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em perspectiva histórica
Wilson Suzigan
Instituto de E c o n o m i a da U N I C A M P
Introdução
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dados da Tabela 1 p e r m i t e m fazer u m a clara distinção entre as três fases.
Na primeira fase, a produção industrial teve um crescimento significativo,
em parte explicado pela base ainda incipiente. A produção agropecuária
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comandava o crescimento do P I B . Na segunda fase, o crescimento da
produção industrial passou a liderar o crescimento do PIB, c o m u m a
taxa média anual equivalente a mais do que o dobro daquela da produção
agrícola. E, na terceira fase, a produção industrial ficou praticamente
estagnada, ou m e s m o negativa, em termos per capita, e n q u a n t o que a
agropecuária manteve um desempenho expressivo, voltando a liderar o
crescimento do PIB. Entretanto, este cresceu a um r i t m o medíocre,
sobretudo quando descontado o crescimento demográfico.
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Para percebê-lo, basta aplicar ponderações às taxas de crescimento setoriais. Do
total do valor adicionado pela agricultura e pela indústria em 1919 (conforme o
Censo de 1920), a agropecuária respondia por cerca de quatro quintos.
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já foram analisados p o r historiadores econômicos, sociólogos, cientistas
políticos e outros pesquisadores. O que, sim, poderia representar algu-
ma "novidade" seria o tratamento conjunto desses fatores (ou t o m a n d o -
se cada um individualmente, c o m o parte do conjunto c o m o qual se
inter-relaciona), aplicado ao estudo da industrialização brasileira.
Sem pretender ser exaustivo, e correndo vários riscos (superficialidade,
erros de classificação, omissões importantes), p r o p o n h o que sejam c o n -
siderados relevantes os seguintes fatores:
1. Geografia econômica (tamanho do país,base de recursos naturais,
distribuição da produção no espaço geográfico) e população (tamanho,
distribuição e t c ) .
2. Políticos, abrangendo desde a natureza do regime vigente até a
existência de "determinação política" (political will), tendo em vista o
desenvolvimento industrial, passando p o r questões c o m o federalismo,
regionalismo, ação de grupos de interesse organizados, sindicalismo e
outros.
3. Institucionais: organização do Estado, da economia e da sociedade;
leis e regulamentações que regem os mercados (concorrência), as relações
de trabalho e o suprimento de bens e serviços públicos.
4. Econômicos: estrutura produtiva prevalecente, estrutura de poder
e c o n ô m i c o (grupos nacionais, Estado, capital estrangeiro), sistema fi-
nanceiro, infra-estrutura.
5. Pensamento e c o n ô m i c o dominante: liberalismo, nacional-desen-
volvimentismo, socialismo, neoliberalismo.
6. Sistema de desenvolvimento científico e tecnológico: ensino e
pesquisa de pós-graduação, centros de P & D , institutos de pesquisa,
laboratórios de certificação, regulamentação de normas técnicas, padrões
de qualidade, articulação do sistema de C & T c o m o setor produtivo.
7. Relações internacionais: inserção comercial, financeira e nos
fluxos de investimento direto de capital estrangeiro, acordos de comércio
ou de integração econômica (regionais, hemisféricos, internacionais),
mecanismos de transferência de tecnologias, normas e regulamentações
internacionais específicas (setoriais, ambientais, patentárias e outras).
8. Sociais: demografia (crescimento, imigração, migrações internas),
emprego e relações de trabalho, distribuição da renda, pobreza, previ-
dência, saúde, educação e formação de recursos h u m a n o s qualificados.
9. Culturais: patrimonialismo,burocracia estamental, elites rentistas,
fraco espírito empreendedor, captura do Estado por interesses privados,
ausência de confiança (trust), fraco associativismo/cooperativismo,
ausência de solidariedade social.
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lúrgica no Sudeste, e assim por diante, incluindo as fases mais recentes
do desenvolvimento.
T a m b é m são dados, p o r difíceis de mudar, os fatores culturais. É
possível que características e heranças culturais tenham responsabilidade
em m u i t o s dos p r o b l e m a s q u e h i s t o r i c a m e n t e a c o m p a n h a r a m o
desenvolvimento industrial e, de certa forma, o restringiram, c o m o p o r
exemplo a elevada concentração de renda e de poder, o atraso e d u c a -
cional, a pobreza endêmica, a rigidez da extratificação social, o indivi-
dualismo excessivo e sua contrapartida — a resistência atávica a qualquer
forma de cooperativismo, o desinteresse pela construção da nação, a
desconfiança c o m o princípio nas relações pessoais e entre agentes e c o -
nômicos, e possivelmente outros.
Dados esses condicionantes de natureza permanente, ou que difi-
cilmente p o d e m ser mudados, as três grandes fases da industrialização
p o d e m ser interpretadas em linhas gerais c o m base no conjunto dos
demais fatores que c o m p õ e m o esquema proposto. O p o n t o de partida,
portanto, é positivo p o r um lado — o tamanho do país e sua base de
recursos naturais — e negativo por outro — u m a herança cultural des-
favorável do p o n t o de vista de alguns atributos necessários ao desen-
volvimento i n d u s t r i a l . Reafirmo que a preocupação do texto não é
produzir u m a análise abrangente, c o m remissões à literatura e fun-
damentada por pesquisas próprias. Ao contrário, busca-se apenas apontar
tendências gerais e, q u e m sabe, suscitar um novo interesse pelo tema,
sempre que possível e pertinente,levantando dúvidas, questões e pontos
que motivem novas pesquisas.
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Os efeitos regionais dessa transição ainda não foram suficientemente estudados
no Brasil. As primeiras usinas hidrelétricas foram constuídas nos Estados de São
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Entretanto, o País não alterou sua forma de inserção no comércio i n t e r -
nacional, consolidando, pelo contrário, sua posição de supridor mundial
de commodities agrícolas e agro-industriais, c o m alguma diversificação
nos anos vinte, e manteve-se praticamente à m a r g e m do avanço t e c -
nológico-produtivo da segunda revolução industrial.
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substancialmente a participação do capital estrangeiro p o r investimento
direto. C o m p l e m e n t a r m e n t e , o Estado investiu pesadamente na infra-
estrutura, garantindo o suprimento de energia e de serviços de comunica-
ções, e p r o m o v e n d o a expansão da malha de transportes, sobretudo os
rodoviários. Agentes financeiros públicos fomentaram o desenvolvimento
industrial e tecnológico, e a poupança privada, intermediada pelo sistema
financeiro, custeou a construção civil, sob um padrão de financiamento
q u e "sacava contra o futuro", gerando endividamento externo, déficits
públicos, e fundos específicos atuarialmente irrecuperáveis.
A constituição de um sistema nacional de desenvolvimento científico
e tecnológico também foi iniciada nesse período, abrangendo instituições
públicas de apoio à pesquisa e à pós-graduação, centros de P & D nas
empresas estatais, institutos públicos de pesquisas, laboratórios de cer-
tificação de qualidade, e regulamentação de normas técnicas e padrões
industriais. Mas, não se logrou articular esse sistema c o m o sistema p r o -
dutivo.
Um novo padrão de inserção internacional c o m e ç o u a ser moldado.
O Brasil foi gradativamente deixando de ser um m e r o supridor de
commodities agropecuárias e absorvedor de capitais de empréstimo, tor-
nando-se crescentemente um exportador de produtos manufaturados e
um recebedor de investimentos diretos de capital estrangeiro, embora
ainda continuasse a ser um importante t o m a d o r de recursos no mercado
financeiro internacional, especialmente durante os anos setenta. Além
disso, a agenda de relações internacionais t o r n o u - s e ampla, incluindo
acordos c o m parceiros comerciais, acordos comerciais multilaterais, n e -
gociações com agências internacionais de crédito, e acordos de integração
econômica regional. A expansão da economia mundial, principalmente
a partir do pós-Guerra, favoreceu essa mudança no padrão de inserção
internacional.
Mudanças do p o n t o de vista social t a m b é m foram significativas nesse
período, em sentido negativo mais do que positivo. A crescente urba-
nização associada à industrialização, b e m c o m o a modernização da agri-
cultura, provocaram intensos movimentos migratórios, que levaram a
um rápido adensamento populacional das áreas metropolitanas, gerando
um excedente de m ã o - d e - o b r a urbana mal qualificada, que não conse-
guiria ser absorvida pela indústria apesar do crescimento acelerado da
produção. Isso ajudou a pressionar para baixo os salários reais. Foram
feitos significativos investimentos em educação e saúde, mas insuficientes
e inadequados para as necessidades do setor produtivo, m o r m e n t e na
etapa mais avançada da industrialização, ao final dos anos setenta.
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Uma evidência, até curiosa, é o fato de que, apesar de ter sido elaborado um III
P N D (Plano Nacional de Desenvolvimento) no início do governo Figueiredo,
esse plano nunca mais foi sequer mencionado, e a sua própria existência até con-
tinua sendo ignorada por muitos.
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concessão de incentivos e subsídios fiscais/financeiros a investimentos,
P & D , exportação e outros. A instabilidade levou muitas empresas a o p -
tarem pelo mercado financeiro c o m o locus de acumulação, em subs-
tituição ao respectivo setor produtivo, e as lideranças empresariais se
acomodaram à nova situação.
Posteriormente, a abertura da economia do País ao capital estrangeiro,
j u n t a m e n t e c o m a abertura do mercado i n t e r n o ao comércio i n t e r n a -
cional, m u d o u radicalmente o ambiente e c o n ô m i c o e levou a processos
de desnacionalização, conflitos entre o Estado e as associações empresa-
riais, a fortes lobbies setoriais por políticas protecionistas (em vários casos
atendidos, em desacordo c o m a própria orientação neoliberal, e sem
qualquer referência a objetivos mais amplos de desenvolvimento indus-
trial), e à crise do federalismo, à medida que diversos governos estaduais,
na ausência de diretrizes nacionais, buscaram atrair investimentos p r o -
dutivos p r o m o v e n d o um verdadeiro leilão de subsídios (guerra fiscal).
Por último, o sindicalismo, após renascer nos anos oitenta, voltou a ser
enfraquecido na década de 1990 pelo desemprego causado pela recessão,
e p o r reestruturações técnico-produtivas das empresas.
Desorganizaram-se e enfraqueceram-se também,pela perda de poder
político e de funções, tanto a organização institucional do Estado c o m o
as estruturas institucionais da economia e da sociedade. Montadas se-
g u n d o os parâmetros de um processo histórico de desenvolvimento
industrial e tecnológico c o m a n d a d o pelo Estado, ambas se revelaram
p o u c o funcionais q u a n d o esse processo passou a ser c o m a n d a d o pelo
mercado nos anos noventa. Os padrões de relações entre agentes e c o n ô -
micos (Governo-empresas, empresas-instituições de pesquisa, sistema
financeiro-indústria,capital-trabalho),bem c o m o as estruturas de merca-
do e os padrões de concorrência nunca se ajustam de imediato. Porisso,
as políticas de liberalização comercial, privatização, desregulação e outras,
no âmbito de políticas industriais, tecnológicas e de comércio exterior,
não produziram (ou d e m o r a r a m m u i t o a produzir) os efeitos esperados.
A hipótese de histerese institucional já foi sugerida, mas ainda está para
ser testada empiricamente.
Em conseqüência, a estrutura produtiva regrediu (ou, segundo alguns
autores, "desinchou", voltando ao normal). N ã o só a participação da
indústria de transformação no PIB perdeu alguns pontos percentuais,
c o m o t a m b é m cadeias produtivas inteiras foram desarticuladas, e seg-
mentos de indústrias de alta tecnologia, que estavam em implantação,
foram desativados,levando a uma estrutura produtiva c o m "especialização
regressiva". U m a nova estrutura de poder foi gestada, c o m Estado mínimo
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de investimento direto estrangeiro passaram a ser dirigidos ao Brasil,
atraídos pela abertura da economia, pelas privatizações e pelo processo
de fusões/aquisições de empresas, implicando crescentes remessas de
rendimentos ao exterior. Os fluxos de capital financeiro t a m b é m se
intensificaram, particularmente nos anos noventa, beneficiando-se do
diferencial j u r o s / c â m b i o , c o m a contrapartida de maiores riscos para o
País em termos de instabilidade e ameaças de ataques especulativos.
Por fim, a perda de dinamismo e c o n ô m i c o e os efeitos das políticas
de ajuste m a c r o e c o n ô m i c o geraram um agravamento da questão s o -
cial: desemprego crescente, a u m e n t o da pobreza (atenuado em alguns
dos anos mais recentes pela estabilização monetária), piora na distribui-
ção de renda, crise previdenciária, crise do sistema de saúde, e p o u c o
avanço no sistema educacional, sobretudo em relação ao que seria d e -
sejável n u m a sociedade democrática na era da informação e da c o m u -
nicação.
Algumas conclusões
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Nota Bibliográfica
24 I Wilson Suzigan
cialização produtiva, in João Paulo dos R e i s Velloso (Coord.) O Brasil e
o Mundo no Limiar do Novo Século, v. II. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1998.
Sobre os efeitos da privatização na indústria, não há avaliações mais
abrangentes. Entretanto, um louvável esforço nesse sentido é constituí-
do pelos trabalhos de Marcelo P i n h o e José Maria F.J. da Silveira, P r i -
vatização e Estratégias corporativas: u m a análise da experiência brasileira
no período 1990-1994, Nova Economia, 8 (2), dezembro de 1998, p.
109-129, e Os efeitos da privatização sobre a estrutura industrial da si-
derurgia brasileira, Economia e Sociedade, 10, j u n h o de 1998, p. 81-109.
T a m b é m no plano institucional há carência de trabalhos c o m carac-
terísticas de diagnóstico e avaliação geral das relações entre política (ou
desenvolvimento) industrial e instituições em sentido amplo. U m a h o n -
rosa exceção é o trabalho pioneiro de N e w t o n P. B u e n o , Um m o d e l o
de histerese institucional para a análise da política industrial brasileira.
Pesquisa e Planejamento Econômico, 26 (2), agosto de 1996, p. 3 3 3 - 3 4 8 .
A chamada questão regional, do p o n t o de vista da distribuição
geográfica da produção industrial, vem m e r e c e n d o crescente atenção
m o r m e n t e c o m o acirramento da guerra fiscal. D e n t r e outros trabalhos
importantes destaco os de Wilson C a n o , Concentração e desconcen-
tração regional no Brasil, 1970-1995. Economia e Sociedade, 8, j u n h o de
1997; Clélio Campolina Diniz, Desenvolvimento poligonal no Brasil:
n e m desconcentração, n e m contínua polarização. Nova Economia, 3 (1),
setembro de 1993,p.35-64; Clélio Campolina Diniz e Marco A. Crocco,
Reestruturação econômica e impacto regional: o novo mapa da indústria
brasileira. Nova Economia, 6 (1), j u l h o de 1996, p. 7 7 - 1 0 3 , e Carlos E. G.
Cavalcanti e Sérgio Prado, Aspectos da guerra fiscal no Brasil. São Paulo:
F U N D A P , 1997.
Por fim, os impactos das reformas (econômicas e institucionais) sobre
emprego, produtividade, relações de trabalho, distribuição de renda e
pobreza são discutidos, entre outros, por: Marcio P o c h m a n n , O trabalho
e as recentes transformações econômicas no Brasil, in Carlos Anibal
Nogueira da Costa e Carlos Alberto Arruda (Orgs.), Em Busca do Futuro,
op. cit., cap. 9; José M á r c i o Camargo, Marcelo N e r i e Maurício C o r t e z
Reis, E m p r e g o e produtividade no Brasil na década de 1990, in R e n a t o
B a u m a n n (Org.), Brasil: uma década em transição. R i o de Janeiro: Campus,
1999, cap.7, e Marcelo N e r i e José Márcio Camargo,Efeitos distributivos
das reformas estruturais no Brasil, in B a u m a n n , op. cit., cap. 8.