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DAS DOUTRINAS A EXPERIMENTACAO: RUMOS E METAMORFOSES DA MEDICINA NO SECULO XIX LUIZ OTAVIO FERREIRA Resuno: 0 objetivo desse artigo ¢ desenvotver uma sintese hstérea da medicina no século XIX. Apresentamos uma compreensdo global das transformacées conceituals que no curso do steulo XIX ‘struturaram a medicina no campo clnicoe no campo experimental. Abstract: The meaning of this article is develop an historical abstract of medical science during the XIX century. We introduce a global understanding of the theoretical changes, which, in that century, ‘made out the bass ofthe actual medical science both in clinical and experimental areas. INTRODUCAO, O objetivo desse artigo € desenvolver uma sintese histérica da medicina no século XIX. N3o pretendemos, portanto, fazer uma descrigio factual enumerando cronologicamente os principais eventos cienificos e seus respectivos realizadores. O que nos interessa ¢ obter uma compreensdo global das transformagdes conceituais que no curso do século XIX, estruturaram a medicina no campo clinico ¢ no campo experimental UM SIGNIFICANTE A ESPERA DE UM SIGNIFICADO ara Canguilhem (19772) 0 século XIX foi o tempo de uma revolugdo na arte de curar. Essa revolugdo a0 mesmo tempo tedrica ¢ terapéutica foi operada, a partir de 1870, pelo advento da quimioterapia concebida por P. Erlich (1854-1915) ¢ pela descoberta do fendmeno da imunidade pelos continuadores das investigagses microbiol6gicas iniciadas por L. Pasteur (1822-1893) € R. Koch (1843-1910). ‘A medicina modema cujas origens remotas sto nos estudos de anatomia humana e na histria natural enciclopédica renascentistas (Debus, 1985) teve que aguardar, apesar de todos 0s fecundos resultados obtidos através da experimentaglo ¢ da exploracdo de analogias fisico-cientificas no século XVII (Hall, 1977), até final do século XIX ppara que por meio da quimica e da bacteriologia pudesse alcancar a eficdcia desejada, Na interpretagdo de Canguilhem é fato que até o final do século XVIII a diferenca entre a medicina herdada da antigiidade ¢ a medicina ‘modema permaneceu sendo puramente filos6fica ‘A medicina modema ndo produziu, ‘até 0 final século XIX, nenhum efeito significative para a preservacto da saide humana, “No se traduziu por nenhuma realizapto notivel o projeto comum a Bacon e Descartes: reservar asaide eevitar,oupelomenos retard, adecadéncia ea velhice, isto 6, prolongar a vida ‘Se Malebranche, em primeiro lugar, e depois ‘Marotte falaram de ura "medicina experimen- tal’, ese signficante esperava ainda por seu sig- nificado. No século XVIII @ medicina era ainda uma sinlomatologia e uma nosologia explic- tumente decaleadas nas classificagBes dos natu- ralistas. A etiologia médica dispersou-se na constitigdo de sistemas, rejuvencscendo as Vo- thas doutrinas do humorismo edo solidismo, quer por referéncia as novas experiéncias ou novos concetos da sca (atrapo,galvaniso)ou, pelo ‘contririo, por oposieso metaisica as assimi- lngdes mecanicists. A terapéutica oscilou entre ‘© exletismo céptioo ¢ o dogmatismo obstinado, ‘mas sem qualquer fundamento além do em- pirismo".(Canguilhem, 1977, p.52-53) ‘Também Foucault (1990) chama aatengdo para © fato de que, nos séculos XVII e XVII, 0 pensamento € a prética médica néo possuiam a ‘unidade que hoje € possivel constatar. O mundo da cura era organizado segundo principios Revista da SBHC, n.10, p.43-82, 1993 especificos que nao eram controlados com exatidao pela teoria médica, pela andlise fisioldgica ou pela prépria observacao dos sintomas. A hospitalizago ¢ o intemamento eram independentes em relagfo a medicina, ena propria ‘medicina a comunicagdo entre teoria ¢ prética era extremamente insatisfatéria. Foucault atribui a dois fatores esse

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