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A ARTE QUE ATRAVESSA A ESSÊNCIA DO HUMANO

Todos nós, pobres mortais, quando nos deparamos com um bloco de mármore,
imediatamente intuímos seu peso, resistência e durabilidade. Mas Michelangelo
foi capaz de extrair dele “La Pietá”, uma das mais belas obras da humanidade.
Os mesmos pobres mortais, ao tocarem uma pedra, logo identificam a
consistência da matéria bruta. Antônio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho, a
transforma nas imortais esculturas dos profetas.
A multidão que transita pelas ruas da cidade escuta ruídos, pisa o asfalto e
atravessa a selva de concreto. Charles Baudelaire, Vinicius de Morais e
Fernando Pessoa forjam a partir dela a rima, a poesia e a música.
O sertanejo desbrava os campos e os cultiva para sobreviver. Guimarães Rosa
descobre no Grande Sertão da existência humana as mil veredas por onde a
alma descortina os mistérios da vida.
Juscelino Kubitschek empreendeu o sonho de uma nova capital, mas foram Lúcio
Costa e Oscar Niema-yer que lhe conferiram o desenho e as curvas de uma nova
estética urbana.
Essa é a diferença entre o artista e o comum dos mortais. Embora todos sejamos dotados de um dom
estético, são poucos os que conseguem expressá-lo de forma tão viva, belo e profundo.
A tradição os chama de gênios da arte: pintura, música, literatura, escultura, arquitetura, etc. Sua visão
transcende o olhar do senso comum, elevando-se ou aprofundando-se no mistério da própria humanidade.

Por que a arte nos humaniza?


Porque mostra não a aparência, mas nos induz – pela emoção que nos causa – à
intimidade, à alma das coisas e à nossa própria intimidade. Ela nos possibilita o
retorno àquilo que é mais humano em nós.
A arte representa o que há de melhor na humanidade e, ao nos entregarmos a
ela, participamos de um processo único e milenar que nos relembra passo a
passo de onde viemos e para onde vamos.
A verdadeira arte é “epifânica”, reveladora..., faz com que nela nós nos reconheçamos. Aqui mora a
universalidade da obra de arte: espelhar a humanidade, o que nos é comum, o que nos conecta em profun-
didade. E nada mais comum do que nossos desejos e afetos, nossos sonhos, nossa aspiração de felicidade,
nossas angústias e dores, nossa compaixão... É esse material que faz a obra de arte: ela não é um pensa-
mento filosófico; ela expressa o que sentimos, o que é humano.
Por isso ela nos alimenta, porque dá significação e sentido à nossa vida.
O artista que experimenta uma explosão de emoção e a expressa em sua obra se conecta com o que há de
mais sublime em seu interior e permite que o espectador de sua arte também tenha acesso ao que é mais
nobre nele: as beatitudes originais. A arte tem, portanto, a habilidade de transformar as pessoas.

A verdadeira arte atinge valores universais no tocante à essência humana.


A obra de arte não é o fim, mas o começo de uma universalidade que atravessa
nosso humano com seu ato de existir. Ela cobra de nós uma postura, uma
conduta diante do que nós vemos e sentimos. A função da arte não é somente
estética, embelezando o mundo. A função dela é também dialogal. Ela faz com
que sua representação (pinturas, poesia, música, arquitetura, etc...) ganhe vida,
voz e grite. Grita bem forte, para que todos percebam a presença daqueles que
não tem voz e nem vez.
Ela atravessa nossa existência humana como flecha de fogo queimando os
corações cegos. Ela resgata o fundamental em todo ser humano: a sua beleza.
Por isso, denuncia o desumano, não suporta a injustiça e a opressão no mundo.
Em tempos de crise e de conflitos sociais tem-se olhado para a arte para obter a
reafirmação decisiva sobre o fato de que a vida humana não é apenas uma
história insípida de nascimento e decadência, mas uma força redentora que está
ativa no coração das pessoas.
Por isso a Companhia de Jesus percebeu que a arte era um incrível veículo de evangelização. A profun-
didade do Evangelho de Cristo pode ser revelada em outras linguagens, atingindo culturas diversas. A
Companhia intuiu que quando se toca o universal do humano há uma atitude de reverência diante desse
mistério. Por isso, através da arte, a Companhia de Jesus leva o ser humano a adentrar no mais profundo
de si mesmo e entoar, com outros povos, sonatas que têm a capacidade de transformar vidas, realidades...
Na oração: No barulho ou na agitação não se percebe a verdadeira beleza.
E a beleza é para ser sentida. O belo toca o coração, comove, faz silenciar...
Compor uma pintura, uma poesia, uma música... exige silêncio. A beleza se opõe ao superficial.
A expressão da beleza é gratuita, exige tempo, contemplação, admiração. Abre ao
transcendente, conduz ao mistério.
Toda experiência de beleza é uma experiência religiosa: leva a Deus que é a suprema Beleza.
Ao criar a beleza o artista glorifica a criação de Deus. Um mundo que contém beleza é um
mundo no qual a vida é digna de ser vivida.

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