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Trabalho Eletiva Sheila
Trabalho Eletiva Sheila
27 de Junho de 2017
DRE: 113144717
RESUMO
INTRODUÇÃO
O continente africano foi interpretado por muito tempo como objeto de estudo dos antropólogos
e arqueólogos. Acreditava-se que apenas a etnografia daria conta de compreender a essas
populações devido à ausência de fontes escritas. Sendo assim, os historiadores do século XIX
e de meados do XX entendiam a ausência de fontes escritas como uma limitação a narração do
passado desses povos.
No entanto, cabe ressaltar que essa questão não gira apenas em torno dessa ausência, mas
também fala sobre a cientificidade e o Darwinismo social que via esses povos enquanto
inferiores e incapazes de produzir história. As sociedades ágrafas eram tidas enquanto
sociedades inferiores, pertencentes a uma primeira infância da humanidade.
1
A virada historiográfica permitiu que afirmações como a de Hegel e de Hugh Trevor-Hoper,
sobre a inexistência de uma história dos povos africanos antes da chegada europeia, fossem
desconstruídas e com isso tal história fosse narrada. Alberto da Costa e Silva1, na conclusão do
livro Um Rio Chamado Atlântico, aponta justamente essa questão e essa desconstrução ao
afirmar que
Sendo assim, a história precisou passar por um revisionismo para que a história da África fosse
inclusa no rol da historiografia.
Dentre os fatores que influenciaram essa entrada da África na historiografia temos a luta de
diversas sociedades africanas pela descolonização do continente, pois muitos dos colonizados
vão estudar na Europa ou estudam nas escolas criadas no continente pelos países colonizadores
ou pelas missões cristãs, em decorrência disso, eles se apropriam desse conhecimento e a partir
dele começam a questionar a colonização e a presença europeia em África.
Wole Soyinka2, escritor nigeriano que estudou em escolas criadas pela Inglaterra, utiliza a
figura de Ogum para falar sobre esse modelo do "sujeito cultural e do artista africano atual"
(Reis, p.23), o qual se encontra em contato com dois mundos, o europeu e o africano, assim
como Ogum se encontra em contato com o mundo dos homens e dos deuses. Outra metáfora
utilizada por Soyinka e citada por Eliana Lourenço Reis em "Pós-colonialismo, identidade e
mestiçagem cultural. A literatura de Wole Soyinka" é a imagem do ser anfíbio que vive entre a
1
Poeta, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras. Especialista na cultura e na história da África.
Autor de A enxada e a lança (1992), A manilha e o libambo (2002), Um rio chamado Atlântico(2003) e
Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (2004).
2
Escritor nigeriano. Agraciado com o Nobel de Literatura, em 1986 .
2
água e a terra, ou seja, a cultura europeia e a africana. Com isso, esse ser anfíbio usa das armas
fornecidas pelo colonizador para se opor a presença europeia.
Léopold Senghor, por um caminho diferente do traçado por Wole Soyinka, foi outro autor fruto
dessas questões em África que por meio da intelectualidade buscava uma positivação do "ser
negro", ou seja, buscava mostrar aos negros as características positivas de sua negritude 3. Um
exemplo dessa afirmação é o seguinte poema:
Dentro desse contexto de busca pela compreensão de África e dos africanos, a cultura material
e a história oral se apresentaram enquanto uma das soluções a ausência de fontes escritas.
Muitas vezes vista enquanto objeto de estudo apenas da arqueologia, a cultura material por um
longo período de tempo não foi objeto de estudo dos historiadores. No livro Writing Material
3
Senghor, em parceria com Aimé Césaire e Léon Damas, foi o idealizador da revista L´étudiant Noir. De acordo
com Petrônio Domingues, esse movimento literário que se opunha ao processo europeu de assimilação do
negro, marcou a fundação da ideologia danegritude, a qual é amplamente criticada por autores, como Wole
Soyinka que de modo metafórico aponta que um leão não precisa se afirmar, ele apenas salta, com isso
querendo dizer que o negro não precisa se reafirmar enquanto negro, mas apenas ser.
3
Culture History, os autores Anne Gerritsen e Giorgio Riello apontam justamente para a
dificuldade da história, assim como de outras ciências humanas, em relação ao uso da cultura
material. A proposta dos mesmos é por meio desse livro definir o que é cultura material e reunir
uma coletânea de artigos que apontem caminhos para que pesquisadores de diversas áreas
façam uso dessa fonte.
Sendo assim, para os autores a cultura material não se resume apenas a objetos, mas a objetos
que possuíam um significado no passado. A compreensão do significado desse objeto é
realizada por meio da análise do contexto em que ele foi encontrado, dentre outras coisas.
Ulpiano de Meneses4, em "A cultura material no estudo das sociedades antigas", lançado em
1983, realiza críticas a discriminação dos historiadores em relação a cultura material, aponta
uma "marginalização da cultura material" (Meneses, p.104) e o uso da "informação
arqueológica, de maneira puramente instrumental" (Meneses, p.104).
O autor defende o uso da cultura material por historiadores e a define como "segmento do meio
físico que é socialmente apropriado pelo homem. Por apropriação cultural convém pressupor
que o homem intervém, modela, dá forma a elementos do meio físico, segundo propósitos e
normas culturais." (Meneses, p. 112)
Recentemente diversos pesquisadores tem feito uso da mesma para compreender não apenas
sociedades que não deixaram registros escritos, mas também sociedades com registros escritos.
Como por exemplo, estudos sobre a ocupação da cidade do Rio de Janeiro por meio do material
retirado nas escavações arqueológicas do Cais da Imperatriz5, também conhecido como Cais do
Valongo, onde os artefatos recolhidos permitiram que pesquisadores acessassem a realidade da
população local em um período que possuía registros escritos.
Outro estudo partindo de historiadores que se relaciona a esse nicho da cultura material são as
escavações em uma fazenda do norte Fluminense, Campos dos Goytacazes, onde Luís Cláudio
4
Professor Emérito da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Sâo Paulo, titular
aposentado de História Antiga, docente do programa de Pós-Graduação em História Social.
5
Tania Andrade de Lima - Professora associada do Departamento de Antropologia do Museu Nacional e
arqueóloga responsável pela escavação da região portuária do Rio de Janeiro – publicou trabalhos que fazem uso
da cultura material para a compreensão da ocupação da região do porto carioca. Dentre eles estão: "Em busca do
Cais do Valongo, Rio de Janeiro, século XIX" e "Arqueologia como ação sociopolítica: o caso do Cais do
Valongo, Rio de Janeiro, século XIX".
4
Symanski6 e Flávio Gomes7 buscam por meio da cultura material acessar o cotidiano das
populações escravizadas, as práticas realizadas e ocultadas dos senhores.
Essas pesquisas apontam o quão enriquecedor para a historiografia é o uso da cultura material
enquanto fonte primária e não apenas como ilustração ou suporte para a fonte documental.
Escavações em África trouxeram, e ainda trazem, à tona constantes descobertas sobre o passado
pré-colonial, colonial e pós-colonial africano. Alberto da Costa e Silva, em A enxada e a lança,
no capítulo "Os litorais do Índico”, aponta para um contato entre bantos e estrangeiros, por
meio da análise de cerâmicas, faianças persas e vidros islâmicos oriundos de escavações em
territórios dos povos pertencentes ao tronco linguístico banto. Sendo assim, a cultura material
foi um meio de comprovar e compreender a relação comercial entre bantos e estrangeiros pelo
litoral do índico.
Para além do uso da cultura material em estudos relacionados aos períodos anteriores a chegada
dos europeus, a materialidade africana é tão plural que elucida o historiador sobre diversos
momentos na história dos países africanos.
Os presentes recebidos por D. João VI podem ser vistos na exposição Kumbukumbu no Museu
Nacional da UFRJ, onde são peças centrais em uma espaço expositivo elaborado em resposta a
lei 10639/03 que requer o ensino de História da África e dos afrodescendentes nas escolas
públicas e particulares de todo o Brasil.
Kumbukumbu, para além dos presentes do Rei Adandozan a D. João VI, mostra as diversas
possibilidades que se apresentam no estudo da cultura material africana. Como, por exemplo,
6
PhD em antropologia - arqueologia pela University of Florida (2006). Realiza pesquisas na área de
Arqueologia, com ênfase em Arqueologia Histórica, atuando principalmente nos seguintes temas: arqueologia
histórica, arqueologia da diáspora africana, teoria da prática, teorias de contato cultural, grupos domésticos.
7
Doutor em História Social (1997) pela Unicamp e professor dos programas de pós-graduação em Arqueologia
(Museu Nacional/UFRJ), História Comparada (UFRJ) e História (UFBA).
5
as representações em madeira de Ngumba e Inkisi, entidades sobrenaturais da Bacia do rio
Congo, confeccionadas no século XIX e os bastões cerimoniais de Angola, datados do século
XIX.
CONCLUSÃO
Esse conjunto de fatores aponta a necessidade da valorização da cultura material e o seu uso.
Por meio dela, todos os indivíduos do passado tem voz e , em decorrência, têm suas histórias
transmitidas. Sendo assim, a máxima de Marc Bloch se cumpre também por meio da análise da
cultura material, pois ela permite que se narre a história de todos os homens no tempo.
Bibliografia
Lima, Tania Andrade. Arqueologia como ação sociopolítica: O cais do Valongo, Rio de Janeiro,
Século XIX. Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, Minas Gerais, Vol. 7, n. 1,
jan./jun., 2013.
Lima, Tania Andrade et al. Em busca do Cais do Valongo, Rio de Janeiro, século XIX. Anais do
Museu Paulista. São Paulo, Vol.24., n.1, p. 299-391. Jan./abr., 2016.
Meneses, Ulpiano T. Bezerra. A cultura material no estudo das sociedades antigas. João Pessoa:
Atas - I Simpósio Nacional de História Antiga, Ago, 1983.
Silva, Alberto da Costa. “Os litorais do Índico” (Cap XII). A enxada e a lança. 5º ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
6
Reis, Eliana Lourenço de Lima. Pós-colonialismo, identidade e mestiçagem cultural. A
literatura de Wole Soyinka. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999.
Silva, Alberto da Costa. Um Rio chamado Atlântico. 5º ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2011.