Eis a questão: agir corretamente não é apenas uma questão de
consciência, mas um dos quesitos fundamentais para ter uma
carreira respeitada e sólida.
Q
uem nunca ouviu falar do
famoso “jeitinho brasileiro”?
Aquele que está relacionado
ao levar vantagem em tudo,
não importando muito se os
meios para alcançar os resultados preten-
didos são adequados. Atualmente, ele
não encontra muito espaço no mercado,
isso se já não estiver com os dias conta-
dos. Com a abertura comercial processa-
da nos anos 90, o Brasil ficou exposto à
concorrência internacional e aos padrões
culturais de países altamente desenvol-
vidos, que pressupõem princípios de con-
duta ética nos negócios. Além disso, des-
de 1985, com a construção de um regime
político liberal e o conseqüente fortale-
cimento civil que dispõe de canais de
pressão e expressão, quaisquer compor-
tamentos oportunistas e egoístas – sejam
eles adotados por empresas ou por pro-
fissionais – têm sofrido repulsa e retalia-
ção. “A imagem e a reputação das orga-
nizações e das pessoas têm se convertido
em ativos valiosos que podem ser facil-
mente desperdiçados por ações abusivas,
que visem a levar vantagem em detrimen-
to dos demais agentes”, avalia Robert
Srour, professor de MBA da FEA/USP.
“Nota-se em todo o mundo uma ‘volta
à moralidade’”, afirma a professora Ma-
ria Cecília Arruda, da Fundação Getúlio
Vargas – FGV/SP. Embora no mercado
brasileiro a ética pareça ainda ser mais
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falada do que vivida, é certo que hoje
uma empresa pouco transparente não
pode garantir sua sobrevivência plena no
mercado. A honestidade, a lealdade, a
competência passaram a ser valores mui-
to prezados por clientes, consumidores e
fornecedores. Uma falha da empresa ou
do profissional em algum desses princí-
pios pode ser suficiente para que uma
organização ligada a ela(e) rompa seu
contrato ou seus negócios por um bom
tempo, se não para sempre”, completa
Maria Cecília, também responsável pelo
Centro de Estudos de Ética nas Organi-
zações da FGV/SP.
O comportamento
“A ética é, de fato, uma disciplina teó-
rica de caráter filosófico ou científico.
No entanto, o senso comum
a entende como um conjun-
to de atitudes que se con-
fundem com ‘ter caráter’”,
explica Robert Srour. Por-
tanto, vale dizer: ser ético
corresponde a ter respeito
MARIA CECÍLIA ARRUDA,
profª da FGV/SP: “Nota-se
em todo o mundo uma volta
à moralidade”.
pelos outros, ser idôneo e confiável, com-
portar-se como uma pessoa digna e “de
bem”. Neste sentido, o mercado de traba-
lho preza e valoriza profissionais que têm
ética, isto é, que demonstram ter respon-
sabilidade e zelo pelos interesses da em-
presa e da coletividade. “São pessoas que
se tornam colaboradores indispensáveis
para que as empresas consigam construir
relações duradouras com seus clientes”,
avalia Srour, também autor do livro “Éti-
ca empresarial”, lançado recentemente.
O comportamento ético constrói uma
reputação de seriedade, compostura e
preocupação com as conseqüências das
decisões adotadas e das medidas toma-
das. Confere credibilidade às empresas e
aos profissionais, aumentando fortemen-
te o cacife de cada qual no mercado.“É o
que chamamos de patrimônio intangí-
Agitação
 Além de ser individual, qualquer decisão ética tem por Ser humilde – permite ouvir o que os outros têm a
trás um conjunto de valores fundamentais. Confira al- dizer e reconhecer que o sucesso individual é também
guns dos principais: fruto do trabalho em equipe.

Ser honesto em qualquer situação – a honestidade é
considerada a primeira virtude no mundo nos negóci-
os, uma vez que a credibilidade é resultado direto de
uma relação franca.
Ter coragem para assumir as decisões – mesmo que
seja preciso ir contra a opinião da maioria, mostra a
personalidade e conduta ética do profissional.
Ser tolerante e flexível – às vezes, idéias tidas como
absurdas podem ser a solução para um problema. Por
isso, é importante saber ouvir as pessoas e avaliar a
situação, sem julgá-las antes.
“A chave da conduta ética repousa na montagem de
uma equação em que são levados em conta os interes-
ses coletivos, os corporativos e os individuais. Não se
trata de sacrificar os interesses pessoais (ser um au-
têntico santo) nem de conferir primazia aos interesses
corporativos (numa estreita visão exclusivista). É pre-
ciso encontrar o exato ponto de equilíbrio entre os
interesses sociais mais amplos e os demais interesses
(empresariais e pessoais)”.

Ser íntegro – significa agir de acordo com os princípi-

os pessoais, mesmo nos momentos mais críticos.

Fonte: Revista Você SA

vel”, define o professor da FEA/USP.
Além disso, agir corretamente contribui
para multiplicar as oportunidades de
construir uma carreira sólida e permite
realizar negociações num ambiente de
confiança, o que é vital para obter resul-
tados mais produtivos e mutuamente
vantajosos para todas as partes.
O profissional
Com o avanço tecnológico, o preparo
técnico deixou de ser um diferencial
maior entre as pessoas que querem de-
sempenhar um trabalho profissional. O
perfil da personalidade do profissional,
sua conduta ética e sua maturidade pas-
saram a ser vantagem competitiva nos
processos de seleção de empresas de pe-
queno, médio e grande porte. Dificulda-
des técnicas podem ser superadas com
treinamento, ao passo que caráter não se
modifica apenas com cursos ou estudo.
“Um profissional competente, que para
suas decisões profissionais conta com
seus princípios pessoais e os da empresa,
certamente estará mais preparado para
assumir novas responsabilidades no tra-
balho que um indivíduo pouco habitua-
do a refletir e agir eticamente”, diz Maria
Cecília.
Ser um profissional ético significa,
então, estar preparado técnica e moral-
mente para exercer uma função, seja den-
tro de uma organização, seja de forma
autônoma. Tecnicamente porque o pro-
fissional que diz possuir as habilidades
necessárias e não está preparado, preju-
dica a si próprio e à empresa que o con-
tratou. Moralmente porque o caráter éti-
co se nota em muitos pormenores do seu
desempenho. Um profissional é ético
quando é honesto, sincero, franco e ínte-
gro (veja box). Por essas características
conquista a confiança de colegas, subor-
dinados e superiores.
Contudo, tomar uma decisão frente a
uma questão ética nem sempre é tarefa fá-
cil (veja box). “Geralmente, as questões
éticas envolvem situações de conflitos”,
afirma Clóvis de Barros Filho, professor
da disciplina de ética da Faculdade de Co-
municação Social Cásper Líbero e da

Agitação 23
 A tomada de decisão ética pressupõe alguns critérios:

1º - análise da ação em si – É boa? É correta? Poderia ser divulgada

nos jornais amanhã?

2º - análise da intenção ou finalidade dessa ação – É boa? É corre-

ta? É transparente? Por que e para que é válida essa ação?

3º - análise das circunstâncias e das conseqüências dessa ação –

CLÓVIS DE BARROS Filho, profº da
ESPM: “As questões éticas geralmente
envolvem situações de conflitos”.
ESPM. A escolha, muitas vezes, varia em
função dos valores que a pessoa
interiorizou durante a vida, ou seja, “é con-
seqüência do aprendizado social”, avalia
Clóvis de Barros Filho. Nesses momen-
tos, porém, além dos interesses individu-
ais, é preciso levar em consideração tam-
bém os coletivos e os corporativos. “A
chave da conduta ética repousa na equa-
ção desses três elementos”, afirma Srour.
“Não se trata de sacrificar os anseios pes-
soais, nem de conferir primazia aos aspec-
tos corporativos, mas de encontrar o exa-
to ponto de equilíbrio entre as questões
sociais mais amplas e os demais interes-
ses”, diz.
O início
Para quem está ingressando no merca-
do de trabalho vale a dica: conhecer e
perceber como e porque as coisas são fei-
tas de determinada maneira em algumas
organizações ou ramos em que estão atu-
ando ou atuarão é um passo importante
para ver se a conduta ética condiz com o
que o mercado valoriza.
É preciso também estar atento para os
interesses maiores da sociedade; a reali-
zação pessoal não precisa nem deve ser
alcançada às custas dos outros. “Há es-
São boas? Corretas? Válidas?
Apenas quando a resposta “Sim, é boa” puder ser dada a cada um
desses critérios de eticidade a ação é moralmente correta.
paço para todos aqueles que têm compe-
tência e capacidade de agregar valor”,
afirma o professor Clóvis. De forma sim-
ples, isso significa levar sempre em con-
sideração a utilidade que as ações de cada
um possam ter para os outros.
“Quem cooperar com os outros, quem
souber sopesar os efeitos que os próprios
atos produzem sobre as pessoas, quem
der de si mesmo através de trabalhos vo-
luntários, reúne extraordinárias condi-
ções para ser respeitado e estimado. Pois
Fonte: Profª Maria Cecília Arruda
demonstra ser merecedor de confiança e
candidata-se à liderança de equipes e ao
comando de organizações”, atesta Srour.
Alguns ainda acreditam que a esperte-
za e o vale-tudo são ferramentas indis-
pensáveis para obter sucesso. Nos tem-
pos atuais, porém, os valores são outros.
Há maior vigilância por parte da cidada-
nia e há mais exigências para que preva-
leçam a idoneidade nas transações e o
profissionalismo nas relações sociais.
Esse é o motivo pelo qual competir, sem
perder de vista a idéia de ser socialmente
responsável, representa o caminho para
que as pessoas se destaquem daquelas
que pensam de maneira imediatista e aca-
nhada. É por essa razão também que ser
útil aos outros faz com que um estagiário
ou um profissional mereça o apoio e a
admiração de muitos, quando não de to-
dos. “Isso significa ganhar respeito no
mercado e habilitar-se para uma carreira
promissora”, conclui Srour. A
ROBERT SROUR, profº de MBA da FEA/
USP: “A chave da conduta ética está no
equilíbrio entre os interesses individuais,
corporativos e coletivos”.

24 Agitação