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CONTRIBUIÇÕES DO GENOGRAMA E DO ECOMAPA PARA O ESTUDO DE


FAMÍLIAS EM ENFERMAGEM PEDIÁTRICA
CONTRIBUTIONS OF THE GENOGRAM AND ECOMAP FOR FAMILY STUDIES IN PEDIATRIC
NURSING
LAS CONTRIBUCIONES DEL GENOGRAMA Y EL ECOMAPA PARA EL ESTUDIO DE LAS FAMILIAS
EN LA ENFERMERÍA PEDIÁTRICA

Lucila Castanheira Nascimento1, Semiramis Melani Melo Rocha2, Virginia Ellen Hayes3

1
Enfermeira. Professora Doutora junto ao Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto - USP, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem.
2
Enfermeira. Professora Titular junto ao Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto - USP, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem.
3
RN, PhD. Professor at University of Victoria, BC, Canadá.

PALAVRAS-CHAVE: RESUMO: O genograma e o ecomapa têm se mostrado como valiosos instrumentos para a compreen-
Avaliação em enfermagem. são de processos familiares. Este trabalho tem o objetivo de descrever a experiência da utilização desses
Enfermagem familiar. instrumentos no levantamento de dados de uma pesquisa qualitativa, desenvolvida com nove famílias
Enfermagem pediátrica. de crianças com câncer, que utilizou o interacionismo simbólico e a teoria fundamentada em dados
Neoplasias. como referencial teórico-metodológico a fim de compreender as vivências dessas famílias. Apresenta os
aspectos positivos desses dispositivos, tais como: facilitar a abordagem entre o entrevistador e o entre-
vistado; visualizar de forma objetiva as relações intra e extrafamiliares; discutir e evidenciar opções de
mudanças na família; identificar características comuns e únicas de cada membro da família e possibili-
tar ao entrevistado manifestações através da linguagem não-verbal. Conclui realçando algumas vanta-
gens da utilização desses instrumentos e, alertando para suas limitações.

KEYWORDS: Nursing ABSTRACT: The genogram and the ecomap have revealed to be valuable instruments for understanding
assessment. Family nursing. family processes. This study aims to describe the experience of using these instruments in collecting
Pediatric nursing. Neoplasms. data for a qualitative research that involved nine families of children with cancer, which used symbolic
interactionism and grounded theory as a theoretical-methodological reference framework for
understanding these families’ experiences. It presents the positive points to using these instruments,
such as an easier approach between interviewer and interviewee; an objective picture of the intra and
extra family relations; the discussion and disclosure of possible changes in the family; the identification
of each family member’s common and singular characteristics, and the interviewee’s possibility for
expression through non-verbal language. These advantages were highlighted in data collection involving
children. The authors also alert to a number of limitations.

PALABRAS CLAVE: RESUMEN: El genograma y el ecomapa se han mostrado como los instrumentos valiosos para
Evaluación en enfermería. comprender los procesos familiares. La finalidad de este estudio es describir la experiencia en utilizar
Enfermería de la familia. esos instrumentos para en la recopilación de los datos de una investigación cualitativa desarrollada con
Enfermería pediátrica. nueve familias de niños con cáncer, a partir del interaccionismo simbólico y la teoría fundamentada en
Neoplasmas. datos como referencial teórico-metodológico para comprender las vivencias de estas familias. Presenta
algunas ventajas en la utilización de estos instrumentos, tales como: facilitar el abordaje entre el
entrevistador y el entrevistado; visualizar de manera objetiva las relaciones intra y extra familiares;
discutir y evidenciar opciones de cambios en la familia; identificar características comunes y únicas de
cada miembro de la familia y posibilitar al entrevistado manifestaciones a través del lenguaje no verbal.
Se concluye que hubo ventajas con esos instrumentos para la recopilación de datos con niños. Las
autoras también, alertan sobre sus limitaciones.

Endereço: Artigo original: Relato de Experiência


Lucila Castanheira Nascimento Recebido em: 15 de novembro de 2004
Av. Bandeirantes, 3900. Aprovação final: 5 de maio de 2005
14040-902 - Ribeirão Preto, SP
E-mail: lucila@eerp.usp.br

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Contribuições do genograma e do ecomapa para o estudo de famílias em enfermagem pediátrica - 281 -

INTRODUÇÃO de informações sobre a família, e à medida que vai


sendo construído, evidencia a dinâmica familiar e as
Na atualidade, discussões a respeito da família
relações entre seus membros. É um instrumento pa-
do século XXI têm acenado para reflexões mais am-
dronizado, no qual, símbolos e códigos podem ser
plas sobre as especificidades de cada família, ao invés
interpretados como uma linguagem comum aos inte-
de restringir os estudos descrevendo fases
ressados em visualizar e acompanhar a história famili-
desenvolvimentais reducionistas, modelos estabeleci-
ar e os relacionamentos entre seus membros4. Os ho-
dos e tipos de família1. O desafio atual dos profissio-
mens são representados por quadrados e as mulheres
nais é reconhecer e utilizar os relacionamentos que as
por círculos, sendo cada membro identificado pelo
pessoas identificam como família ou externam como
nome, idade e ocupação4-5. A seguir, apresentamos uma
tal. As perspectivas pessoal e profissional que
figura ilustrativa de um genograma, modificado para
prédeterminam “o que é” ou “o que não é” família
preservar a identidade da família.
precisam ser enfrentadas. É necessário repensar a fa-
Apesar de similar à árvore genealógica, o
mília em termos de processo de interações entre pes-
genograma vai além da representação visual da ori-
soas e como elas constroem a noção de família num
gem dos indivíduos. Esta ferramenta de levantamento
contexto múltiplo de raça, idade, gênero, preferência
de dados possibilita coletar informações qualitativas
sexual, situação socioeconômica, etnicidade, localida-
sobre as dimensões da dinâmica familiar, como pro-
de e historicidade. O trabalho com famílias requer
cessos de comunicação, relações estabelecidas e equilí-
habilidades do profissional para identificar a comple-
brio/desequilíbrio familiar6.
xidade das relações que se estabelecem nas famílias,
por meio das interações entre seus próprios mem- Historicamente, é um instrumento elaborado por
bros e deles com a comunidade. Quanto mais deta- terapeutas familiares2 e tem sido amplamente adotado
lhada a coleta de informações, mais eficiente será a por profissionais de diversas áreas7-9, como medicina,
avaliação da família para o planejamento do cuidado psicologia, serviço social e, mais recentemente, pela en-
de enfermagem2. Em enfermagem pediátrica, parti- fermagem, retratando processos emocionais e
cularmente na assistência às crianças com doenças crô- comportamentais dos membros das famílias em, pelo
nicas, como por exemplo o câncer, é fundamental o menos, três gerações. Ele possibilita a representação vi-
envolvimento da enfermagem com a família para o sual da estrutura e dinâmica familiar, bem como de even-
planejamento do cuidado. tos importantes em sua história, como separação, nasci-
mento e morte. Ao resgatar essas informações, o
Na literatura nacional em enfermagem, encon-
genograma pode ser utilizado para disparar reflexões
tramos estudos que exploram com propriedade os
acerca de um problema presente, num contexto amplo
referenciais teóricos e a metodologia utilizados3. Con-
das relações que se apresentam, além de facilitar discus-
tudo, são escassos os trabalhos sobre instrumentos de
sões sobre as possíveis intervenções que podem ser úteis9.
coleta de dados e discussões acerca da coerência entre
as bases teóricas utilizadas, a disponibilidade de infor- Informações complexas podem ser coletadas e
mação e a coleta de dados com confiabilidade e vali- organizadas sistematicamente em um genograma. Per-
dade do ponto de vista científico. Entre as estratégias mite, também, auxiliar a família na identificação de cada
para levantamento de dados na família, o genograma um de seus membros como parte integrante de um
e o ecomapa têm sido valiosos instrumentos para a grupo de indivíduos, que se relacionam entre si e com o
compreensão de processos familiares e as relações com ambiente, e que estão unidos por um comprometimento
a comunidade, particularmente em enfermagem mútuo, configurando o conjunto de pessoas que consi-
pediátrica que requer detalhamentos para o planeja- deram como sendo sua própria família. Pode-se verifi-
mento do cuidado e das intervenções que envolvem car a interdependência entre os componentes da famí-
os cuidadores. lia, sugerindo que eventos ocorridos em um membro
afetam, direta ou indiretamente, outros membros.
O objetivo deste estudo é descrever a experiência
Dentre as diversas vantagens da utilização do
da utilização do genograma e do ecomapa para o levan-
genograma, destaca-se a possibilidade de: observar e
tamento de dados nas famílias de crianças com câncer,
analisar barreiras e padrões de comunicação entre as
no desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa.
pessoas; explorar aspectos emocionais e
comportamentais em um contexto de várias gerações;
REVISÃO DA LITERATURA
auxiliar os membros da família a identificar aspectos
O genograma consiste na representação gráfica comuns e únicos de cada um deles; discutir e evidenci-
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ar opções de mudanças na família e prevenir o isola- namentos significativos, sem parentescos7-9.


mento de um membro da família, independentemen- Essa discussão levou à ampliação do conceito
te da estrutura familiar10. Ele pode ser considerado mais clássico de genograma baseado na assunção de famí-
do que um instrumento para coleta de dados, sendo lia cujos membros desempenham papéis clássicos de
parte do processo terapêutico11. Foi criticado por res- pai, mãe, filhos. Neste caso, o genograma é utilizado
tringir-se a indicar laços de consangüinidade, o que mostrando os laços funcionais das pessoas que o inte-
tem sido contestado por autores que afirmam as pos- gram, sem necessariamente terem os vínculos biológi-
sibilidades de representar laços de afinidade e relacio- cos correspondentes9.

Figura 1- Representação gráfica do genograma13.

A construção do genograma pode ser iniciada e o bem-estar dos mesmos e, ainda, emponderamento
logo no primeiro contato com os membros da famí- da família, permitindo aos indivíduos falar sobre sua
lia. Num processo de “conversa”, muito mais que de própria história de saúde, utilizando um instrumento
“entrevista”, as informações vão sendo coletadas de que pode ser percebido como menos ameaçador que
acordo com o significado que elas têm para cada um. a conversa face a face12. O ecomapa é um diagrama
O valor de envolver cada membro da família neste das relações entre a família e a comunidade que ajuda
processo de representação do seu próprio genograma a avaliar os apoios e suportes disponíveis e sua utiliza-
pode resultar em desdobramentos, tais como: pro- ção pela família5,13-14. É, essencialmente, um diagrama
moção de saúde familiar; ensino; conscientização dos dos contatos da família com pessoas, grupos ou insti-
membros familiares do conjunto que representam e tuições, como escolas, serviços de saúde e comunida-
das possibilidades de medidas que favoreçam a saúde des religiosas10. Pode representar a presença ou ausên-
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cia de recursos sociais, culturais e econômicos, sendo, mentos com a família, opção por nós adotada no
eminentemente, o retrato de um determinado mo- desenvolvimento do estudo que será relatado. Repre-
mento na vida dos membros da família e, portanto, senta a possibilidade de os familiares repensarem suas
dinâmico. Na figura abaixo apresentamos o ecomapa próprias relações, de aquisição de confiança entre pes-
de uma família que possui uma criança com câncer quisador e familiares e busca de suporte para a famí-
que, da mesma forma, foi modificado para preservar lia, dentro e fora da mesma5.
sua identidade.
No ecomapa, os membros da família aparecem A UTILIZAÇÃO DO GENOGRAMA E DO
no centro do círculo. Já os contatos da família com a ECOMAPA NO ESTUDO DE FAMÍLIAS
comunidade ou com pessoas e grupos significativos DE CRIANÇAS COM CÂNCER
são representados nos círculos externos. As linhas in-
dicam o tipo de conexão: linhas contínuas represen- A apresentação do estudo que se segue descre-
tam ligações fortes; as pontilhadas, ligações frágeis; li- ve a experiência da utilização do genograma e do
nhas com barras, aspectos estressantes, enquanto as ecomapa no desenvolvimento de uma pesquisa quali-
setas significam energia e fluxo de recursos. Ausência tativa, cujo objetivo foi desenvolver uma teoria a res-
de linhas significa ausência de conexão. Uma família peito das vivências de famílias que têm uma criança
que tem poucas conexões com a comunidade, e tam- com câncer. Escolheu-se o Interacionismo Simbólico
bém entre seus membros, necessita de maior investi- como referencial teórico e a Teoria Fundamentada em
mento da enfermagem para melhorar seu bem-estar. Dados como metodologia para que o pesquisador
Pode-se usar de forma combinada o genograma tivesse a compreensão do fenômeno, sob a perspecti-
com o ecomapa e a construção conjunta destes instru- va de quem os experiencia13.

Figura 2 - Representação gráfica do ecomapa13.


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O CAMINHO PERCORRIDO os próprios membros das famílias e deles com a co-


munidade, e a descrição da experiência de sua utilização
Local do estudo será nosso objetivo a seguir.
A instituição selecionada para a realização do Antes de se iniciar a coleta de dados, realiza-
estudo foi um hospital-escola, referência para a assis- vam-se leitura prévia e discussão do termo de con-
tência à criança e ao adolescente com doenças onco- sentimento livre e esclarecido com os pais e/ou res-
hematológicas, situado em um município do interior ponsáveis pelas crianças e com os demais familiares,
do estado de São Paulo. As crianças, casos-índices para participantes da pesquisa, o qual, em linguagem acessí-
o desenvolvimento do estudo, realizavam seus atendi- vel, apresentava a justificativa, os objetivos, os proce-
mentos e seguimentos na referida instituição. dimentos, os riscos, os desconfortos e benefícios da
pesquisa, garantimos-lhes, também, o anonimato e
Participantes da pesquisa respeito ao desejo de participarem ou não da mesma.
Com a anuência das crianças e de seus responsáveis
Nove famílias de crianças com câncer participa- firmavam-se as participações com as respectivas assi-
ram da pesquisa, totalizando quarenta e dois partici- naturas no termo de consentimento livre e esclareci-
pantes: nove crianças com câncer, nove mães, oito pais, do, garantia-se uma cópia do mesmo a cada família e,
oito irmãos, quatro avós, um avô, duas tias e um tio, nessa ocasião, também, solicitávamos autorização para
sendo as mesmas acompanhadas no período de de- gravar as entrevistas.
zembro de 2002 a maio de 2003. Para gerar uma teo- A princípio, entrevistamos as crianças e familia-
ria sobre as vivências de uma família que cuida de uma res mais próximos, como pais e irmãos. No decorrer
criança com câncer, utilizamos a amostragem teórica, da coleta, os próprios familiares foram evidenciando
própria da metodologia adotada. Nesse caso, o pes- outras pessoas significativas para eles no processo de
quisador une as ações de coleta, codificação e análise vivência da doença e, então, novos personagens inte-
de dados, decide quais dados serão coletados posteri- graram a pesquisa, como as avós, avô, tias e tio, sen-
ormente e define onde encontrá-los, para que a teoria do também entrevistados.
possa emergir. Desse modo, o processo de coleta de A participação em diferentes momentos da vida
dados é controlado pela teoria que vai emergindo. das crianças doentes e de seus familiares, bem como
os seus depoimentos, possibilitaram ao pesquisador a
Considerações éticas, técnica de coleta de compreensão dessas experiências que resultaram na
dados e resultados descrição da vida das famílias como uma constante
reconstrução, expressa através de conceitos desenvol-
Em observância à legislação que regulamenta a
vidos em três categorias dinamicamente interligadas:
pesquisa com seres humanos, submeteu-se o proto-
responsabilidades em processo, comunicando e as di-
colo de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa da
versas faces de apoios. A observação empírica possi-
Instituição onde o estudo foi realizado, sendo aprova-
bilitou apreender as interações sociais que se desenro-
do em reunião de dezembro de 2001, Processo HCRP
laram no processo de vivência da doença, compreen-
nº 8776/2001.
der as ações dos envolvidos e o significado que atri-
Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizaram- buíam a cada evento. A análise qualitativa dos dados
se como técnicas de coleta de dados a observação permitiu organizá-los de forma a construir um plane-
participante e entrevistas, realizadas nos domicílios da jamento do cuidado que transcendesse os aspectos
própria criança e de seus familiares, em vários locais tecnológicos da terapêutica.
do hospital (ambulatório de oncopediatria, enferma-
ria de pediatria, central de quimioterapia, consultórios, Apresentando a experiência
cantina, salas de exames e de espera) e em outros ambi-
entes onde estes interagiam entre si e com outros (sor- A construção do genograma e ecomapa resul-
veterias, lanchonete, creche, casa de apoio). Dados de tou de vários encontros com a mãe, pai, criança doen-
identificação da criança, data e tipo de diagnóstico fo- te, irmãos, avós, tios e outros considerados membros,
ram obtidos em seus prontuários. O genograma e o sem laços de afinidade ou consangüinidade. Durante
ecomapa, construídos com os participantes da pesqui- o processo, os familiares recordaram momentos que
sa, foram estratégias utilizadas para levantamento de vivenciaram ao longo da doença e fizeram comentári-
dados na família e maior compreensão das relações entre os que nos permitiram discutir e representar em con-
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junto as relações entre seus membros. Em um desses presente. O caráter informal desse tipo de depoimen-
encontros, no domicílio da criança, a mãe disse: de vez to é mais relevante quando o participante ou os parti-
em quando a gente pára e lembra de alguma coisa que a gente cipantes, em conjunto, são crianças, fato verificado em
passou. A gente sofreu muito, mesmo que a gente não falava. nossa pesquisa13 e na literatura15.
Era um peso, que só Deus mesmo (Mãe3). De forma criativa, o autor15 explicou às crianças
O início da construção do ecomapa e do o que era genograma, e seu exemplo pode servir de
genograma, em uma das famílias, foi muito interes- estratégias para outros trabalhos, particularmente em
sante, pois até aquele momento, nenhuma das crianças enfermagem pediátrica. Foi-lhes dito que o genograma
acompanhadas havia se envolvido com tanta intensi- é uma árvore familiar que mostra não só os “galhos”,
dade nesta atividade. A entrevistadora, a avó, a criança como também as relações. Marcadores e códigos co-
e sua irmã estavam sentadas nas cadeiras do ambula- loridos foram utilizados para registrar as informações
tório infantil, aguardando a enfermeira chamar para fornecidas pelas crianças, retratando os diversos nú-
que a criança recebesse a quimioterapia. A criança se cleos dos sistemas familiares. As crianças foram con-
comportava como em todos os outros encontros: vidadas a escolher as cores para representar os mem-
muito atenta ao que conversávamos, contribuindo sem- bros e as relações entre eles, de forma que cada tipo
pre com alguma colocação própria. A irmã também de relação foi designada com uma cor diferente15.
observava atenta, mas raramente dizia alguma pala- Em enfermagem pediátrica, a abordagem às
vra. Aos poucos o genograma tomava sua forma e a crianças, tanto em pesquisa quanto na assistência, re-
criança se encantava. Todos estavam muito envolvi- quer técnicas que se diferenciam daquelas utilizadas nas
dos com o processo, e a avó, nesse momento, co- pesquisas com adultos. As vantagens da utilização do
mentou: nossa, fazer isso é um videotape sem intervalo! (Avó6). genograma no cuidado à criança são: maior
Por alguns instantes notamos que a avó permaneceu envolvimento da criança, facilitando a relação entre
pensativa e manifestou emoção ao relembrar dos fi- ela e o profissional; revelar a percepção da criança sobre
lhos, principalmente daqueles com quem há muito tem- as relações familiares; oferecer aos profissionais valio-
po não tinha relação alguma. sas informações que podem servir como orientadoras
Em outra situação, a construção do genograma para a continuidade do planejamento do cuidado.
e do ecomapa foi iniciada no domicílio da criança e o As análises vão se dando simultaneamente com
filho mais velho mostrou-se, a todo tempo, encanta- a coleta de dados, o que facilita a apreensão dos resul-
do com a representação de sua família. A mãe se sur- tados e, em caso de estarem sendo utilizados com fun-
preendia com as dúvidas do filho em relação à compo- ção terapêutica, propiciam a avaliação da intervenção.
sição da família, pois ele identificava os familiares, sem O processo de análise de dados tem a vantagem de
contudo saber o grau de parentesco entre eles. O com- ser um indicador objetivo, revelando interações que
promisso do casal nessa atividade era evidente e, em não são identificadas na análise de depoimentos atra-
encontros subseqüentes, eles traziam informações co- vés da linguagem verbal.
lhidas com outros familiares, como datas de nascimen-
to e falecimento, bem como, sempre forneceram deta- Conhecer a estrutura da família, sua composi-
lhes para aprimorar a representação gráfica das rela- ção, funções, papéis e como os membros se organi-
ções entre eles. Assim constatamos que a construção do zam e interagem entre si e com o ambiente é vital para
genograma não se limita a um processo de coleta de que o pesquisador compreenda melhor a relação en-
dados, mas pode, também, fazer parte do processo tre seus membros. O genograma e o ecomapa permi-
terapêutico, fato também apresentado na literatura11. tem conduzir o pesquisador ao conceito de família,
gerado entre os sujeitos da pesquisa em curso, isto é,
O processo de construção conjunta do
cada participante vai revelando quem eles consideram
genograma e do ecomapa propiciou uma visibilidade
membro de sua família, como a família funciona e
ampla das relações familiares e fortaleceu o vínculo e
como os diversos papéis são desempenhados, entre si
a confiança entre o entrevistador e os familiares. A
e na comunidade.
tônica que o entrevistador deve imprimir, neste pro-
cesso, é de uma conversa informal, descontraída, sem Além de ser um instrumento de coleta de da-
o caráter de perguntas e respostas. O entrevistador dos, a construção do genograma e do ecomapa pode
deve ter em mente que os entrevistados vão colocan- ser considerada uma abordagem inicial para facilitar a
do, aos poucos, como em um jogo ou numa brinca- aproximação entre pesquisador e entrevistados.
deira, as pessoas que são importantes no momento Entrevistados, crianças ou não, que são pouco
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prolixos na linguagem verbal e têm mais facilidade de REFERÊNCIAS


se expressar utilizando gráficos, revelam, através de
sinais gráficos, as relações existentes entre si e entre os 1 Blundo RG, McDaniel C. The twenty-first century family.
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apoios e suportes externos.
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Apesar da literatura internacional apontar os de Rubi e seu filho Leão: trabalhando com famílias de
benefícios da utilização do genograma e do ecomapa, usuários com transtorno mental grave através do Modelo
estes instrumentos ainda são pouco divulgados no Calgary de Avaliação e de Intervenção n a família. Texto
Contexto Enferm 2003: 12(2): 182-190.
Brasil. É aconselhável introduzirmos a prática de
construção do genograma e do ecomapa, com os de- 3 Elsen I, Marcon SS, Silva MRS, organizadores. O viver em
família e sua interface com a saúde e a doença. Maringá:
vidos cuidados éticos7, como um instrumento de coleta
Eduem, 2002.
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Norton; 1999
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assessment and intervention. 3th ed. Philadelphia: (PA): F.
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Tanto na investigação como no processo 23-38.
terapêutico, facilitam as relações entre o profissional e 8 Watts C, Shrader E. How to do (or nor to do)…The
os entrevistados, pois tornam a comunicação mais in- genogram: a new research tool to document patterns of
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relações são dinâmicas e instáveis, eles não são dados 10Olsen S, Dudley-Brown S, McMullen P. Case for blending
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pediátrica e abordagem da família: subsídios para o ensino
de graduação. Rev Latino-Am Enferm. 2002 Set-Out;10
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15Altshuler SJ. Constructing genograms with children in care:
implications for casework practice. Child Welfar

Texto Contexto Enferm 2005 Abr-Jun; 14(2):280-6.

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