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Abstract. The present paper presents a critical literature revision about the con-
cept and studies toward bullying phenomenon in school contexts. First, it will
be presented a definition of bullying, emphasizing translation problems to this
word as well as other words used to define this type of violence in other cultures
and in Portuguese speaking countries. Moreover, the theoretical perspective of
analysis adopted in this specific work will be emphasized. Following, manifes-
tation expressions of bullying, initiated or suffered by children and adolescents
will be explained, as well as some gender differences and social roles assumed
by the participants in the bullying process, according to some authors. Risk fac-
tors of the bullying process will also be pointed as possible causes to the phe-
nomenon as well as consequences to the participants. Finally, the ideas present-
ed will be reviewed and emphasized the bullying problem and its magnitude
nowadays. Therefore, ideas to prevention and intervention actions of this kind
of aggressive behavior will be open to discussion.
dores começaram a identificar casos de violên- Lisboa, 2005; Neto, 2005). Uma busca no Index-
cia nas escolas e a se preocupar com as possíveis Psi Periódicos (www.bvs-psi.org.br) com o des-
consequências e vulnerabilidades dos envol- critor bullying aponta poucos artigos científicos
vidos (Olweus, 1993; Smith et al., 2004). Den- brasileiros (Antunes e Zuin, 2008; Neto, 2005;
tre os autores que vêm estudando esse tipo de Palácios e Rego; 2006). Estudos empíricos que
relação entre pares, destaca-se o professor Dan investiguem este tipo de relação ainda necessi-
Olweus que iniciou suas pesquisas na década tam ser realizados (Binsfeld e Lisboa, 2008).
de 1970, na Noruega, embora, ainda, não se O bullying é um fator de risco para a violência
identificasse um interesse das instituições sobre institucional e social, bem como para compor-
o assunto. Mesmo que o bullying tenha desper- tamentos antissociais individuais (Lisboa, 2005)
tado interesse de estudo há mais de trinta anos, e pode significar uma forma de afirmação de
o processo vem realmente atraindo atenção nas poder interpessoal por meio da agressão. Não
duas últimas décadas, a partir de estudos que pode ser confundido com brincadeirinhas de
evidenciam sua prevalência e, principalmente, crianças, nem admitido como uma situação
os riscos para o desenvolvimento pessoal e so- corriqueira e natural. A diferença, para obser-
cial de jovens e instituições escolares como um vadores externos ao grupo de pares, entre o
todo. Os resultados do Relatório Internacional bullying e as brincadeiras de crianças, às vezes,
da Saúde Mundial (Craig e Harel, 2004) referem é muito tênue; pode ser sutil ou imperceptível,
que o bullying é um problema mundial que afe- mas não menos grave. No entanto, quando há
ta cerca de um terço de crianças por mês. Para sofrimento, de qualquer um dos envolvidos, não
cerca de 11% de crianças, este tipo de abuso, é mais uma brincadeira entre amigos. É neces
praticado pelos seus companheiros, é severo sário, portanto, que os professores e demais
(várias vezes por mês). profissionais vinculados à instituição escola
Em 1982, na Noruega, três alunos na faixa estejam atentos à situação e busquem a inter-
etária de 14 anos cometeram suicídio, possivel- rupção desse processo.
mente como resultado de problemas de bullying O bullying é definido como um subtipo de
(vitimização). Após, em 1983, uma campanha comportamento agressivo que gera atos vio-
nacional para combater problemas relacionados lentos e, na maioria das vezes, ocorre dentro
à vitimização em escolas foi coordenada pelo das escolas (Olweus, 1993). O comportamento
Ministério da Educação desse país (Olweus, agressivo emerge na interação social e pode
1993). Dessa forma, as autoridades, a mídia e ser definido como todo o comportamento que
profissionais em escolas passaram a dar mais visa a causar danos ou prejudicar alguém (Lo-
importância e a ficar mais atentos a esse tipo eber e Hay, 1997). Neste artigo, o comporta-
de brincadeira. Apesar de o fato ter ocorrido na mento agressivo e o bullying são compreendi-
Noruega, pesquisas transculturais mostram que dos como um processo decorrente da interação
o fenômeno bullying, provavelmente, sempre entre a pessoa e o seu ambiente físico, social e
existiu e é identificado em diversos países do cultural (Bronfenbrenner, 1996 [1979]). Assim,
mundo. Há aspectos comuns nessas manifesta- é possível pensar que uma criança pode estar
ções, os quais sugerem um caráter universal no agressiva e não ser agressiva (Lisboa, 2005).
fenômeno. Estudos científicos e aprofundados Rigby (2004), em uma revisão crítica sobre
sobre o assunto começaram a ser realizados a definições e paradigmas teóricos subjacentes
partir da década de 1990, por diversos pesqui- à compreensão do bullying, aponta cinco mo-
sadores (Almeida e Del Barrio, 2002; Pepler et delos para o entendimento desse fenômeno.
al., 2008; Rigby, 1996; Salmivalli et al., 1998; Smi- Segundo esse autor, o bullying, que pode ser
th et al., 2004). Pode-se supor que houve uma compreendido a partir de vulnerabilidades
mudança na maneira de analisar essas atitudes individuais de agressores e vítimas, também
agressivas – que sempre existiram, mas que até pode ser encarado como um processo de de-
então eram ignoradas e/ou negligenciadas – e senvolvimento filogenético e, ainda, pode ser
pesquisadores passaram a encará-las não mais considerado como um fenômeno sociocultural,
como um fenômeno corriqueiro, normal e ino- decorrente de especificidades das pressões do
fensivo, mas como um processo que merece ser microssistema dos grupos de pares, ou como
cuidadosamente observado e investigado, pois comportamento de retaliação, de vingança
implica graves consequências (emocionais e (motivações individuais).
cognitivas) para os envolvidos. Neste capítulo, o bullying é compreendido
No Brasil, os primeiros estudos começaram a partir de uma perspectiva socioecológica,
a ser realizados a partir de 2000 (Fante, 2005; que considera que o bullying sempre ocorre
didas com episódios de agressão reativa (Crick cia quatro vezes maior do que pelas meninas.
e Dodge, 2000; Dodge, 1991). O desequilíbrio Isso não significa que os meninos são mais
de poder relacionado ao bullying pode ser ex- agressivos do que as meninas – ao contrário
plicado pelas diferenças físicas (estatura, peso, do que poderia supor o senso comum – mas
raça, entre outras) emocionais e sociais perce- que as meninas se utilizam de formas mais su-
bidas entre agressores e vítimas (Neto, 2005; tis de agressão (Björkqvist et al., 1992; Crick e
Salmivalli et al., 1998). Aspectos econômicos e Dodge, 2000). No entanto, os meninos e as me-
culturais, bem como características de perso- ninas, sem diferença significativa, informam
nalidade e temperamento, também constituem se estão sendo vitimizados (Smith et al., 2004).
fatores de risco para a manifestação do bullying A violência física é a forma que mais chama a
e para a escolha das vítimas dos ataques agres- atenção, porque é evidente e explícita e tam-
sivos. Convém salientar que esses são fatos bém porque tem consequências graves e mais
que se observam em estudos e levantamentos imediatas. Este é um dos motivos pelos quais
sobre bullies (agressores) e vítimas e, ainda, se torna difícil identificar episódios de bullying
em estudos que traçam tipologias de vítimas entre as meninas.
(Fante, 2005; Hodges et al., 1997; Salmivalli et Com base nesses esclarecimentos, no bullying,
al., 1998). É importante enfatizar que tais as- portanto, identifica-se claramente um agressor
pectos, mesmo que possam causar o bullying e (líder), um grupo de seguidores (reforçadores),
até explicá-lo, não o legitimam, pois esse pro- testemunhas e uma ou mais vítimas que são
cesso vai contra princípios éticos culturais e excluídas da interação social (Olweus, 1993;
individuais de respeito às diferenças individu- Salmivalli et al., 1998). Samivalli et al. (1998),
ais, solidariedade e normas para convivência que estudou a composição ecológica do gru-
saudável grupal (Lisboa, 2005). po de pares no bullying, também verificou a
A qualidade das relações de amizade e o existência de um grupo de crianças que atuam
desejo de alcançar um status maior na escola tanto como vítimas quanto como agressores.
(popularidade) para se manter no poder de- Denominou-as de bully-victims, agressoras-
monstra a desigualdade de tratamento e a pro- vítimas.
eminência dos indivíduos dentro do grupo. A De acordo com Olweus (1993), as crianças
possibilidade de rejeição faz com que os seus vítimas de bullying podem ser passivas, ou seja,
membros se submetam às normas do grupo, isoladas (excluídas), introvertidas e/ou inibi-
embora essas não sejam formais e explícitas. das; apresentam uma percepção negativa de
Reforçar e não denunciar comportamentos si mesmas e da situação em si, pois não con-
agressivos de algumas crianças para com ou- seguem vislumbrar alternativas para mudar
tras pode aumentar a popularidade individual a situação. Também podem ser provocativas,
– tão almejada em grupos de pares na infân- ao apresentar comportamento agressivo e/ou
cia e adolescência. Os membros do grupo de- ansioso, que pode irritar ou provocar tensão
monstram se importar mais com o seu status no contexto grupal em que estão inseridas. Ge-
do que com a qualidade de suas amizades, o ram, por consequência, a exclusão do grupo de
que pode ser explicado por uma distorção cog- pares (Lisboa, 2005; Olweus, 1993). Alguns es-
nitiva das crianças agressivas (Crick e Dodge, tudos mostram que as vítimas estão mais pro-
2000). Existe uma diferença, entre o que crian- pensas a apresentarem problemas comporta-
ças agressivas contam sobre as suas relações de mentais e afetivos como depressão, ansiedade
amizade e o que realmente pode ser observado. e suicídio (Fante, 2005; Hodges et al., 1999; Sal-
Ainda, observa-se uma valorização de amigos mivalli et al., 1998). Crianças mais novas apre-
agressivos ou agressores, atribuindo-se a esses sentam maior probabilidade de sofrer vitimi-
o papel, inclusive, de protetores contra uma zação e de atuar como agressor em processos
possível experiência de vitimização (Lisboa e de bullying. À medida que as crianças crescem
Koller, 2009; Vaillancourt et al., 2003). e com a entrada na adolescência, isto é, quanto
A maior incidência do bullying ainda é ob- mais desenvolvidas física e emocionalmente
servada em meninos no papel de agressores se tornam, menos chances esses jovens terão
e vítimas (Neto, 2005). Entretanto, cabe dizer de sofrer vitimização por parte de seus pares
que a forma indireta de bullying, tipicamente (Olweus, 1993).
praticada pelas meninas, dificulta o reconhe- Olweus (1993), em estudo realizado na
cimento da agressão. Uma pesquisa realizada Noruega, mostrou que 40% dos estudantes
por Neto (2005) constatou que o bullying direto vitimizados dos anos iniciais e 60% dos estu-
era utilizado pelos meninos com uma frequên dantes do Ensino Médio informaram que as
Jovens que protagonizam o bullying duran- de cyberbullying; ela vem sendo observada com
te o Ensino Fundamental, mesmo que diminu- significativa frequência em países desenvolvi-
am esse comportamento durante o Ensino Mé- dos e subdesenvolvidos, devido ao aumento
dio, são considerados por pesquisadores como do uso de celulares e internet por crianças e
hábeis socialmente e identificados por estar adolescentes. O cyberbullying, ainda pouco es-
no centro (dominação) do grupo de pares. tudado no Brasil (Faustino et al., 2008; Neto,
Os agressores, por intermédio do bullying, se 2005), envolve o uso da informação e da comu-
mantêm em posição de líderes dentro do gru- nicação tecnológicas para exercer comporta-
po de pares (Farmer et al., 2003; Vaillancourt mentos deliberados, repetidos e hostis por um
et al., 2003; Xie et al., 2005). Essas crianças ou indivíduo ou grupo, com a intenção de preju-
adolescentes, depois de terem estabilizado seu dicar os outros (Belsey, 2005; Cross et al., 2004).
status por meio do bullying, tendem a diminuir Tratam-se de expressões de bullying que ocor-
o comportamento agressivo e usam outras es- rem por meio da internet (e-mails, chats, sites
tratégias (habilidades sociais, por exemplo) de racionamentos, jogos virtuais, orkut, dentre
para fazer amigos (Pellegrini, 2004; Pellegrini outros) e de telefones celulares (torpedos, li-
e Bartini, 2001). gações, fotos digitais). Esse tipo de recurso
Salmivalli et al. (1998) pontua que, além digital pode facilitar ainda mais a ocorrência
dos grupos de vítimas e de agressores e de da vitimização, pois o anonimato que a inter-
agressores-vítimas, há mais três grupos dife- net possibilita pode encorajar os agressores a
rentes: (i) testemunhas (quem apenas observa ameaçar, intimidar e humilhar os outros. O
o bullying), (ii) defensores (quem ajuda as ví- aumento desse tipo específico de bullying está
timas) e (iii) seguidores (reforçam o bullying, relacionado ao crescente desenvolvimento da
e estimulam o comportamento do agressor). tecnologia da informação e da comunicação
O fato de testemunhar o bullying é um grande digital (Belsey, 2005; Cross et al., 2004).
fator de risco para o descontentamento com a No Brasil, Faustino et al. (2008) realizaram
escola, já que pode comprometer o desenvol- uma revisão crítica sobre linguagem e agres-
vimento acadêmico e social (Neto, 2005). são, enfocando o processo de cyberbullying
As testemunhas de bullying não se envol- identificado no Orkut (site de relacionamento).
vem diretamente nas agressões com seus pa- Segundo essas autoras, por um lado, a lingua-
res. Muitas vezes, simpatizam com os colegas gem possibilita a interação saudável entre se-
vitimizados e condenam o comportamento dos res humanos, mas, por outro, pode ser um ve-
jovens que agridem. Entretanto, essas crianças ículo eficaz para a manifestação e o reforço da
ou adolescentes têm medo de se tornarem alvos agressão. É possível considerar o cyberbullying
das agressões e, por essa razão, não intervêm e como uma forma de violência concretizada
esperam que um professor ou algum pai faça pela linguagem praticada nos meios de comu-
isso (Menesini et al., 1997). Muitos desses jovens, nicação virtuais.
ao verem os comportamentos agressivos de seus As autoras Faustino et al. (2008) trazem uma
colegas, começam a imitá-los, para ganhar po- reflexão interessante sobre cyberspace, ou seja,
pularidade e poder, mas, com isso, acabam por o espaço cibernético. Este pode implicar em
se tornar praticantes de bullying, ou agressores, uma espécie de distorção perceptiva nos seus
mediante a aprendizagem vicária (Bandura, usuários. Essa distorção é consensual: o espa-
1986; Fekkes et al., 2005). Evidencia-se que, na ço virtual pode ser concebido, cognitivamente,
maioria das vezes em que uma testemunha de nos mesmos termos do espaço real, além de ser
bullying tenta intervir e parar com as agressões diariamente utilizado e vivenciado por milhões
ao seu colega (vítima), obtém êxito. Assim, é de de operadores no mundo inteiro. O ciberespaço
extrema importância o incentivo dos professores é um espaço mágico, um conjunto de redes de
e outros profissionais para que mais testemu- telecomunicações que não se referem ao espa-
nhas denunciem e tenham comportamentos de ço físico real, mas a um espaço imaginário. O
proteção para com as vítimas e contra o bullying. cyber espaço vai além da internet, já que inclui
É importante a crescente intervenção das crian- comunicações via telefone, diferentes tipos de
ças no sentido de impedir o bullying, pois essa sites, salas de bate-papos virtuais, comunicado-
ação possibilita aos autores de comportamentos res instantâneos, entre outros. Nesse espaço, é
agressivos sentirem a falta de apoio para a conti- possível desenvolver uma série de relaciona-
nuidade dessa atitude (Neto, 2005). mentos semelhantes aos do mundo real, com as
Uma nova forma de manifestação do especificidades, entretanto, do mundo virtual.
bullying contemporaneamente é denominada O bullying que aí ocorre pode ser favorecido (re-
forçado) pela cisão entre o mundo real e o vir- indireto e não presencial, implica o fato de o
tual. A agressão que se dá pelo meio virtual é, agressor, já que não tem contato direto com a
na verdade, uma ofensa real; mas as distorções vítima, não ver a dor e o sofrimento dela, e ter
perceptivas e cognitivas e a banalização de jul- significativamente prejudicada sua capacidade
gamento moral podem reforçar o processo de de empatia (Prados e Fernández, 2007). Cada
cyberbullying e implicar riscos importantes para vez mais, o “cyberagressor” obtém satisfação
o desenvolvimento de jovens na contempora- na elaboração do ato violento, na imaginação
neidade (Faustino et al., 2008). do dano causado. Esse hedonismo, se não pu-
Além de todos os fatores de risco do nido – e no cyberbullying a punição é difícil –
bullying em escolas, o cyberbullying ainda pode pode gerar distorções cognitivas importantes e
incluir riscos para a socialização e para o siste- problemas emocionais nesses jovens. Notícias
ma interpretativo dos jovens (sociocognições). na mídia, atualmente, apontam casos de jovens
As diminuições de interações sociais, que en- que veiculam vídeos de agressões na internet,
volvem, além de comportamentos positivos, cautelosamente planejados e provocados, in-
agressões e frustrações, podem levar o jovem clusive com edições das filmagens e legendas.
que protagoniza o cyberbullying, assim como
o que sofre, a um déficit em suas habilidades Bullying e fatores de risco: ciclo
sociais e recursos para aprendizagem de uma dinâmico de causas e consequências
maneira geral.
Faustino et al. (2008) analisaram casos de al- É necessário se estar atento para as dife-
gumas crianças, que, segundo informações no rentes formas de manifestação de bullying,
Orkut – site de relacionamentos, no qual cada diferenças de gênero e papéis sociais, consi-
indivíduo possui seu perfil com suas informa- derando variáveis contextuais e todas as suti-
ções pessoais – apresentavam-se como vítimas lezas envolvidas no processo. O bullying pode
de cyberbullying. Foram analisados recados dei- dificultar o desenvolvimento social e acadêmi-
xados no Orkut nos perfis das vítimas, assim co (Almeida et al., 2001) e os relacionamentos
como comunidades criadas (outro recurso pos- interpessoais positivos, na infância e adoles-
sível neste site) para ataques a vítimas. O conte- cência, geram melhores níveis de aprendiza-
údo dessas mensagens inclui ameaças, calúnia gem, elevam a autoestima e incrementam o
e difamação e, inclusive, indução ao suicídio. repertório de habilidades sociais (Del Prette e
As tecnologias são benéficas para a ativida- Del Prette, 2005; Lisboa e Koller, 2004). As in-
de profissional e social. Entretanto, a rapidez terações no grupo de pares podem favorecer
das mudanças tecnológicas e a demanda cons- a delimitação da identidade e do papel social,
tante de adaptação a elas introduzem um novo proporcionando não somente a aprendizagem
estilo de vida, de uma maneira geral. Com a de conteúdos acadêmicos e formais, como tam-
agressividade, não é diferente (Prados e Fer- bém a aprendizagem de habilidades e compe-
nández, 2007). As ferramentas disponíveis na tências sociais, mediante relações positivas de
internet permitem a propagação de comporta- amizade (Lisboa et al., 2009).
mentos típicos de bullying: maus tratos, amea- Atualmente, os estudos sobre vitimização
ças, chantagens e discriminações, só que, nesse retomam o papel da cultura desse contexto que,
contexto, podem acontecer de forma anônima com suas normas e regras, legitima a existên-
e não restrita à interação direta e social ou a cia desse problema nos grupos de iguais, e atua
determinado espaço de tempo (Belsey, 2005; como um fator de risco. A vitimização entre pa-
Prados e Fernández, 2007; Neto, 2005). res pode estar correlacionada a problemas de
O cyberbullying pode ser uma continuação rendimento acadêmico e a uma visão negativa
do bullying que já ocorre em outros contextos acerca da escola (Almeida et al., 2001).
(escola, recreios) ou iniciar somente median- Pepler et al. (2008) verificaram as evidências
te o uso das tecnologias de comunicação sem de que crianças agredidas e que agridem, se
antecedentes previamente verificados (Prados não forem adequadamente tratadas ou refor-
e Fernández, 2007). Os estudos sobre cyber- çadas em outros comportamentos de interação
bullying ainda são escassos e há desconheci- mais saudáveis, podem tornar-se delinquen-
mento empírico sobre os efeitos e as diferen- tes, assassinos e agressores. Da mesma forma,
ças entre bullying tradicional e o cyberbullying, estudos (Almeida, 2000; Parker e Asher, 1993;
no que se refere aos fatores de risco para o Xie et al., 2005) atestam e concluem que marcas
desenvolvimento dos jovens envolvidos. O psicológicas deixadas pelas vivências em expe-
cyberbullying, por ser uma forma de bullying riências de bullying podem ser determinantes
para o estabelecimento de uma baixa autoefi- autoconceito (Bandura, 1986; Berndt, 2002).
cácia e constituição, em geral, da personalida- Além disso, os maus-tratos dirigidos à outra
de dessas crianças, uma vez que influenciam criança (vítima) podem ser uma atividade
negativa e seriamente o seu desenvolvimento. compartilhada entre amigos do grupo, como
O estudo de Salmivalli et al. (1998) con- outras atividades quaisquer (brincadeiras, jo-
firma os achados de Olweus (1993) de que a gos, esportes, entre outros) (Lisboa, 2005).
vitimização e rejeição têm sido precocemente Hodges et al. (1997) sugerem que, em ca-
identificadas nas relações entre pares e estão sos de bullying, amigos agressivos podem ser,
correlacionadas com o comportamento an- ao contrário do que se pode imaginar, fatores
tissocial, com problemas acadêmicos e com a de proteção para uma criança em situação de
evasão escolar. Os mesmos autores ainda sa- risco. Dados de um estudo de Lisboa e Koller
lientam que a vitimização pelo grupo de iguais (2009) confirmam esse dado. A interpretação
e a não aceitação social provocam, de uma for- dos autores é que, possivelmente, uma crian-
ma geral, problemas de ajustamento durante ça pode hesitar em vitimizar outra que tenha
o desenvolvimento ao longo do ciclo vital e, um amigo que possa revidar agressivamente.
especificamente, problemas de aprendizagem E, ainda, um dos motivos que pode levar uma
e socialização escolar. criança agressiva a possuir um efeito proteti-
Dentre as causas ou motivações para o vo sobre outras é o papel social que ela ocupa
bullying, é possível apontar alguns motivos que no grupo de pares. Crianças que ocupam al-
podem levar uma ou mais crianças a serem ex- tas posições sociais no grupo (líderes) podem
cluídas de seu grupo de pares. Um dos motivos apresentar elevados níveis de agressividade e,
para que isso ocorra pode estar relacionado à assim, devido ao seu papel no grupo, podem
própria dinâmica do grupo. A dinâmica do gru- auxiliar seus amigos mais vulneráveis (Lisboa,
po de pares possui um conjunto de normas e 2005). Da mesma forma, muitas crianças se
regras preestabelecidas, que não são ditas nem unem ao colega agressor para vitimizar um(a)
escritas, mas que são consenso no grupo como outro(a) colega por temerem que, se não o fi-
um todo. Essas regras dizem respeito a atitudes, zerem, poderão correr o risco de ser a próxima
comportamentos, aspectos físicos (vestuário, es- vítima (Lisboa e Koller, 2009).
tatura, peso, cor, cor da pele, etnia), dentre ou- Outra hipótese para tentar entender como
tros. Existe uma exigência de homogeneidade se inicia o processo de vitimização entre pares
que é instituída, a priori, entre os membros de é a de que algumas crianças possuem maior
um grupo. Esses grupos são exclusivos e imper- vulnerabilidade ou propensão do que as ou-
meáveis para com outros que possam descarac- tras, para adaptar-se às características e às nor-
terizar a estrutura grupal (Bukowski e Sippola, mas dos grupos e instituições nos quais estão
2001). Dessa forma, jovens que possuem carac- inseridas. Essa adaptação ou conformidade a
terísticas e comportamentos semelhantes ten- regras grupais está relacionada às característi-
dem a se associar e a formar pequenos grupos. cas individuais de cada criança, mas também à
O grupo de pares possibilita um clima de que quantidade e qualidade de suas interações in-
favorece ou desfavorece características particu- terpessoais (Fante, 2005; Lisboa e Koller, 2004).
lares dos indivíduos e pode fazer com que uma Os acontecimentos do dia a dia e as experiên-
criança seja mais ou menos popular (Chang, cias individuais e grupais são interpretadas e
2004; Hodges et al., 1997). Assim, aumenta ou internalizadas de maneira distinta pelas crian-
diminui as oportunidades de essa criança fazer ças; assim, um mesmo ambiente pode ser agra-
amigos e adaptar-se aos contextos sociais de dável para uma criança e extremamente desa-
forma saudável (Bukowski e Hoza, 1989; Lis- gradável para outra. Essas idéias que remetem
boa e Koller, 2004). a conceitos que sugerem as crenças individuais
À medida que esses pequenos grupos são (sociocognições) das crianças também inter-
estabelecidos, a violência é reforçada e legiti- ferem para que a vitimização ocorra, ou seja,
mada intragrupo (Almeida, 2000). A aprendi- características individuais das vítimas podem
zagem de comportamentos agressivos pode facilitar para que as agressões ocorram.
ocorrer porque as crianças significam e inter- Ao enfatizar uma perspectiva ecológica
nalizam crenças acerca das relações sociais e de análise, é importante salientar que aspec-
modelos por meio da aprendizagem vicária tos individuais em interação com fatores de
(aprendem observando comportamentos dos contexto sociohistórico e macrossistêmico são
outros, pares e adultos) e é a partir desses mo- importantes para o entendimento do proces-
delos que nutrem sua autoestima e formam seu so de bullying. Características individuais das
vítimas, seu movimento dentro de grupos de é importante trabalhar com os pais e jovens a
pares e influências familiares, inclusive, po- partir de psicoeducação focal e/ou tratamentos
dem levar crianças a se tornarem agressoras clínicos individuais (Gajardo, 2009). As escolas
ou vítimas (Salmivalli e Voeten, 2004). devem ser capacitadas para realizar encami-
nhamentos adequados de crianças identifica-
Considerações finais das como vítimas e agressoras para clínicas-es-
cola ou consultórios psicológicos particulares.
É quase indiscutível a importância da escola Trabalhos com pais e a comunidade, em ge-
no desenvolvimento das crianças e adolescen- ral, podem focalizar em estímulo e treinamen-
tes. Esta instituição não é somente transmissora to de formas saudáveis de resolução de con-
de conteúdos apenas formais e acadêmicos. A flitos interpessoais. Programas de mediação
escola, que, em seu início, teve função civiliza- entre pares e protagonismo juvenil, partindo
tória (Lisboa e Koller, 2004; Lisboa et al., 2009), da ideia de que os alunos são sujeitos ativos
com as novas configurações da sociedade, é nesse processo de mudança para a convivên-
considerada peça fundamental para a educa- cia pacífica e não violenta, também têm sido
ção de crianças e jovens na atualidade, pois é utilizados (Gajardo, 2009; Horne et al., 2004).
pela educação que as gerações se transformam Sobretudo, é importante fomentar a capa-
e se aperfeiçoam. Assim, quando se pensa em cidade de resiliência desses jovens. A resiliên-
educação, é necessário pensar também na edu- cia, entendida como um processo que só pode
cação de sentimentos ou na expressão e no ma- ser verificado na presença de riscos (bullying),
nejo desses. Devido ao seu poder propagador consiste em desenvolvimento adaptado, po-
e multiplicador, espera-se que escola ensine sitivo e saudável de qualquer indivíduo fren-
às pessoas que ali estudam a lidar com suas te a adversidades em seu desenvolvimento e
emoções e com suas dificuldades, a respeitar pode ser estimulada (Koller e Lisboa, 2007).
as diferenças, a aprender a conviver, a socia- Fatores de risco individuais para o bullying
lizar, a dividir, a compartilhar, a canalizar sua foram apontados em estudos referidos neste
agressividade, enfim, a se relacionar de forma artigo e, assim, o estímulo à capacidade de
saudável, o que não ocorre em episódios de resiliência implica em fortalecer essas crian-
bullying. É preciso que os professores cedam ças em termos de autoestima, dificuldades de
lugar, em suas aulas, à expressão do afeto, à controle dos seus impulsos e de expressão da
educação dos sentimentos e à valorização das agressividade.
relações de amizade (Lisboa et al., 2009). Tam- Distorções cognitivas acerca dos estímulos
bém se faz necessário que esses profissionais agressivos e concepção de status social den-
estejam mais atentos ao que se passa na escola tro de um grupo (popularidade) podem levar
como um todo e não somente na sala de aula. crianças a agredirem ou permitirem serem
Para se alcançar êxito na redução da violência, agredidas (Crick e Dodge, 2000). Do mesmo
especificamente o processo de bullying, é neces- modo, a participação contínua em episódios
sário que se desenvolvam trabalhos nas esco- de bullying gera distorções nas concepções
las (Fante, 2005; Horne et al., 2004). Da mesma de emoções e desenvolvimento moral. Trata-
forma, ressalta-se a importância de um maior mentos clínicos individuais podem auxiliar no
comprometimento e relação mais próxima dos tratamento dessas distorções, ao proporcionar
pais para com a escola, para que esses possam uma ressignificação no sistema interpretativo
se conscientizar da problemática da violência dessas crianças. Trabalhos junto às escolas,
e bullying, atuando como aliados na orientação pais e comunidade também podem debater e
dos seus filhos. evitar a banalização de valores morais impor-
Para prevenir a violência interpessoal, já é tantes à convivência pacífica em grupo.
quase consenso entre profissionais de que agir Este artigo teve por objetivo realizar uma
sobre o problema identificado isoladamente revisão crítica de estudos acerca do fenômeno
pode não ser eficaz, é necessário, além de atuar bullying, suas formas de manifestação, sua di-
nos diferentes níveis (jovem, família e escola), nâmica, especificidades, causas e consequên-
contar com um espectro amplo de possibili- cias, bem como fatores de risco desse proces-
dades de ações, como, por exemplo: satisfazer so e variáveis relacionadas. Novas formas de
necessidades básicas dos alunos, criando am- manifestação desse tipo de violência, como cy-
bientes cooperativos, estimulando relações po- berbullying, necessitam ainda ser investigadas
sitivas (amizades) e oferecendo modelos não empiricamente no Brasil. Pesquisadores inte-
agressivos de resolução de conflitos. Também ressados devem se aliar na busca de metodolo-
gias adequadas e da compreensão aprofunda- BUKOWSKI, W.M.; SIPPOLA, L.K. 2001. Groups,
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