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DIREITO A MORADIA: Política Pública Descentralizada com


Participação e Controle Social no Enfrentamento do Déficit
Habitacional na Atualidade

Afonso Alonso Filho*


Ana Cristina Roblêdo Pinto**

O processo acelerado de urbanização que se desenvolveu no Brasil


proporcionou o surgimento de um grande déficit habitacional na maioria
das cidades de médio e grande porte, ocasionado o surgimento de várias
ocupações irregulares e precárias, levando a diversos tipos de problemas a
serem enfrentados pelos gestores públicos A demanda por moraria
ocasionada por esse processo se verifica em sua grande maioria pelas
populações de baixa renda, que ficam adstritas aos processos formais de
conquista da moradia digna. Neste trabalho procuramos identificar a
existência, na atualidade de ações de Política Pública voltadas ao
enfrentamento desse dramático quadro, passando antes, por uma análise
preliminar histórica e conceitual dos aspectos inerentes a esse direito.

Palavras-chave: Direito a Moradia. Déficit habitacional. Política Nacional de


Habitação.

*
Administrador de Empresas, servidor público da Prefeitura Municipal do Salvador. Pós-graduado em
Administração Pública com ênfase em Controladoria – afonsoalonso@salvador.ba.gov.br
**
Administradora com ênfase em Gestão Pública, servidora pública da Prefeitura Municipal do Salvador. Pós-
graduado em Administração Pública com ênfase em Controladoria – crisrobledo@ig.com.br
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1 Introdução

A falta de moradia no espaço urbano das grandes cidades brasileiras é um dos


principais problemas a ser enfrentado pelos gestores públicos na atualidade. Muitos
são os que vivem nas ruas, em assentamentos precários caracterizados por
irregularidades fundiárias e urbanísticas, em imóveis improvisados e desprovidos de
qualquer infra-estrutura.

O direito a moradia, de acordo com art 6º, caput da Constituição Federal de


1988, fruto da Emenda Constitucional n.º 26, de 14 de fevereiro de 2000, é um
direito social, que procura atender os ditames dos princípios da dignidade da pessoa
humana e da função social da propriedade, sendo considerado um direito
fundamental à sobrevivência do homem.

O processo de desenvolvimento da política habitacional no Brasil é marcado


por mudanças de concepção e de atuação do poder público, levando a ações
desconexas que não conseguiram equacionar o problema da moradia,
principalmente, para a população de baixa renda.

O problema habitacional no Brasil não é algo recente, na realidade remonta ao


período colonial, mas seus reflexos são sentidos até hoje, gerando um grande déficit
acumulado, notadamente nos grandes centros urbanos, agravados pelo o acelerado
processo de urbanização por qual o país passou a partir da década de 50.

De acordo com dados oficiais do Ministério das Cidades (2008, p.21), em 2006,
o déficit habitacional quantitativo do país estava em torno de 7,9 milhões de novas
moradias, das quais 6,5 milhões nas áreas urbanas e 1,4 milhões em áreas rurais.

Essa situação se agiganta se levarmos em consideração do déficit qualitativo,


no qual não há, de forma obrigatória, a necessidade de construção de novas
unidades habitacionais, mas que exige uma atuação positiva do Estado no sentido
de prover as localidades de infra-estrutura adequada, possibilitando dessa forma a
melhoria das condições de habitabilidade.
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Diante dessa situação dramática, necessário se faz investigar o estágio das


políticas públicas voltadas a questão habitacional direcionadas ao atendimento
desse grande e grave problema que se agiganta em nosso país.

Para tanto, inicialmente, dentro de uma concepção histórica, será identificado o


processo que levou à formação da ocupação desordenada das cidades brasileiras,
culminando por gerar um grande déficit habitacional, principalmente para a
população de baixa renda, passando pelo dimensionamento e conceito desse déficit
habitacional, amplamente adotado no país.

Passaremos também por uma análise histórica e conjuntural das políticas para
habitação adotadas no país, principalmente, a partir da segunda metade do século
passado, enfatizando a questão fundiária.

Entendido esses aspectos gerais da forma como nossos espaços urbanos


foram ocupados, bem como os conceitos básicos inerentes ao exame da questão do
déficit habitacional, passaremos a uma análise focada em identificar, na atualidade,
as ações de Política Pública voltadas ao enfrentamento desse déficit, passando por
questões de cunho legal, social e institucional.

Por fim, concluiremos o nosso trabalho procurando demonstrar que apesar da


existência de um déficit habitacional latente, principalmente em relação às
populações de baixa renda, o novo desenho institucional da Política Nacional de
Habitação, permite vislumbrar uma perspectiva de enfrentamento desse grave
problema social em nosso país, na busca de uma sociedade mais justa e inclusiva.

2 Processo de Urbanização das Cidades Brasileiras

O processo de urbanização ocorrido no Brasil, similar ao que ocorreu nas


várias economias periféricas do mundo, principalmente as do Continente Africano e
da América Latina, da forma como se desenvolveu, levou a uma demanda
significativa por moradia nos grandes centros a partir do final da primeira metade do
século passado, ocasionando a formação de diversos tipos de ocupação informal do
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espaço urbano. O reflexo desse processo é sentido ainda hoje, notadamente nos
centros urbanos das regiões metropolitanas. Contudo, o problema habitacional no
Brasil remonta ao período colonial.

Inicialmente, ainda no período colonial, a principal questão relacionada à


moradia estava atrelada a apropriação da terra, que se baseava no regime de
concessão de terras sob a forma de sesmaria, no qual a Coroa Portuguesa concedia
o domínio ao sesmeiro, condicionando a sua manutenção a exploração produtiva da
terra e a sua devida ocupação, caracterizada ainda pela formalização da posse
através do devido título. Além da obrigação de produzir e ocupar a terra concedida,
os sesmeiros eram também obrigados a pagar tributos.

Ainda nesse período, no Brasil, a terra não tinha valor econômico, pois sendo
de domínio português, a sua transferência dependia da anuência lusitana, não
havendo a possibilidade de compra e venda, hipoteca ou qualquer outro tipo de
transação comercial sobre as concessões efetivadas pela Coroa. A outra forma de
apropriação de terras nesse período era através da posse clandestina de lotes de
terras.

Esse quadro só foi alterado com a edição da Lei de Terras (Lei nº 601) em
1850, através da qual, estabelece-se como única forma de aquisição da terra, a
compra e venda.

No período monárquico, a propriedade das terras esteve dividida entre os


particulares e as de domínio público.

Mas é no período pós-monarquia que a questão habitacional passa a ganhar


relevância, diante da conjuntura econômica atrelada a produção agro-exportadora
em decadência, que somada a abolição da escravatura, elevou significativamente a
demanda por moradia nas cidades brasileiras.

Nas primeiras décadas do século passado esse processo se intensifica,


modificando uma situação que apesar de precária, ainda apresentava certo
equilíbrio, no qual predominava as “relações de aluguel de casas, arrendamento e
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afloramento de terras, principalmente em relação aos estratos sociais de baixa


renda” (Gordilho-Souza, 2000, p.37).

Outro aspecto que contribuiu para o inchaço populacional dos grandes centros,
além do crescimento vegetativo da população, foi o êxodo rural que levou um
volumoso contingente de pessoas aos grandes centros econômicos da época em
busca de novas oportunidades.

Todo esse rápido processo de ocupação na zona urbana das cidades


brasileiras trouxe reflexos em todos os setores da sociedade. Ao tratar do assunto,
Raquel Rolnik e Nelson Saule Jr. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2002, p.23)
enfatizam que:

A imensa e rápida urbanização pela qual passou a sociedade


brasileira foi certamente uma das principais questões sociais
experimentadas no país no século XX. Enquanto em 1960, a
população urbana representava 44,7% da população total – contra
55,3% de população rural – dez anos depois essa relação se
invertera, com números quase idênticos: 55,9% de população
urbana e 44,1% de população rural. No ano 2000, 81,2% da
população brasileira vivia em cidades. Essa transformação, já
imensa em números relativos, torna-se ainda mais assombrosa se
pensarmos nos números absolutos, que revelam também o
crescimento populacional do país como um todo: nos 36 anos
entre 1960 e 1996, a população urbana aumenta de 31 milhões
para 137 milhões, ou seja, as cidades recebem 106 milhões de
novos moradores no período. A urbanização vertiginosa,
coincidindo com o fim de um período de acelerada expansão da
economia brasileira, introduziu no território das cidades um novo
e dramático significado: mais do que evocar progresso ou
desenvolvimento, elas passam a retratar – e reproduzir – de forma
paradigmática as injustiças e desigualdades da sociedade.

Como se pode extrair, de fato, as grandes cidades brasileiras e os seus


entornos ao receber um grande contingente de pessoas, tendo em vista a falta de
planejamento urbano e até mesmo de legislações próprias, gerou um grande e
dramático problema social.
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3 Dimensionamento do Déficit Habitacional no Brasil

Para dimensionarmos o déficit habitacional no Brasil necessário se faz,


inicialmente, entender o seu conceito. O principal trabalho desenvolvido no País com
o objetivo de entender e avaliar a questão do déficit habitacional foi realizado em
1995, pela Fundação João Pinheiro, de Minas Gerais, intitulado de “Déficit
Habitacional no Brasil”1, Apesar das críticas que são feitas a este trabalho, ele é
considerado o parâmetro para a análise da questão na atualidade.

Até esse estudo, o conceito de déficit habitacional, para sua mensuração,


considerava apenas três elementos: a) a demanda demográfica que consistia na
necessidade de novas unidades para atender a demanda pelo acréscimo da
população; b) a demanda de reposição, que consistia na necessidade de reposição
do estoque habitacional para fazer frente ao desgaste dos imóveis existentes, e a c)
demanda latente, relativo às unidades inadequadas que necessitariam ser
substituídas. Nessa concepção, adotada no início dos anos 90, todas as unidades
habitacionais localizadas em favelas e cortiços, por exemplo, teriam que ser
substituídas.

Esse estudo partiu de dados referentes às regiões metropolitanas inseridas na


Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 1990, do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), delineando a questão do déficit habitacional no Brasil
em 1991.

A Fundação João Pinheiro, nesse estudo inicial sobre o déficit habitacional,


partindo de uma concepção de necessidade habitacional, a dividiu em dois
segmentos distintos: “déficit habitacional” e “inadequação de moradias”. Sob essa
concepção, o déficit habitacional, pode ser entendido como sendo a quantidade de
moradias novas a ser produzida visando atender a demanda acumulada, enquanto
1
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estudos Políticos e Sociais. Déficit habitacional no Brasil.
Belo Horizonte, 1995 – Estudo elaborado pelo Centro de Estatística e Informações, em parceria com
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pund), Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e a Secretaria Nacional da Habitação do Ministério das Cidades, antiga
Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano.
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que a inadequação de moradias, sendo o reflexo dos problemas na qualidade da


habitação, sem, contudo, se constituir, necessariamente, na construção de novas
unidades.

Portanto, entendendo o déficit habitacional como a quantidade de moradias


novas a serem produzidas para atender a demanda acumulada, o estudo passa a
analisar a questão do déficit habitacional no Brasil sob outro enfoque, classificado-o
em “déficit por reposição do estoque”, que consiste na existência de moradias sem
condições de habitabilidade adequada, em função da precariedade da construção ou
em função do desgaste da estrutura física, e em “déficit por incremento de estoque”
que engloba as famílias conviventes em uma mesma habitação, as que moram em
cômodos ou em imóveis destinados a fins não residenciais.

Sob essa nova concepção, os imóveis inseridos nas favelas, por exemplo,
poderiam ser classificados, a depender da situação, como déficit habitacional ou
inadequação habitacional

De acordo com esse estudo, as necessidades habitacionais, conceito utilizado


pela Fundação João Pinheiro, seriam o somatório do déficit, da demanda
demográfica e da inadequação. Através desse estudo foi possível distinguir o
“déficit quantitativo” representado pela necessidade de construção de novas
unidades, do “déficit qualitativo”, representado pela necessidade de melhoria das
condições de habitabilidade das moradias já existentes.

O estudo da Fundação João Pinheiro que teve o seu primeiro volume lançado
em 1995, refletindo do déficit habitacional no Brasil em 1991, está no seu quinto
volume2, lançado em 2008, sob o horizonte de análise o ano de 2006, perfazendo
mais de uma década de estudos, passou por mudanças para aperfeiçoar o trabalho
aproximando-o da realidade.

Esse último volume, lançado recentemente, traz um estudo interessante sobre


a evolução do déficit habitacional no Brasil, partindo do ano de 2000 chegando até o

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Brasil. Ministério das Cidades. Déficit Habitacional no Brasil 2006. Brasília, 2008.
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ano de 2006, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios


(Pnad) 2006, do IBGE.

Os resultados mostram um aumento do déficit habitacional em todo o período


de análise, contudo, a partir de 2004 esse déficit, passa a aumentar numa escala
menor que a dos anos anteriores, conforme tabela 01.

Tabela - 01

Fonte: Brasil. Ministério das Cidades. Déficit Habitacional no Brasil 2006. Brasília, 2008

De acordo com os dados, o déficit habitacional estimado para 2006 no Brasil é


de 7,935 milhões de moradias, sendo em sua quase totalidade na região urbana das
cidades brasileiras, representado 82,47% do total, conforme tabela 02.

As regiões metropolitanas pesquisadas pela Pnad, que compreende as regiões


de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo,
Curitiba e Porto Alegre, respondem juntas por 28,5% do déficit habitacional do país,
segundo esta estimativa, o que corresponde a 2,263 milhões de unidades.
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Tabela 02

Fonte: Brasil. Ministério das Cidades. Déficit Habitacional no Brasil 2006. Brasília, 2008

Em relação às grandes regiões brasileiras, a Região Sudeste se confirma como


a região de maior carência por moradias, superando a Região Nordeste que no
início do século apresentava-se com uma maior carência. Essa modificação, em
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relação à Região Nordeste, de acordo com a Fundação João Pinheiro deu-se em


função de uma melhoria na situação da região, “apesar da necessidade de
construção de novas unidades representar ainda 19% do estoque de moradias da
região” (Ministério das Cidades, 2008, p. 25).

Os resultados demonstram também que a população de baixa renda,


considerada para efeito do estudo, e pela maioria dos programas do Governo
Federal, aquelas famílias que têm renda média mensal de até 3 salários míninos,
representa 90,7% da demanda por habitação no espaço urbano das cidades
brasileiras, conforme gráfico nº 01.

GRAFICO - 01

Fonte: Brasil. Ministério das Cidades. Déficit Habitacional no Brasil 2006. Brasília, 2008 p.28

De acordo com a definição metodológica do estudo para o cálculo da estimativa


do déficit habitacional, esse tem como componentes a habitação precária, a
coabitação familiar e o ônus excessivo com aluguel. A coabitação familiar continua
sendo o maior índice de déficit habitacional, alcançado em 2006, segundo
estimativas, 57,7%, do total do déficit, seguindo pelo ônus excessivo com aluguel,
com 23,5% e as habitações precárias com 18,8%, conforme gráfico 2.

Sobre esses dados, ressalte-se que a grande parte da componente convivência


familiar é verificada na área urbana, enquanto que a condição de habitação precária,
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em sua maioria é identificada na área rural. O ônus excessivo de aluguel só é


pesquisado em áreas urbanas, conforme gráfico 2.

GRÁFICO - 02

Fonte: Brasil. Ministério das Cidades. Déficit Habitacional no Brasil 2006. Brasília, 2008, p.35

4 Políticas Públicas para Habitação no Brasil: Contexto Histórico

No Brasil por volta dos anos 30 do século passado a habitação para as


camadas mais carentes da população se efetivou, basicamente, através do aluguel
de imóveis de baixo padrão, de forma coletiva nos cortiços, e em uma escala menor,
através da formação de vilas operárias, que tinham incentivos fiscais para a sua
constituição. Os cortiços na prática se constituíram no formato mais comum de
moradia, apesar de trazerem consigo grandes problemas do ponto vista da saúde
pública, com a proliferação de doenças endêmicas.

A partir de uma atuação mais marcante do Estado na economia com a


introdução de uma política econômica voltada para o fortalecimento industrial
através de um programa de incentivo a indústria, foi possível o fortalecimento do
mercado de consumo interno como dinamizador da economia e o deslocamento da
população para esses novos centros econômicos.
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Nesse contexto, evidenciou-se que apenas o mercado não era capaz de


proporcionar o atendimento da demanda por habitação nos grandes centros
econômicos que começavam a surgir. Nesse período foram criados os Institutos de
Aposentadoria e Pensão (IAP), voltados à previdência pública, mas que acabaram
por atuar também na produção habitacional mediante a construção de conjuntos
habitacionais destinados aos seus associados com recursos dos seus respectivos
fundos previdenciários.

A atuação desses institutos de previdências, apesar de limitada ao atendimento


da demanda de seus associados, “foi um grande avanço frente a até então
inexistente ação do Estado nesta área. Entre 1937 e 1945, produziram ou
financiaram 124 mil unidades, representando cerca de 5,2% da população urbana
brasileira na época. Até o seu final, em 1964, produziram 140 mil unidades”
(PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ, 2006, p.10).

A primeira ação que pode ser considerada como o marco do início de uma
política habitacional no Brasil ocorreu em 1946, com a criação da Fundação Casa
Popular (FCP), através do Decreto Lei 9.218 de 01/05/1946, mas que devido à falta
de recursos, mostrou-se impotente para atender a demanda por moradia existente
aquela época.

A sua atuação se estendeu até os anos sessenta, quando foi extinta. Citando
Nabil Bonduki, Angela Gordilho (2000, p. 44) assim assinala a atuação da Fundação
Casa Popular: “O fracasso da FCP atrasou em vinte anos a formulação de uma
política habitacional consistente [...]. Devido a essa incapacidade do Estado de
equacionar o problema da moradia, as soluções acabaram transferidas para os
próprios trabalhadores, através do auto empreendimento”.

Toda transformação política e econômica vivenciada no Brasil a partir dos anos


30 do século XX, culminando com o processo de industrialização, gerou grandes
mudanças na ordem socioespacial do país, mediante uma maior concentração
populacional nos grandes centros, gerando a necessidade de uma atuação mais
presente do Estado, além de novas demandas sociais (trabalho, saúde, educação,
habitação, dentre outras).
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A questão habitacional se agrava a partir de 1942, com a edição da Lei do


Inquilinato, que dentre outras determinações, estabelece o congelamento dos preços
dos aluguéis e diminui a segurança nessas relações para o locador, levando a uma
diminuição significativa da oferta de imóveis para esse fim, e por conseqüência o
aumento da demanda por moradia mediante a aquisição da propriedade de imóveis.
Diante desse quadro restaram a população de baixa renda a ocupação informal de
terra ou a compra de lotes em área distantes do centro das cidades, muitas vezes
em loteamentos irregulares, sem qualquer infra-estrutura básica. Esse modelo de
provisão habitacional tornou-se a regra sob a inércia do Estado, que diante disso
não se via obrigado a atuar de forma ativa.

Esse processo se estendeu por vários anos e foi se agravando ainda mais na
medida em que o processo de crescimento econômico avançava, levando mais
gente para os grandes centros, principalmente ao sudeste do país, sem que o
Estado mostra-se o seu papel de regulamentador e provedor das ações sociais.

A concentração populacional nos grandes centros industriais brasileiros


não foi acompanhada pela ação do Estado para garantir condições
mínimas de infra-estrutura urbana e qualidade de vida. A política
habitacional brasileira era na prática uma “não-política” – o mais fácil e
menos oneroso era deixar a população encontrar soluções de habitação
por meio da autoconstrução generalizada. Uma fórmula capaz de permitir
uma morada mínima para a classe trabalhadora, sem que isto implicasse
em elevar os custos da mão-de-obra, tanto para os empregadores como
para o Estado. (PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ, 2006, p.11)

Com o início do regime militar no Brasil, após o golpe de 1964, diante dessa
conjuntura socioespacial degradante, caracterizada por um alto índice de favelização
dos espaços urbano dos grandes centros econômicos, e da permanente e crescente
demanda por moradia, é criado ainda em 1964, o Banco Nacional de Habitação
(BNH)3, inserido no Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

A criação do BNH, além de ter por objetivo o atendimento dessa grande


demanda social por moradia, do ponto de vista político e estratégico, era uma forma
de buscar apoio para esse novo quadro político junto às massas populares que
sustentava o regime político anterior lastreado no populismo.

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O Banco Nacional de Habitação (BNH) foi criado pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964.
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O BNH utilizava-se de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço


(FGTS) e da Caderneta de Poupança, através do Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo (SBPE), para promover a construção e a compra da casa própria, no
intuito de criar uma Política permanente para habitação no país.

Apesar das inúmeras críticas ao papel desempenhado pelo BNH durante a sua
existência, é inegável a sua importância como delineador de uma verdadeira Política
Nacional de Habitação, na qual se estabeleceu parâmetro claro de financiamento
habitacional no país a partir da criação de uma estrutura institucional que permitiu a
produção de moradias em grande escala, além de ter promovido o estabelecimento
de um sistema de financiamento com recursos específicos (FGTS e Poupança) e
estáveis.

A importância do BNH para a redução da grande demanda habitacional do país


no seu período de atuação é demonstrada pelos números, pois “nos vinte e dois
anos de funcionamento do BNH, o Sistema Financeiro da Habitação financiou a
construção de 4,3 milhões de unidades novas, das quais 2,4 milhões com recursos
do FGTS, para o setor popular, e 1,9 milhões com recursos do SBPE, para o mer-
cado de habitação para a classe média” (PREFEITURA DE SANTO ANDRE, 2006,
p.12)

Entretanto, o modelo de Política para Habitação implementado com a criação


do BNH, desde o início, apresentou diversos problemas. Dentre esses problemas
destaca-se a incapacidade para atender a classe de renda mais baixa e as que não
podiam comprovar renda, o alto índice de centralização e uniformização das
soluções para o enfrentamento da questão habitacional, sem levar em consideração
as peculiaridades de cada região, a desarticulação entres as ações habitacionais e
de outras intervenções públicas a exemplo das ações de infra-estrutura e
saneamento básico, levando a efetivação de projetos habitacionais em localidades
distantes e sem a infra-estrutura adequada, somando-se ao modelo de
financiamento que se mostrou incompatível com uma conjuntura econômica
contaminada por processo inflacionário.
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O reflexo socioespacial dessa Política implementada a partir da atuação do


BNH, proporcionou a expansão da área construída das grandes cidades para as
áreas periféricas onde, basicamente, fixaram-se as classes sociais de mais baixa
renda, ficando as áreas centrais, dotadas de infra-estrutura, para as classes com
melhor poder econômico. Nesse sentido, Ângela Gordilho (2002, p.47, com
adaptações e grifo nosso) sintetiza:

Assim, no Brasil, a descentralização urbana através da habitação, na forma


como se verificou nessa segunda metade de século (século XX), foi
marcada pela ‘periferização’ das populações mais pobres, seja aquela de
baixíssima renda, confinadas nas favelas e loteamentos irregulares e
clandestinos, seja aquelas de renda um pouco superior, que passaram a
morar nos conjuntos do BNH. As áreas centrais e arredores imediatos,
ocupadas pelas camadas de renda mais alta, fruto dos sucessivos
loteamentos formais implantados a partir da primeira década deste século
(século XX), são aquelas privilegiadamente beneficiadas pela infra-
estrutura urbana, seletivamente mantidas em bons padrões de
habitabilidade, serviços e equipamentos urbanos.”

No início dos anos 80 do século passado, as favelas continuam a crescer, só


que num ritmo menor em relação às décadas anteriores, muito devido ao
crescimento da oferta de loteamentos populares em regiões periféricas das cidades,
que atendiam parte da demanda da época, do que pela queda da demanda, que
continuava crescente.

Em 1986, logo após o fim do regime militar, o BNH é extinto, sendo suas
atribuições transferidas para Caixa Econômica Federal vinculada ao Ministério da
Fazenda, enquanto que as ações em habitação eram de atribuição do Ministério do
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU). Em 1987 o MDU foi transformado
em Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente, que dentre outras
atribuições, passou a incorporar a Caixa Econômica Federal.

Em 1988, cria-se o Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social que passou


a gerir as ações habitacionais no país. Ainda neste ano é promulgada a nova
Constituição Federal, que ao redefinir o desenho institucional dos entes federados,
proporciona uma descentralização das atribuições sociais, repassando a gestão de
diversos programas sociais aos Estados e Municípios, dentre estes, os de habitação.
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As ações em habitação que em 1989 tinham como órgão central o Ministério da


Habitação e do Bem-Estar, com a sua extinção, passaram para um novo órgão, com
status de Secretaria Especial (Secretaria Especial de Habitação e Ação
Comunitária), ligada ao Ministério do Interior, enquanto que as operações e
atividades de financiamento do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e a Caixa
Econômica Federal passam a ficar subordinados ao Ministério da Fazenda.

O modelo institucional adotado no direcionamento das ações em habitação com


o fim do BNH demonstra uma total desarticulação do poder público para enfrentar as
questões ligadas à moradia, em que as atribuições habitacionais a todo o momento
passam de órgão, associada à crise econômica dos anos 80, que levou a um
empobrecimento generalizado da população brasileira, agravou significativamente o
déficit habitacional no país.

Toda essa situação levou a uma situação dramática para quem tinha
financiamento habitacional no Brasil, pois as prestações aumentavam em uma
escala muito maior que a reposição salarial, o que por via de conseqüência elevava
significativamente o saldo devedor dos mutuários, que acabavam por ter um valor
muito superior ao do imóvel financiado, levando a um grande inadimplemento das
prestações.

Essa situação é agravada em 1990, com as mudanças introduzidas pelo


governo Collor, quando foi adotada uma estratégia que elevou a liberação de
recursos do FGTS em um montante superior a sua capacidade, o que ocasionou a
paralisação do sistema de financiamento habitacional no Brasil até o ano de 1995,
levando a desarticulação da cambaleante estratégia nacional de ações em habitação
no País.

Diante desse novo quadro, estados e municípios passaram a desenvolver


ações próprias com vistas à efetivação de projetos habitacionais em atendimento as
demandas locais, permitindo o fortalecendo as suas estruturas institucionais e a
criação de mecanismos de captação de recurso para fazer frente a essas
atribuições.
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A retomada das ações habitacionais em caráter nacional só volta a ocorrer no


governo de Fernando Henrique Cardoso, com a retomada de financiamentos para
habitação e saneamento básico com recurso do FGTS, mediante a criação de
programas específicos para o setor privado, a exemplo da Carta de Crédito
individual e associativa, e para o setor público visando à urbanização de
assentamentos precários que durou até 1988, quando foram impostas restrições ao
financiamento do setor público.

Um importante programa criado nesse período foi o Programa de Arrendamento


Residencial (PAR), que devido ao seu caráter inovador, ao permitir a utilização de
recursos do FGTS e do Orçamento da União, possibilitou a construção de diversas
unidades habitacionais em todo o território nacional.

Entretanto, o reflexo desses novos programas não pôde ser sentido em larga
escala pela população de baixa renda, pois devido à maneira como foram
operacionalizados, incorporando um caráter bancário, boa parte dessa população
continuou excluída do acesso a moradia.

A implementação desses programas não gerou impacto no combate ao


déficit habitacional, em particular nos segmentos de baixa renda,
acentuando-se uma característica tradicional das políticas habitacionais no
Brasil, ou seja, um atendimento privilegiado para as camadas de renda
média. Entre 1995 e 2003, 78,84% do total dos recursos foram destinados
a famílias com renda superior a 5 salários mínimos, sendo que apenas
8,47% foram destinados para a baixíssima renda (até 3 SM) onde se con-
centram 83,2% do déficit quantitativo. (PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ,
2006, p.15)

A Constituição Federal de 1988 pela primeira fez trouxe um capítulo 4 próprio


para tratar das questões urbanas, estabelecendo princípios e regras
importantíssimas para a efetivação do direito a moradia. Dentre esses princípios
destacam-se os princípios da propriedade privada e o princípio da propriedade
urbana, com eixos basilares a efetivação do direito a moradia e a cidade.

Outro importante instrumento trazido pelo texto constitucional foi a necessidade


de construção de Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano (PDDU) para os
municípios com população superior a 20 mil habitantes.

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Esse Capítulo compreende os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988.
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Composto pelos artigos 182 e 183, da Constituição Federal, o Capítulo


intitulado “Da Política Urbana” foi regulamento pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de
2001, ficando conhecida com Estatuto da Cidade constituindo-se em um importante
instrumento de planejamento das cidades.

Esses instrumentos legais de planejamento urbano serviram de base para a


construção de uma nova Política Nacional de Habitação implementada a partir de
2003.

5 Habitação: A Questão Fundiária no Brasil

Um aspecto muito importante em relação ao direito à moradia no Brasil diz


respeito à questão fundiária, pois, com foi visto, a formação das cidades brasileiras
se notabilizou pelo processo informal de aquisição da terra, levando ao
desenvolvimento de diversos assentamentos precários, trazendo grandes prejuízos
para a sociedade.

Uma das principais características do processo de urbanização no Brasil


tem sido a proliferação de processos informais de desenvolvimento urbano.
Milhões de brasileiros só têm tido acesso ao solo urbano e à moradia
através de processos e mecanismos informais e ilegais. As conseqüências
socioeconômicas, urbanísticas e ambientais desse fenômeno têm sido
muitas e graves, pois, além de afetar diretamente os moradores dos
assentamentos informais, a irregularidade produz um grande impacto
negativo sobre as cidades e sobre a população urbana como um todo
(CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2002, p.12)

Usando a metodologia adota pela Fundação João Pinheiro para calcular o


déficit habitacional no Brasil, a questão fundiária se insere no item de inadequação
de domicílios, que faz parte do conceito de necessidades habitacionais. Ainda
segundo esse estudo, a inadequação fundiária “refere-se aos casos em que pelo
menos um dos moradores do domicílio tem a propriedade da moradia, mas não
possui a propriedade, total ou parcial do terreno ou a fração ideal de terreno (no
caso de apartamento) em que ela se localiza” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006,
p.18)
20

A busca por moradia no espaço urbano dos grandes centros no Brasil


ocasionou a proliferação de diversas tipologias de ocupações a exemplo dos
cortiços e favelas ou invasões, que se caracterizam pela forma espontânea como se
formam.

Os cortiços, também conhecidos como habitações coletivas de aluguel, são


imóveis compostos por mais de uma unidade habitacional, normalmente em
condições muito precárias, em que a relação de locação é marcada pela incerteza.
Já as invasões ou favelas, são áreas públicas ou privadas ocupadas por pessoas de
baixa renda, de forma espontânea ou organizada, marcada pela inexistência de
qualquer relação jurídica entre ocupantes e proprietários.

Outros tipos de irregularidade presentes no espaço urbanos de nossas cidades


são os loteamentos clandestinos e irregulares, além dos conjuntos habitacionais
públicos ou privados pendentes de regularização.

Os loteamentos clandestinos são caracterizados pela falta de aprovação do


projeto junto a Prefeitura, sendo que na maioria das vezes, o suposto proprietário
que vendeu os lotes não tem a propriedade da terra, enquanto que o loteamento
irregular é aquele em que apesar do loteador, que em tese é o proprietário da terra,
ter obtido a aprovação do projeto junto a Prefeitura, não tem sua execução
concluída, ou ainda, por não atender outra etapa necessária ao cumprimento da Lei
nº 6.766/79, que trata do parcelamento do solo urbano.

Os assentamentos irregulares têm como uma das suas principais


características, a insegurança jurídica quanto à posse ou propriedade como
característica marcante desses espaços urbanos, levando a conflitos pela
manutenção da moradia e em algumas situações causando danos ao patrimônio
cultural, artístico e ambiental ao infringir a legislação de uso e ocupação do solo
urbano.

O Poder Público tem uma importante atribuição no sentido de proporcionar a


harmonia necessária a este tipo relação, de forma preventiva, ou corretiva, a
depender do caso concreto, através de ações que permitam a efetivação da
21

moradia, respeitadas as determinações legais, de forma a garantir esse direito


indispensável ao convívio social.

Contudo, na prática, o Estado, historicamente, não priorizou o planejamento


urbano, com vistas ao atendimento das demandas das camadas da população de
menor renda, contribuído dessa forma para o processo de exclusão desse segmento
da sociedade do acesso formal a terra e a moradia digna.

O direito à moradia e à propriedade garantidos pela ordem jurídica do País,


que admite várias formas de acesso à propriedade (especialmente após a
Constituição de 88 e o Estatuto das Cidades, que inscreveram o direito à
moradia, especialmente para os setores de baixa renda, como um dos
fundamentos da função social da cidade e da propriedade), não foram
totalmente incorporados a práticas administrativas dos Municípios,
Estados, Distrito Federal e União, e no posicionamento do poder judiciário
em processos de regularização. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006, p.19)

Como se pode extrair, mesmo com alterações significativas no contexto legal, a


prática demonstra que muito mais que as previsões legais, é necessário que o
Estado tenha ações proativas para tentar amenizar os efeitos danosos causados por
esse processo excludente de formação irregular das cidades brasileiras.

6 - Política Nacional de Habitação: Atualidade e Perspectivas.

A partir de 2003, no governo Lula, sob uma nova conjuntura política é que se
passa a delinear uma nova Política Nacional de Habitação para o Brasil. A proposta
do governo para atuar na questão habitacional no Brasil foi lastreada no Projeto
Moradia, desenvolvido pelo Instituto Cidadania.

Após um diagnóstico sobre a situação do déficit habitacional no país, no qual se


buscou avaliar as necessidades presentes e dimensionar as futuras, além de
identificar as fontes de financiamentos existentes, montou-se uma estratégia que
buscava a integração das ações desenvolvidas pelos três níveis de governo de
forma a maximizar os resultados através de um novo desenho institucional partindo
da criação de um Sistema Nacional de Habitação que pudesse reunir, de forma
articulada, todos os órgãos voltados a habitação no país.
22

Para tanto, foi criado o Ministério das Cidades (Mcidades) que passou a gerir e
formular a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, com as ações do Governo
Federal voltadas ao saneamento básico, a habitação, aos transportes urbanos e a
política de ordenação do solo. Especificamente em relação à questão habitacional,
incumbia ao Mcidades “coordenar a política urbana e habitacional no país,
estruturando e implementando o Sistema Nacional de Habitação, elaborando o
Plano Nacional de Habitação e estabelecendo as regras gerais do financiamento
habitacional” (PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ, 2006, p. 16)

Ainda em relação a esse novo desenho institucional, Estados e Municípios


deveriam criar em suas estruturas órgãos voltados a atuação na questão
habitacional.

Em relação à Política Nacional de Habitação (PNH), a sua aprovação pelo


Conselho Nacional das Cidades (ConCidades) 5 ocorreu em 2004 , sob a seguinte
intenção: “promover as condições de acesso a moradia digna para todos os
segmentos, especialmente o de baixa renda, contribuindo assim, para a inclusão
social” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006, p. 29)

A PNH é permeada por diversos princípios que servem de lastro para o


desenvolvimento das ações do poder público e da sociedade civil para viabilizar o
acesso a moradia digna. Nesse sentido, identifica a

questão habitacional com uma política de Estado uma vez que o poder
público é agente indispensável na regulação urbana e do mercado
imobiliário, na provisão da moradia e na regulação de assentamentos
precários, devendo ser, ainda, uma política pactuada com a sociedade e
que extrapole um só governo “.(Id. 2006, p. 30)

Para tanto, estabelece, também como princípio, a gestão democrática com a


participação dos diversos segmentos da sociedade, de forma a possibilitar a

5
Órgão colegiado de natureza consultiva e deliberativa criado em 2004, que faz parte da estrutura do
Ministério das Cidades e que tem por finalidade estudar e propor diretrizes para formulação e
estruturação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e acompanhar a sua execução. O
ConCidades é composto por 86 membros titulares, sendo 16 do poder público, 9 do poder público
estadual, 12 do poder público municipal, 23 de representantes de entidades dos movimentos
populares, 8 de entidades dos empresários, 8 dos trabalhadores, 6 de entidades profissionais
acadêmicas e de pesquisa, e 5 de organizações não-governamentais. Participam ainda 9
observadores representantes dos governos estaduais que possuem Conselho das Cidades em suas
respectivas unidades da Federação
23

participação nas decisões relevantes e o controle social no desenvolvimento das


ações.

Ainda em relação aos princípios norteadores da PNH, destacamos a moradia


digna como vetor de inclusão social, a função social da propriedade urbana e a
necessidade de articulação das ações de habitação com as políticas urbanas e com
as demais políticas sociais e ambientais.

A PNH tem como diretrizes o desenvolvimento institucional, a mobilização de


recursos, identificação da demanda e gestão de subsídios, qualidade e
produtividade da produção habitacional, criação do sistema de informação, avaliação
e monitoramento da habitação, urbanização dos assentamentos precários e
produção da habitação, integração da política habitacional à política de
desenvolvimento urbano.

De forma sintética a nova PNH partindo-se das necessidades por tipo


habitacional, passando pelas ações possíveis para o seu atendimento e pelos
instrumentos disponíveis pode ser representada da seguinte forma (figura 01):
Figura - 01

Fonte: Ministério das Cidades - site


24

6.1. O Sistema Nacional de Habitação (SNH)

O desenho institucional proposto para essa nova PNH previu a constituição do


Sistema Nacional de Habitação, composto pelo Subsistema de Habitação de
Interesse Social e pelo Subsistema de Habitação de Mercado. Esse Sistema parte
da idéia de que os mercados de habitação são interligados, não existindo a
possibilidade de tratar o assunto, se não de forma conjunta, ou seja, não é possível
atender determinados segmentos de renda, sem que isso reflita nos demais.

O Subsistema de Mercado é composto pelos Bancos múltiplos, companhias


hipotecárias, as cooperativas de crédito habitacional, os consórcios imobiliários, os
agentes promotores dos empreendimentos, as companhias securitizadoras, tendo
por principal objetivo reorganizar o mercado de habitação, com ampliação da oferta
de recursos para a parcela da população que não se insere nas ações definidas
para a população de faixa de renda menores, conforme definição contida no texto da
PNH:

o Subsistema de Habitação de Mercado objetiva a reorganização do


mercado privado de habitação, tanto ampliando as formas de captação de
recursos, como estimulando a inclusão de novos agentes e facilitando a
promoção imobiliária, de modo que ele possa contribuir para atender
parcelas significativas da população que hoje sendo atendidas por recursos
públicos( Id., 2006, p. 71)

O Sistema Nacional de Habitação foi instituído através da Lei 11.124, que criou
também o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), que de acordo
com o art. 7º, tem a “natureza contábil, com o objetivo de centralizar e gerenciar
recursos orçamentários para programas estruturados no âmbito do SNHIS,
destinados a implementar políticas habitacionais direcionadas à população de menor
renda”, além do Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social (CGFNHIS).
25

O CGFNHIS é órgão de caráter deliberativo composto de forma paritária entre


órgão e entidades do Poder Executivo e a sociedade civil, sob a presidência do
Ministro das Cidades.

Um aspecto relevante a ser colocado é a Lei que instituiu o SNHIS é resultado


da primeira proposta de Lei de iniciativa popular, Projeto de Lei nº. 2.710/92, enviado
ao Congresso Nacional após a Constituição Federal de 1988, fruto da mobilização
Nacional dos Movimentos Populares de Moradia, do Movimento Nacional de
Reforma Urbana e de diversos outros segmentos ligados ao tema.

A finalidade principal do Sistema Nacional de Habitação é “implementar


políticas e programas que promovam o acesso à moradia digna para a população de
baixa renda, que compõe a quase totalidade do déficit habitacional do País” ·

Nesse sentido, o art. 2º da Lei 11.124 estabelece como objetivos do SNHIS: a)


viabilizar para a população de menor renda o acesso a terra urbanizada e à
habitação digna e sustentável; b) implementar políticas e programas de
investimentos e subsídios, promovendo e viabilizando o acesso à habitação voltada
à população de menor renda ; e c) articular, compatibilizar, acompanhar e apoiar a
atuação das instituições e órgãos que desempenham funções no setor da habitação.

O SNHIS é composto por diversos órgãos e Conselhos das três esferas de


governo, entidades privadas que desempenham atividades na área habitacional,
além de agentes financeiros autorizados pelo Conselho Monetário Nacional a atuar
no Sistema Financeiro Habitacional (SFH).

O art. 12 da Lei que institui o SNHIS, estabelece que os recursos do FNHIS


serão aplicados de forma descentralizada, por intermédio dos Estados, Distrito
Federal e Municípios, estabelecendo ainda que estes entes deverão:

 constituir fundo com dotação orçamentária própria, destinado a implementar


Política de Habitação de Interesse Social e receber recursos do FNHIS;
 constituir conselho que contemple a participação de entidades públicas e
privadas, bem como de segmentos da sociedade ligados à área de habitação,
26

garantido o princípio democrático de escolha de seus representantes e a


proporção de ¼ (um quarto) das vagas aos representantes dos movimentos
populares;
 apresentar Plano Habitacional de Interesse Social, considerando as
especificidades do local e da demanda;
 Firma termo de adesão ao SNHIS;
 Elaborar relatório de gestão; e
 Observar os parâmetros e diretrizes para concessão de subsídios no âmbito
do SNHIS definidos na Lei.

6.2. Recursos

Em relação aos recursos, a PNH manifestou-se no sentido de articular recursos


onerosos e não onerosos de forma a ampliar o atendimento da demanda por
habitação existente no Brasil.

Nesse sentido, os recursos destinados ao SNHIS são os do Fundo de Amparo


ao Trabalhador (FAT), nas condições estabelecidas pelo seu Conselho Deliberativo,
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) nas condições estabelecidas
pelo seu Conselho Curador, ambos de caráter oneroso, do Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social (FNHIS) e de outros fundos ou programas que vierem
a serem incorporados ao Sistema.

Especificamente, em relação ao FNHIS, para onde devem ser canalizados os


recursos não onerosos, o mesmo é constituído por recursos do Fundo de Apoio ao
Desenvolvimento Social (FAS), de que trata a Lei nº 6.168/1974, dotações do
Orçamento Geral da União classificadas na função habitação, recursos provenientes
de empréstimos externos e internos para programas de habitação, contribuições e
doações de pessoas físicas e jurídicas, entidades e organismos de cooperação
nacionais e internacionais, receitas operacionais e patrimoniais de operações
realizadas com recursos do próprio FNHIS, outros fundos ou programas que vierem
a ser incorporados ao FNHIS e outros recursos que lhes vierem a ser destinados.
27

A primeira seleção de projetos no âmbito do FNHIS ocorreu em 2007, com


distribuição de aproximadamente R$ 1 bilhão. Já em 2008, de início foram
selecionados projetos que totalizaram aproximadamente R$ 900 milhões, ficando os
R$ 100 milhões restantes, previsto no orçamento do Fundo para este ano,
reservados para a seleção de projetos inseridos na nova modalidade denominada de
“Ação de Apoio à Produção Social da Moradia”, na qual os recursos poderão ser
repassados diretamente para as entidades privadas sem fins lucrativos que atuam
na produção habitacional, voltada a famílias de baixa renda.

Tabela 03: Comparativa Seleção de Projetos do FNHIS 2007 – 2008 e Déficit


Habitacional Fundação João Pinheiro FJP -2006

Recursos FNHIS por Região 2007 / 2008


Ação
Ano Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul R$ Total p/ano
Construção 33.030.000,00 97.990.000,00 45.180.000,00 94.560.000,00 33.696.068,00 304.456.068,00
2007
Habitacional
2008 39.111.000,00 153.583.000,00 49.158.000,00 155.797.000,00 52.351.000,00 450.000.000,00

Subtotal 72.141.000,00 251.573.000,00 94.338.000,00 250.357.000,00 86.047.068,00 754.456.068,00


Melhoria das 47.930.000,00 180.560.000,00 107.480.000,00 252.110.000,00 61.960.000,00 650.000.000,00
2007
Condições de
Habitabilidade 2008 25.142.000,00 106.039.000,00 64.610.000,00 165.689.000,00 38.520.000,00 400.000.000,00

73.072.000,00 286.599.000,00 172.090.000,00 417.799.000,00 100.480.000,00 1.050.000.000,00


Subtotal
Apoio a 2.110.142,50 15.915.411,40 3.611.000,00 7.235.545,05 6.731.500,00 35.653.598,95
2007
Elaboração de
Planos 2008 2.301.457,25 5.041.000,00 2.431.300,00 3.332.000,00 3.567.495,20 16.673.252,45
Habitacionais de
Interesse Social Subtotal 4.411.599,75 20.956.411,40 6.042.300,00 10.567.545,05 10.298.995,20 52.326.851,40
Prestação de 409.500,00 4.043.100,00 1.096.000,00 2.717.333,00 1.489.400,00 9.755.333,00
2007
Serviços de
Assistência 2008 1.959.100,00 5.780.600,00 1.388.800,00 3.833.658,33 2.886.800,00 15.848.958,33
Técnica para
Habitação de 2.368.600,00 9.823.700,00 2.484.800,00 6.550.991,33 4.376.200,00 25.604.291,33
Interesse Social Subtotal
Total 2007 83.479.642,50 298.508.511,40 157.367.000,00 356.622.878,05 103.876.968,00 999.864.999,95
Total 2008 68.513.557,25 270.443.600,00 117.588.100,00 328.651.658,33 97.325.295,20 882.522.210,78
Total p/ Região 2007 e 2008 151.993.199,75 568.952.111,40 274.955.100,00 685.274.536,38 201.202.263,20 1.882.387.210,73
% de Repasse por Região 8,07% 30,23% 14,61% 36,40% 10,69% 100,00%
Déficit Habitacional - 2006 - Fundação João Pinheiro
Déficit Habitacional Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Total
FJP 540.546,00 2.684.536,00 831.703,00 2.935.266,00 942.668,00 7.934.719,00
% do Déficit p/Região 6,81% 33,83% 10,48% 36,99% 11,88% 100,00%
Fonte: Dados do resultado da seleção do FNHIS 2007 e 2008 e Estudo da Fundação João Pinheiro para o Déficit Habitacional
no Brasil - 2006

A distribuição de recursos do FNHIS contempla ações dos municípios e dos estados


para construção de novas unidades habitacionais, melhoria das condições de
habitabilidade através de projetos de urbanização integrada, apoio à elaboração de
Planos locais de habitação e prestação de assistência técnica.
28

A análise dos dados referente às seleções de projetos para o FNHIS nos anos de
2007 e 2008 evidencia uma distribuição que procura atender de forma proporcional
ao déficit habitacional existente no País de acordo com o estudo produzido pela
Fundação João Pinheiro em 1995 e que já passou por algumas atualizações, sendo
o último volume publicado em 2008, referente ao déficit estimado para o ano de
2006.

No caso da Região Sudeste que representa o maior déficit habitacional do Brasil, de


acordo com a FJP, alcançando, em 2006, o índice de 36,99% em relação ao déficit
total, recebeu do FNHIS o equivalente a 36,40% dos recursos disponibilizados nos
anos de 2007 e 2008, conforme gráficos 3 e 4. Esta situação se estende as demais
regiões do País com pequenas discrepâncias entre o índice de déficit habitacional e
os recursos disponibilizados pelo FNHIS.

Gráfico nº 03 Gráfico nº04

Fonte: Dados do resultado da seleção do FNHIS 2007 e 2008 e Estudo da Fundação João Pinheiro para o Déficit Habitacional
no Brasil - 2006

Está previsto que só terá acesso aos recursos disponibilizados pelo FNHIS os
municípios e Estados, que, dentro dos prazos estabelecidos, constituam Fundo e
Conselhos locais, elabore Planos locais de Habitação e que anualmente elabore
relatório de gestão a ser aprovado pelo Conselho local.

Uma outra importante fonte de recursos não onerosos no atendimento da grande


demanda por moradia, entendida como déficits quantitativo e qualitativo, existente, é
o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007, que “prevê nos
próximos 4 anos (2007-2010) um investimento de 11 bilhões de reais na
urbanização de assentamentos precários e saneamento integrado ” (SECRETARIA
29

MUNICIPAL DE HABITAÇÃO DE SALVADOR, 2008, p.64), o que representa a


disponibilização, em média, de 2,75 bilhões de reais por ano.

Em relação aos recursos onerosos, vários foram os programas criados com o


objetivo de atender a demanda por habitação das famílias que, mediante
financiamento, podem pagar por sua moradia. Nesse sentido destacamos os
seguintes programas:

 Programa de Arrendamento Residencial (PAR): com recursos do FGTS e do


Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), tem proporcionado a construção de
milhares de unidades habitacionais em todo o Brasil, principalmente nas grandes
capitais, para famílias de baixa renda sob a forma de arrendamento residencial com
opção de compra;

 Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH): possibilita o


acesso à moradia as famílias de baixa renda reunidas em grupos organizadas por
governos estaduais, DF e municípios, através da concessão de subsídios. Seus
recursos são provenientes do Orçamento Geral da União (OGU);

 Carta de Crédito Individual: concede, de forma individual, financiamento para


aquisição, construção, conclusão, ampliação, reforma ou melhoria de unidades
habitacionais, com recursos do FGTS;

 Carta de Crédito Associativo: concedem financiamento, a pessoas físicas,


associadas em grupos formados por condomínio, sindicatos, cooperativas,
associações, companhias de habitação, ou empresas do setor da construção civil;

 Programa de Atendimento Habitacional através do Poder Público (Pró-


Moradia): oferece acesso à moradia adequada a população de baixa renda por
intermédio de financiamento a estados, DF e municípios;

 Programa de Crédito Solidário: financiamento habitacional, sem juros, a famílias


de baixa renda organizadas em associações, cooperativas, sindicatos ou entidades
da sociedade civil organizada, com recurso do Fundo de Desenvolvimento Social
(FDS).
30

6.3 Programa de Regularização Fundiária: instrumentos jurídicos para


efetivação do direito a moradia

A PNH além de fomentar a construção e a melhoria de unidades habitacionais,


procura também a efetivação do acesso a terra, através da utilização vários
instrumentos legais disponíveis.

Como ficou demonstrado, o processo acelerado de urbanização que se


desenvolveu no Brasil ocasionou o surgimento de um verdadeiro modelo de
produção informal das cidades brasileiras, proporcionando a ocupação desordenada
do solo, bem como a ocorrência de procedimentos informais e ilegais de aquisição
da propriedade urbana, principalmente em relação a populações de baixa renda, que
ficam adstritas aos processos formais de conquista da moradia.

Esse aspecto insere-se na classificação adotada pela Fundação João Pinheiro,


no cálculo do déficit habitacional, como inadequação de domicílio, e representa uma
importante vertente a ser levada em consideração na efetivação de uma política pra
habitação.

De acordo com texto da Política Nacional de Habitação, a mesma

deve responder aos objetivos de urbanização e reconhecer os direitos de


posse dos moradores em assentamentos populares já existentes (...) que
apresentem condições ambientais, geotécnicas e de segurança, por meio
da implementação de melhoras habitacionais e urbanísticas (MINISTÉRIO
DAS CIDADES, 2006, p. 48).

Nesse sentido, os Programas de Regularização Fundiária além de contemplar


as ações jurídicas referente à titulação da terra, garantido dessa maneira o direito a
moradia, devem estar associados a ações de mobilização social e de intervenções
urbanísticas, respeitando-se a legislação ambiental e de uso e ocupação do solo, de
forma a permitir o desenvolvimento pleno e sustentável do assentamento.

Com o objetivo de fomentar a diretrizes e ações especificas ao atendimento


dessa finalidade, prevista na PNH, o Governo Federal criou o Programa Papel
Passado que tem por objetivo a “melhorar as condições de habitabilidade de
31

assentamentos humanos precários, reduzir risco mediante a sua urbanização e


regularização fundiária, integrando-os ao tecido urbano da cidade”.

Esse programa permite o repasse de recursos ao Distrito Federal, Estados e


Municípios para a formulação de política voltada a regularização plena, que
contempla ações que visam a regularização da posse e propriedade, bem como de
indicativos de melhorias urbanísticas a serem implementadas em uma segunda fase
das ações. O programa repassa recursos também para atividades próprias de
regularização fundiária.

Hoje existem vários instrumentos jurídicos que permitem ações voltadas à


efetivação do direito a moradia mediante a titulação da posse ou aquisição da
propriedade. Em áreas particulares ocupadas, obedecidas as disposições legais, a
aquisição por usucapião e o instrumento mais utilizado para se efetivar o direito a
moradia. No caso de áreas públicas, dadas a vedação constitucional da aquisição
por usucapião, o instituto jurídico utilizado são as concessões de Direito Real de Uso
(CDRU) e a Especial para Fins de Moradia.

Outros instrumentos jurídicos que permitem a efetivação do direto à moradia


em áreas ocupadas e consolidadas são: Cessão de Posse, Doação, Direito de
Superfície, Direito de Preempção, Desapropriação e de forma indireta, a instituição
de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS).

6.4 Habitação de Interesse Social: Gestão com Participação e Controle Social

Um importante aspecto para sustentabilidade da nova PNH é o seu caráter


democrático, evidenciado pelo aumento da participação de diversos segmentos da
sociedade civil, em especial dos movimentos populares, no processo decisório em
relação à própria política e em relação às ações a serem desenvolvidas, numa
demonstração de fortalecimento da participação social.

A partir da Constituição Federal de 1988, uma nova concepção democrática


passa a ser incorporada nas relações do Estado com a sociedade civil,
32

possibilitando a formação de arranjos institucionais alicerçados em uma ampla


participação democrática.

Uns exemplos claros desse novo cenário são as Conferências, inicialmente, as


de caráter Nacional, mas que hoje já alcançam os três níveis de governo, bem como
a constituição de diversos Conselhos de caráter deliberativo e com ampla
participação popular.

No caso específico da PNH, a que se destacar as Conferências Nacionais


realizadas com uma ampla participação dos diversos setores ligados às questões
urbanas, que permitiram e contribuíram de forma decisiva para a sua
implementação.

Ainda nesse sentido, a própria Lei que instituiu o Sistema Nacional de


Habitação de Interesse Social, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e
o seu Conselho Gestor, partiu da iniciativa popular de Lei prevista na Constituição de
1988.

Essa Lei além de criar esse arranjo institucional em nível do Governo Federal,
estabelece a necessidade de criação de Fundos e Conselhos estaduais e
municipais, sendo que em relação aos Conselhos, estabelece a obrigação dos
mesmos serem constituído de forma paritária entre o Poder Público e Sociedade
Civil, bem como a obrigatoriedade de participação dos movimentos populares da
proporção de 25% dos respectivos Conselhos.

Ainda sobre esse aspecto, qual seja a participação social, o governo federal
no âmbito dos seus programas voltados a habitação e ao saneamento básico,
passou a adotar a obrigatoriedade de ações sociais e participativas em seus
desenvolvimentos. Nesse sentido, município e estado quando recebem repasse
voluntário de recursos estão obrigados a destinar um percentual de recursos ao
desenvolvimento de ações sociais, cujos princípios norteadores – autonomia,
parceria e democratização – levando a população a conhecer, refletir e discutir as
alternativas de soluções sustentáveis para os problemas de cada comunidade
33

beneficiada, visando ainda à geração de renda, a melhoria das condições de


habitabilidade e ambientais.

7 Conclusão

A questão habitacional no que tange ao seu déficit na atualidade, não é algo recente,
tendo sua semente lançada ainda durante a fase colonial de nossa história, mas que
a partir dos anos 30 do século passado, ganhou notoriedade devido ao processo
acelerado de urbanização dos grandes centros, em função do desenvolvimento
industrial recém chegado ao país, ocasionado um “inchaço” populacional nas
grandes cidades sem qualquer planejamento ou controle.

Todo esse processo levou a formação de cidades marcadas pela irregularidade na


forma de aquisição da terra e da moradia, de configuração concentrada, levando a
uma verdadeira exclusão social e espacial, tendo em vista que proporcionou a
proliferação de favelas em todo território nacional.

Outra constatação, é que durante todo o período da história do país os diversos


governos que gerenciaram as políticas de estado, o fizeram mediante ações
isoladas e que na prática não conseguiram alcançar resultados de forma
proporcionar moradia digna, principalmente para a população de baixa renda.

A coisa se agravou com o fim do regime militar, que tinha na política implementada
pelo BNH um dos alicerces de atuação, mas que com a sua extinção levou a um
longo período de ações isoladas pelos estado e município, sem nenhuma
coordenação por parte do governo Federal, agravando de forma significativa a
questão do déficit habitacional no país.

Diante desse quadro dramático presente em praticamente todas as cidades de


grande e médio porte do nosso país, e entendo a importância da efetivação do
direito a moradia, é que buscamos neste trabalho identificar, na atualidade, as ações
em desenvolvimento, no intuito de enfrentar esse grande e grave problema social,
que se configura na necessidade uma Política Pública consistente e sustentável, que
possa, de forma gradual, diminuir o grande déficit habitacional no país.
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Na atualidade constata-se uma mudança de postura do Poder Público para enfrentar


esse quadro crítico, através da implementação de novas ações e programas
específicos ao atendimento dessa grande demanda reprimida em nosso país.

Nesse sentido, o governo Federal depois de vários anos sem uma atuação ativa
para reduzir o déficit habitacional no país, desde meados dos anos 80, volta a atuar
de forma positiva a partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades e
posteriormente com a sanção da Lei 11.124 de 2005, que criou o Sistema Nacional
de Habitação de Interesse Social - SNHIS e o Fundo Nacional de Habitação de
Interesse Social - FNHIS, sinalizando para uma atuação constante, na medida em
que nesta nova sistemática, a participação de diversos setores da sociedade civil se
tornou uma exigência legal, com a formação dos Conselhos Gestores,
principalmente em relação à participação dos movimentos populares.

Uma outra importante vertente no desenvolvimento da Política Nacional de


Habitação na atualidade é a questão jurídica em seus diversos aspectos que a partir
da Constituição de 1988, passou a incorporar no ordenamento jurídico, conceitos
como o da função social da propriedade e da cidade, que ao relacionar, o conceito
primário de propriedade acabam por possibilitar o fomento à produção social da
habitação no país. Nesse sentido a que se destacar a edição do Estatuto da Cidade,
que regulamentou o capítulo da Constituição que trata da questão urbana,
possibilitando com isso a utilização de diversos instrumentos de regulação de uso e
ocupação do solo pelos entes da Federação, principalmente pelos municípios, o que
tem possibilitado a efetivação do direito a moradia.

Contudo, ainda são necessários ajustes no atual desenho político institucional, pois
apesar da Lei que criou o SNHIS estabelecer que os recursos sejam repassados aos
Fundos Locais, em 2007 e 2008, mesmo para os entes da federação que já haviam
constituído Fundo e Conselhos locais, os recursos foram repassados aos municípios
e estados, através de contratos de repasses, sem passar pelos fundos locais, em
função de modificações introduzidas pela Lei 11.481/2007.
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Isso implica na não efetivação plena da participação e controle social, na medida em


que os conselhos locais, neste momento, não têm poder deliberativo na aplicação
desses recursos bem como no seu controle de forma direta, já que os recursos
estão sendo repassados diretamente pelo Ministério das Cidades para projetos
específicos de estados e municípios, o que reduz a participação dos conselhos
locais.

Todavia, essa nova conjuntura político institucional, associada a todo um


instrumental jurídico nos permite vislumbrar um cenário de perspectivas positivas em
relação ao equacionamento desse problema social, de forma a fomentar a produção
habitacional proporcionando de moradia digna aos cidadãos brasileiros, em especial
os de baixa renda.
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REFERÊNCIAS

ALFONSIN, Betânia de Moraes; FERNADES, Edésio. Direito à moradia e segurança da


posse no estatuto da cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo
Horizonte: Fórum, 2004. 368p

BRASIL. Caixa Econômica Federal. Regularização da terra e moradia: o que é e como


implementar. Brasília, DF, 2002.

BRASIL. Ministério das Cidades. Conselho das cidades: um exercício de gestão


democrática. Brasília, 2005. 40p

______. Ministério das Cidades. Déficit Habitacional no Brasil 2006. Brasília, 2008. 97p

______. Ministério das Cidades. Guia de implantação do Estatuto da Cidade. Brasília,


DF, 2002

______. Ministério das Cidades. Secretária nacional da habitação. Déficit Habitacional no


Brasil 2006. Brasília, 2008 98p

______. Ministério das Cidades. Sistema e fundo nacional de habitação de interesse


social SNHIS/FNHIS: guia de adesão para estados, DF e municípios. Brasília, 2006. 57p

GORDILHO-SOUZA, Ângela. Limites do habitar: segregação e exclusão na configuração urbana


contemporânea de Salvador e perspectivas no final do século XX. Salvador: EDUFBA, 2000,
451.p.

SALVADOR. Secretaria Municipal da Habitação. Plano municipal de habitação de


Salvador 2008-2025. Salvador. 2008. 96p.

SANTO ANDRÉ-SP. Prefeitura de Santo André. Plano municipal de habitação. Santo


André. 2006 .225p.

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