem o período de tempo gasto BRUM (1988: 58):
em cada fase de desenvolvimento obedeceu a qualquer
padrão pré-estabelecido ela foi-se dando na medida em Nas cidades, bem como nas vilas e mesmo nos
que o sistema de comunicação se ia estendendo e povoados mais ativos, prosperavam atividades
atingindo as colônias, tendo em vista a rapidez com que artesanais e incipientes indústrias destinadas a
o mercado para a produção colonial rio-grandense se produção dos objetos e artigos de uso mais comum da
expandia. população, de acordo com os padrões tradicionais... .

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Com o aumento da circulação de mercadorias Como fatores para a expansão do trigo em larga
promovidas pelos comerciantes, muitos produtos antes escala, ainda é BRUM (1988) quem esclarece:
produzidos artesanalmente no local, foram sendo
substituídos pelos industrializados provenientes de (1) o objetivo governamental de buscar auto-
outros lugares, resultando na conseqüente falência de suficiência na produção deste cereal, básico na
fabricantes locais. Somente alguns, com melhores alimentação, procurando livrar-se da dependência da
condições, investiram no ramo, comprando máquinas importação;
importadas. (2) os interesses das corporações transnacionais
Com o crescimento industrial e comercial, norte-americanas de implantar o complexo agro-
melhoria das comunicações encurtando distâncias e industrial, como forma de expandir seus negócios,
colocando o agricultor mais próximo da fabricação do através da criação de um mercado para insumos,
produto, o raciocínio lógico seria que o preço dos maquinas e equipamentos agrícolas;
produtos manufaturado diminuísse com o (3) Condições favoráveis, na região, para lavoura
desenvolvimento, mas não foi exatamente isto que mecanizada e pessoas aptas em aceitar o desafio de
ocorreu. Com a maior diversificação dos produtos e o levar avante os empreendimentos.
crescimento dos meios de comunicação, mostrando as
utilidades das novas tecnologias e criando necessidades Quem primeiro se lançou à produção
na mentalidade do produtor rural, o proprietário tornou- mecanizada não foi o agricultor tradicional, o pequeno
se, cada vez mais, dependente do capital produtor rural, e sim pessoas da cidade com algum tipo
industrial.(MESQUITA & SILVA, 1988) de vínculo com a agricultura: comerciantes, profissionais
Em meio a esse processo capitalista exploratório liberais, e pequenos industriais, os quais possuíam uma
surgiu no Rio Grande do Sul, em 1903, movimentos visão mais ampla dos negócios e habilidades para lidar
cooperativistas, como o Caixa Rural controlado pela com os bancos. Inicialmente arrendando terras e depois,
Igreja Católica, que recebia depósitos e fazia também, adquirindo, tornaram-se os pioneiros na
empréstimos aos colonos sem fins lucrativos. expansão da modernização da agricultura no planalto
A partir de 1911 o movimento alastrou-se gaúcho.
contando, então, com o apoio do governo estadual ao O agricultor tradicional, não possuindo capital
receber isenção de impostos. A partir daí mudou o próprio e tendo aversão a contrair empréstimos junto
método de funcionamento, iniciando a cobrança de juros aos bancos uma vez que isto implicava na hipoteca da
baixos a prazo longo. A Caixa de Crédito Rural teve logo terra, de início não se sentiu atraído pela triticultura.
apoio dos agricultores, pois foi uma forma de escapar Somente a partir dos meados da década de 1960
dos comerciantes. Estes, a muito tempo, vinham ingressou no processo devido ao esgotamento do solo,
explorando e enriquecendo as custas dos trabalhadores da falta de capitais, do declínio da produção e da
rurais. existência de incentivos apenas para o trigo. Deste
Com a aprovação dos agricultores, o passo modo, ingressar na monocultura do trigo com o reforço
seguinte foi a criação e construção de estabelecimentos da soja em expansão tornou-se a alternativa viável,
(cooperativas de agricultores) de compra e venda direta através dela se dava o acesso ao crédito bancário para
de produtos coloniais aos grandes centros de consumo a aquisição de máquinas modernas, insumos,
e inclusive exterior, livrando o produtor do atravessador. recuperação do solo e ingressar na produção
A partir de 1930, com o programa modernizada. Deste modo a pequena propriedade
desenvolvimentista do governo central, as cooperativas deixou sua policultura, (produção de alimentos
foram utilizadas pelo Estado para implantar programas diversificados para consumo interno, função primeira
voltados as áreas agrícolas. para a qual foi implantada no Rio Grande do Sul), para
A década de 1960 caracterizou-se por profundas produzir predominantemente culturas empresariais.
mudanças econômicas, sociais e políticas e pela As mudanças econômicas que ocorreram na
entrada de grande volume de capital estrangeiro através época também se refletiram em muitas cooperativas as
do estabelecimento de empresas multinacionais e do quais se transformaram em complexos comerciais e
desenvolvimento rápido do capital privado, além da agro-industriais, com enormes investimentos em suas
modernização da agricultura. benfeitorias (silos, armazéns, caminhões, etc...).
A modernização da agricultura no planalto Ainda, com o processo de internacionalização da
gaúcho esteve, inicialmente, centrada na produção de economia brasileira (penetração das multinacionais no
trigo o qual desencadeou as profundas transformações setor agrícola), na década de 1970, aparecem os
nas técnicas de cultivo e manejo do solo, uma vez que conglomerados agro-industriais que vem concorrer com
antes os instrumentos utilizados eram simples. Segundo as cooperativas quebrando a hegemonia das mesmas.
BRUM (1988:71): Essas agroindústrias se instalaram e iniciaram o
trabalho junto aos trabalhadores rurais oferecendo
Os instrumentos de trabalho utilizados eram recursos para a instalação (benfeitorias), depois
simples:...para o desbravamento usava-se foice e fornecimento dos insumos, do início até o fim da
machado, enxada e arado de tração animal para o produção, e no fim da operação a compra e
preparo do solo e controle das ervas daninhas; maquina industrialização do produto, dando sempre a garantia da
manual de plantar; foicinha de cortar trigo, arroz, venda do seu produto ao agricultor, processo feito pela
etc...máquina manual de matar formiga; carroça e outros cooperativa com a diferença que esta não garantia a
veículos de tração animal, para o transporte. compra da produção, pois dependia do mercado
externo.
Agora passava a ser o trator, a colheitadeira, o 3.1 A Economia Agrícola da Zona Colonial.
arado de disco, o terraceador, o pulverizador, o
caminhão.

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Para SINGER (1968: 186) a economia agrícola Tabela 2 - Tamanho das propriedades rurais.
da zona colonial entrou em decadência a partir da NÚMERO DE HECTARES NÚMERO DE FAMÍLIAS
metade do século XX, tendo por base fatores de ordem Nenhum 142
endógena e exógena às unidades de produção. De Até 10 ha 183
ordem exógena cita a concorrência externa em vários Até 20 ha 202
mercados, como sendo o mais importante. Assessoria e
Mais que 20 ha 47
Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, AS-PTA,
(1994:8) cita outros fatores como: TOTAL 574
Fonte: Dados do questionário, 1998

- Na elaboração de políticas agrícolas de Existem hoje no município 142 famílias que não
desenvolvimento, o governo discrimina a pequena possuem terra, repartindo as já pequenas propriedades
propriedade. dos pais, não permite a sobrevivência.
- Poucos recursos destinados a pequena propriedade. A falta de terra resulta no desemprego, na época
- Propriedade muito pequena. em que foram realizadas as entrevistas 170 pessoas
- Serviços agrícolas ineficientes. estavam procurando emprego. As possíveis ocupações
- Burocracia para aquisição de recursos. são mencionadas na Tabela 3.
- Maior parte da tecnologia inadequada à pequena
propriedade, a adequada não chega ao conhecimento Tabela 3 - Funções que poderiam ser desempenhadas
do agricultor. pelos desempregados.
- Insumos industrializados são muito caros, preços na
FUNÇÕES N° DE PESSOAS
venda da produção são baixos e comercialização
instável. Babá, Pedreiro, Carregador,
- Poder aquisitivo dos consumidores urbanos é baixo, o Comunicação, Recepcionista 5
que limita a expansão do mercado interno e reduz os Costureira 2
preços. Merendeira 2
- As restrições, protecionismo e subsídios impostos Faxineira 3
pelos países desenvolvidos dificultam a exportação e Magistério 4
estimulam as importações de alimentos a preços Doméstica 5
subsidiados, prejudicando os produtores nacionais. Agricultura 6
Transferência de recursos do setor rural-agrícola para o Agentes de saúde 8
setor urbano industrial.
Computação 9
O desenvolvimento da agricultura, sempre Escritório 13
recebeu influência do governo, quer federal, quanto Operador de máquinas (indústria) 14
estadual ou local, sendo, muitas vezes, decisivo para Serviços gerais 18
seu progresso ou estagnação, pois através das políticas Motorista 23
direcionadas para determinados setores, conforme o Comércio 24
interesse dos grupos sociais dominantes. (DINIZ, 1984) Qualquer emprego 34
TOTAL 170
4 PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DA PRODUÇÃO Fonte: Dados do questionário, 1998.
AGRÍCOLA DE SALVADOR DAS MISSÕES - RS
Pode-se perceber que as funções que desejam
A atividade básica da população tem sido a desempenhar , na sua maioria, não exigem curso
agropecuária, sendo este setor responsável por 77,99% superior.
do total das contribuições no Município, de acordo com De acordo com os dados levantados, Tabela 4, a
a Tabela 1 população na sua maioria não está preparada para
enfrentar mercado de trabalho fora da
Tabela 1 - Contribuições setoriais - 1996 agricultura.Encontra-se aí o problema da não
ESPECIFICAÇÃO VALOR (R$) (%) SUB-TOTAL qualificação da mão-de-obra, embora havendo vagas
Agropecuária 1 890 190,55 77,99% em oferta com exigência de escolaridade, poucos
desempregados do município podem ocupá-las.
Indústria 161 926,48 6,68%
Comércio 327 516,03 13,51%
Tabela 4 - Grau de escolaridade (população acima de 6
Serviços 43 940,36 1,82% anos de idade).
TOTAL 2 423 573,44 100,00% GRAU DE ESCOLARIDADE PESSOAS
Fonte: Dados do questionário, 1998.
10 grau incompleto 1485
A agropecuária é desenvolvida sobre uma 10 grau completo 206
estrutura fundiária de pequenas propriedades, 20 grau incompleto 116
possuindo 574 famílias de agricultores produtores 20 grau completo 160
distribuídos em uma área média de aproximadamente 30 grau incompleto 22
16,31ha cada uma das unidades familiares. Portanto, 30 grau completo 27
pequenos produtores que trabalham em regime familiar, TOTAL 2016
conforme a Tabela 2. Fonte: Dados do questionário, 1998.
A área média cultivada com culturas anuais é de A solução sugerida para esse problema, pelos
12 hectares. Este tamanho reduzido da propriedade é agricultores, seria um crédito fundiário para que os
causa do maior problema enfrentado pelos filhos dos jovens possam adquirir terras e evitar o problema do
agricultores, o difícil acesso a terra. desemprego.

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Encontra-se aí o problema da não qualificação sobre tecnologias viáveis, financeiramente, à situação


da mão-de-obra, embora havendo vagas em oferta com do pequeno proprietário e apropriadas à pequena
exigência de escolaridade, poucos desempregados do propriedade.
município podem ocupá-las. O preço atual da saca de soja é de R$ 15,00, a
A solução sugerida para esse problema, pelos produção média é de 25 sacas /hectare. Tendo um
agricultores, seria um crédito fundiário para que os gasto de R$ 339,00 ou 22,6 sacas para produzir 1
jovens possam adquirir terras e evitar o problema hectare, o agricultor terá lucro de 2,4 sacas/hectare ou
desemprego. R$ 36,00/hectare plantada. Considerando, a área média
Encontra-se aí o problema da não qualificação cultivada com soja, pelos agricultores de Salvador das
da mão-de-obra, embora havendo vagas com exigência Missões, sendo de 12ha, o produtor terá, por ano, um
de escolaridade, poucos desempregados do município rendimento de R$ 432,00.
podem ocupá-las. A maior parte da produção é vendida à
A solução sugerida para esse problema, pelos COOPEROQUE, que atua na compra de soja, milho,
agricultores, seria um crédito fundiário para que os trigo e suínos; comercialização de insumos,
jovens possam adquirir terras e evitar o problema do medicamentos veterinários, ferramentas, tecidos,
desemprego. confecções e produtos alimentícios. A cooperativa tem
Condicionados ao relevo de uma topografia sede no município de Salvador das Missões e recebe
pouco acidentada permite a mecanização nas atividades produtos dos municípios de Cerro Largo, São Pedro do
agrícolas em 85% da área o que foi fator fundamental Butiá, Campina das Missões, Roque Gonzales e
da intensa mecanização no município, e suas Rolador. Em torno da mesma gira a maior parte do
conseqüências, como o endividamento com as compras comércio local, exercendo uma certa forma de
das máquinas, o que canalizou, por vários anos, todos monopólio, não deixando nenhum concorrente se
os lucros para este fim, o agricultor deixava de investir desenvolver dentro do município, sendo que além dela
na compra de terras, escola dos filhos e no bem estar há em todo município 14 mini-estabelecimentos
geral da família para pagar as dívidas, chegando alguns comerciais conforme a Tabela 6.
a perder suas terras para o sistema financeiro.
A intensa mecanização teve outras Tabela 6 - Estabelecimentos comerciais de Salvador
conseqüências, como, o emprego indevido do das Missões excluindo a cooperativa
maquinário que resultou na compactação e erosão do TIPO DE PRODUTOS NÚMERO DE
solo diminuindo a produtividade, ainda, favoreceu, na COMERCIALIZADOS ESTABELECIMENTOS
região, o binômio trigo e soja, pois as outras culturas Insumos Agropecários 2
exigiam maior trabalho manual. Mini-Mercados de produtos
Com o binômio trigo e soja vieram os insumos alimentícios 4
que são utilizados desde o preparo do solo até a Loja de confecções 3
colheita. Esses insumos são produtos industrializados, Venda de imóveis e
consumidos, pela unidade de produção aumentando seu eletrodomésticos 2
custo, conforme Tabela 5.
Lancherias 3
Tabela 5 - Custo da lavoura de soja de um ha. (Plantio TOTAL 14
Fonte: Dados do questionário, 1998.
direto na palha). Custos do mês de fevereiro de 1999.
PRODUTOS UTILIZADOS GASTOS EM REAIS
Em todas elas, com exceção da cooperativa,
Fertilizantes (calcário, adubo) 60,00
trabalham somente a família do dono, se tivessem
Herbicidas 60,00
recursos para ampliação, gerariam empregos para
Inseticidas 15,00
pessoas fora da unidade familiar.
Custo Terra 30,00
Além da soja e do trigo são cultivados o aipim, a
Custo mão-de-obra 60,00
cana de açúcar, o feijão, a batata inglesa, milho, frutas e
Custo máquinas 54,00
verduras, somente para a subsistência e trato de
Combustíveis 24,00
animais domésticos, pois segundo os agricultores é
Sementes 40,00
muito arriscado plantar em grande quantia, por vários
TOTAL 339,00
Fonte: Dados fornecidos por engenheiro. agrônomo. da DEFENSA (Revenda de
fatores, como: não possuir garantias de venda da
defensivos agrícolas), escritório de São Borja, responsável pela região oeste do produção (quando consegue vender os preços mínimos
estado do Rio Grande do Sul.
são aquém dos custos de produção) poucos
conhecimentos e práticas de comercialização; distância
Existem hoje somente 202 tratores para 574
dos centros consumidores gerando custos altos com
agricultores, sendo este o instrumento considerado
transporte; os intermediários ficam com a maior parte
fundamental para o desenvolvimento de uma
dos lucros; baixo poder aquisitivo da população que
propriedade, a causa é a falta de recursos para
gera vendas reduzidas no comércio e indústrias
aquisição de máquinas e implementos novos e para a
existentes; falta de agroindústrias para a industrialização
manutenção adequada das sucatas, tornando-se
do produto o que eliminaria intermediários, e ainda,
impossível a recuperação dos mesmos. porque os produtos industrializados possuem mais
Alguns fatores que contribuíram para a solução
mercado.
desse problema seriam linhas de crédito especiais e
A solução para esses problemas é a instalação
viáveis para aquisição e reforma de máquinas, sendo
de agroindústrias. Com a falta de recursos, para que
que os recursos do PRONAF ainda são considerados de
estas se concretizem, uma alternativa seria a formação
juro muito elevado; associações de agricultores para
de associações. As agroindústrias são incentivadas pela
compra, em conjunto, de máquinas agrícolas; a
assistência técnica e extensão rural, Secretaria
ampliação da assistência técnica prestando informações Municipal da Agricultura, sindicato dos Trabalhadores

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22 Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 17-23, 2001

Rurais e Igreja Católica. E ainda, o agricultor se vê ser resolvido com cursos de preparação de alimentos
obrigado pela exigência das políticas especiais de algo que também poderia ser incluído no currículo das
fornecimento de créditos à agricultura familiar, sendo escolas.
que as mesmas só liberam verbas para associações e
não mais individualmente. Entretanto, para a formação Tabela 7 - Escolas do município de Salvador das
dessas associações o agricultor enfrenta individualismo Missões.
e o pouco conhecimento sobre formas associativas o NOME DA ESCOLA LOCALIZAÇÃO ALUNOS
que precisa ser superado. Escola Estadual de 1º e 2º Sede do
Quanto a pecuária, a suinocultura sempre ocupou Graus João de Castilhos Município 325
um lugar de destaque, porém nos últimos anos, a criação Escola Estadual de 1º Grau Vila Santo
de gado leiteiro se sobressai, devido ao alto custo da Incompleto Egon Hoff Antônio 24
alimentação dos suínos, produzida em indústrias e não Escola Municipal de 1º Grau
pelo produtor e, também, pela quantia de produto São Nicolau Vila Caraguatá 97
consumido sendo que o suíno é criado em estado de Escola Municipal de 1º Grau Vila Santa
confinamento, enquanto que o gado leiteiro é alimentado Padre Afonso Rodrigues Catarina 146
com pastagens produzidas na propriedade, sem muito Escola Municipal de 1º Grau
investimento, e sem precisar receber os cuidados Incompleto Romano Esquina
permanentes. A pecuária leiteira sobressai também Heizmann Faxinal 26
porque a indústria do leite não é tão exigente quanto a da TOTAL 5 618
carne suína, no que se refere a alimentação do animal. Fonte: Dados do questionário, 1998.

Mesmo vendendo o litro de leite por R$ 0,19 centavos de


reais, quando deveriam custar R$0,30 centavos de reais No setor de saneamento básico os principais
para cobrir os custos de produção. Os produtores ainda problemas, tanto do meio rural como o do urbano são a
acham mais vantajoso vender leite do que carne suína. A falta de instalações sanitárias em 4% das residências; a
média de produção por vaca é de três litros/ordenha e a falta de limpeza regular da caixa de armazenamento de
média diária de venda por produtor é de 30 litros. água (em 105 residências a limpeza é feita de dois em
O produtor não recebe o suficiente para cobrir os dois anos ou, ás vezes, num período ainda maior,
custos, conseqüentemente não tem condições de fazer quando deveria ser feita semestralmente); O destino do
novos investimentos e aumentar a produtividade. lixo doméstico (em 148 casos é depositado a céu aberto).
O maior problema deste setor, também, está na Prováveis alternativas para resolução dos
comercialização “in natura” do leite e da carne, o mesmo problemas seria um programa municipal para
que ocorre com os hortifrutigrangeiros. A solução seria a distribuição de lotes e ajuda na infra-estrutura,
industrialização do produto pelo próprio agricultor, para programas de habitação federal, estadual e municipal e
isto precisa de informações sobre o processo de mutirões habitacionais.
industrialização de cada produto. Essas informações Constatou-se, através da análise realizada, que
podem ser fornecidas através de cursos oferecidos por uma das principais causas dos problemas, tanto da
órgãos/entidades do governo no município e centro de população urbana quanto da população rural é que o
treinamento de apoio a agricultura familiar, e ainda, a setor agropecuário não é considerado prioridade pelo
adequação das escolas à realidade do meio rural. governo federal, há falta de incentivos, inexistência de
Existem hoje cinco escolas no município, que uma política agrícola definida, e o crédito é considerado
atendem ao todo 618 alunos, conforme a Tabela 7. de custo elevado e muito burocratizado, inviável para os
Estas escolas poderiam colaborar em muito na micros produtores. Pois no que se refere aos principais
melhoria da qualidade de vida das famílias e no problemas citados, pode-se perceber que alguns são
desenvolvimento do município, mas, o problema conseqüências, diretas da pobreza do setor
relatado pela população é que o ensino não está voltado agropecuário, e também, devido a falta de investimento
ao meio rural, não prepara o jovem para permanecer no por parte da prefeitura, que cuja atuação encontra-se
meio rural. As alternativas que solucionariam o limitada em função da carência de verbas para
problema seriam a reforma do currículo escolar com investimentos pois a pequena produção e
disciplinas voltadas para as explorações agropecuárias, comercialização no município reduz o retorno de
pequenas agroindústrias para o ensino prático e impostos.
professores com capacitação técnica.
Ainda foram levantados problemas relacionados 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
a área da saúde, saneamento básico e habitação, tanto
na área rural como urbana. As possíveis soluções para os problemas, são, a
Na área da saúde foram relatados problemas educação do agricultor, a aquisição de tecnologias
como o restrito trabalho de saúde preventiva; inexistência adequadas e a organização em associações. A
de unidade hospitalar no município, o que obriga a organização dos agricultores em associações para
população procurar atendimento nos municípios vizinhos; aquisição de insumos, maquinário, investimento em
a alimentação deficiente ou inadequada, no planejamento agroindústrias, entre outros, tende a afastar o agricultor
das refeições a maioria das famílias não observa os da dependência de políticas de crédito governamental,
quatro grupos alimentares necessários, a alimentação é dos empréstimos bancários e dos altos juros cobrados
a base de cereais, raízes e carnes gordurosas. pelo sistema financeiro.
Destacam-se algumas alternativas que poderiam
resolver o problema como a intervenção da prefeitura; As associações promovem troca de experiências,
treinamento e contratação de agentes de saúde nas informações e fazem com que o produtor tenha
comunidades; ampliar e equipar o posto de saúde e, no condições financeiras para adquirir novas tecnologias e,
que se relaciona a inadequada alimentação, isto poderia conseqüentemente, aumentar sua produtividade.

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USO DA TERRA EM VERTENTES ÍNGREMES: O CASO DA MICROBACIA


HIDROGRÁFICA DO ARROIO JACUTINGA - RS1
LAND-USE IN SHEER SLOPS: THE CASE OF RIVER JACUTINGA - RS
2 3 4
Marcuse de Jesus da Cunha Guazina , Andréa Rossato Branco e Waterloo Pereira Filho

RESUMO visualization of the issues, for a amall amount of data,


however the entrance of the data was inefficient due to
O foco de estudo está centrado nas formas de the time which was spent. The areas were quantified
uso da terra em vertentes com declividade igual ou through a computer. The slopes with extreme occupied
superior a 25%, na microbacia hidrográfica do arroio by temporary cultures which provide na anadequate land
Jacutinga, que atravessa a sede do município de Ivorá. use in relation to the aptitude of this class of declivity,
Tendo em vista o que propõe CROFTS citado por according to the cited author and they need a forestall
FUCHS (1986), quanto a aptidões e limitações do uso increment of 316,24 ha.
da terra em vertentes com declividades superiores a
25%. “Há sérios problemas de instabilidade de Key words: Declivity; Land-use.
vertentes, são áreas de preservação florestal”. A área foi
mapeada e foram identificados os temas de interesse, 1 INTRODUÇÃO
tais como: limites da microbacia, hidrografia declividade
igual ou maior que 25% (vertentes íngremes) e o uso da A degradação das florestas não é um
terra. Os dados, do mapa compilado, partir da imagem fenômeno atual. Desde os tempos primitivos o
de satélite Landsat - TM e da carta de declividade, homem a fim de suprir suas necessidades,
foram integrados através do Programa Computacional começou devastá-las. “O desmatamento constitui,
Microcam que se mostrou apropriado à visualização dos
temas, para um pequeno número de dados, entretanto a
em inúmeras regiões do globo o primeiro estágio
entrada destes apresentou-se ineficiente devido ao da destruição dos meios primitivos e da
tempo despendido. As áreas foram quantificadas degradação dos solos. No passado o machado e o
através do computador. As vertentes com declividade fogo estão na origem de um processo infernal,
extrema apresentaram 58,09% sem cobertura florestal, pois o desflorestamento gera uma erosão
sendo ocupada por culturas temporárias o que acelerada. As inundações e a degradação dos
proporciona o uso inadequado da terra em relação à solos, consecutivas à destruição da floresta,
aptidão desta classe de declividade, conforme autor arruinaram as cidades e as lavouras nas regiões
citado e necessitam de um incremento florestal de baixas. No entanto o desflorestamento prossegue
316,24ha.
num ritmo intensificado em todo o mundo, sendo
Palavras-chaves: Declividade; Uso da terra. particularmente nefasto nos terrenos em declive,
onde a cobertura vegetal constitui a única
proteção verdadeiramente eficaz” DORST (1973).
ABSTRACT Atualmente, o desenvolvimento tem assumido
grandes proporções. A crescente procura de madeiras,
This present study is focused on the ways of the o grande interesse por uma agricultura rentável, sem
land use in slopes with 25 percent of declivity or more grandes investimentos e o grande aumento da
than this, in the hydrographic micro basin of Jacutinga população em todo o mundo, vem transformando o
gully, which goes through the seat of the county of Ivorá. nosso planeta, proporcionando a degradação das
Bearing in mind what CROFTS suggests, when cited by florestas e, consequentemente, dos solos.
FUCHS (1986), whom talking about aptitudes and Na África, o desflorestamento tem ocorrido de
limitations of the land use in slopes with more than 25 forma intensa. Calcula se que 2/3 das florestas tropicais
percent of declivity, “There are serious instability diminuíram. Quanto à Ásia, o desflorestamento continua
problems of slopes, they are areas of forestall provocando a erosão de inúmeros setores. Somente
preservation.” The area was mapped and the issues of 18% da Índia e em 9% da China persistem florestados
interest were identified, such as: limits of the micro (DORST, 1973).O mesmo autor cita os efeitos da
basin, hydrography, 25 percent of declivity or more mudança do uso da terra que ocorreu nos Estados
(sheer slopes) and land use. Data from the map, Unido da América a partir da segunda metade do século
compiled from the images of Landsat-TM satellite and XIX. O deslocamento de colonos da região florestal leste
from the declivity chart, were integrated by the computer para as planícies do oeste, eliminando a vegetação
programming Microcam, which was appropiate to the

1
Trabalho realizado sob a concessão de bolsas de Iniciação Científica do CNPq. Proc.: 80.0356/92.6-GL.
2
Licenciado em Geografia pela UFSM.
3
Licenciada em Geografia pela UFSM.
4
Orientador, Prof. M. Sc. do Departamento de Geociências/CCNE/UFSM.
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florestal e gramínea, que foram substituídas por culturas 1930, com a criação do Serviço de Conservação do
de cereais, trouxe para a região problemas sociais e Solo (SCS), com o objetivo de combater a erosão dos
econômicos, devido as culturas permanentes. solos.
No Brasil, as marcas da agressão ao meio As medidas tiveram sucesso, devido a
ambiente estendem-se por todo o território. A destruição conciliação entre o governo de Washington e os
gradativa da fauna e da flora, ameaça até mesmo os governos estaduais, com as Universidades Rurais, em
grandes santuários ecológicos, como a Amazônia e o que o governo participava com recursos e as
Pantanal Mato-grossense. universidades com o conhecimento.
No Rio Grande do Sul, a situação é alarmante. A O crescimento econômico dos agricultores
cada ano, são derrubadas 90.000ha de árvores também influenciou para que a situação de perda de
desalojando animais, alguns já em vias de extinção. No solos fosse invertida. Sérias medidas foram tomadas,
passado havia 40% de matas nativas, hoje as tais como: construção de terraços, lavouras seguindo
estimativas apontam menos de 2,6% (ZERO HORA, curvas de nível, tanques nas fazendas, culturas de
1991). cobertura, faixas tampão de vegetação permanente,
O cultivo, consecutivo com desbravamento, rotação de culturas e outras medidas.
completa a destruição dos habitats. Essa condição O SCS considera uma perda anual de campos
proporciona, em muitos casos, praticas agrícolas sem cultivados em fileiras de 12,5t/ha, o nível máximo
técnicas conservacionistas que aceleram muito os tolerável para solos bons e profundos; 5t/ha para solos
processos de erosão. mais pobres e mais rasos.
A microbacia do arroio Jacutinga está inserida na LANGDALE et al apud ODUM (1988), estimam
zona de transição entre o Planalto Meridional e a que para 2,5cm de solo perdido ocorre uma redução de
Depressão Periférica. Localiza-se no Rebordo do até 10% da colheita de arroz.
Planalto, onde as declividades decorrentes de sua Na figura 1 observam-se diferentes valores de
localização são muito acentuadas, sendo dessa forma, perdas de solo de acordo com o uso da terra, e que
sujeitas a processos intensivos de erosão. pode atingir valores expressivos sob determinado uso,
Tendo em vista essa situação, o presente estudo principalmente se não houver um adequado manejo de
teve os seguintes objetivos básicos: uso da terra.
a) Mapear a presença ou não de vegetação arbórea em ODUM (1988), considera que a rede hidrográfica
áreas declivosas, na microbacia do arroio Jacutinga. é um sistema aberto por isso as causas e as soluções
b) Quantificar a área da mata em vertentes iguais ou da poluição da água não são encontradas, analisando-
superiores 25% de declividade. se somente a água. O seu funcionamento e estabilidade
c) Testar o potencial do sistema computacional relativa ao longo dos anos são determinados em grande
“MICROCAM” para a representação gráfica, dos temas parte pela entrada e saída de águas materiais e
objeto deste trabalho. organismos de outras partes da bacia de captação. Se a
entrada de materiais for muito grande e não puder ser
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS assimilado, o rápido acúmulo de materiais poderá
destruir o sistema.
O avanço da técnica de sensoriamento remoto
tem proporcionado a identificação cada vez mais
detalhada da superfície terrestre, permitindo destacar
temas como uso da terra, qualidade da água, geologia,
etc.
Em trabalho realizado por KHORRAM e
BROCKHAUS (1991), na Província de Sicília, no Sul da
Itália, foram classificados 22 tipos de uso do solo e
vegetação. Esses autores encontraram dificuldade para
diferenciar áreas urbanas de complexos industriais. No
decorrer do trabalho foi desenvolvida metodologia
apropriada, para identificação do uso do solo. Esse
trabalho destaca, ainda, a necessidade de fazer-se um
estudo periódico, devido ao fato de que imagens obtidas
em épocas diferentes produzem variação nos resultados
entre uma estação do ano e outra.
DWIVEDI e SANKAR (1991) estudaram a
mudança da área de cultivos entre 1978 e 1984 Figura 1 - Perda de solos (erosão do solo) em relação à
mediante recursos de sensoriamento remoto. O trabalho utilização da terra. (Do relatório oficial do United States
foi realizado no Estado Orissa no noroeste da Índia. Departament of Agriculture, 1978)
Concluíram que neste período o uso agrícola dobrou em
área o que se repete também em outras regiões dos Este autor destaca que a erosão do solo e a
trópicos úmidos como no Sul da América do Sul no perda de nutrientes de uma floresta perturbada ou de
Sudeste da China e da África. Esses autores destacam um campo cultivado inadequadamente, não somente
que o cultivo realizado num período de três anos empobrecem esses ecossistemas, como também
consecutivos deixa o solo degradado e exaurido, podem causar impactos, como eutrofização a jusante
principalmente se o relevo se apresentar ondulado e se em um rio.
a precipitação pluviométrica for elevada. Conforme Outro estudo, citado por ODUM (1981), feito na
ODUM (1988), os Estados Unidos começou a área de Hubbard Brook em Nova Hampshire, foi
preocupar-se com a conservação do solo a partir de realizado em bacias experimentais, com áreas que

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variavam de 12 a 48ha sob uma precipitação diminuição do oxigênio, aumento dos sedimentos em
pluviométrica de 1.230mm por ano. As concentrações suspensão e turbeis da água, o que se reduz as
de cálcio e de outros minerais foram medidas a jusante possibilidades de sobrevivência da fauna e da flora,
de uma barragem, o que tornou possível calcular o essenciais a esse ambiente para completar o ciclo
balanço de entrada e saída de materiais. Na área com ecológico.
florestas, a perda estimada do ecossistema foi de 8kg O manejo inadequado da bacia hidrográfica sem
de cálcio/ha/ano, sendo que 3kg do cálcio foram práticas de conservação do solo, como contenção de
repostos com a chuva. Os 5kg/ha que faltam acredita-se enxurradas, produz a perda de nutrientes do solo, sendo
que foi fornecida pela taxa normal de intemperismo a transportados pela águas das chuvas, depositando-se
partir da rocha subjacente. no leito dos rios. Macronutrientes como nitrogênio,
Na mesma bacia, foi cortada a vegetação e fósforo e potássio, que são aplicados em grandes
suprimiu-se toda a aplicação de herbicidas. Mesmo o quantidades nas culturas agrícolas fornece sustento ao
solo tendo sido pouco perturbado, a saída de nutrientes fitoplâncton e micrófitas aquáticas. Essas condições
minerais no riacho aumentou de 3-15 vezes, em devem ser monitoradas, para permitir o nível trófico
comparação com as perdas das bacias hidrográficas de adequado das águas.
controle, não perturbadas. A desagregação sedimentar resulta da
Após a recuperação da vegetação (sem mais desproteção do solo, ocorrendo erosão, pela não
aplicações de herbicidas) a perda de nutrientes diminui infiltração da água no solo, deixando de alimentar os
rapidamente, sendo restabelecido certo balanço lençóis freáticos.
equilibrado de 3 a 5 anos, embora sendo necessário de A ação antrópica, em vertentes acentuadas, sem
10 a 20 anos para que todos os nutrientes voltassem às o uso de técnicas adequadas, acarreta o transporte de
condições normais de saída de uma bacia hidrográfica sedimentos pelas águas da chuva, acumulando-se no
de floresta não perturbada. leito dos rios e proporcionando o assoreamento. Esta
As perdas de nutrientes das bacias hidrográficas condição promove menor vazão da água nas épocas de
não perturbadas são muito pequenas, enquanto que, chuvas por ter ocorrido menor infiltração de água nas
com o uso mais intenso com atividades humanas, a vertentes, proporcionando extravasamento do leito
concentração de fósforo e nitrogênio em cursos d’ água principal. Nas épocas de estiagem, ocorre falta de água
e reservatórios aumentam devido à lixiviação do solo, devido à diminuição do volume de água armazenado e a
ocorrendo até mesmo o transporte do horizonte redução do nível do lençol freático e dos rios.
orgânico, conforme ilustração da figura 2 Dados da Federação das Associações dos
Engenheiros Agrônomos do Brasil, 1993
(PETROBRAS,1986) demonstram que o País perde 600
milhões de toneladas de solo agrícola por ano, devido a
erosão e mau uso. Estudos realizados no noroeste do
Paraná mostram que são necessários 24000 anos nas
condições climáticas atuais, para se formar uma
camada de 60 cm de solo e que, em certos casos, o
mau uso já reduziu essa camada em 15 cm. Como
resultado tem se a perda física do solo, a perda de
nutrientes e a conseqüente queda da produção agrícola,
assoreamento dos rios, barragens e represas, CASSETI
(1991).
PEREIRA FILHO (1990), utilizou dados de
Sensoriamento Remoto na análise de duas sub-bacias
hidrográficas, a do rio Pucuruizinho e a do rio Lontra, na
área de captação da UHE Tucuruí. Avaliou as
características abióticas e antrópicas que vão influenciar
no ambiente aquático, mediante mensuração do TSS
(total de sedimentos em suspensão), e da taxa de
infestação de micrófitas aquáticas. Concluiu que a ação
antrópica foi causa maior da alteração do meio, desde
que o potencial abiótico, representado pela composição
geomorfológica seja mais intenso.
A análise da microbacia do arroio Jacutinga,
utilizando recursos de sensoriamento remoto, fez se
necessária devida a constatação “in loco” de um número
crescente de problemas ambientais, tais como:
desmatamento em vertentes íngremes, a redução da
mata ciliar dos rios, desproteção do solo. Estas
condições produzem conseqüências para a população
que habita e depende do próprio rio para sobreviver.
Figura 2 - Perdas de fósforo e nitrogênio de acordo com A desagregação de partículas do solo que,
a intensidade do uso do solo (ODUM, 1988). principalmente em áreas declivosas, carreadas pelas
águas das chuvas, indo acumular-se nos leitos dos rios
TUNDISI (1986a), estudou o processo de tem causado uma série de prejuízos tanto para os
eutrofização em reservatórios d’ água, o que traz uma órgãos do governo como privados.
série de conseqüências para o ecossistema como:

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28 Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 25-31, 2001

O setor agrícola e o de transporte fluvial sofrem metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo


prejuízos econômicos com o mau uso de vertentes, território abrangido, observa–se dispositivo nos
tanto na redução da produtividade como na redução do respectivos planos diretores e leis do uso do solo,
calado dos navios pela perda de nutrientes do solo e respeitado os princípios e limites a que se refere o
assoreamento dos canais respectivamente. artigo.
Isto levou o governo do Estado Rio Grande do Art. 10 – Não é permitida a derrubada de
Sul a baixar portaria, reduzindo o calado dos navios de florestas situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45
17 para 16 pés no porto de Porto Alegre e do Pólo graus, só sendo nelas toleradas a extração de toras,
Petroquímico, com a redução da tonelagem por navio, o quando em regime de utilização racional, que visem a
que significa grandes prejuízos econômicos, (Zero rendimentos permanentes.
Hora,1993).
DUARTE (1988) conceitua declividade como 3 MATERIAL E METODOLOGIA
sendo a inclinação do terreno em relação à linha do
horizonte, ou seja, a tangente trigonométrica de uma 3.1 Caracterização Geral da Microbacia
linha que seria a inclinação do relevo com a linha do
horizonte. A área em estudo é definida pela microbacia do
VILLELA E MATTOS (1975), salientam que a arroio Jacutinga que drena parte do município de Ivorá e
declividade em uma bacia hidrográfica tem influência atravessa a área urbana desse município, localizado no
direta na velocidade de escoamento das águas das Rio Grande do Sul com as seguintes coordenadas 530
chuvas e o conseqüente risco de erosão. 25’ a 530 40’ de longitude oeste 290 22’a 290 33’ de
CARNEIRO Apud FUCHS (1986), relata que a latitude Sul.
repartição do espaço por classes de declividade é de A área em estudo abrange uma zona de
fundamental importância no manejo com o solo e com transição geológica e geomorfológica. Essa microbacia
isso se chegar à determinação das atividades localiza–se na escarpa do Planalto Meridional Brasileiro,
adequadas para cada classe de declividade, tais como: com a depressão Central. O que proporciona um relevo
conservação de solo, projetos agropecuários florestais, acidentado com a presença de escarpas e vales; as
áreas mecanizáveis entre outras. altitudes variam de 160m 485m.
FUCHS (1986), cita em sua obra que CROFTS Essa área faz parte da região florestal no Rio
propõe que as áreas situadas em declividade superior a Grande do Sul que se apresenta de forma densa e
25 % sejam de preservação florestal devido aos fechada com diversidade de espécies.
problemas de erosão e instabilidade de vertentes a que A região era rica em madeira nobre, que
estão sujeitas. representou matéria prima básica para a população
dessa região colonial, para a produção de lenha, móvel
2.3 Referencia da Legislação,(extraída do Código e a construção de casas. A região é classificada como
Florestal, Lei Número 7.803 de 1989) Considerando o sendo de floresta estacional decidual (caducifólia) de
Planejamento da Adequação da Capacidade de Uso acordo com LEITE E KLEIN (1990).
da Terra na Microbacia. Apresenta clima subtropical, com temperaturas
médias do mês mais quente superior a 25 graus e, a
A Lei número 7.803, de 18 de julho de 1989 média do mês mais frio,com temperatura em torno de 10
altera o código florestal, Lei 4.771, de 15 de setembro graus e precipitação pluviométrica média de 1.750 mm
de 1965. A seguir encontra –se transcrita parte da lei ao ano (NIMER 1990).
7.803.
Art. 2 – Consideram-se de preservação 3.2 Material Utilizado
permanente, pelo só efeito desta lei as florestas e as
demais formas de vegetação naturais situadas: Na realização deste trabalho foram utilizados os
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’ água, seguintes materiais: (1) Microcomputador 286 com
desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja vídeo colorido de 16 cores; (2) “Software Microcam”; (3)
largura seja: “Software Careav”; (4) Impressora Matricial e Laser; (5)
1- de 30 metros para os cursos d’ água de menos de 10 Máquina Fotográfica; (6) Carta Topográfica; (7) Papel
metros de largura; Vegetal; (8) Material de desenho; (9) Automóvel.
2- de 50 metros para os cursos d’ água que tenham de
10 a 50 metros de largura; 3.3 Metodologia
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’ águas
naturais ou artificiais; Na execução do trabalho, definiu-se a área
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos através da bacia hidrográfica. Foram extraídos os dados
chamados olhos d’ água qualquer que seja a situação como hidrografia, vegetação, declividade superior a 25
topográfica, num raio mínimo de 50 metros de largura. % e o uso do solo nessas áreas. Foram utilizados dados
d) No topo dos morros, montes montanhas e serras; obtidos em fontes bibliográficas, cartográficas e em
e) Nas encostas ou parte destas com declividade trabalho de campo.
superior a 45 graus, equivalente a 100 % na linha de A elaboração de mapa-base fundamentou–se na
maior declive; carta topográfica em escala 1:50000, de Camobi MI –
f) Nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da 2965/2.
linha de ruptura do relevo em faixa nunca inferior a 100 A microbacia foi identificada com base na carta
metros, em projeções horizontais. topográfica, sendo o divisor de água identificado pelas
Parágrafo único – No caso de áreas urbanas curvas de nível, pontos cotados e a rede de drenagem.
assim entendidas as compreendidas nos perímetros Depois de delimitada as áreas da sub–bacia, foram
urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões extraídas para o papel vegetal a rede de drenagem, e as

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coordenadas geográficas e UTM. O mapa assim Foram extraídas as áreas com declive superior a 25%
elaborado serviu de base para o mapa de declividade e com e sem floresta e a áreas total da sub-bacia.
uso da terra.
3.3.5 Uso do Microcam
3.3.1 Mapa de Declividade
Para mapeamento da área utilizou-se o programa
Para a elaboração do mapa de declividade com de computador MICROCAM, desenvolvido por Scott A.
vertentes superiores a 25 % de inclinação, foi utilizado Loomer, dos Estados Unidos reestruturado por Paul S.
um ábaco de declividade, conforme DE BIASI, (1970) Anderson que traduziu o manual para a língua
cujos métodos de confecção foram feitos a partir da portuguesa.
seguinte fórmula: A finalidade da utilização desse sistema no
I =DN x100 / DH estudo da microbacia foi de testar suas potencialidades
nos objetivos em questão bem como, a adaptação do
I = Porcentagem de inclinação da vertente (%); uso de técnicas computacionais na análise geográfica.
DN= Diferença de nível entre as curvas de nível;
DH= Distância horizontal dada pela eqüidistância entre 3.3.5.1 Vantagens do Programa Microcam para a
duas curvas de nível consecutivas. Cartografia

Adotando-se a fórmula, chegou se a um valor - Rapidez na elaboração da reprodução de mapas;


gráfico de I na escala do mapa de declividade, - Melhor apresentação na publicação;
correspondentes à classe de declividade acima de 25 - Possibilidades de desenvolvimento do Software, para
%. Através do valor “I”, que foi de 1.6mm, construiu se entrada de dados via mesa digitalizadora;
um ábaco que utilizado sobre uma carta altimétrica e - Cruzamento de dados com representação espacial;
especificamente entre duas curvas de nível sucessivas, Utilizado em computador pessoal, não havendo
em que a distância entre as mesmas foram menor ou necessidade de conhecimento aprofundado em
igual 1.6mm, permitiu a identificação das áreas com computação para operá-los.
declividades superiores a 25 %, identificadas para a
escala utilizada 1:50000. Para pontos cotados foram 3.3.5.2 Limitações do Microcam
identificados em quadrantes.
Em função do material disponível e objetivo do Entrada dos dados é permitido apenas via
trabalho, classificou-se vertentes somente acima e teclado e não via mesa digitalizadora (na versão
abaixo de 25 % de declividade, enquadrando – se na utilizada).
classe de uso da terra 5 o que se destaca pelo motivo O Microcam é um programa potente, mas não foi
da declividade que deve ser de preservação florestal. construído para o uso de escalas grandes (pequenas
áreas).
3.3.2 Mapa do Uso da Terra Funciona com dados vetoriais e não matriciais o
que não permite o uso de imagens de satélites.
Esse mapa foi obtido a partir da sobreposição do
mapa de uso da terra da sub-bacia do rio Soturno, 3.3.5.3 Técnica para Obtenção de Dados
elaborado pelo Departamento de Engenharia Rural da
Universidade Federal de Santa Maria, em 1990, que foi A partir da limitação da microbacia foi
atualizado através de fotografias aéreas, imagens de estabelecido um ponto central e traçado um conjunto de
satélite e trabalho de campo. eixos (x) e (y) abcissa e ordenada, em que a partir daí,
Com base nesse mapa foram identificadas somente as mediu-se a distâncias em polegadas para cada ponto do
classes de uso da terra com florestas e sem floresta. segmento em questão.

3.3.3 Mapa do Cruzamento Declividade e Uso da Terra 3.3.5.4 Comandos do Microcam

Através da sobreposição do mapa do uso da terra LINEXY – Desenha uma linha entre duas coordenadas
sobre o mapa de declividade, pode-se observar as ligando as coordenadas do ponto 1 com as do ponto 2,
áreas com declividade superior a 25 % que já foram sendo que o último se liga ao primeiro.
devastadas, apresentando ou não culturas temporárias. TEXTXY – Desenha um texto em dada coordenada.
Com base nisso, foi confeccionado um mapa com o FILLXY – Preenchimento de uma dada área definida por
cruzamento das duas informações, a fim de obter - se coordenadas.
uma melhor visualização do problema em estudo. REM – Desenha uma linha texto sem imprimir.
PEN – Seleciona a cor.
3.3.4 Cálculo de Áreas LINEMODE – Seleciona o tipo de linha.
LINEWT – Seleciona a espessura da linha.
Para o cálculo das áreas da microbacia, das BOXXY – Desenha um retângulo em dada coordenada.
manchas com declive, e do uso da terra, utilizou se um
sistema computadorizado de medições das áreas, via 3.3.5.5 Formas de Saída
mesa digitalizadora. Este sistema permite a
quantificação da área, deslocando-se o “mouse” sobre O sistema possui saída de mapas via monitor de
o perímetro das áreas em avaliação. Logo que a área é vídeo, do qual se tirou fotografia com filme papel 36mm,
fechada e totalizada o número de pontos, obtém-se a que permitiu a reprodução em “slides”, via impressora
área de acordo com a escala previamente determinada. matricial em pinos monocromática, impressora “laser”e
impressora a jato de tinta.

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como, feijão e milho. A prática agrícola em áreas


4 RESULTADOS íngremes trás problemas de instabilidade de vertentes e
perda de solo, conforme já abordado.
Na microbacia, o uso de vertentes declivosas
para cultivos agrícolas tem sido intensa. Essa área se
caracteriza por pequenas propriedades rurais, com
intenso uso da terra, o que provoca o decréscimo da
produtividade, forçando os agricultores a avançarem em
direção às poucas áreas de cobertura florestal que
ainda restam, em busca de melhores rendimentos.
A representação e a análise da área de estudo
foram feitas através do mapeamento e sua
interpretação. Os dados cartográficos e de
sensoriamento remoto foram cruzados pelo Sistema
Computacional Microcam, visando obter-se informações
sobre a microbacia com dados do ano de 1990, ano em
que se tem imagem de satélite da área em estudo.
Com os equipamentos disponíveis a entrada de
dados tornou se demorada, pelo fato da versão
disponível possibilitar a entrada de dados apenas via
teclado, principal fator limitante identificado no sistema
utilizado. Por outro lado, mostrou-se versátil quanto à
saída de dados, o que se pode fazer, via impressora
matricial, impressora “laser” impressora colorida e em
tela colorida.
Os dados de declividade e uso da terra obtidos
estão representados na tabela com os respectivos
percentuais de cada classe de declividade:
A tabela 1 mostra que a microbacia do arroio
Jacutinga, possui uma área total de 1.823,10ha, sendo Figura 3 - Vertentes com declividade iguais ou superior
que do total, 1.278,11ha possui declividade menor que a 25% com e sem vegetação arbórea, na microbacia
25% os quais não fazem parte do objetivo principal hidrográfica do arroio Jacutinga.
deste trabalho.
Da área total da microbacia, 544,99ha possuem Quanto maior o grau de inclinação de vertentes
declividade igual ou superior a 25% (considerados como maior é a susceptibilidade à erosão. Esse problema
vertentes íngremes), o qual tolera certos tipos de uso da torna-se mais grave em locais de intensa atividade
terra, mas que não sejam cultivos anuais. Esta classe antrópica, principalmente sem manejo adequado.
corresponde a 30% da microbacia.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tabela 1 – Diferentes situações de uso de acordo com
classes de declividade. Tendo em vista o quadro nacional, veiculado pela
Classes de Área % Área Total imprensa, quanto as formas inadequadas de uso da
declividade terra, a microbacia do arroio Jacutinga não se mostrou
diferente. Para uma avaliação da dinâmica das
= ou < que 25% 1278,11 70,1% condições de uso da área em estudo, há necessidade
= ou >25% 544,99 29,9% de uma avaliação multitemporal; somente assim, pode-
= ou > 25% c/ floresta se identificar as condições de uso rural quanto às taxas
228,74 (42%) 12,5% de desmamamento e a partir daí, a formulação de um
planejamento voltado ao uso da terra de forma racional,
= ou > 25% s/ floresta visando rendimentos permanentes.
316,24 (58%) 17,5% Os resultados, obtidos pelos mapeamentos e
Área Total da trabalho de campo, mostraram que parte da microbacia
Microbacia hidrográfica se encontra sob condições inadequadas de
1823,10 100% uso. Das vertentes consideradas íngremes (declividades
Fonte: Autores.
superior a 25%) aproximadamente 58%, ou seja,
A figura 3, apresenta vertentes com declividade 316,24ha apresentam condições de uso irregular. Essas
superior a 25% sem vegetação arbórea, áreas exigem dos planejadores uma maior atenção
correspondendo a 316,524ha; o que eqüivale a 58% da quanto ao seu manejo.
classe de declividade com restrições quanto ao uso. O monitoramento da ocupação espacial é uma
Enquanto que 42% das vertentes íngremes (228,74ha) tarefa complexa, devido à variedade de uso, condições
encontram se com uso adequado. morfológicas, dimensão espacial entre outros.
A área da microbacia apresenta-se com vertentes Entretanto, a evolução tecnológica, principalmente com
íngremes maiores que 25%, sem vegetação arbórea, e o advento das técnicas de sensoriamento remoto
se caracteriza pelo abandono de terras ocupadas por viabiliza a avaliação sinótica do espaço geográfico.
capoeira e espécies de vegetação secundária, Nesse sentido, foi utilizado o sistema
configurou se como área de pousio. Em alguns locais, é computacional “Microcam” como suporte para
explorada com culturas temporárias de subsistência, tais tratamento dos dados espaciais. Este sistema

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Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 25-31, 2001 31

apresentou algumas limitações, principalmente quanto à ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro, Guanabara,
entrada de dados espaciais, que é realizado através do 1988. 434p.
teclado por meio de um sistema de coordenadas PEREIRA FILHO, W. Integração de dados de campo e
exigindo uma pré-identificação da figura a ser sensoriamento remoto no estudo da influência das
representada. Todos os segmentos de retas são características da bacia de captação na concentração
convertidos em um sistema de coordenadas adotadas e de sólidos em suspensão em reservatório: O Exemplo
somente após estas etapas, eles são transferidos ao de Tucuruí. São José dos Campos. INPE. 1991. 175p.
computador. (INPE – 5278 – TDI/448).
Outro fator limitante identificado, se destaca a TUNDISI, J. G. Limnologia de Represas e Barragens
pouca flexibilidade de manuseio de dados geográficos Artificiais. Boletim de Hidráulica e Saneamento, sv
inseridos no sistema, o que, sem dúvida, o torna restrito (11), 1986, 46p.
à identificação de informações. KARTERIS, M. A. The utility of digital thematic mapper
Para uma avaliação detalhada das condições data for natural resources classification. International
ambientais estudadas, sugere-se o seguinte: Journal of Remote Sensing. 11(9): 1598, 1990.
a) monitoramento das mudanças ocorridas no tempo KHORRAM, S.; BROCKHAUS, J. A. A regional
através de técnicas de detecção de mudança; assessment of land-use/land-cover types in Sicily With
b) uso de um sistema computacional com maiores TM data. International Journal of Remote Sensing.
recursos, de acordo com o atual estado de arte; 12(1): 69-78, 1991.
c) a realização de um trabalho geoambiental, VILLELA, S. M.; MATTOS, A. Hidrologia Aplicada. São
envolvendo outras áreas de conhecimento, como Paulo – SP, Mc Graw-Hill do Brasil. 1975. 245p.
Ecologia, Engenharia Florestal, Agronomia, Biologia, ZERO HORA. Cidades. Sábado, 17 de abril. 1993. p.34.
Geologia entre outros. ZERO HORA. Ecologia. Segunda-feira, 14 de abril.
Com aumento populacional, surge a necessidade 1991.
de aumentar-se a produção agrícola principalmente nos
países em desenvolvimento, que são assolados pela
miséria e pela fome. ASSAD E SANO (1993) ressalvam
que há de se ter o cuidado com a exploração de
recursos naturais como solo e florestas; de fazer-se o
uso, observando a regulamentação ecológica. Por isso a
importância de termos as informações de base sobre as
potencialidades das terras para chegar-se às
possibilidades de uso adequado.
A disponibilidade de recursos naturais tem
implicação direta com o nível de vida das populações.
Os recursos devem ser preservados para que as
gerações futuras usufruam a boa qualidade ambiental.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSAD, A.; SANO, E. Sistema de Informações


Geográficas Aplicações na Agricultura. Brasília,
Embrapa, 1993. p. 173-199.
BIASI, M. De. Carta de declividade de Vertentes:
Confecção e Utilização. SP, Instituto de Geografia –
USP, 1970. p. 8-19.
CASSETI, V. Ambiente e apropriação do relevo. São
Paulo. Contexto, 1991. (Coleção Ensaios).
DORST, Jean. Antes que a natureza morra. São Paulo,
Edgart Blücher. 1973.
DUARTE, P. A. Cartografia básica. Florianópolis – SC,
Ed. da UFSC, 20. ed. 1988. 182 p. (Série didatica)
DWIVIEDI, R. S. ; RAVI SANKAR, T. Monitoring shifiting
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multitemporal data. International Journal of Remote
Sensing. 12 (3): 427-433, 1991.
FUCHS, R.B. H. Avaliação do uso da terra, por classe
de declividade na sub-bacia do Rio Vacacai-Mirim – RS
Santa Maria – RS, Universidade Federal de Santa
Maria, 1986. (Monografia de Especialização).
LEITE, P. F.; KLEIN, R. M. Vegetação. In: Geografia do
Brasil; Região Sul. IBGE. Rio de Janeiro, V. 2, 1990.
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LOOMER, S. A. Manual de Referência do Microcam.
(Versão 3.1 tradução para o português). Fotocópia –
julho de 1992. (No prelo).
NIMER, E. Clima. In: Geografia do Brasil; Região Sul,
IBGE. Rio de Janeiro, V. 2, 1990. P.151-187.

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Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 33-39, 2001 33

ASTRONOMIA E LIVRO DIDÁTICO: ERROS OU ENGANOS?1


ASTRONOMY AND DIDACTIC BOOKS : ERRORS OR MISTAKES?

Paulo Cesar Fagan Zanon2 e Ivaine Maria Tonini3

RESUMO Key Words: Astronomy , Teaching , Didactic books ,


Geographical thought.
Devido a importância que o livro didático vem
assumindo dentro da prática de ensino, surgiu a
preocupação de fazer uma análise dos conteúdos que 1 INTRODUÇÃO
veiculam neste recurso. Esta pesquisa analisa,
especificamente, como o conteúdo de Astronomia é Devido a importância que o livro didático vem
colocado nos livros didáticos. O conteúdo de Astronomia assumindo dentro da prática de ensino, surgiu a
foi escolhido como objeto a ser analisado por ser um preocupação de fazer uma análise dos conteúdos que
assunto que desde a Antigüidade foi muito importante, veiculam neste recurso.
e, hoje, além de despertar a curiosidade de muitas Esta pesquisa analisa como o conteúdo de
pessoas, principalmente a comunidade escolar, é um Astronomia é colocado nos livros didáticos. O conteúdo
assunto atual, com o qual estamos sempre em contato, de Astronomia foi escolhido como objeto a ser analisado
mesmo sem perceber. Também o fato de que, devido a dentro desta perspectiva por ser um assunto que, desde
distância de sua prática, é um conteúdo bastante a Antigüidade, foi muito importante, e, hoje, além de
“abstrato”. Esse trabalho pretendeu contribuir para a despertar a curiosidade de muitas pessoas,
Geografia Escolar através da análise dos conteúdos principalmente a comunidade escolar, é um assunto
programáticos relativos à Astronomia para o ensino da atual, com o qual estamos sempre em contato, mesmo
5ª série do ensino fundamental, através dos seguintes sem perceber. Também o fato de que, devido a
objetivos específicos: (a) identificar os possíveis erros distância de sua prática, é um conteúdo bastante
ou enganos contidos em cada livro sobre Astronomia; “abstrato”.
(b) verificar a relação entre o conteúdo de Astronomia e A ciência tem busca sempre o conhecimento do
a escola geográfica na qual o autor se insere; (c) universo. Com isso, alguns conceitos sobre alguns
justificar a presença do conteúdo de Astronomia em tais temas vão sendo modificados ou refeitos. Com essa
livros bem como os erros ou enganos neles perspectiva, o livro didático deve acompanhar e inserir
encontrados. esses novos conhecimentos de Astronomia em seus
conteúdos.
Palavras-Chaves: Astronomia, Ensino, Livro didático, Esse trabalho tem a pretensão de contribuir com
Pensamento Geográfico. a Geografia Escolar analisando os conteúdos
programáticos relativos à Astronomia para o ensino da
ABSTRACT 5ª série do ensino fundamental, através dos seguintes
objetivos específicos: (a) identificar os erros ou enganos
Due to the importance that didactic books have possíveis, contidos em cada livro didático sobre
been assuming in teaching practices, it emerged the Astronomia; (b) verificar a relação entre o conteúdo de
preoccupation of making an analysis of its contents. This Astronomia e a escola geográfica na qual o autor se
research analyses, specifically, how astronomy is insere; (c) justificar a presença do conteúdo de
presented in didactic books. This subject was chosen for Astronomia em tais livros bem como os erros ou
having been important since Antiquity and, today, enganos neles encontrados.
besides arousing curiosity in many people, it is a modern
topic with which we are always in touch, even without 2 A HISTORIOGRAFIA DA GEOGRAFIA
realizing it. Also, due to the distance of its practicability,
it is a very “abstract” subject. This paper intended to 2.1 Os Primeiros Conhecimentos Geográficos
contribute to the teaching of Geography through the
analysis of the contents related to Astronomy, following A idéia de pensamento geográfico é bastante
these specific goals: (a) identifying possible errors or antiga. Tal fato é percebido nos registros impressos nas
mistakes about astronomy in each book; (b) verifying the paredes das cavernas habitadas pelos homens pré-
connection between Astronomy and the Geographical históricos e em mapas datados do ano de 2 500 a.C.,
School in which the author is inserted; (c) justifying the referentes às localidades de GASA e UR, a 300 Km ao
presence of Astronomy in such books as well as errors norte da Babilônia (atualmente território do Iraque).
and mistakes found in them. Estes registros surgiram da necessidade que o homem
sentiu de guardar os caminhos os quais percorria. Seu
deslocamento era motivado pelas guerras, em busca do

1
Este artigo é parte do Trabalho de Graduação A apresentado ao Curso de Geografia/CCNE/UFSM.
2
Licenciado em Geografia/CCNE/UFSM.
3
Profª. M. Sc. Do Departamento de Geociências/LIEnGEO/CCNE/UFSM.
34 Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 33-39, 2001

domínio sobre novos territórios, ou pela necessidade de A Cartografia, que estava inserida na vertente da
procurar recursos para a subsistência, ou ainda como Geografia denominada Geografia Matemática, também
um meio de guardar as informações sobre os caminhos trouxe contribuições muito importantes para a
percorridos. sistematização da Geografia, através dos instrumentos
A civilização Grega destaca-se sobre as demais por ela utilizados, podendo-se alcançar maior
civilizações da época, pela primazia de apresentar e desenvolvimento e aperfeiçoamento dos conhecimentos
desenvolver um espírito investigador, isto é, priorizava relativos à superfície terrestre, até então não conhecida
desenvolver conhecimentos relativos à superfície em sua totalidade. Havia, pois, a necessidade de
terrestre. conhecê-la e para tanto houve a busca gradativa dos
Esses conhecimentos, muitos dos quais conhecimentos através da elaboração de novos mapas
caracterizados como geográficos, estão, contudo, marítimos e da descrição de lugares e povos, através
ligados à Astronomia e à Geometria. Justifica-se o da expansão política, comercial e marítima dos povos.
direcionamento para estas áreas do conhecimento pela A expansão marítima e o avanço cartográfico
necessidade que a civilização Grega sentia de conhecer estavam ligados ao conhecimento e ao domínio da
melhor o seu próprio território e, a partir dele, lançar-se Astronomia. Os pontos de referência para cartógrafos e
a novas conquistas territoriais, alargando, assim, o seu navegadores eram o sol e as estrelas, porque ainda não
conhecimento da superfície terrestre. havia o conhecimento da bússola.
Convém ressaltar que muitos destes Na Idade Média, com a queda do Império
conhecimentos carecem de teor científico, apresentando Romano e a difusão do Cristianismo, o conhecimento
erros grotescos, oriundos do empirismo, superstições científico passou por um período de regressão. O fato
religiosas ou crendices. Estes conhecimentos, de a Igreja ser o único poder centralizado na Europa
entretanto, estavam atrelados ao nível de conhecimento ocidental2 e das explicações dadas, a quaisquer
de mundo que possuíam e são consideradas ¨etapas questões, terem interpretação Bíblica, como por
preliminares da sistematização geográfica¨ (TONINI, exemplo: o universo geocêntrico e a origem do homem,
1993), o conteúdo abordado pelo conhecimento dito segundo FERREIRA e SIMÕES (1986:47), "provocou o
geográfico era bastante variado e estava bastante desaparecimento da geografia como ciência durante
disperso em outras ciências. esse enorme período da história".
Para FERREIRA E SIMÕES (1986:38), Neste período histórico, foi implantado, uma
desenvolve-se neste período histórico, paralelamente, superestrutura3 de instituições políticas, jurídicas,
duas tendências geográficas: “A Geografia matemática, religiosas (normativas e doutrinárias), referendando o
ligada à astronomia e à geometria e a Geografia poder da nobreza feudal sobre os camponeses, cuja
descritiva, resultante da descrição do mundo doutrina perpetuada advinha da Igreja, isto é, as teorias
conhecido”. políticas daquele período foram construídas sob os
A primeira consiste numa Geografia que visava dogmas religiosos. (GOMES, 1991)
desenvolver a conhecimentos relativos a Terra e ao Nos finais da Idade Média, as Cruzadas
Universo, quanto ao seu tamanho, área, configuração e intensificaram o comércio entre a Europa e o Oriente e,
tantos outros temas ligados aos aspectos físicos. A juntamente com as idéias renascentistas, ressurgiu a
finalidade do direcionamento da Geografia para a área curiosidade pelo mundo desconhecido, proporcionando,
física era de alcançar o conhecimento total da Terra e assim, um impulso a uma nova etapa de
do Universo. Somente a posse destes conhecimentos desenvolvimento da Geografia, através do
poderia proporcionar o deslocamento, com maior reaparecimento dos itinerários de viagens e obras que
segurança1, dos povos sobre a superfície terrestre. descreviam as terras visitadas.
A segunda consiste na perspectiva de descrever No início do século XV com a tradução da obra
os territórios habitados pela civilização da época, bem de Ptolomeu (Síntese Geográfica) do árabe para o latim,
como os que viriam a ser conquistados. A finalidade as idéias dos europeus sobre a forma da Terra e a
desta Geografia era de estabelecer um inventário de Cartografia sofreram modificações que resultaram na
informações, tanto dos aspectos físicos, como humanos retomada da Geografia de seu rumo, abandonando os
relativos ao território habitado e o que viria a ser conceitos e as explicações bíblicas dadas pela Igreja.
conquistado. O Renascimento procurou enfatizar a
Nessa mesma perspectiva, MOREIRA (1982) importância das ciências naturais, emancipando-se da
afirma que a Geografia evoluiu sobre duas vertentes: a Teologia, que representava uma barreira para a
Geografia Geral, denominada por FERREIRA, SIMÕES “interpretação naturalista do universo”, tornando o
e MOREIRA, a qual possui maior respaldo no conhecimento científico laico, esse movimento também
conhecimento científico. Tal fato é explicado por ser
uma área da Geografia que estuda os aspectos físicos
dos fatos e fenômenos, os quais encontram explicação 2
O poder alcançado pela Igreja sobre o “Estado” (e
científica. Conseguiam, portanto, maior veracidade
dentro da comunidade científica da época e, por que conseqüentemente estende-se até a população) é
justificado pelo fato de que a Igreja era grande
não afirmar, até os dias de hoje.
proprietária de terras e exercia domínio sobre o mundo
romano e o mundo bárbaro.
3
A superestrutura, como produto de base, exerce ativa
1
Nesta época havia muita crendice e superstições influência sobre o sistema econômico da sociedade,
sobre os oceanos, ou seja, acreditava-se na existência contribuindo para o desenvolvimento da infra-estrutura
de monstros marítimos, e como se acreditava que a (relações de produção formam a base econômica da
Terra era um disco plano, os oceanos acabariam em um sociedade) ou, em caso inverso, entravando-o. No caso
precipício, limitando com isto que se lançassem ao mar dos conhecimentos ditos geográficos a doutrina cristã
em busca de novas terras. contribuiu para seu retrocesso e/ou estagnação.

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marcou o início da transição do feudalismo para o para as estratégias geopolíticas utilizadas para a
capitalismo. consolidação de seus Estados.
No século XVIII, também chamado de século das É nesse contexto que a Geografia surge como
luzes, o homem modificou sua visão de mundo e passou disciplina, no embrionário sistema escolar, cuja
a ver a si mesmo, sua realidade natural e social, finalidade primordial era de enaltecer o nacionalismo,
criticando o Antigo Regime (absolutismo, mercantilismo pela necessidade de desenvolver o patriotismo
e sociedade estamental), esse movimento, que esteve exacerbado. Esse foi seu alicerce básico na escola da
ligado a ascensão da burguesia, revelava, então, a primeira revolução industrial. Essa fase inicial de
razão, como uma luz que ilumina trevas da ignorância e implantação do ensino tinha como objetivo principal
da obscuridade (MORAES, 1993:200). Tem-se, então, erradicar o analfabetismo, com a finalidade de instruir a
uma nova fase de crescimento científico. massa popular, a qual se tornaria apta a trabalhar nas
No século XVIII, através de Copérnico, Kepler e indústrias. O sistema escolar priorizando o ensino
Galileu, retornou-se à concepção de esfericidade da fundamental.
Terra. Modificou-se sua posição no universo, que passa
a ser heliocêntrica, isto é, o sol passa a ser o centro do 2.2 A Sistematização da Geografia
universo caracterizando a independência da ciência
sobre a religião. A Alemanha foi o berço da sistematização da
A evolução da Cartografia e da Astronomia Geografia. É lá que a Geografia, com Humboldt e Ritter
seguiram dando subsídios para o pensamento aflora, onde nascem os primeiros Institutos e as
geográfico, mas seu amadurecimento foi demorado, por primeiras propostas metodológicas.
um longo tempo arrastou-se sobre erros e discussões A Geografia desenvolveu-se aos poucos
que levaram ao conhecimento e incorporaram a ele os juntamente com as outras ciências que buscavam
requisitos necessários para, mais tarde, ter condições aprimoramento científico. Neste período, quando dois
de dar suporte a uma ciência sistematizada. Isto ocorreu cientistas alemães, Alexandre Von Humboldt (1769 -
no início do século XIX, com o amadurecimento e a 1859) e Karl Ritter, (1779 - 1859) dão à Geografia, até
união necessária do pensamento geográfico, advinda do então descritiva, um caráter sistemático e uma
conhecimento real do planeta alcançado através da metodologia própria. Por este motivo, Humboldt e Ritter
criação de um “arquivo” com informações referentes aos são considerados os fundadores da Geografia Moderna.
pontos mais diversificados da superfície terrestre já Neste período a Geografia foi o meio usado pela
levantada; com o aprimoramento das técnicas burguesia para dar uma concepção racionalista ao
cartográficas, que o uso da bússola e do astrolábio mundo e derrubar de vez a visão teológica que o
possibilitaram; com a construção de mapas mais feudalismo propunha. Assim a burguesia acabou com o
confiáveis e precisos; com a utilização da rosa dos regime feudal e, através do capitalismo, tomou de vez o
ventos, a qual possibilitava determinar todas as direções poder.
a partir de um ponto. A Geografia como outras ciências modernas
Todos esses instrumentos foram impulsionados surgiu foi uma arma de combate ideológico da burguesia
pelo processo de avanço e de domínio das relações para consolidar o seu projeto político. Conforme SODRÉ
capitalistas sobre as nações e os novos Estados que (1989:30): Se houvesse necessidade de fixação, (...) de
foram se organizando e se formando. uma data, assinalando a autonomia da geografia, a sua
Mas o temário geográfico só obteve pleno constituição como área específica de conhecimentos e
reconhecimento de sua autoridade com as teorias do de sua análise sistematizada, esse ano seria 1845,
evolucionismo, de Darwin e Lamarck, que forneceram o quando Humboldt iniciou a publicação do Cosmos.
apoio imediato da legitimação científica desta disciplina. A partir de então a Geografia evoluiu cada vez
No início do século XIX, os pressupostos mais, novas obras e autores se juntaram em torno das
históricos já estavam suficientemente preparados, mesmas idéias, criaram-se normas e procedimentos,
conforme MORAES (1988:41): A sistematização da metodologias. Enfim, a Geografia, avança cada vez
geografia, sua colocação como ciência particular e mais em busca de respostas para as questões da
autônoma, foi um desdobramento das transformações época, agora apoiada por uma metodologia e uma
operadas na vida social, pela emergência do modo de sistemática própria e pelo respaldo de ser uma ciência.
produção do capitalismo. No final do século XIX a escola formal já se
Neste período, que vai desde o início dos encontrava consolidada e disseminada por toda a
primeiros registros geográficos até o início do século superfície terrestre. O modelo de sistema escolar
XIX, o sistema escolar também foi aos poucos surgindo, europeu é reproduzido quase totalmente na sua íntegra
à medida que a sociedade se organizava política e nos vários continentes, ou seja, as mesmas disciplinas,
economicamente e, principalmente, pela incorporação cujos métodos pouco se diferenciavam entre si.
de novos valores em um primeiro momento, o processo Segundo Braun apud RUI BARBOSA (1882:292)
de ensino estava centrado nas mãos do clero e (...) a geografia faz parte do programa obrigatório das
daqueles que possuíam "notório saber" (os quais tinham escolas de todos os países civilizados. É pertinente
aval do clero para exercer tal atividade). Esse ensino ressalvar, que a Geografia foi constituída como
era destinado a poucos (principalmente à nobreza) e disciplina desde a primeira série do ensino fundamental,
voltado primordialmente para ensinar latim e teologia. cuja importância só era precedida pela língua-mãe e
Inexistia, até então, a escola formal. aritmética rudimentar.
Alguns países, inicialmente os europeus, que No Brasil é reproduzido o modelo escolar
implantaram o sistema escolar a partir do final do século europeu, com base no projeto pedagógico francês pois,
XVIII e acompanharam a industrialização clássica até então, e por mais meio século tinha uma
buscaram introduzir no ensino disciplinas que dependência cultural da França. Só que este sistema
respaldassem seus projetos políticos, ou seja, voltadas escolar não foi estendido à massa popular brasileira e

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sim direcionado às classes mais privilegiadas da nossa - Os geógrafos, impossibilitados de aplicar leis da
sociedade. física ao processo de produção do espaço pelo homem,
A disciplina de Geografia apresentava os tenderam a abandonar a Geografia Humana
mesmos conteúdos apresentados nas escolas considerando a Geografia apenas como física e a
européias em todas as séries (alguns adaptados, como Geografia Regional em detrimento da Geografia Geral.
por exemplo a Geografia da França pela Geografia do Para BEZZI & MARAFON (1992:49): De forma
Brasil) e o mesmo método. geral a geografia desse período (séc. XIX) até metade do
Tal fato, pode ser comprovado nos sumários dos séc. XX se caracterizou pelos seus Fundamentos
livros didáticos editados na época (muitos deles em Positivistas, sua visão Naturalista e Empirista.
Paris), cujas listagens de conteúdos programáticos A Geografia Clássica teve grande importância
iniciam sempre pelo estudo do Universo. porque atendeu aos anseios da classe dominante na
Para justificar a presença destes conteúdos, exploração de recursos e dos próprios homens. A
relativos a Astronomia, na primeira série do ensino situação econômica e social de cada país vai provocar
fundamental BALBI (1838:1) afirma que: Para um desenvolvimento diferenciado da Geografia, com
conveniente desempenho da descrição da Terra importa formação de Escolas Nacionais e Regionais1.
primeiro que tudo saber o que ella lhe he em respeito O ensino da Geografia na tendência do
aos corpos celestes, isto he, em relação ás outras pensamento tradicional continuou, em grande parte, a
grandes massas de que o Universo consta, e que a reproduzir os mesmos conteúdos e métodos ministrados
observação nos mostra. Este conhecimento só nos pode durante a sua sistematização, isto é, as noções de
ser dado pela astronomia, e constitue a matéria da parte Astronomia continuam a ter importância. A alteração
da geographia que se chama Geographia Mathematica." mais substancial que houve, foi a mudança de tais
Percebe-se então, que o ensino da Geografia conteúdos para séries escolares seguintes.
assimila para si as duas vertentes já instituídas na O Estado continuou a ser o gerenciador deste
Antigüidade: a Geografia Matemática e a Geografia sistema escolar. Portanto, os conteúdos programáticos
Descritiva. Portanto, os conhecimentos que estão seguiam rigidamente o programa oficial, estabelecido
atrelados à Geografia Matemática adquirem suma pelos órgãos educacionais do governo. Tal fato, pode ser
importância dentro da disciplina de Geografia e, comprovado através dos sumários de alguns livros
conseqüentemente, no sistema escolar. didáticos, dessa época e que foram analisados.
Na Reforma do Ensino Primário em 1882, Cujos conteúdos, abarcam maior unidade a ser
proposta por Rui Barbosa, existe um esboço para cada desenvolvida entre as demais. São conteúdos
disciplina do nosso ensino. A parte destinada a fragmentados, inventariantes, voltados para
Geografia é denominada de Geografia e Cosmografia, e memorização de informações sobrepostas a respeito de
está dividida por séries. Sendo que os conteúdos alguns aspectos predefinidos. Apresenta forte vinculação
relativos à Astronomia iniciam na primeira unidade da com os paradigmas do pensamento geográfico
série inicial. tradicional, isto é, a teoria e a prática encontram-se em
A inserção de tais conteúdos e a importância que perfeita sintonia.
é dada, pode ser explicada pelo contexto científico No Brasil, a partir da implantação do Estado
vivenciado neste momento pela sociedade, isto é, a Novo, houve uma expansão muito grande das escolas
explicação dos fatos e fenômenos via razão. Isto é públicas. Tal fato, foi ocasionado pelas políticas de
elucidado por RUI BARBOSA (1882:310) ao afirmar planejamento governamentais que tinham como
que: A história da ciência astronômica, apresentada a intenção criar indústrias. Portanto, havia a necessidade
propósito, serviria para assinalar os erros, os de estender a escolarização à massa popular, a qual
preconceitos, as superstições que o espetáculo do céu, seria a mão-de-obra para essas indústrias.
à míngua de idéias exatas, há inspirado aos homens.
Deste modo, as noções de cosmografia deveriam 2.4 Movimento Renovador na Geografia
ser dadas mediante observações e exemplificações
concretas. No final da década de 50 a Geografia Tradicional
entra em crise, provocada por fatores de ordem social e
2.3 Geografia Tradicional econômica, que mudaram a estrutura social, política e
econômica do mundo. A base social que havia dado a
As obras de Humboldt, Ritter e Ratzel vão base para as formulações da Geografia Tradicional
compor a base da Geografia Tradicional, apesar de mudou, pois a economia mundial não estava mais na
Ritter trabalhar mais a termo regional e com uma visão fase concorrencial do capitalismo, tinha entrado no
antropocêntrica e Humboldt procurar a busca do global, estágio do capitalismo monopolista. O liberalismo
sem privilegiar o homem. Eles criam uma linha de econômico deu lugar a ação do Estado na regulação e
continuidade no pensamento geográfico, que vai marcar ordenação econômica, e o planejamento territorial para
um período e criar uma escola. a organização do espaço.
A escola clássica ou tradicional, que reuniu Para MORAES (1988:98): O movimento de
características próprias capazes de definir uma escola, renovação, ao contrário da Geografia Tradicional, não
mas no entanto sem força necessária para romper com possui unidade, representa mesmo uma dispersão, em
a Geografia institucionalizada. relação àquela. Tal fato advém da diversidade de
Essas características foram: métodos de interpretação e de posicionamento dos
- O fim do prestígio do finalismo positivista e autores que a compõem.
evolucionista e do esforço de encontrar leis gerais que Os conceitos e métodos usados já não eram
explicassem as diferenças existentes na superfície da mais capazes de dar as respostas que se pensava
terra de forma uniforme por todo o planeta;
1
Escola Alemã, Francesa, Britânica, Soviética, Americana, etc.

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serem dadas pela Geografia. Os geógrafos vão a busca ocorreu somente com ela, mas juntamente com outras
de novas metodologias. Temos então uma evolução do disciplinas.
pensamento, com formação de escolas e com a Os livros didáticos de Geografia, editados nesse
modificação metodológica. Estas modificações nos período, registram no sumário este fato.
levam a uma outra fase muito importante do Numa análise comparativa entre as edições do
pensamento geográfico, constituindo novas escolas livro didático de Aroldo de Azevedo nas duas escolas do
como a Nova Geografia e a Geografia Crítica. pensamento geográfico: Tradicional e Nova, percebe-se
num primeiro momento a diminuição do temário, na
2.4.1 Nova Geografia Nova Geografia. Mas existe a continuidade no processo
de ensino-aprendizagem dos paradigmas gerados pela
Baseada no neopositivismo, surgido em 1953 Geografia Tradicional.
com a publicação do artigo “excepcionalismo em Portanto, os paradigmas da Nova Geografia
geografia”, de Fred K. Schaefer. inexistem na maioria das obras didáticas. Como reflexo
A Nova Geografia buscava estudar os padrões deste fato, tem-se o primeiro passo do distanciamento
que os fatos apresentavam, e não fenômenos isolados. entre a teoria (que dá a sustentação ao método) e a
Seu objeto de estudo era a organização espacial, que prática (a ação do processo), fazendo com que o ensino
iria estabelecer os critérios para a análise do espaço, da Geografia atravessa-se de forma capenga esse
sendo que o espaço geográfico é composto de período.
elementos e relações ou processos. Caracterizou-se
pelo intenso uso de teorias, técnicas quantitativas e 2.4.2 Escola Crítica
modelos, os quais vão aparecer agora no começo,
criando hipóteses, e a observação e o trabalho de Também em conseqüência do movimento de
campo vem no final do trabalho. renovação da Geografia, surge uma corrente mais
O espaço de análise passa a ser o espaço radical frente a Geografia existente. Essa postura crítica
relativo, que não é dado pelas coordenadas geográficas, assumida, principalmente frente a realidade e a
podendo ser definido em torno de velocidade, custo, estrutura do poder.
tempo, percepção, distância e acessibilidade. As Segundo BEZZI & MARAFON (1992:72) a
técnicas de análise, pela necessidade de dar um caráter Geografia Crítica ou Radical: (...) emergiu nos Estados
interdisciplinar e universal, utilizam linguagem científica Unidos em um ambiente conturbado, ligado a guerra do
e emprego da quantificação, que são de grande Vietnã, a luta pelos direitos civis, da crise da poluição e
importância para se coletar e analisar dados. da urbanização, priorizando os processos sociais,
Segundo BEZZI & MARAFON (1992:61): A inseridos nas formações sócio-econômicos espaciais.
Nova Geografia, utiliza as técnicas quantitativas, Já para MORAES (1988:117) a Geografia Crítica
ou seja, matemática-estatísticas, pois as mesmas surge na França, onde: (...) a Geografia Regional vai
fornecem sub-resultados objetivos e científicos progressivamente se inteirando do papel dos processos
econômicos e sociais, no direcionamento da
que, através do mapeamento são colocadas em organização do espaço. Assim, abre uma discussão
uma visão espacial, fundamental na pesquisa mais política na análise geográfica.
geográfica, para serem em seguida interpretadas Mesmo sendo discutível a origem da Geografia
dentro de uma abordagem conceitual Crítica, o fato é que o surgimento desta vem propor uma
anteriormente escolhida. nova maneira de se fazer Geografia.
A matematização (quantitativa) da Geografia não Os autores deste período criticam a neutralidade
foi discutida enquanto postura metodológica em meios da ciência frente aos problemas sociais e propõem uma
escolares. No entanto, observa-se uma “quantificação” geografia militante, comprometida com a luta da
básica nos livros didáticos. Os dados estatísticos sociedade. Cujas metodologias, não rompem com a
passam a ser tomados como algo pronto e verdadeiro, análise regional tradicional. A descrição e o empirismo
não são objetos de reflexão, nem são contextualizados. continuam, mas sem encobrir as contradições espaciais.
A produção didática, neste momento, reveste-se A descrição de uma realidade injusta, problemática,
de roupagem nova, na maioria dos livros, passam a desigual já fazia frente à ordem instituída, fazendo da
introduzir uma quantidade infinita, até então não vista, Geografia um instrumento de ação política.
de tabelas, gráficos, cartogramas, mapas e outros Porém, essa “Geografia de Denúncia” não
acessórios, assim chamados por serem mero conseguiu resolver toda a problemática da disciplina,
preenchimento de “conteúdos”. pois, segundo MORAES (1988:120): Assim limitavam-se
A característica mais marcante do sistema a um estudo das aparências, sem a possibilidade de
escolar deste período é sua extensão até o nível médio indagar a respeito da essência dos problemas. A
(o nosso 2º grau) e implantação de escolas técnicas. Foi manutenção da ótica empirista vedava a análise dos
uma época de valorização da mão-de-obra processos essenciais e a explicação era sempre externa
especializada, devido ao espalhamento da atividade a geografia.
industrial. A Geografia Crítica atual apresenta propostas
Este período, configurado pela segunda diferenciadas, mas com objetivos comuns, assim,
revolução industrial, significou a necessidade da escola segundo MORAES (1988:126): (...) a unidade da
ir além da alfabetização. Era fundamental a geografia crítica manifesta-se na postura de oposição a
aplicabilidade do saber (VESENTINI, 1996) uma realidade social e espacial contraditória e injusta,
Neste contexto, a disciplina de Geografia começa fazendo-se do conhecimento geográfico uma arma de
a apresentar os primeiros sintomas de debilidade, por combate à situação existente.
continuar a ter a mesma finalidade inicial de sua
implantação no sistema escolar. Esse sintoma não

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Seu suporte teórico e metodológico é o 4 ANÁLISE DOS DADOS


Materialismo Histórico1 e o Materialismo Dialético2,
baseado no método Dialético3. Como objeto de estudo Foram encontrados 20 tipos de erros e 21 tipos
tem-se o espaço das relações num âmbito geral, ou de enganos no total dos livros, sendo que alguns são
seja, seu espaço de estudo é o todo. específicos em determinados livros e outros são
comuns. Após a identificação destes erros e enganos,
3 METODOLOGIA fez-se uma explicação com alguns exemplos citados, a
seguir:
O presente estudo foi desenvolvido, através da Posição do Sol - O Sol não “nasce” sempre
análise dos conteúdos programáticos, referentes a exatamente no Leste, pois devido à inclinação do eixo
Astronomia, nos livros didáticos de Geografia da 5a da Terra e do movimento de rotação da Terra, temos a
série do ensino fundamental, conforme Tabela 1. migração aparente do Sol entre o Trópico de Câncer e o
A escolha destes livros didáticos, justifica-se por Trópico de Capricórnio. Temos então o Sol nascendo
serem estes mais utilizados nas escolas públicas e dia após dia em um lugar diferente. Na verdade, o Sol
particulares e por encontrarem-se em disponibilidade no aparece em um ponto próximo ao Leste.
Laboratório de Ensino da Geografia do Departamento Com relação a Plutão, onde todos os livros
de Geociências/CCNE/UFSM, os quais passam a ser os analisados sempre se referem a ele, referem-se como
dados da pesquisa. um planeta. Porém, Plutão tem características que
Para mensuração dos dados foram realizadas as destoam muito do padrão dos demais planetas.
seguintes etapas: Primeiramente, selecionou-se todo o Plutão tem sua órbita muito mais achatada, mais
material, onde foi possível identificar os livros didáticos parecendo com a órbita de um cometa, sendo que
que apresentassem conteúdos programáticos relativos à durante vinte anos (1979 a 1999), Netuno e não Plutão
Astronomia. A segunda fase, foi destinada a identificar é o planeta mais distante do Sol, pois sua distância varia
os erros ou enganos do conteúdo. E, por último foi de 7,4 a 4,5 milhões de quilômetros.
realizada a análise destes livros didáticos. A inclinação do plano de sua órbita é de 17°
(dezessete graus), sendo que as órbitas dos outros
Tabela 1 – Livros didáticos de geografia planetas têm uma inclinação muito menor, aonde
Título Autor Editora Ano Mercúrio chega a 7° (sete graus), Vênus 3° (três graus)
Geografia Crítica e a Terra, considerada de padrão 0° (zero graus), os
J. W. Vesentini Ática 1996 planetas mais afastados que a Terra em relação ao Sol,
Vânia Vlach não passa de 2° (dois graus). Além de que, Plutão é tão
Geografia Nova Igor Moreira Ática pequeno em relação aos outros planetas e mesmo
Geografia Melhem Adas Moderna 1996 comparado com alguns satélites de outros planetas,
sendo que ele é menor que a própria Lua, nosso satélite
Espaço em
Construção natural, e outros como Ganimedes (lua de Júpiter), Titan
Luci I. O. Alves Lê 1995
(lua de Saturno), Calisto (lua de Júpiter), Io (lua de
Rosangela M.
Júpiter), a nossa Lua, Tritão (lua de Netuno), Europa
Carvalho
(lua de Júpiter).
Idárci E. Lasmar
Muitos astrônomos consideram Plutão e
Homem & Espaço Caronte, seu satélite, como se fosse um planeta duplo,
Elian Alabi Luci Saraiva 1995 pois se pode dizer que não é Caronte que gira em torno
Lições de de Plutão, e sim que ambos realizam um movimento
Geografia Helio C. Garcia Scipione 1995 conjunto. Portanto, Plutão é considerado planeta pela
Tito Marcio sua fama, pois as suas características destoam muito
Garavello dos demais planetas.
Geografia e Considerando-se Plutão como planeta será,
Participação Celso Antunes Scipione 1995 então, o menor planeta do sistema Solar e não
Geografia e Carlos W. P. Livro Mercúrio.
Natureza Gonçalves Aberto 1991 Alguns conceitos como os de cometa, asteróides
Jorge L. Barbosa aparecem ora incompletos ou então confusos, sendo
Total: 8 livros
que os cometas não são corpos brilhantes como uma
Fonte: Laboratório de Ensino de Geografia/ Deptº. Geociências/ CCNE/UFSM – estrela. Primeiro, porque são infimamente menores, e
1996. segundo, porque não possuem luz própria como uma
Organização: Paulo César Fagan Zanon
estrela. Eles parecem maiores e mais brilhantes por
estarem mais próximos de nós. Quanto aos asteróides a
questão ainda é discutida e não se pode afirmar com
1
certeza que eles são pedaços de um planeta que
Filosofia Marxista estuda as leis sociais que caracterizam a explodiu, pois, por que ele explodiria ?
vida da sociedade, a evolução histórica, a prática social dos
homens no desenvolvimento da humanidade.
Há varias hipóteses sobre a origem dos mesmos,
2
Tem como princípios básicos, a matéria, a dialética e a prática sendo que ainda não temos um consenso a respeito do
social, onde os fenômenos e processos são materiais e o assunto.
pensamento não existe separado da realidade. Deste modo, a Um equívoco cometido por alguns autores é
realidade material e o pensamento estão sempre em quanto ao número de satélites de cada planeta, onde a
movimento. Terra possui um satélite, Marte dois, Júpiter dezesseis,
3
A dialética é formada pela tese, que é o ponto de partida, a Saturno possui dezoito, Urano possui quinze e Netuno
antítese, que é a negação da tese, e a síntese que é a negação possui oito.
da negação. Logo a síntese sendo verdade tem-se outra tese e
temos um novo processo. Este conflito de idéias é a dialética.

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Outro erro bastante comum, é quanto aos AZEVEDO A. Geographia. São Paulo: Companhia
desenhos do Sistema Solar, onde estes se apresentam Editora Nacional, 1939.
planos e desproporcionais. A órbita da Terra e da Lua AZEVEDO A. Geografia. 35 ed. São Paulo: Companhia
também parece bastante achatada, quando estas são Editora Nacional, 1959.
elípticas bem mais circulares. AZEVEDO A. Geografia. 44 ed., São Paulo: Companhia
Os desenhos das fases da Lua, em alguns dos Editora Nacional, 1961.
livros analisados, não mostram o aspecto real das fases BALBI, A. Tratado de Geografia. Paris: Em Casa de J.
da Lua, e ocorre de estas apresentarem-se de forma P. Aillaud, 1838.
invertida. Tal falta, ocorre devido as editoras adquirem BARBOSA, R. Reforma do Ensino Primário e Várias
fotografias de agência do hemisfério norte. instituições complementares da instalação Pública. v. X,
Outro ponto a considerar é que a maioria dos tomo II, Rio de Janeiro, 1981.
autores, tenta inserir o seu livro dentro da Escola Crítica, BEZZI, M. L. & MARAFON, G. J. Manual didático sobre
e nesta perspectiva, descuida um pouco do conteúdo a evolução do pensamento geográfico. Santa Maria,
Astronômico, por ser este considerado um assunto CCNE/UFSM, 1992. (Inédito)
tradicional. Mas como o aluno pode desenvolver seu BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO
senso crítico se não conhece o lugar em que mora? DESPORTO; Parâmetros Curriculares Nacionais -
Documento Introdutório, versão agosto, 1996, Brasília,
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS M.E.D., 1996. 92p.
FERREIRA, C. C.; SIMÕES, N. N. A evolução do
Hoje, quando tanto se fala em globalização, onde pensamento geográfico. Lisboa: Gradiva, 1986.
os indivíduos devem estar bem preparados para LACERDA, J. N. Gerographia. Rio de Janeiro: Editora
enfrentar todo o tipo de concorrência, e de exploração Livraria Francisco Alves, 1922.
nós nos perguntamos, o que a escola esta fazendo? O GOMES, H. Reflexões sobre Teoria e Crítica em
que a escola oferece ao aluno para que ele possa Geografia. Goiânia: ABBU, 1991.
preparar-se bem para enfrentar um mundo tão RICARDO, M. et al. História. Belo Horizonte: Lê, V. 1,
competitivo? 1989.
Com a realização deste trabalho, podemos ____ . História. Belo Horizonte: Lê, vol. 3, 1989.
observar a realidade, de que, algumas vezes, e não tão MORAES, A. C. R. Geografia pequena história crítica. 8
poucas, os livros didáticos podem não cumprir de ed. São Paulo: Hucitec, 1988.
maneira satisfatória o papel ao qual se propõem. Não MORAES, J. G. V. de. Caminhos das civilizações da
sabemos se por omissão ou por falta de conhecimento, pré-história aos dias atuais. São Paulo: Atual, 1993.
ou mesmo por falta de atenção, os livros didáticos MOREIRA, I. Geografia Nova. 27. ed. São Paulo: Ática,
apresentam em seu conteúdo informações que por v. 1, 1994.
vezes não condizem com a realidade. REVISTA Limite. Ano 1, nº. 3, São Paulo: Aleph, s.d.
O fato foi apurado através deste trabalho, onde ROSA, O. Mapa de uso da terra do município de Santa
Maria, adaptado à criança de 4 série do 1° grau. Santa
a
comprovamos que 100% dos livros analisados contêm
alguma informação a qual não podemos considerar Maria, CCR/UFSM, 1994. Monografia (Especialização
como totalmente correta, e algumas vezes em Interpretação de Imagens Orbitais e Sub-Orbitais)
completamente equivocadas no conteúdo de SAGAN, C. Pálido Ponto Azul. São Paulo: Companhia
Astronomia. das Letras, 1996.
O fato é preocupante por mostrar falta de ____ . Cosmos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.
atenção no trato da informação educacional brasileira, SANTOS, M. Por uma Geografia nova. São Paulo:
colocando no mercado estudantes com um Hucitec, 1978.
conhecimento questionado como “verdade”. Tal fato, SAVIO, T. Curso Elementar de Geographia. 4. ed., Rio
mostra que o sistema educacional em nosso país é de Janeiro: Editora Livraria Francisco Alves, 1914.
frágil e defasado ao proporcionar ao jovem aluno acesso SODRÉ, N. W. Introdução à Geografia moderna. São
a um ensino que não está, totalmente, comprometido Paulo: Hucitec, EDUSP, 1989.
com a verdade, que não busca prestar informação ao TONINI, I. M. Ciência Geográfica e o Ensino de
indivíduo tornando-o capaz de competir fora dos muros Geografia: qual a relação? Porto Alegre, Faculdade de
escolares. Educação, PUC/RS: 1993. Dissertação (Mestrado em
O professor deve ter censo crítico e estar a par Educação)
das novas descobertas científicas, para que possa ao VESENTINI, J. W.; VLACH, V. Geografia crítica. 6. ed.
deparar-se com livros didáticos que contenham “erros São Paulo: Ática, V. 1, 1996.
e/ou enganos” seja capaz de argumentar mostrando o
que está errado e o que está equivocado. Não pode
permanecer atrás de um livro e deixar que ele continue
passando o conhecimento da forma como apresenta.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADAS, M. Geografia. 3. ed., São Paulo: Moderna, v. 1,


1996.
ANDRADE, M. C. de. Geografia ciência da sociedade.
São Paulo: Atlas, 1987.
ASIMOU, I. 111 questões sobre a terra e o espaço. São
Paulo: Nova Cultural, 1991.

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ESTUDO DA AÇÃO ANTRÓPICA SOBRE O MEIO AMBIENTE EM ÁREA DE


PRODUÇÃO FAMILIAR, NA SUB-BACIA DO AREAL, MUNICÍPIO DE QUARAÍ – RS1
A STUDY OF THE ANTHROPIC ACTION OVER THE ENVIRONMENT IN A FAMILIAR PRODUCTION AREA AT
THE AREAL HYDROLOGICAL SUB-BASIN, COUNTY OF QUARAÍ - RS

Rógis Juarez Bernardy2 e Vera Maria Favila Miorin3

RESUMO and the fauna and their habitats, which are presently in
danger due to the combination of adverse factors.
A questão ambiental é discutida nos últimos anos
pelas organizações não governamentais e órgãos Key works: Anthropic action; Environment; Familiar
oficiais. Estas instituições têm demonstrado, não só rural production.
preocupação com o meio ambiente como também o
forte desejo em modificar determinadas formas de
1 INTRODUÇÃO
relações que as populações mantêm com a natureza.
Ao priorizar o desenvolvimento econômico, o homem
Considera-se que o homem ao priorizar o
tende a alterar profundamente os parâmetros
desenvolvimento econômico tende a alterar
ambientais, chegando, em determinados casos, a
profundamente os parâmetros ambientais, chegando,
impossibilitar o desenvolvimento normal dos seres vivos
em determinados casos, a impossibilitar o
em seu ecossistema. Relacionado a isto se destaca: os
desenvolvimento normal dos seres vivos em seu
últimos anos nos quais vem ocorrendo a concentração
ecossistema. Relacionado a este fato, destaca-se em
da população em pequenas extensões de terra
primeiro lugar, os últimos anos nos quais vem ocorrendo
ocasionando seu uso intensivo e contribuindo para a
a concentração da população em pequenas extensões
degradação dos recursos naturais. Salientam-se as
de terras e ocasionando o uso intensivo desta,
relações homem e natureza no meio rural,
contribuindo para a degradação dos recursos naturais.
especialmente, após a modernização da agricultura que
Em segundo lugar, questiona-se o como harmonizar o
acentuou os desequilíbrios sistêmicos. A este respeito, o
desenvolvimento econômico com a preservação dos
estudo apoiado em autores aponta a responsabilidade
recursos naturais disponíveis, gerando o que se
do homem em administrar o patrimônio da flora e da
denomina na atualidade de desenvolvimento
fauna e seus habitats, que se encontram em perigo
sustentável.
devido a combinação de fatores adversos.
Na busca de resposta para estes
questionamentos, a área escolhida refere-se a
Palavras-Chaves: Ação antrópica; Meio ambiente;
microbacia do Areal, município de Quaraí - Rio Grande
Produção rural familiar
do Sul, por apresentar processos de arenização,
tornando-a pouco adequada para o uso agrícola, aliada
ABSTRACT a utilização em pequenas dimensões baseadas em
sistema intensivo.
The environmental issue is being discussed for Assim sendo, a pesquisa teve como meta
the last years by the non governmental and principal, identificar a influência dos sistemas de
governmental organizations. These institutions have produção das unidades familiares sobre o meio físico,
demonstrated, not only concerns with the environment, considerando que, por se tratar de formas desprovidas
but also a strong desire to modify some forms of de capital e intensivas de trabalho o homem busca
relationship which the populations maintain with nature. aproveitar ao máximo as condições que o meio oferece
When the economic development has the primacy over sem se preocupar com os possíveis danos ao ambiente,
other aspects, man tends to change so drastically the principalmente em função da fragilidade dos solos.
environmental parameters, that, in certain cases, the Finalmente, ressalta-se que a presente pesquisa
normal development of the live beings becomes fez parte do projeto que visa a reconversão das áreas
unfeasible in their own eco-systems. Related to this, it que apresentam fragilidade socioeconômica e ambiental
has been observed that the concentration of the em unidades de produção familiar do estado do Rio
population in small land sites with its excessive use has Grande do Sul. Nesta, se envolveram a Universidade
contributed to the natural resources degradation. The Federal de Santa Maria/UFSM, Empresa Brasileira de
relationship man-nature in thr rural areas, specially after Pesquisa Agropecuária, (EMBRAPA) de Pelotas,
the agricultural modernization, has stressed the systemic Prefeitura Municipal de Quaraí com apoio do Conselho
unbalance. This study, supported by different authors, Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
point ou to the responsibility of man to deal with the flora (CNPq).

1
Resumo do Trabalho de Graduação A, apresentado ao Departamento de Geociências, CCNE/UFSM.
2
Licenciado em Geografia pela UFSM – Santa Maria, RS.
3
Orientadora, Profª. Drª. do Departamento de Geociências, CCNE/UFSM.
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1.1 O que é Ação Antrópica Sobre o Meio Ambiente? graus de apropriação e/ou relação com a natureza,
criando-se artifícios com maior ou menor intensidade.
Uma primeira indagação assume importância e A chegada dos conquistadores no continente
requer um entendimento a priori, neste trabalho: o que Americano identificou que os primitivos estruturavam-se
é ação antrópica sobre o meio ambiente? Desde a sua em diferentes níveis de civilização. Além das
origem, o homem tem estabelecido um certo sociedades coletoras e caçadoras, que se encontravam
relacionamento com os produtos que a natureza coloca em estágio cultural primitivo, (esquimó) destacava-se,
a sua disposição. Ao longo da evolução da humanidade, também, as sociedades que praticavam a agricultura de
o progresso esteve sempre estreitamente relacionado subsistência. Eram os primeiros passos da revolução
com as novas e diversas formas de apropriação da agrícola, onde se cultivava mandioca, milho, feijão,
natureza. amendoim, tabaco, mate; e se fabricavam utensílios
O homem primitivo, mesmo sem o domínio como as varas de flechas.
de determinados conhecimentos, retirava da Porém, neste continente encontravam-se as
natureza os elementos e mecanismos necessários sociedades avançadas com produção agrícola
a sua existência. Nesse contexto, o processo de excedente. Entre elas destacavam-se os Maias
movimentação dos grupos humanos, na busca de que viviam em área de florestas densas e tropicais
meios para subsistência e proteção, fez com que o de clima quente e chuvoso onde realizavam a
conhecimento, do homem, sobre a superfície da agricultura de roça através do processo de
terra aumentasse e ele acumulasse informações derrubada de árvores e queimada de troncos e
que foram transmitidas às gerações futuras, como restos vegetais. Neste sentido ADAS (1982:87)
os meios de realizar a caça, pesca e coleta. De afirma: Por se tratar de uma civilização agrária, a
acordo com Andrade, apud MARAFON & BEZZI determinação do ritmo das estações era
(1992:02) os povos primitivos... Conheciam os importante para garantir a boa colheita. Assim
mecanismos das estações, fazendo migrações, às sendo, o calendário solar e agrícola determinava
vezes de longos percursos, a fim de os períodos favoráveis ao trabalho de lavrar a
acompanharem os animais silvestres que terra, semear e colher.
utilizavam como alimentos ou para colherem os Os Astecas, também, desenvolveram a atividade
frutos de determinada área. agrícola (período de plantar e colher) de acordo com a
astronomia e seu calendário, formado por 18 meses de
Dedicando-se a diversas atividades, os povos 20 dias. Esta civilização era constituída por uma grande
primitivos, mantinham intensa relação com a natureza o massa de trabalhadores do campo responsáveis pela
que era de vital importância a sua sobrevivência. Para produção agrícola.
NOGUEIRA (1992:19) o uso do fogo pode ser entendido Os Incas, povo conquistador, formaram um dos
como um dos primeiros passos decisivos nessa impérios mais integrados da história, com grande
evolução e domínio sobre a natureza. Até então, a única capacidade administrativa (inclusive realizavam censos)
possibilidade básica de alimentação era extrair produtos e possuíam sistema para estocar a produção agrícola
naturais que podiam ser diretamente consumidos. O de base produtiva coletivista. Adotavam vários
fogo permitiu a ampliação do número de produtos e a procedimentos visando o aumento da produção de
forma de usá-los para o consumo humano. alimentos, principalmente em área de baixa altimetria.
Com relação ao advento da agricultura, Usavam a irrigação e terraços nas vertentes mais
NOGUEIRA (1992:19) afirma que: esta foi uma íngremes, além de canais para escoamento das águas.
revolução tecnológica no relacionamento homem e As atividades do meio rural desenvolveram-se em
natureza. Ela permitiu o surgimento de técnicas básicas função do calendário astronômico.
no uso do solo para a produção agrícola como irrigação, Entretanto, a baixa densidade demográfica que
construção de terraços e diques, além das técnicas de formava as sociedades primitivas e uma produção
plantio, entre outras. Até mesmo a técnica de fundamentalmente voltada para a subsistência, não
atrelamento dos animais para puxar o arado e o carro provocava uma ação expressiva sobre os ecossistemas
de rodas, surgem nesse período. Destacaram-se os por permitir grande mobilidade dos grupos humanos e
Gregos em função da privilegiada posição geográfica, uma recomposição do meio ambiente naturalmente.
região de contato entre o Ocidente e o Oriente. Eles Porém, com o advento do capitalismo, que
começaram a usar palavras como bacia e erosão. De representou um momento revolucionário na história da
acordo com NOGUEIRA In Desenvolvimento e humanidade ao provocar o surgimento de novas formas
Educação Ambiental (1992:19) os Gregos de organização social e de apropriação da natureza
...contribuíram com o moinho d’água, as melhorias nos como coloca NOGUEIRA In Desenvolvimento e
transportes e a aplicação da força animal. Entretanto, Educação Ambiental (1992:19): representa a
eles tinham profundas reservas quanto ao apropriação privada da terra, da água e dos recursos
desenvolvimento de técnicas produtivas. Eles tinham um naturais, com o propósito de transformá-los em
profundo sentimento de dignidade do pensamento puro mercadorias (ou em produtores de mercadorias) e usá-
e o valor eminente da contemplação. Assim, eles los como fatores geradores de lucros, rendas e capital.
passaram a história pelas admiráveis descobertas... Desse modo, percebe-se que dependendo do
Desta forma a partir da fixação do homem em tipo de formação social que a humanidade teve em
determinado lugar se estabeleceu maior conhecimento determinado momento, o relacionamento do homem
do meio ambiente que o cercava. Assim sendo, diversas com o meio ambiente apresentava certas
civilizações se sucederam, apresentando diferentes especificidades. Entretanto, com a Revolução Industrial
essa convivência torna-se mais complexa. Neste
enfoque, SCHUMACHER apud Elhers, (1996:72) relata

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que: ...a vida nas sociedades modernas estava sendo 2.372 pessoas (11,3%), apresentando redução em torno
desvirtuada pelo culto obsessivo do crescimento de 8,46% nos últimos anos.
econômico ilimitado... julgava inevitável o colapso Na primeira metade do século XX, apoiando-se
dessas sociedades para um modelo de vida compatível em CHEGUHEM (1992), o sistema de produção de
com as verdadeiras necessidades do homem. hortigranjeiros, desenvolveu-se de forma paralela à
Realizando estudos a este respeito, pecuária bovina e ovina. Este, sofreu rápido decréscimo
CHRISTOFOLETTI (1989:609) acrescenta que a cultura em sua produção, principalmente pela carência do
ocidental é antropocêntrica, isto é, coloca os seres sistema de transporte e pela influência das flutuações
humanos em uma posição superior sobre a natureza no cambiais existentes entre o Brasil e o Uruguai. Também,
contexto da hierarquia de valores. Sob esta perspectiva, contribuiu para o decréscimo da produção de
a natureza deve ser dominada, conquistada ou hortigranjeiros o fato da cidade Uruguaia de Artigas
manejada para servir as necessidades humanas. A possuir um cinturão verde bem estruturado, produzindo
adoção dessa posição... aliena os seres humanos de com qualidade superior.
seu meio ambiente, do qual depende a sua Na década de 70, houve a introdução das
sobrevivência. culturas do milho, arroz e soja no Areal, como uma
No Brasil, desde a sua colonização, o uso tentativa das unidades familiares de produção
extremamente predador dos recursos naturais foi acompanharem o restante do estado do Rio Grande do
muito amplo, como atestam os ciclos econômicos Sul e substituírem o modelo de produção local
como do pau-brasil, cana-de-açúcar considerado obsoleto economicamente, por um conjunto
de práticas tecnológicas mais eficazes.
(monocultura), ciclo da borracha etc. No município de Quarai, RS, predomina o clima
Posteriormente, vários ciclos de monoculturas do tipo fundamental Cfa 2 (33) de Koeppen. A
foram praticados. Nesta evolução NOGUEIRA temperatura média anual apresenta-se em torno de 19.6
(1992:21) menciona que: A ocupação do noroeste oC. A precipitação média anual fica por volta de 1.365
do Paraná foi extremamente violenta e a ocupação mm, sendo que as mínimas anuais podem chegar a
de São Paulo, com o café, no final do século 1.200 mm e as máximas a 1.500 mm. Podendo ocorrer
passado, foi extremamente violenta. Se chuva torrencial de 165 mm em 24 horas. A média de
procurarmos saber que motivações levaram essa dias chuvosos no ano fica em torno de 90 dias. A
sociedade a seguir esse caminho, vamos chegar a umidade relativa do ar é de 70 a 80% sofrendo
variações de acordo com os elementos do clima. A
uma explicação que talvez não seja a única, mas
ocorrência de períodos secos, faz com que a insolação
que é extremamente importante: é que naquele se apresente intensa. Por outro lado, as geadas que
momento... dada a abundância de recursos que ocorrem de abril a outubro caracterizam as
existiam no País... havia muita área, relativamente temperaturas mínimas negativas na área CHEGUHEM
pouca gente, então, São Paulo, Paraná, foram (1991, 1992),
ocupados, num ritmo fascinante, avassalador. O município de Quarai é drenado por rios de
Por volta de 1960 o padrão de produção, médio porte, arroios e sangas acrescidas por um
adotado nos Estados Unidos e Europa Ocidental, foi conjunto de açudes e barragens. As sangas são
transferido para diversas partes do mundo, entre elas o alimentadas por cursos intermitentes dependendo das
Brasil. EHLERS (1996). O pacote tecnológico que chuvas e somados com os arroios formam um sistema
desencadeou a Revolução Verde estava fundamentado do tipo dendrítico. A maior parte dos cursos d’água
na melhoria do desempenho dos índices de dessa malha hidrográfica dirige-se para sul indo
produtividade agrícola através da substituição dos desaguar em seus principais componentes como o
moldes de produção local por um conjunto de práticas arroio Cati ou no rio Quaraí. Os açudes existentes são
tecnológicas. Neste contexto, destacou-se a de pequeno porte sendo utilizados como bebedouros
monocultura, cultivo de uma única espécie vegetal em naturais aos rebanhos existentes.
detrimento das nativas que foram dizimadas. Esta Junto aos arroios e rios que drenam o Município
prática provocou desequilíbrios sistêmicos além de desenvolve-se a mata ciliar característica da Campanha,
expor a própria espécie cultivada a ataques maciços de formada por espécies arbustivas e arbóreas de pequeno
pragas e de aumentar o uso de agrotóxicos. e médio porte, de grande importância na manutenção de
mananciais hídricos e do habitat de espécies animais
2 SUB-BACIA DO AREAL nativas. Esta flora é constituída por uma diversidade de
herbáceas e arbóreas de porte médio. Destacam-se,
A sub-bacia do Areal como objeto do estudo de igualmente, as gramíneas de pequeno porte
acordo com CHEGUHEM, (1991, Vol. I e II) localiza-se características de clima temperado.
no município de Quarai, situado entre as coordenadas Na formação dos solos (Boletim Técnico do
geográficas 30° 00 a 30° 34’ de latitude Sul e 55° 40’ a Ministério da Agricultura, 1973), destacam-se o basalto
56° 40’ de longitude Oeste. O Município possui uma e o arenito. As unidades de Mapeamento originadas do
área de 3.270 km2 e situa-se a altitude média variável basalto são: Escobar, Pedregal (1, 2 e 3) e Uruguaiana,
de 112 metros, inserido na microrregião da Campanha já as unidades originárias do arenito são: Vacaraí e São
Fronteira Ocidental do Rio Grande do Sul, a qual é Pedro.
composta pelos demais municípios: Alegrete, Unidade Escobar ocupa área de
Uruguaiana, São Borja, Itaqui, São Francisco de Assis, aproximadamente 510 km2 o que corresponde a 0,19%
Manoel Viana, Garruchos, Barra do Quarai e da área do Estado. As suas características marcantes
Maçambará. são: solos pouco profundos, mal drenados, pretos,
Atualmente na sede do Município vivem 20.862 argilosos, muito pegajosos e desenvolvidos a partir do
habitantes, sendo que a população rural corresponde a basalto.

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Nesta unidade o relevo é plano a suavemente principalmente, nos horizontes inferiores onde a água é
ondulado com declives variando até 5%. Situa-se nas mais abundante.
terras aluviais ao longo dos rios. As altitudes variam em O relevo e a altitude variam de plano, (ao longo
torno de 100 metros. Quanto ao grau de limitação ao dos cursos d’água), suavemente ondulado e, com
uso agrícola esta unidade apresenta fertilidade natural elevações, apresentando declives suaves (3 a 5%). A
ligeira e moderada. Em geral são férteis, entretanto fertilidade natural é moderada a forte. São solos ácidos,
muito suscetíveis a erosão. (forte e moderada) Mesmo com saturação e soma de base baixa e pobre, na
situados em relevos suavemente ondulados, neles maioria dos nutrientes.
predominam grande número de vossorocas. A unidade São Pedro totaliza uma área de
Embora sejam solos com boa capacidade de 6,675 km2, o que representa cerca de 2.48% da área do
retenção de umidade, ocorrem em áreas que Estado. Esta Unidade apresenta características gerais
apresentam déficit de umidade durante o verão, sendo a como solos profundos e avermelhados, textura
irrigação (uso agrícola) indispensável. Geralmente estes superficial arenosa, bem drenados e ácidos. O relevo
solos são utilizados para pastagens, embora as áreas predominante é o ondulado formado por elevações (8 a
mais planas e mal drenadas, que ocorrem ao longo do 10%) e arredondadas (coxilhas), com altitude média de
curso dos rios, são utilizadas para o cultivo do arroz. As 150 metros. Os solos desta Unidade se caracterizam
maiores limitações para o uso agrícola, referem-se a por serem pobres em matéria orgânica e nutriente
drenagem e as características físicas apresentadas. A disponíveis. São suscetíveis à erosão devido a textura,
Unidade Escobar pode ocorrer associada a outros tipos determinando um alto grau de limitação ao uso agrícola,
de solos, como o Pedregal. além de possuírem baixa capacidade de retenção de
A unidade Pedregal ocupa área de água. Nesta Unidade pode ocorrer associação de outros
aproximadamente 13.105 km2 o que representa 4.88% solos como o Santa Maria, Pedregal, Escobar,
da área do território do Estado e é constituída de solos Livramento.
bem drenados desenvolvidos a partir do basalto
apresentando portanto uma coloração escura. Ocorre 3 DIAGNÓSTICO AMBIENTAL E SÓCIO-
em altitudes que variam de 80 a 200 metros ECONÔMICOS.
caracterizando um relevo suave ondulado com
declividade de 5% a 12% na fase mais gradual O 3.1 Metodologia Aplicada no Estudo
horizonte superior deste solo possui espessura de
aproximadamente 10 cm (principal variação desta A investigação referente ao estudo da ação
Unidade) de coloração acinzentada a escura. A textura antrópica sobre o meio ambiente em áreas de produção
varia de fraca a argilosa moderadamente desenvolvida. rural familiar, tendo como área de estudo a sub-bacia do
Estes solos são utilizados com pastagens naturais e Areal, determinou as seguintes etapas:
cultura do arroz, próximo aos cursos d’água. Os solos - revisão da bibliografia, enfatizando questões
Pedregal, ainda ocorrem associados a outros, entre os relevantes entre as quais destaca-se, evolução histórica
quais: Unidade Escobar, São Pedro, Uruguaiana etc. e os principais aspectos naturais do município de
A unidade Uruguaiana ocupa uma área de Quarai, relevantes ao tema de estudo.
aproximadamente 2.695 km2 o que representa 1% da - as leituras realizadas deram suporte ao estudo
área do Estado. Em geral esta Unidade determina-se das informações e sua interpretação para a análise final
por solos férteis (suportando junto com a Unidade sobre desenvolvimento rural, seguindo PATERSON
Escobar os melhores campos da Campanha). As suas (1976) que estabelece a verificação dos caracteres
características gerais determinam a ocorrência de solos naturais (ambientais), composição da unidade de
mediamente profundos, (um metro aproximadamente), produção (potencial populacional) tecnológica
apresentando cores escuras. São imperfeitamente (capacidade de gerenciamento) e nível de vida (bem
drenados e pegajosos com saturação de bases alta, (em estar e conforto das populações).
torno de 3%). Formados a partir dos sedimentos do A realização do levantamento de campo se
basalto com tonalidades acinzentadas. O relevo que os processou por coleta de amostra controlada junto ao
caracteriza é do tipo plano cujas altitudes são setor rural da microbacia do Areal, município de Quaraí.
suavemente onduladas. Suas deficiências prendem-se A amostra considerou o valor de, aproximadamente,
ao fósforo disponível que é baixo como o potássio. A 17% das propriedades existentes (de um total de 330
erosão é nula a ligeira, pois são solos bem providos de unidades rurais, conforme a Secretaria de Agricultura
base. Somente no relevo suavemente ondulado são Municipal), sendo um levantamento significativo para o
necessárias as práticas simples de conservação, caso estudado com dimensão de área mínima de 0,4
enquadra-se em solos que tem boa capacidade de até 105 hectares. O levantamento se constituiu de um
retenção de água, mas ocorrem em áreas que inquérito junto a cinqüenta e cinco (55) propriedades,
apresentam déficit de umidade no verão. Podendo estar dando preferência aos produtores residentes no meio
associados à Unidade Pedregal. rural. A seguir, os dados que constituíram as
A unidade Vacacaí concentra-se nas várzeas ao informações foram revistos e organizados e
longo dos rios e arroios e ocupa uma área de 16.340 posteriormente processados via SAS e, finalmente,
km2, o que representa aproximadamente 6,06% da área analisados.
do Estado. Os solos são derivados de sedimentos O instrumento de campo totalizou 299 variáveis
aluviais recentes, principalmente, provenientes de que atenderam a três características: caracteres
arenito e siltitos e tem como características gerais ambientais totalizando quarenta e sete (47) variáveis;
serem mal formados a imperfeitamente drenados. Esta composição do sistema de produção subdividido em
Unidade condicionada pelo relevo, apresenta-se com caracteres de produção com noventa e duas (92)
cores acinzentadas e devido a influencia água variáveis e estrutura de produção com oitenta e cinco
apresenta-se mosqueados de várias tonalidades, (85) variáveis; composição da unidade de produção

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que considerou os aspectos sociais com setenta (70) por um período de dois a três anos sobre determinada
variáveis. Além dessas, três (3) variáveis atenderam as área e, posteriormente, ela retorna para o uso agrícola.
características da composição da unidade de produção Quanto aos recursos da flora, 72,54% das
(social) como a composição do sistema de produção propriedades plantam árvores anualmente, porém
(estrutural). muitos não souberam precisar a quantidade e a
No tratamento estatístico foi aceitável o dimensão da área plantada determinando que a
processamento computacional da freqüência, imprecisão da informação compromete a credibilidade
percentagem, freqüência acumulada e percentagem da resposta.
acumulada com um nível de significância igual e/ou Nos questionamentos relacionados ao uso de
superior a 75%. Rejeitadas as variáveis a partir de 14 agrotóxicos, verificou-se que 21,56% fazem uso deste
ausências na resposta para o universo de cinqüenta e componente e utilizam o poço, rios e açudes para
cinco (55) propriedades definidas após a revisão dos abastecerem os pulverizadores. Quando questionados
instrumentos de campo. Deve-se ressaltar ainda que as sobre o destino das embalagens, 72,72% admitiram que
informações foram processadas no Laboratório de enterram, queimam ou jogam em valetas. Os demais
Estudo e Pesquisa Regional (LEPeR), que por Rede dão outro destino às embalagens. Em relação aos
interna utilizou-se do SAS- Sistema de Análise problemas causados por agrotóxicos, 18,18% afirmaram
Estatística - ligado ao Centro de Processamento de terem sofrido alguma forma de intoxicação.
Dados (CPD) da UFSM. Nas questões referentes ao uso dos recursos
hídricos constatou-se que a irrigação das lavouras,
3.2 Diagnóstico Sócioeconômicos e Ambiental do especialmente na atividade arrozeira que se desenvolve
Areal. em pequena escala nas várzeas do arroio Areal,.
apresenta solos propícios a atividade (conforme o
A sub-bacia do areal está ligada a sede do Macrozoneamento Agroecológico e Econômico do
município por via asfaltada, o que determinou a Estado do Rio Grande do Sul, 1994) e ocorre em
facilidade de acesso entre a localidade e a sede do 13,95% das propriedades inquiridas. Este recurso
município de Quaraí. Assim sendo, se estabeleceu o hídrico é extraído, principalmente, do arroio Areal bem
maior fluxo de pessoas e mercadorias. A analise da como dos açudes distribuídos pela área.
distância dominante entre as propriedades entrevistadas As procedências da água consumidas pelas
e a Sede municipal, varia de 22 a 30 km de distância. famílias entrevistadas provem: de vertentes naturais
Buscando a análise do uso dos recursos para 72,54%, de poços artesianos para 21,56%.
hídricos, florísticos, edáficos e os cuidados no trato que Também, 76,2% das propriedades inquiridas
o homem rural dispensa a esses recursos em sua mencionaram que mantém a vegetação como forma de
produção de sobrevivência e econômica, foram proteger as mesmas, dos processos erosivos, da
analisadas, no instrumento, as variáveis referentes a contaminação por embalagens de agrotóxicos e para
estes recursos. conter o acesso dos animais.
Observando a variável pertinente a existência de Quando indagados sobre a falta de água para
cobertura verde no solo, tem-se que 22,2% consumo durante os meses de verão, 43,47% dos
responderam que cuidam para que o solo permaneça entrevistados admitiram enfrentar essa problemática.
com cobertura. Esta baixa percentagem revela a Também, foram objetos de investigação a presença de
presença de erosão e de elementos que provocam a instalações hidráulica e sanitária nas casas, a presença
alteração da cobertura verde e do próprio solo. Estes de fossa negra e o destino do lixo cujas respostas
elementos somados aos cuidados e ações humanas revelam um quadro pouco animador: Instalações
sobre o solo permitiram entender que a presença de hidráulica e sanitária 36,53%; Fossa negra 86,36%; Lixo
elementos erosíveis como voçorocas (34%) e valetas (queimado) 56,6%; Lixo (enterra/adubação) 13,2%
(22%) ocorrem nas unidades rurais visitadas. Os Em relação ao destino das águas servidas, para
cuidados e a interferência do homem sobre o solo 86,9% dos casos analisados é a fossa negra e, para
revelou que 29,41% fazem análise do solo; 17,64% 46,16as águas servidas dirigem-se para o fundo das
aplicam calcário nas lavouras; 56,87 utilizam adubo casas. Percebe-se, também a ausência de instalações
químico e 52,94 lançam mão da adubação orgânica. hidrosanitárias em 73,47% dos casos.
Estes valores revelados não correspondem a realidade, Quanto a composição do sistema de produção
pois os trabalhos de campo identificaram valores (caracteres de produção) foram analisadas variáveis
maiores. Por isso admite-se que o homem não que permitem determinar a produção e reconhecer a
reconhece a existência de elementos erosivos, dando a forma de estabelecer a normatização de planos de
falsa idéia de que eles não existem. desenvolvimento. As variáveis de produção revelaram a
O uso do adubo químico e orgânico e a aplicação situação das unidades produtoras quanto aos tipos de
de calcário juntamente com a análise do solo, culturas, área que ocupam e a produção média por
determinam o empirismo predominante nas atividades hectares, entre outros elementos. Observando as
do meio rural. Neste caso a adubação orgânica passa culturas mais freqüentes nas atividades agrícolas como
para a posição secundária (utilizados em áreas restritas milho, melancia, mandioca, feijão, arroz e melão,
de consumo familiar, como as hortas), sendo que a constatou-se que o milho e a melancia compõem
adubação química é adotada com maior expressão nas 69,33% das atividades de cultivo, seguidos pela
atividades de produção familiar (56,87%). mandioca que apresenta certa expressão com 20% do
Em relação a alternação de atividades 52,94% total produzido, destacando-se, também, a produção de
dos entrevistados admitiram que utilizam-se desta videira (parreira) em duas (2) unidades de produção
técnica. Neste caso os agricultores efetuam o consórcio familiar. Este tipo de cultivo apresenta-se em fase
entre as culturas cíclicas (melancia, melão, abóbora e embrionária na sub-bacia cujos resultados das primeiras
milho) com o criatório do gado. Este criatório permanece safras são considerados satisfatórios, abrindo

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perspectivas de crescimento deste sistema de produção expressivo, variando de 10 a 20 aves. O comércio de


no Areal. Essas culturas ocupam freqüentemente uma ovos, por sua vez, não sendo intenso pouco estimula o
área que varia de 0,1 a 5 hectares e realizam uma aumento de poedeiras entre os criadores. Esta atividade
produção média de 2863 kg/ha. apresenta-se como uma alternativa para 27,28% das
A seleção das sementes para 83,72% dos unidades de produção e a comercialização varia de 5 a
entrevistados ocorre com a tomada de cuidados no uso 10 dúzias por propriedade/mês.
dos recursos visando a melhor produtividade. Este Os ovinos correspondem a atividade de criação
elevado índice deve-se, também, ao fato das culturas expressiva na área (isto deve-se ao solo da sub-bacia
cíclicas (melancia e melão), serem híbridas. que é propício a esse tipo de criatório). A faixa
A comercialização da produção é efetuada predominante do número de ovinos por propriedade é
diretamente com o consumidor ou com pequenos de 11 a 40 animais e se destinam ao corte/lã para 80%
comerciantes da cidade de Quarai, para 86,95% dos dos casos analisados. Em relação a comercialização da
produtores. Este comércio é realizado de forma lã, 78,94% das propriedades afirmaram que realizam a
individual ou isolado, sem nenhuma forma associativa venda como forma de diversificação dos ganhos e que a
das unidades produtoras familiares. quantidade depende do tamanho do plantel.
Os proprietários foram indagados sobre as A criação de suínos aparece em apenas 31,11%
atividades hortigranjeiras em suas propriedades por das propriedades e se destina ao corte/banha. Já o
entender que a proximidade com a população urbana, o número de matrizes para a reprodução corresponde a
bom acesso viário e a ocorrência de pequenas unidades somente uma matriz em 64,29% das propriedades. Este
de produção estariam motivando estas atividades. tipo de atividade é desenvolvido, com a finalidade de
Entretanto, constatou-se que apenas dois produtores suprir as necessidades domésticas empregando
dedicam-se a comercialização de hortigranjeiros, técnicas rudimentares.
destacando-se produtos como alface, radite, repolho, Analisando a produção existente nas
temperos, cenoura e beterraba. propriedades familiares da sub-bacia do Areal,
Os pomares estão presentes em 83,63% das determina-se que esta área apresenta três (3)
propriedades e são representados por cítricos e características fundamentais:
rosáceas, destinando-se à subsistência das famílias, (1) diversificação da produção;
pois apenas 17,77% dos produtores comercializam seus
produtos junto a população urbana de Quaraí. Também,
(2) insignificância da quantidade produzida;
por se tratar de propriedades com área média em torno (3) carência no sistema de comercialização devido
de 30ha questionou-se a produção e venda de produtos a carência de mercados.
artesanais (coloniais) como queijo, pão caseiro e outros. As variáveis que compõem os caracteres
O número de produtores que possuem esta alternativa estruturais permitem reconhecer o uso do solo, bem
de renda é pouco significativo, apenas 12,96% dos como seu grau de intensidade, as tecnologias aplicadas
entrevistados. na produção e as estruturas indicadoras de melhor
Na criação de animais destacam-se os bovinos qualificação deste setor da economia bem como do
em 88,89% dos casos, sendo que o número varia de 10 modo de vida das populações rurais estudadas. Na
a 50 cabeças por propriedade. Esses animais são análise da área das propriedades constatou-se que há
representados pelo cruzamento das raças significativa variação da dimensão, podendo ser
charolês/zebu, em 45,83% das unidades de produção destacado grupos por extratos de área de maior
familiar. Também, aparecem com elevada freqüência incidência de propriedade, como: Até 10 hectares -
animais que não tem linhagem genética definida, 36,4%; 11,5 a 37 hectares - 23,6%; 40 a 85 hectares -
chamados de crioulo e resultantes da cruza de várias 21,8%; mais de 87,6 hectares - 18,2% das propriedades
raças. Esta mistura genética, deve-se, em parte, a estudadas. Trata-se, portanto de uma área onde
ausência de qualquer política de inseminação para obter ocorrem unidades de produção e de reprodução familiar
um rebanho mais rentável e economicamente viável. de pouca dimensão de área disponível exigindo
Está tecnologia é empregada em apenas 6,12% das intensidade de trabalho. Entre os produtores há os que
unidades de produção rural entrevistada. A opção por receberam a terra por herança (47,27%), por aquisição
espécies cruzadas e indefinidas deve-se ao destino: (38,18%) e por transação de compra e venda detendo
corte e leite para o consumo doméstico em 91,66% das as escrituras. Destas terras a utilização para a
propriedades. Constatou-se, também, que a maior parte agropecuária ocupa uma dimensão que varia de 10,4%a
dos produtores possui uma ou duas vacas em estágio 29,6% das propriedades.
de lactação. A alimentação fornecida ao gado bovino é Referente ao emprego de técnicas nas atividades
determinada pelas pastagens nativas, forrageiras, de alimentação dos animais, encerra para aves,
milhas e farelo. A área destinada ao criatório de bovinos presença de estrebarias e de pocilgas foi significativa a
varia de 0,2 a 36 ha, o que corresponde, na maioria dos presença de pastos especiais durante os meses de
casos, a dimensão máxima da propriedade. inverno (81,25% dos casos), por serem meses de maior
A criação de animais de médio e pequeno porte, exigência do criatório quanto a cuidados devido às
composta por aves, ovinos, suínos, peixes e abelhas, baixas temperaturas. No verão apenas 12,5% das
constitui-se em um complemento da criação e auxiliam propriedades cultivam pastagens destinadas ao
na diversificação da produção em 85,45% das unidades criatório.
de produção familiar entrevistada. A utilização do adubo natural proveniente dos
As aves ocorrem em 16 unidades de produção excrementos de aves, suínos, ovinos e bovinos,
familiar, sendo que o número de cabeças por recolhidos para o depósito (esterqueira), antes de serem
propriedade varia de 10 a 50, com a finalidade principal aplicados em lavouras e hortas, é prática em 6,25% das
da criação é o corte e a produção de ovos para 80,43% propriedades, permitindo determinar que poucos são os
dos criadores. Entretanto, o número de poedeiras não é que se utilizam desta eficiente e barata técnica. Por

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outro lado, quando indagados sobre a possibilidade de de um contingente populacional baixo no meio rural,
construírem esterqueiras para o aproveitamento do pois a isto se acrescenta o número de pessoal na
adubo natural, apenas 44,44% pensam em construir propriedade: até 4 pessoas para 81,8% dos casos
futuramente, permitindo deduzir que os agricultores analisados. Considerando-se esta existência,
continuarão dependendo dos insumos químicos em especulou-se a idade do chefe na propriedade (primeiro
suas lavouras. membro da família), permitindo entender que não há
A presença de horta e pomares é comum nas uma concentração significativa em determinadas faixas
propriedades, ocorrendo em 75,92% e 83,63% dos etária, ao contrário, os dados revelam uma dispersão
casos, respectivamente. Essas atividades destinam-se que varia de 32 a 95 anos e em uma divisão quartílica
ao consumo interno em 97,56% dos casos dos tem-se: 1a classe 32 - 45 anos com 13 pessoas; 2a
horticultores; os pomares definem-se por cítricos e classe 47 - 57 anos com 20 pessoas; 3a classe 58 - 71
rosáceas, porém o número de plantas por propriedade anos com 12 pessoas e uma 4a classe 73 - 95 anos com
tem uma ocorrência heterogênea, variando de 10 a 90 10 pessoas.
unidades. As informações determinam que as idades da 2a
A mecanização nas unidades de produção e 1a e 3ªclasse, respectivamente, são as que
aparece apenas em 18,19% dos casos, isto pode ser caracterizam a faixa etária do dirigente da propriedade
explicado devido a pequena dimensão de área rural, sendo ainda que 83,63% dos dirigentes são do
disponível à agricultura nas propriedades. A ocorrência sexo masculino. No questionamento referente ao grau
de pouca área disponível não incentiva o uso de de instrução destas pessoas a realidade revela que
implementos e nem permite a capitalização de bens 81,8% dos entrevistados são analfabetos ou sua
desta natureza. Neste enfoque, observou-se que instrução vai até as primeiras séries iniciais do ensino
apenas 18,19% das propriedades possuem trator, básico.
caracterizando o que MÜLLER (1989) na época O segundo membro da família na propriedade
analisou sobre esta questão que ... em torno de 80% possui idade que varia de 15 a 80 anos, determinando
dos agricultores não conseguiram se inserir no novo uma dispersão. Ao se aplicar uma distribuição por
processo de produção. classes aos dados, obteve-se: 1a classe 15 - 33 anos
Por se tratar de pequenas unidades de produção para 11 pessoas; 2a classe 40 - 48 anos para 19
voltadas para o consumo interno familiar o uso de pessoas; 3a classe 49 - 56 anos para 12 pessoas e 4a
financiamentos para a lavoura é inexpressivo (3,63%) e classe 57 - 80 anos para 10 pessoas
as associações e entidades como as cooperativas, As informações revelam que as idades da 2a e 3a
alcançam apenas 43,63% das propriedades analisadas. classe são as que determinam a faixa de idade da
Assim sendo, deduz-se que há atividades segunda pessoa da propriedade, das quais 84,61% são
desarticuladas do trabalho comunitário, estando mulheres. Apresenta ainda este segundo membro da
portanto, individualizadas em sua pequena produção. família um grau de instrução muito baixo, onde 80,8%
Em relação a presença de sindicato de são analfabetos ou possuem até as séries iniciais do
trabalhadores rurais, 50,9% dos agricultores admitiram ensino fundamental.
serem filiados ao STR. Entretanto, quando indagados O tipo de moradia predominante é a casa de
sobre a motivação para empreendimentos futuros no alvenaria (46,2%) seguida da casa de madeira em
meio rural, 54,54% deles não pretendem modificar o 30,7% das propriedades, possuindo seis cômodos
sistema de produção e 90,74% não pretendem (86,5%) por casa. O conforto doméstico nas
desenvolver qualquer cultura específica. Estes propriedades pode ser determinado pela presença de
questionamentos refletem a idade avançada dos chefes energia elétrica (59,6%), de geladeira (61,2%), do fogão
de família e a ausência de jovens no meio rural. Deve- a gás (84,6%), da televisão (51,9%) e de freezer
se acrescentar que 92,5% dos entrevistados não (15,4%). A ocorrência de condução própria para o
desejam desenvolver outra atividade, embora muitos deslocamento das pessoas é significativa para 59,6%
não exerçam função extra além da agropecuária.Tal das propriedades.
situação permite considerar que se trata de uma área As populações rurais, ainda que constituídas por
em processo de envelhecimento social e econômico, famílias pequenas, predominam nelas a mão-de-obra
cujas atividades rurais culminarão na estagnação ou no familiar em 92,72% das unidades rurais, cujo percentual
desaparecimento. Isto pode ser confirmado quando foi de pessoas da família que trabalham na propriedade
questionado o desenvolvimento de atividades paralelas varia de duas a 4 pessoas nas práticas agropecuárias.
e 29,09% dos entrevistados admitiram que possuem Este índice é explicado pelo reduzido número de
como atividade principal o comércio, escritórios de pessoas na família das unidades produtoras rurais,
contabilidade, oficinas mecânicas e serviço bancário revelando um marcado êxodo rural que se processa nas
entre outras, executadas na cidade de Quarai. últimas décadas. O trabalho tem caráter intensivo, 8
Esses dados permitem deduzir que a sub-bacia horas/dia para 41,81% dos entrevistados que admitiram
do Areal está sendo transformada em área de transição trabalhar 365 dias/ano.
entre o rural/urbana na qual as pessoas possuem dupla A alta ocupação da mão-de-obra na propriedade
atividade.Tem contribuído para isto as dificuldades de dispensa o trabalho de terceiros, apenas 20% realizam
sobrevivência no meio rural, a insignificante dimensão tarefas fora da propriedade, exercendo tarefas como a
de área disponível, as dificuldades de mercados para os de “alambrador” (pessoa que faz cercas para o criatório
produtos e, principalmente, a atração do urbano (Sede do gado em uma propriedade localizada, geralmente, na
municipal de Quarai) dada a sua proximidade e as metade sul do estado do Rio Grande do Sul), outra
facilidades de acesso. atividade é a de diarista em época de plantio e colheita
Quanto a variável que determina o número de da produção Por outro lado, 15,4% dos entrevistados
famílias por propriedade, o predomínio é de uma família contratam mão-de-obra assalariada em determinados
em 80% dos casos. Tal informação revela a presença períodos do ano. Também, os serviços de mutirão não

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são difundidos o que permite entender que não há ser utilizadas para o trato dos animais. (desta forma
trabalho associativo e nem grupos comunitários. tem-se o consorcio entre as atividades agrícolas e a
Nas questões referentes as condições de pecuária).
alimentação e aproveitamento dos produtos na família, No que diz respeito ao baixo uso de técnicas
observou-se que 49% utilizam os produtos In natura, como a análise de solo e aplicação de calcário, elas
37,25% utiliza-os em caldas, sendo que as verduras são refletem o intenso grau de descapitalização dos
consumidas em forma de saladas para 81,55% das moradores do Areal. Entretanto, percebeu-se a
unidades rurais. A respeito do futuro da propriedade acentuada dependência aos fertilizantes de origem
como atividade rural, ela tende a ter continuidade para química. Neste sentido, recomenda-se a intensificação
70,9% dos entrevistados que admitem a permanência da adubação orgânica (atualmente subtilizada, em
dos filhos na propriedade caso não encontrem outra pequenas áreas), pois a produção da pecuária local
perspectiva de inserção dos membros da família em propicia a matéria-prima eficiente e de baixo custo às
outros ramos da atividade econômica, ainda que sua unidades produtoras. Está técnica, cada vez mais vem
produção seja dirigida para o consumo próprio. ganhando espaço no cenário Estadual em função da
Indagados porque são agricultores, 78,2% produção natural que representa impacto menor ao
responderam que gostam da atividade, entretanto, ambiente.
admitiram que não encontraram outra oportunidade de Como fator positivo da produção no Areal,
trabalho, mas não desejam vender suas terras. destaca-se a alternância das culturas nas propriedades.
Procurando identificar o nível de sociabilidade Por se tratar de culturas cíclicas, como melancia, melão,
das famílias, constatou-se que apenas 40% participam milho e abóbora, elas podem ser produzidas
de entidades sociais, porém não comunitárias. A consorciadas e escalonadas em faixas aumentando a
população também, sugeriu que para desenvolver a proteção do solo.
comunidade é necessário melhorar as estradas (28%), No que diz respeito aos recursos da flora o
além de ampliar a rede de ensino (8%) que oferece até estudo realizado permitiu destacar que os produtores
a quinta série do ensino fundamental, (reivindicam no efetuam plantio de árvores em suas propriedades,
sentido de completar esta modalidade de ensino), além embora em quantidades inexpressivas. Isto se deve ao
de orientação técnica e energia elétrica. fato da sub-bacia possuir como principal característica a
Em relação a contribuição de órgãos públicos vegetação de gramíneas, com exceção das áreas onde
para o desenvolvimento da comunidade, 61,8% dos ocorrem as mata - galeria.
casos analisaram a atuação da Prefeitura Municipal de Observou-se ainda que em determinadas
forma satisfatória. Isto se deve, principalmente a propriedades, o homem buscando solos mais férteis
patrulha rural (composta por tratores e implementos vem avançando sobre a mata - auxiliar, causando
para o preparo dos solos objetivando o cultivo das assoreamento em determinados trechos dos tributários
principais culturas cíclicas aos proprietários da e do próprio arroio Areal. Desta forma, faz-se necessário
localidade bem como do restante do município), que uma manutenção da mata - galeria como meio de
oferece serviços a comunidade. Entretanto, esta técnica conservar dos recursos hídricos, pois a escassez desta
que resolve os problemas imediatos dos agricultores atinge, na atualidade, 43,47% das propriedades nos
tende a causar problemas irreversíveis ao ambiente períodos de maior estiagem.
local, por se tratar de uma área de extrema fragilidade Nas questões pertinentes aos recursos hídricos
ecológica. A atuação do Sindicato dos Trabalhadores utilizados para o consumo da família têm-se a
Rurais foi vista como positiva para 9,1% das unidades preocupação em manter a vegetação como forma de
inquiridas. A assistência médica é obtida junto aos proteger os mananciais em 76,2% das propriedades.
órgãos governamentais como INSS e Posto de Saúde Contudo, no restante os animais têm acesso as
por 54,5% dos entrevistados. Os demais recorrem a nascentes o que pode transformar a água em fonte de
convênios e/ou hospitais particulares. contaminação. Assim sendo, faz-se necessário uma
proteção destes mananciais com cercas ou vegetação
4 CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES de porte.
No trato das questões sanitárias é necessária
O objetivo do estudo foi verificar os prováveis mudança de conduta em relação ao lixo gerado nas
efeitos da atuação do homem sobre o sistema físico a residências, uma vez que o mesmo pode ser usado (em
partir dos sistemas de produção desenvolvidos nas quase sua totalidade) na adubação orgânica junto as
unidades de produção familiar rural existentes na sub- hortas, pomares e lavouras. Atualmente está prática
bacia do Areal, município de Quarai - RS. acontece em apenas 13,2% das propriedades. Com
Desse modo, verificou-se que a falta de manejo esta prática, busca-se uma produção ecologicamente
adequado tornando a erosão acentuada e a expressiva correta, que se aproxime do desenvolvimento
perda da fertilidade do solo, tende a continuar na sustentável.
medida em que o Poder Público Municipal persiste em Também, as águas servidas em sua maior parte,
oferece condições aos produtores, através da Patrulha e em propriedades sem fossa e sem instalação
Rural, de efetuarem, com certa freqüência, a aragem hidráulica, é jogada em superfície nos fundos das
(revolvimento) do solo. Também, contribui para isto o residências que podem se tornar focos geradores de
pequeno número de produtores que mantém cobertura insetos nocivos a saúde humana.
verde no solo, (22,2%) principalmente nos meses em A composição do sistema de produção da sub-
que a precipitação é acentuada (dezembro, janeiro e bacia do Areal revelou a ocorrência de três
fevereiro), ocasionando o aparecimento de voçorocas características básicas; - diversificação da produção; -
nas lavouras. Assim sendo, faz-se necessário a insignificância na quantidade da produção; - carência no
intensificação do uso de cobertura vegetal através de sistema de comercialização.
culturas cíclicas e/ou pastagem forrageira que podem

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- diversificação da produção: no Areal as culturas de médio a pequeno, aves, ovina e suína, é destinada
que se salientam são o milho, melancia, mandioca, ao consumo interno das propriedades. O sistema de
arroz, melão e feijão. Estas culturas ocupam, criatório é de forma rudimentar, ou seja, criados soltos,
freqüentemente, uma área que varia de 0,1 a 5 neste caso, salienta-se a importância de se encontrar
hectares, em função das superfícies restritas das novos meios para incrementar a produção destes
propriedades, aliado a alternação de culturas com o animais, principalmente a de buscar novas formas para
sistema do criatório bovino e ovino.Também, contribui diversificar e obter rendimento extra, que pode ser
para a diversificação da produção as atividades estendido por todos os meses do ano. Como exemplo
hortigranjeiras, embora explorada para a subsistência, tem-se a probabilidade da expansão da venda de ovos
com exceção de 3,7% das propriedades que que atualmente alcança apenas 27,28% das
comercializam diretamente com os consumidores na propriedades.
cidade de Quaraí. Está comercialização, geralmente é O estudo, também permitiu conhecer a estrutura
acompanhada por cítricos nos meses de maio, junho e social da área, sendo que nela prevalece o baixo
julho, sendo realizada de forma individual e representam contingente populacional, com famílias pouco
uma forma de rendimento extra destas unidades de numerosas. Acrescenta-se a idade dos moradores que
produção. detêm a responsabilidade de dar continuidade a
Neste sentido recomenda-se o plantio de culturas produção agrícola. Aliado a esta problemática,
permanentes como por exemplo a videira americana acrescenta-se o baixo grau de escolaridade das
que não apresenta restrições em condições de repouso pessoas (ensino básico incompleto).
e de maturação. A sub-bacia do Areal, apresenta-se Nesse contexto, qualquer plano de normatização
como zona preferencial, por possuir ótimas condições a ser implementado na sub-bacia do Areal deve
climáticas para este tipo de cultura. Também é contemplar a permanência dos poucos jovens
classificada como preferencial a cultura da bergamota e remanescentes e/ou a volta ao meio rural dos filhos dos
limão em razão da soma térmica diária acima da agricultores que abandonaram o campo. Aliado a isto,
recomendada. Em se tratando de cítricos a cultura da deve-se acrescentar a ampliação da rede escolar ou de
laranja é considerada tolerada, podendo ser explorada formas alternativas para que as crianças e jovens
neste local. Quanto ao plantio de pessegueiros, a área tenham acesso ao estudo sem precisar sair do lugar e,
em estudo apresenta condições preferenciais, visto que desta maneira, encontrar meios para incrementar o
possui excelentes condições térmicas durante o período desenvolvimento local.
do ano, conforme as recomendações de culturas Finalmente a pesquisa permitiu deduzir que 29%
permanentes, somos concordantes com o das unidades de produção familiar da sub-bacia do
Macrozoneamento Agroecológico e Econômico do Areal foram incorporadas ao meio urbano do município
estado do Rio Grande do Sul, 1994. de Quarai e são exploradas como área de lazer em fim
- insignificância na quantidade da produção: de semana. Neste caso elas produzem exclusivamente
principalmente em função dos espaços confinados a para a subsistência em função de possuírem caráter
preocupação da subsistência em um primeiro momento. secundário nas atividades econômicas de seus
Desta maneira a comercialização se dá pelo excedente proprietários.
da produção no caso do milho e mandioca. Por outro Ao persistir o atual quadro de estagnação social,
lado, a cultura da melancia, melão e arroz adquirem econômico e ambiental das unidades de produção
caráter eminentemente comercial, sendo o arroz familiar na sub-bacia do Areal, as áreas tendem a ser
produzido com o emprego de tecnologia e incorporadas pelos médios e grandes proprietários
comercializado na Sede municipal de Quarai. vizinhos do Areal, bem como por moradores do meio
- carência no sistema de comercialização: em se urbano do Município.
tratando de culturas cíclicas, os produtores encontram
dificuldades na comercialização (exceto a produção do 5 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
arroz), pois a mesma efetua-se de forma individual,
onde todos se dirigem ao mesmo mercado (que em um ADAS, M. Geografia da América: aspectos físicos e
primeiro momento é possível ser identificado como sociais. São Paulo: ed. Moderna, 1982. 332p.
restritivo), em um curto período do ano (em média 40 BOLETIM TÉCNICO DO MINISTÉRIO DA
dias) com produtos perecíveis (milho In natura, melancia AGRICULTURA . Levantamento de reconhecimento dos
e melão). Deste modo, cabe aos órgãos de assistência solos do estado do Rio Grande do Sul. Recife.
técnica, junto com o poder público municipal buscar INCRA/RS-MA, 1973. 428p.
novas formas e locais para reverter este quadro de CHEGUHEM, S. S. Histórico de Quaraí. V. I. Trabalho
carência da comercialização. de Pesquisa Administração Municipal, 1991. 244p.
Nas questões relativas ao criatório do gado _____. Histórico de Quaraí. V. II. Trabalho de Pesquisa
bovino tem-se o cruzamento de raças sem linhagem da Administração Municipal, 1991. 229p.
genética definida e a presença da cruza charolês/zebu _____. Memorial de Quaraí. Administração Municipal,
que apresenta certa rusticidade e adaptação as 1992. 197p.
condições físicas do local. No caso da produção da CHRISTOFOLETTI, A. Panorama sobre as expectativas
pecuária a ausência de tecnologia está diretamente atuais no tocante às pesquisas em geografia física.
condicionada ao mercado: corte e leite para o consumo Departamento de Planejamento Regional - IGCE -
doméstico e/ou comercialização do excedente. UNESP, Rio Claro - SP, 606-625p. 1989.
Constatou-se que no Areal as formas de produção NOGUEIRA. Desenvolvimento e questão ambiental.
bovina, para uma parte de sua totalidade, acompanham Brasília: INEP, 1992. 138p.
o restante da Campanha Gaúcha. EHLERS, E. Agricultura sustentável: origens e
Por se tratar de área com ocorrência de perspectivas de um novo paradigma. São Paulo: Livros
produção familiar a criação de animais de porte variável da Terra, 1996. 178p.

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MACROZONEAMENTO AGROECOLÓGICO E
ECONÔMICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
RIO GRANDE DO SUL. V. 1. Porto Alegre. Secretaria
da Agricultura e Abastecimento, Centro Nacional da
Pesquisa do Trigo, 1994. 307p
MARAFON, G. J. & BEZZI, M. L. Manual didático sobre
a evolução do pensamento geográfico. Santa Maria.
UFSM/CCNE, 1992. 172p.
MÜLLER, G. Complexo agroindustrial e modernização
agrária. São Paulo: HUCITEC:EDUC, 1989. 149p.
PATERSON. J. H. Geografia, Recursos e População.”
In: Introdução a geografia econômica: terra, trabalho e
recursos. Rio de Janeiro: ZAHAR, 17-45p. 1975.
SCHUMACHER, E. F. O Negócio é ser pequeno. 4. ed.
Rio de Janeiro: ZAHAR, 1983. 363p.

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ADEQUAÇÃO DO ENSINO DE GEOGRAFIA A REALIDADE RURAL: UM ESTUDO


JUNTO AS ESCOLAS-NÚCLEO DO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA-RS1
ADEQUACY OF TEACHING GEOGRAPHY TO THE RURAL REALITY: A STUDY DONE BY THE NUCLEUS
SCHOOLS IN THE BOROUGH OF SANTA MARIA – R.S
2 3
Rosangela Lurdes Spironello e Meri Lourdes Bezzi

RESUMO Como resultado abandona o campo e busca na cidade


melhores condições de vida.
O momento atual é caracterizado por grandes As famílias que permanecem no meio rural
transformações no cenário global. Essa realidade sofrem a marginalização socioeconômica não lhes
também é sentida no meio rural, quando o jovem busca permitindo condições dignas de vida.
através da educação modificar essa realidade. A Neste contexto, está inserido o jovem rural, que
Geografia como ciência possui a capacidade de busca através da educação, modificar esta realidade.
instrumentalizar o jovem para a modificação dos fatos Por outro lado, percebe-se que a educação no meio
desde que o seu ensino seja voltado para o meio rural rural nem sempre está voltada para a realidade local, ao
através da adequação da aprendizagem, utilizando a contrário, prioriza o urbano, não permitindo o
cognição do educando aliado aos conteúdos didáticos. crescimento intelectual e o desenvolvimento integral do
Contudo, é preciso que o educador se disponha a indivíduo na sua realidade.
trabalhar os conteúdos geográficos dentro de uma Portanto, a realidade vivida pelo jovem do campo
perspectiva local e faça uso da percepção do educando não é trabalhada e muito menos questionado, no
sobre seu mundo. ambiente escolar. Deve-se ressaltar que a percepção do
educando não pode ser destruída e sim deve ser
Palavras-Chaves: Percepção; Geografia; Meio rural; trabalhada.
Educando. Diante deste quadro a Geografia tem grande
contribuição a fornecer, por meio da adequação do
ABSTRACT conhecimento geográfico ao ambiente de vida do aluno
que são perpassados através dos livros didáticos,
The present moment is characterized by great promovem o desenvolvimento local com conseqüente
transformations in the global scenery. This reality is transformação espacial.
noticed in the countryside, when young people search Sendo o aluno um ser que participa da
through education how to modify their space. construção de seu espaço e da história de suas
Geography, as a science, is able to instrumentalize relações espaciais, deve-se priorizar sua experiência e o
young people to modify facts since its study can be conhecimento, pré-concebido no espaço vivido.
turned to the countryside through the adequacy of Desta forma, o presente trabalho enfoca esta
learnyng, using the cognition of the learners allied to the temática tendo como objetivos: (a) verificar como o
didactic contents. It is necessary, through, that the ensino de Geografia, ministrado no Curso de Geografia
educationalist uses the geographic contents inside a da UFSM está adequado ao universo real de atuação do
local perspective and the learners perception about their profissional que atuará no meio rural; (b) analisar a
world. integração entre o curso de Geografia da UFSM e as
Escolas-Núcleo de Santa Maria, localizadas na zona
Key words: Perception; Geography; Countryside; rural e (c) divulgar e discutir as ações pedagógicas
Learner. executadas como forma de provocar a reflexão sobre as
atividades de Ensino-Pesquisa e também do Universo
1 INTRODUÇÃO de trabalho, voltada para o ensino fundamental, médio e
superior.
1.1 Problemática de Estudo Objetivos e Justificativa
do Trabalho 1.2 Metodologia do Trabalho

No cenário atual o mundo caracteriza-se por Inicialmente, realizou-se uma ampla revisão
constantes mudanças tecnológicas em todos os bibliográfica referente ao assunto em foco com o intuito
campos, devido a dinâmica evolutiva alcançada pelo de instrumentalizar e, conseqüentemente, alicerçar o
homem e, cada vez mais sobre os espaços, tanto na desenvolvimento teórico-metodológico da pesquisa.
cidade como no campo. Nesta perspectiva, insere-se o A segunda fase da pesquisa, esteve ligada a
pequeno produtor rural que não consegue acompanhar realização do trabalho de campo, com o objetivo de
a evolução tecnológica que a globalização lhe confere. conhecer a realidade da comunidade escolar.
Posteriormente, realizaram-se entrevistas que foram

1
Trabalho de Graduação A – Curso de Geografia/Geociências/CCNE/UFSM.
2
Acadêmica do Curso de Geografia/Geociências/CCNE/UFSM.
3
Profa. Dra. do Departamento de Geociências, LEPeR/CCNE/UFSM.

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aplicadas aos professores e a direção das escolas fundamentais, o elo de ligação entre o indivíduo e a sua
selecionadas. Paralelamente, observou-se a aula de cultura. Portanto, é a cultura um dos “motores” para as
Geografia das turmas de 8a séries, com o intuito de mudanças maiores que se verificam na paisagem.
apreender o conteúdo desenvolvido. Baseia-se, portanto, na fenomenologia
Há que se destacar que as entrevistas realizadas existencial, a qual procura a libertação da experiência
nas escolas estavam embasadas em 23 variáveis vivida através da atuação do homem no espaço e tempo
dividida em quatro (4) partes. A primeira parte, variáveis modificando-o, é o que BEZZI (1996:268) nos evidencia
de 1 a 7, referiam-se a infra-estrutura e aspectos físicos quando afirma que: “...para a fenomenologia o
das escolas, relacionava-se ao espaço interior e exterior conhecimento é derivado da prática humana...”.
ocupado pela escola. A segunda parte, variáveis de 8 a Portanto, a Geografia Humanística procura
16, demonstrava a preocupação com os conteúdos de explicar como o meio influencia a personalidade do
geografia desenvolvida na 8a série do Ensino indivíduo, pela sua atuação no tempo, vivenciado
Fundamental. Verificou-se também, a forma de trabalhar através de uma visão de mundo particular. Prioriza,
as informações transmitidas aos alunos; os subsídios portanto, uma análise pontual, singular, próprio daquele
para a complementação do conteúdo didático, bem “espaço”. No caso específico deste trabalho, o espaço
como, o método de avaliação utilizado pelo professor e rural.
também as demais questões relacionadas ao ensino. Na Resgata, portanto, o estudo das relações dos
terceira parte, variáveis de 17 a 19, dirigia-se a cognição indivíduos com a natureza e sua sociedade. E isso
do educando em sala de aula; a instituição formadora do resulta da ação do homem como agente atuante, que
professor de Geografia e o seu tempo de atuação em modifica, o espaço geográfico de acordo com o seu
sala de aula e a percepção da comunidade em que vive. conhecimento, suas necessidades e suas técnicas.
A quarta parte, variáveis de 20 a 23 referiam-se as Pode-se portanto, considerar-se que a fenomenologia
disciplinas trabalhadas fora da grade curricular normal, como uma tendência filosófica, norteia a Geografia
ou seja, observou-se as técnicas comerciais, técnicas Humanística. Ela teve suas origens ligadas a Edmund
agrícolas entre outras existentes na escola e que atuam Husserl (1858-1938). Busca contrapor-se ao
também como agentes formadores do espaço vivido no positivismo, o qual tem uma visão objetiva do mundo. A
meio rural. fenomenologia, busca então, promover o indivíduo
Ressalta-se que o universo estabelecido para tornando-o sujeito no processo de construção de seu
este trabalho foi as Escolas-Núcleo do município de conhecimento, destacando a essência do mesmo, sua
Santa Maria. Das sete escolas existentes no Município, atuação no tempo vivido, voltada sempre a apreender e
quatro, foram selecionadas. Tal escolha obedeceu a compreender o mundo e a maneira de como ele o vê, e
dois critérios de seleção: tempo disponível para a de forma mais complexa, como o sente.
realização do trabalho e realidades distintas das Neste contexto, pode-se dizer, que a
Escolas-Núcleo investigadas. As escolas escolhidas fenomenologia faz um estudo partindo da realidade do
foram : Escola Municipal Santa Flora, localizada no sujeito com o objetivo de fazer uma descrição da
distrito de Santa Flora; Escola Municipal Bernardino mesma mostrando como é a experiência de vida de
Fernandes, localizada no distrito de Pains, Escola cada ser, (seus sentimentos, pensamentos e emoção).
Estadual Almiro Beltrame localizada no distrito de Boca Valoriza portanto, a descrição sem preconceitos no que
do Monte, e Escola Municipal Major Tancredo Penna de diz respeito, a natureza da consciência da pessoa
Moraes localizada no distrito de Arroio do Sol. humana. Ressalta-se a importância dos ideais, dos
O período destinado as saídas a campo e valores, dos propósitos e as metas que cada indivíduo
observação “in loco” das aulas foram os meses de tem em relação a vida e o entorno no qual vive.
outubro e novembro de 1998. Tal escolha justifica-se, Através desta abordagem fenomenológica
porque somente nesses meses é que foi possível o entende-se que cada indivíduo constrói seus conceitos
contato com as escolas. No entanto, o trabalho de dentro do seu próprio mundo vivido. Estrutura sua
campo realizado contou com a disponibilidade e própria identidade, ou seja, a sua realidade, a qual é
interesse da população alvo. resultado de suas experiências e vivências no espaço e
Para a análise concreta do uso ou não da no tempo. Isso é enfatizado claramente por TUAN
percepção em sala de aula, por parte do professor, (1980:09), quando diz que: Experiência é um termo que
foram considerados alguns fatores, entre eles: infra- abrange as diferentes maneiras através das quais uma
estrutura; utilização de material de apoio e; plano pessoa conhece e constrói a realidade.
pedagógico da escola; por se entender que o E esta experiência é constituída dentro de um
profissional da educação realiza um trabalho dinâmico espaço idealizado, sonhado pelo homem.
com resultados concretos, faz-se necessário haver uma Pode-se dizer então, que o homem, é o
infra-estrutura de apoio a disposição, desde os aspectos “produtor” de sua cultura e passa a atribuir valores às
físicos da escola como as relações entre educando e coisas que o rodeia. Assim, a percepção envolve o
educador. mesmo, entendendo-o como agente social e a
apreensão dos valores e metas passam a ser
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS qualitativos e essenciais para a sua vivência, ou seja,
valoriza-se os componentes materiais, sociais,
2.1 Aspectos Teóricos da Escola Humanística intelectuais e simbólicos.
Neste contexto, o indivíduo que reside no meio
A presente pesquisa fundamentou-se na Escola rural, estabelece uma relação afetiva, direta e estreita
Humanística da Geografia a qual enfatiza as vivências e com essa paisagem, pelo fato de que, ali ele adquire
as experiências individuais, buscando a valorização do experiência, constrói o seu “ambiente”, cria e transforma
indivíduo através do meio no qual este se insere. Essa o espaço geográfico conforme a sua necessidade
Escola Geográfica, considera como pontos através da sua percepção.

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Neste sentido, CHAUI (1996:123), diz que a de interesse ou que tenham chamado atenção, e só aí
percepção: que ocorre a percepção (imagem) e a consciência
(pensamento, sentimento), resultando em uma resposta
... envolve nossa vida, isto é, os significados e os valores que conduz a um comportamento.
das coisas percebidas decorrem de nossa sociedade e
do modo como nela as coisas e as pessoas recebem O desenvolvimento de uma consciência crítica
sentido, valor e função. A percepção nos dá acesso ao (pensante e atuante), aliando-a a cognição do educando
mundo as coisas materiais, práticas, nos orientam para ao conteúdo tradicional a ser desenvolvido em sala de
as ações do dia a dia, ela é a forma do conhecimento aula, exige um profissional aberto a novas perspectivas.
institucionalizado. Estabelece-se, assim, uma retroalimentação na qual o
profissional não deve se mostrar preconceituoso a
Também preocupado com os estudos da idéias alheias. Este deve ser flexível quanto ao método
percepção PENNA (1968:11) fornece sua contribuição de trabalho a ser adotado, uma vez que esse método
quando fala que: Percepção é conhecer através dos deve beneficiar tanto o educando como o educador,
sentidos, objetos e situações. É um estender-se para o promovendo o gosto pela pesquisa, seja em sala de
mundo. aula ou fora dela.
Buscou-se então nesse trabalho basear-se nas Como ressalta VESENTINI (1989:179), é
experiências vivenciadas. Procurou-se trabalhar a necessário ter em mente que:
interferência do meio físico e social na formação da
personalidade da criança, e como as mesmas, poderiam ... não ensinar, mas ajudar a aprender, orientar
ser utilizadas para uma melhor retroalimentação no no crescimento intelectual-cognitivo-político, formar
ensino da Geografia, voltando a aprendizagem para o pessoas criativas, críticas e capaz de fazer coisas
seu meio ambiente, procurando, desta forma, fixar o novas.
homem ao campo enfatizando seus valores culturais.
De acordo, com Resende apud VESENTINI Nesse sentido, um professor somente realizará
(1989:84), há que se enfatizar que: um bom trabalho, se possuir uma mentalidade capaz de
reconhecer seus possíveis erros e aceitar diferentes
Se nós professores, passássemos a considerar alternativas, rever suas fundamentações
devidamente o saber do aluno (seu espaço real), constantemente e procurar a superação de suas
integrando-o ao saber espacial que a escola deve limitações.
transmitir-lhe..., tal atitude poderia trazer profundas e Desta forma, o professor de Geografia, deve ficar
benéficas conseqüências a nossa prática de ensino. atento as constantes inovações tecnológicas e estar
preparado para aliar a percepção do aluno com as
Há que se ressaltar também que, o professor novas técnicas. É necessário, portanto, trazer a
deve ser, acima de tudo, um estimulador da criatividade realidade para a sala de aula. Transformar o ato de
da criança ele deve ter domínio de conteúdo, passando ensinar em algo harmonioso, uma descoberta, ou uma
segurança e determinação para as mesmas e não um redescoberta, incitando a criatividade do aluno, para que
simples repassador de informações, que se perderão o mesmo busque soluções aos problemas do cotidiano
com o tempo. que fazem parte do contexto geográfico no qual o
Por esse motivo, é importante que os mesmo se insere.
professores tenham conhecimento da ciência e Da mesma forma PAVIANI (1988:33), nos coloca
desenvolvam conteúdos que se aproximem da realidade que:
vivenciada pelo educando, realizando um trabalho
conjunto através de troca de experiências, aluno x A vantagem de se trazer o cotidiano para a
professor, desenvolvendo atitudes reflexivas de ambas Geografia é a motivação dos jovens estudantes; eles
as partes. Fortalecendo a prática educativa, procura-se serão chamados a raciocínios e juízos, fruto de análises
melhorar o ensino e tenta-se amenizar possíveis elementares dos problemas sociais, econômicos,
desajustes que podem vir a ocorrer tanto no conteúdo, urbanos, ambientais contemporâneos.
quanto no método a ser utilizado para a transmissão do
conhecimento em sala de aula. Assim, de nada adianta um profissional
Portanto, a educação deve ser transmitida de altamente capacitado que una a percepção do
modo que o educando tenha o prazer da descoberta. educando a técnicas inovadoras, se todo o
Deve-se orientar o aluno a analisar a organização conhecimento trabalhado e adquirido pelo aluno não
espacial através de um raciocínio crítico, despertando a puder ser utilizado para a solução de problemas no meio
observação, a análise e a extrapolação do em que o mesmo vive. Conforme PAVIANI (1988:35):
conhecimento adquirido, evitando-se, sempre que
possível, a memorização. Propõe-se incentivar a O professor que adotar uma atitude mais
percepção conjuntamente ao conteúdo desenvolvido. dinâmica e inovadora deverá se munir de humildade,
Para SANTOS (1996:62): “A percepção é sempre paciência e firmeza frente a uma audiência mais
um processo seletivo de apreensão”. Pode-se dizer motivada e crítica. É seu papel.
então, que o indivíduo classifica as informações de
acordo com o seu interesse. Nesse sentido é mister que o professor deva
Da mesma forma, OKAMOTO (1996:22), salienta fazer uso do diálogo, deva ajudar o aluno, fazendo com
que: que ele encontre respostas para seus questionamentos
dentro de si mesmo, deve manter um elo de afetividade,
Pela mente seletiva, diante do um contato mais estreito entre ambos, favorecendo a
bombardeio de estímulos, são selecionados os aspectos busca de sua auto-realização conquistando de forma

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autêntica seu espaço, promovendo também seu indivíduo como ser, e da comunidade, como resposta ao
autocrescimento valorizando suas experiências na vida trabalho a ser desenvolvido.
cotidiana, onde o aluno participa diretamente da Pode-se dizer também que, a escola tem a
construção de seu meio. função de formar um cidadão ciente de seus direitos
Todavia, o profissional da área da educação onde o mesmo deverá buscar a ampliação de seus
deve estar comprometido com a construção do saber espaços, seja de participação cultural, econômica e
que será a gênese do futuro cidadão, dentro de sua política enquanto produtor do espaço geográfico em que
percepção de espaço, promovendo o desenvolvimento se vê inserido. E por estar inserida neste contexto, a
do mesmo. escola é o lugar onde se dispõe de condições
Neste sentido, NIEDELCOFF (1991:38), nos apropriadas para tal procedimento, até porque é uma
mostra outro perfil do educador dizendo que: instituição organizada dentro de determinados padrões
e de uma filosofia de trabalho.
- um mestre apático: que trabalha com notícias Neste contexto, é que as Escolas-Núcleo do
da atualidade mas que não se sente interessado e Município de Santa Maria foram pensadas e planejadas
comprometido com a realidade do país ou do mundo, dentro de sua filosofia de trabalho, com o intuito de
que não tem idéias claras nem uma atitude crítica diante melhor qualificar e preparar a sua clientela, buscando
dos fatos, não pode incentivar nas crianças atitudes que não só a formação individual mas também a coletiva.
eles mesmos não tem; Este projeto foi elaborado e apresentado para as
comunidades com o objetivo de atender as
Entretanto, para se realizar um trabalho especificidades desta população que até o momento
significativo que apresente resultados satisfatórios deve- estava em segundo plano.
se levar em conta, sobretudo, o ambiente no qual o Para que o projeto de “Nuclearização de
educando está inserido, a educação, a cultura, atitudes Escolas-Núcleo da Zona Rural” entrasse em vigor o
familiares, sua experiência individual, preferências do mesmo foi aprovado como experiência pedagógica.
grupo, e a herança biológica, como um conjunto de O objetivo principal da Nuclearização de Escolas
fatores que exercem forte influência, moldando sua é de fornecer às comunidades do interior do município
personalidade, sendo entendido desta forma, como um um ensino de pré-escola e ensino fundamental,
“trabalho vivo” que está sempre em construção, condizente com a realidade local oportunizando uma
transformação. educação em que o aluno cresça através “do trabalho
Contudo, o ensino da Geografia deve resgatar as para o trabalho”, contribuindo assim, para a sua
experiências do educando e utilizá-las como subsídios autopromoção e realização como agente ativo
para o mesmo ver no campo uma saída para sua construtor do espaço geográfico e transformador da
sobrevivência, construindo seu futuro dentro de seu sociedade, valorizando suas experiências e vivências do
ambiente conhecido, sem precisar recorrer a cidade cotidiano.
para solucionar seus problemas econômicos, deixando- A Escola-Núcleo, na busca incessante de formar
se perder sua potencialidade criadora, nas periferias das o indivíduo conhecedor de sua realidade, de suas
cidades. aspirações faz com que o aluno se torne sujeito do
A Geografia como uma ciência eminentemente processo, construtor de sua própria história, e
social, possui instrumentos para guiar o educando transformador do meio em que vive, vencendo
nessa difícil tarefa que é a escolha de permanecer ou obstáculos e preconceitos, buscando uma maior
não no meio rural. No entanto, é necessário saber se o integração e envolvimento com a comunidade.
modo como a Geografia vem sendo colocada, é clara
nesse sentido, ou se está mostrando somente uma 3 ESCOLAS-NÚCLEO DE SANTA MARIA-RS
saída? Conforme nos diz novamente NIEDELCOFF
(1991:50): O objetivo da Geografia na escola é ajudar as O município de Santa Maria até o ano de 1989
crianças a CONHECER O HOMEM através da possuía uma das maiores redes de escolas do Estado,
compreensão da inter-relação deste com o meio. constando no total de 170 escolas, das quais 126 se
Ou seja, entender como o homem se organiza na localizavam na zona rural do Município. As escolas, na
sociedade em que vive, e como este transforma o sua maioria, eram atendidas por um só professor, que
espaço geográfico de acordo com sua ação e da mesma trabalhava quatro turmas em uma só sala (1ª a 4ª série)
forma, como ele se identifica com o mesmo. enfrentando inúmeros problemas, entre eles: a grande
Portanto, é necessária a conscientização tanto repetência dos alunos, evasão escolar, principalmente,
do educador como do educando de que a Geografia se em época de colheita; a falta de espaço físico;
faz na prática, na construção de seu próprio destino. dificuldades de acesso tanto do aluno quanto do
Alteram-se padrões tradicionais procurando modificar professor às escolas e a unidocência.
também o meio, uma vez que, as relações espaciais são Diante desse quadro, a Prefeitura do Município
dinâmicas. SANTOS (1996:61) esclarece que: de Santa Maria, passou a elaborar um diagnóstico
referente a realidade rural, com o intuito de melhorar a
...tanto a paisagem quanto o espaço resultam de qualidade de ensino neste meio. Em algumas escolas
movimentos superficiais e de fundo da sociedade, uma houve a melhoria de sua infra-estrutura e a ampliação
realidade de funcionamento unitário, um mosaico de dos prédios. Da mesma forma, o sistema de transporte
relações, de formas, funções e sentidos. escolar foi reorganizado para atender essa população.
Efetuou-se, também, a compra de equipamentos para o
Logo, a Geografia pode vir a ser enriquecida desenvolvimento tanto das atividades administrativas
através da percepção que o indivíduo tem ou que ele faz quanto das pedagógicas. O projeto elaborado ficou
de seu mundo se colocada e trabalhada de forma clara conhecido como “Nuclearização de Escolas da Zona
e consciente, voltada sempre para o crescimento do Rural” de Santa Maria.

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Geografia: Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 51-55, 2001 55

Este projeto veio a constituir-se em um processo trabalhado, propiciando a criação de um indivíduo apto a
gradativo de agrupamento de pequenas escolas atender e modificar seu espaço e promover mudanças
unidocentes em uma Escola-Núcleo, apresentando sociais.
assim, características específicas de trabalho e Sugere-se então que: (a) ocorra um intercâmbio
organização com um plano pedagógico vinculado as maior entre a UFSM e as Escola-Núcleo, via estágio
necessidades da população que reside no espaço rural acadêmicos de Geografia a partir dos primeiros
do Município. semestres,
Hoje, o município de Santa Maria conta com contribuindo através de observações em sala de
sete Escolas-Núcleo, das quais quatro possuem Ensino aula, bem como esclarecer conteúdos diversos
Fundamental completo e três com Ensino Fundamental trabalhados pelos professores de Geografia; (b) quanto
incompleto. Sendo que, das sete Escolas-Núcleo três a Secretaria da Educação, mesma deveria manter os
delas trabalham com horário integral, e as demais, professores de Geografia atualizados através de cursos,
trabalham com horário convencional. Essa palestras, eventos e distribuição de materiais como
diferenciação no funcionamento das escolas pode ser revistas e jornais, periodicamente, por serem de suma
entendida como modalidade de funcionamento importância para o ensino atuante e crítico, promotores
específica de cada escola. do desenvolvimento social e (c) para evitar a evasão
Diante deste quadro, as Escolas-Núcleo vieram dos alunos que terminam o Ensino Fundamental nas
a modificar o ensino no meio rural, possibilitando aos Escola-Núcleo, poderia dar-se continuidade dos
jovens um ensino de melhor qualidade oportunizando a estudos, através da implantação do Ensino Médio
conclusão do Ensino Fundamental e abrindo espaço voltado para a área agrícola.
para construção de um futuro mais sólido e aberto a
novas perspectivas. Possibilitou, ao estudante, partir 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
para o mercado de trabalho, com condições reais de
competir ou permanecer em seu ambiente de origem BEZZI, M. L. REGIÃO: Uma (Re)visão historiográfica da
promovendo o desenvolvimento do mesmo. Gênese aos Novos Paradigmas. Rio Claro, Instituto de
Neste contexto, procurou-se analisar se a idéia Geociências e Ciências Exatas, UNESP. 1996, p.276-
da implantação das Escolas-Núcleo foi válida, tendo 299, il, Tese, (Doutorado - Organização do Espaço)
como linha mestra deste estudo a Geografia, através da CHAUI, M. Convite a Filosofia. 5. ed. São Paulo: Ática,
Escola Humanística. Salientou-se, também, o modo 1996. 120-125p.
como a mesma foi adaptada a essa nova realidade e NIEDELCOFF, M. T. A Escola e a Compreensão da
qual a resposta obtida do educando diante destas Realidade. 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. 101 p.
modificações, fazendo uso da percepção para melhor OKAMOTO, J. Percepção Ambiental e Comportamento.
entender a dinâmica social. São Paulo: Plêiade, 1996. p. 21-25.
PAVIANI, A. Por uma Geografia do Cotidiano. Revista
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Geografia Ensino, Minas gerais, 2 (8): 31-35, 1988.
PENNA, A. G. Percepção e realidade: introdução ao
O presente trabalho teve como base o estudo da estudo da atividade perceptiva. Rio de Janeiro: Fundo
percepção, no contexto geográfico. Procurou-se de Cultura, 1968. 189p.
focalizar a metodologia adotada pelo professor em sala SANTOS, I. F. Escola Núcleo como alternativa para
de aula ao trabalhar os conteúdos geográficos no meio Educação Rural: Uma Análise sócio-histórica de uma
rural. experiência pedagógica no município de Santa Maria -
Por isso, é relevante ressaltar a importância da RS. Santa Maria- Curso de Pós-Graduação em
escola ao educando e os meios necessários para Educação, UFSM, 1993. 158p. Dissertação Mestrado
efetuar suas atividades. Destaca-se que as Escolas- em Educação, UFSM.
Núcleo analisadas apresentam uma infra-estrutura SANTOS, M. Metamorfoses do Espaço Habitado. 4. ed.
satisfatória o que possibilita a variação das opções São Paulo: HUCITEC, 1996. p.11-70.
oferecidas. São elementos ligados as atividades de VESENTINI, J. W., et al. Geografia e Ensino: textos
aulas práticas, bem como um elemento integrador entre críticos. Campinas: Papirus, 1989. 201p.
a percepção e o seu meio ambiente.
Aliada a infra-estrutura está o plano pedagógico
da escola. Pôde-se verificar, pela ocorrência da
adequação do ensino, que cada escola considerando a
realidade na qual está condicionada, harmonizou o
conteúdo da grade curricular normal a prática de
disciplinas técnicas em forma de projetos desenvolvidos
em disciplinas específicas.
Também se pôde constatar que nas aulas
observadas ocorreram momentos de adequação do
ensino da Geografia a realidade local, por meio de
exemplos do cotidiano citado pelo professor para
elucidar conteúdos, bem como para realização de
trabalhos escritos ou temas ligados ao homem rural.
Ao utilizar a percepção junto com o conteúdo
didático desenvolvido em sala de aula, o professor
estimula a criatividade e promove a busca do
conhecimento por parte do educando aliando suas
experiências vivenciadas ao conteúdo normal

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