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Até que ponto importar-se

com os outros:
a tensão ética no interior
da ação social
Ediovani A. Gaboardi
gaboardi@upf.br
Ética: algumas referências

• Ética (costume) e moral (hábito) dizem


respeito à relação entre as pessoas, ou
seja, às normas, tácitas ou explícitas, que
regem a ação humana;

• Todo regramento social supõe o


reconhecimento do valor dos outros;
Ética: algumas referências (cont.)
• Pode-se falar de ética enquanto prática de
costumes e enquanto reflexão crítica
sobre os costumes;

• No processo de constituição de normas,


surgem diversos níveis de moralidade.
Haverá normais mais universais e normais
mais particulares.
Ética nas relações pedagógicas
• Aparentemente, a ética diz respeito ao
reconhecimento que ocorre nas relações
pessoais (indivíduo – indivíduo);

• Entretanto, o papel social do indivíduo nos


grupos molda as regras do
reconhecimento pessoal. Ou seja, o
reconhecimento torna-se socialmente
mediado.
Ética nas relações pedagógicas (cont.)

• A tensão ética na ação pedagógica surge


quando as expectativas de
reconhecimento não são satisfeitas;

• As razões disso podem ser meramente


subjetivas (antipatia, preconceitos, etc.),
podem resultar da falta de sintonia em
relação ao projeto comum ou podem ser
fruto da própria inadequação desse
projeto.
Ética nas relações pedagógicas (cont.)
• Por outro lado, a própria distribuição dos
indivíduos em papéis sociais diversos cria
essa tensão ética, que assim é inevitável e
até mesmo produtiva;

• Assim, é necessário repensar sempre a


identidade das subjetividades envolvidas no
processo pedagógico, não restringindo a
ética às noções de norma ou de bem.
Por que importar-se com os
outros ?

O que nos vincula


(reconhecimento) às
situações vividas pelos
outros seres humanos?
Reconhecimento intuitivo
O vínculo com os outros seres (até mesmo
não humanos) é uma possibilidade natural
ao ser humano

Mesmo alguns animais já reconhecem os


semelhantes e sentem compaixão
Limites do reconhecimento
intuitivo entre os seres humanos
• O ser humano guia-se por representações
(idéias), que podem modificar ou mesmo
quebrar a relação intuitiva originária;
• As sociedades humanas são complexas,
impedindo que o contato imediato com o
outro esgote a compreensão da realidade
em que ele está imerso.
Limites do reconhecimento intuitivo
entre os seres humanos (cont.)
• Os laços sociais condicionam a ação
individual, seja ligando-a a interesses
específicos, seja tornando inócua por
isolamento
• O reconhecimento humano deixa de ser
um problema pessoal para torna-se social.
Regramento religioso: uma das formas
sociais de reconhecimento
• A religião estabelece regras e princípios para a
relação para com outro;

• O que rege a conduta não é mais a intuição


imediata, mas valores estabelecidos numa
doutrina;

• “Amarás o teu próximo com a ti mesmo”


(Marcos 12, 31)

• “Se alguém não quer trabalhar, também não


coma.” (II Tessalonicenses 3, 10)
Os Miseráveis – Vitor Hugo
• O reconhecimento do outro segue o princípio
do amor ao próximo, que põe de lado até o
benefício pessoal;

• Há um ideal de mundo e de ser humano que


se põe muito além da realidade concreta.
Revolução científica: superação
da religião
Galileu Galilei (1564-1642)
A verdade está escrita no
grande livro do universo.
Mas, para compreendê-la, é
necessário dominar sua
linguagem, que é
matemática.
O Ensaiador, IV.
O significado das idéias de Galileu
• A fonte de conhecimento deixa de ser a
revelação e passa a ser a realidade. O
conhecimento torna-se disponível a todos
e não só aos “escolhidos”;

• Abordar a realidade exige uma linguagem


objetiva (matemática). A subjetividade
passa a ser fonte o erro e da ignorância.
Geometrização do Universo
Geometrização do ser humano
Mecanicismo
• A ordem natural segue uma regularidade
indiferente aos poderes divinos e também
à vontade, aos valores e mesmo às
representações humanas;

• Compreender a realidade significa


apresentar a regularidade matemática que
ela obedece.
O mecanicismo nas ciências sociais
Thomas Hobbes
(1588-1679)
O Estado é resultado do
direito natural ilimitado e
da razão, que é capaz de
calcular a forma de
garantir a maior
quantidade de liberdade.

Leviatã, I, cap.XIII
A objetividade do social
Émile Durkheim
1858 - 1917 É preciso tratar os fatos
sociais como coisas
externas ao sujeito e com
poder coercitivo sobre ele. A
sociedade segue leis tão
objetivas quanto a natureza.
(As regras do método
sociológico – prefácio à 2ª
edição)
Significado das idéias de Durkheim
• A ação social é focada nos aspectos que
não podem ser “controlados” pela
subjetividade humana. Assim, a ação é
interpretada como um elemento da
“mecânica” social, não sob o ponto de vista
ético (reconhecimento subjetivo do outro).

• Os valores ou são ilusões (senso comum),


ou são resultado da própria “mecânica
social”
Marxismo: idealismo x objetivismo
Marx 1818-1883
• Religião como alienação
(mascarar o real com o ideal);
• A política como alienação das
relações sociais concretas;
• A economia como justificação
da alienação material;
• Pressuposição de um ideal
de homem e de sociedade no
conceito de emancipação.
Marx x religião
• “A miséria religiosa constitui ao mesmo
tempo a expressão da miséria real e o
protesto contra a miséria real. A religião é o
suspiro da criatura oprimida, o íntimo de um
mundo sem coração e a alma das situações
sem alma. É o ópio do povo” (Introdução à
Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, p.
78).
Da religião à política ...
• “A imediata tarefa da filosofia, que está a
serviço da história, é desmascarar a auto-
alienação humana nas suas formas não
sagradas, agora que ela foi desmascarada
na sua forma sagrada” (Idem, p. 78).
• “sem dúvida, a arma da crítica não pode
substituir a crítica das armas; a força
material só será derrubada pela força
material; mas a teoria em si torna-se uma
força material quando se apodera das
massas” (INT, p. 86)
... e à economia
“Principiamos com os pressupostos da economia
política. Aceitamos a sua terminologia e as suas leis.
Pressupusemos a propriedade privada, a separação
do trabalho, capital e renda, e ainda a divisão do
trabalho, a concorrência, o conceito de valor de troca,
etc.. A partir da própria economia política, com as suas
próprias palavras, mostramos que o trabalhador desce
até ao nível de mercadoria, e de miserabilíssima
mercadoria; que a miséria do trabalhador aumenta
com o poder e o volume de sua produção; que o
resultado necessário da concorrência é a acumulação
do capital em poucas mãos e, por conseqüência, em
terrível restabelecimento do monopólio” (MEF, p. 157).
O ideal de emancipação
“A emancipação humana só será plena
quando o homem real e individual tiver em
si o cidadão abstrato; quando como homem
individual, na sua vida empírica, no trabalho
e nas suas relações individuais, se tiver
tornado um ser genérico; e quando tiver
reconhecido as suas próprias forças [...]
como forças sociais, de maneira a nunca
mais separar de si esta força social”
Ética x ação social
• A idéia moderna de objetividade tende a
desmerecer a abordagem ética, na
medida em que esta centra-se no
reconhecimento subjetivo do outro;

• A ética é substituída, na abordagem da


ação social, por uma ciência do social,
dirigida à descoberta de suas “leis”;

• Ser ético, aqui, é cumprir leis;


Ética x ação social (cont.)
• Marx mostra, entretanto, que as leis
(econômicas, políticas, etc.) podem ser
frutos dos projetos das classes sociais;

• No conceito de emancipação, o ideal


subjetivo volta à tona na obra de Marx.

• Assim, a ética entra pela porta dos fundos,


repondo o conflito pelo reconhecimento
intrínseco à vida social.
Filme Edukators
• Até que ponto importar-se com os outros?
• Qual é a base para o direito do outro
(reconhecimento) ?
• Até que ponto o regramento social (papel
social) demarca o espaço do ético
(reconhecimento do direito do outro) ou
legitima a injustiça ?
Ética e relação pedagógica
• A relação pedagógica é uma relação social;

• Assim, está submetida aos regramentos


sociais e às pressões subjetivas por
reconhecimento;

• Não basta tratar a ética como obediência à


normas. É preciso sempre repor as
demandas subjetivas e reavaliá-las em
relação aos projetos comuns assumidos.

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