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Franca
2014
LIBERDADE EM QUESTÃO: Os principais fundamentos da
educação em Summerhill.
Franca
2014
RESUMO: O presente artigo se debruça nos escritos de Alexander Sutherland Neill, escritor
de Liberdade Sem Medo e diretor da escola Summerhill, visando explicitar os principais
fundamentos do sistema de educação empregado na escola Summerhill, os quais contrastavam
radicalmente, não só com o sistema de ensino regular britânico e com os fortes valores
tradicionais da sociedade inglesa da primeira metade do século XX, mas também com outras
propostas pedagógicas pertencentes à escola nova. A educação é uma preparação para a vida e
a realização dessa, é a busca da felicidade. Por isso, pautada em um conceito particular de
liberdade e amor, Summerhill tem como fim último o alcance da felicidade e o ajustamento
natural da criança. Liberdade não licenciosa, amor aprovatório, valorização do emocional em
relação ao intelectual e austera crença na bondade natural da criança, são princípios que
afloram características sensíveis à formação desta como a autorregulação, ausência/superação
do medo, senso de comunidade e tolerância, características que alimentam a atmosfera
propícia ao desenvolvimento de uma criança feliz, que nada mais é do que esclarecimento,
autoconhecimento, livre desenvolvimento de seus interresses e suas capacidades. Quem
germina as motivações para a gênesis de seus objetivos é a própria criança, ninguém mais.
Abstract: This article explores the writings of Alexander Sutherland Neill, Summerhill: A
Radical Approach to the Child Rearing writer and director of Summerhill school, aiming to
explain the main foundations of the education system used in Summerhill school, which
radically contrasted not only with the regular British education system and with strong
traditional values of English society of the first half of the twentieth century, but also with
other education proposals belonging to this new school. Education is a preparation of life and
the realization of it is the pursuit of happiness. Therefore, based on a particular concept of
freedom and love, Summerhill has as its ultimate end the pursuit of happiness and natural
adjustment of children. Not licentious freedom, endorsing love, appreciation of the emotional
instead of intellectual and austere belief in the natural goodness of children, are principles that
enehance sensitive characteristics to its formation as self-regulation, absence/overcoming
fear, sense of community and tolerance, features that enable the conducive atmosphere to the
development of a happy child, which is nothing more than enlightenment, self-knowledge,
free development of their interests and capabilities. Whom germinates the motivations for
breeding of their goals is the child himself, no one else.
INTRODUÇÃO
O movimento de renovação educacional que originou a escola nova, tem seu
desenvolvimento a partir do final do século XVIII, com precursores como São João Bosco
(1815-1888) e Léon Tolstoi (1828-1910)1, e, posteriormente, talvez os mais conhecidos
difusores práticos desse movimento, Maria Montessori e Ovídio Decroly. 2 Em um primeiro
1 Para saber mais sobre São João Bosco e Léon Tolstoi, ver: (FILHO, 1967 p. 155).
2 Para saber mais sobre Ovídio Decroly ver: (FILHO, 1967 p. 179); Para saber mais sobre Maria Montessori,
ver: (FILHO, 1967 p. 179); (RÖHRS, 2010.)
momento, os esforços dessa renovação educacional voltava-se para instituição escolar,
promovendo uma reformulação crítica dos recursos educacionais tradicionais do ensino, que,
amparadas também por avanços na área dos conhecimentos biológicos e psicológicos com
relação à criança, admitia-se como “função geral do processo educativo o desenvolvimento
individual de capacidades e aptidões”. (FILHO, 1997, p. 18). A didática racionalista que
moldava o sistema educacional do século XVIII, no qual a criança era tida como um adulto
em miniatura, estava perdendo sua vigência. Jean Jacques Rousseau (1712-1778), um século
antes, em sua obra Emílio ou Da Educação, debatia sobre o que ele denominava de “educação
negativa”: crítica à educação racionalista vigente, propondo que o medrar de uma criança seja
um tanto menos impositivo.3
As ideias de liberdade, democracia e autodeterminação, desenvolvidas no século
XVIII, somadas ao choque da primeira grande guerra e suas conseguintes transformações
provocadas na sociedade do século XX, atingiram o campo da educação, modificando-a
fundamentalmente. Percebe-se que fatores histórico-culturais e fatores sociais, antes não
levados em conta, influenciam decisivamente as concepções educacionais, assim como todos
os aspectos da formação humana não são independentes de influencias da organização da vida
social, portanto as instituições do estado e da família, a moral e costumes que circundam o
homem em todo o seu crescimento, agem incisivamente sobre o seu caminhar. Esse novo
olhar vem para coordenar o trabalho da escola com todas as demais instituições tradicionais
da vida do homem, desenvolvendo diversos campos de estudo como a antropologia
pedagógica, biologia educacional e a psicopedagogia. (FILHO, 1997 p. 18)
O advento da escola nova representa todo o conjunto de princípios conducentes a
reformular os padrões do ensino tradicional. É a chamada 'revolução copernicana da educação
do século XX''. (GIORGI, 1992 p. 21). Princípios esses que, guiados pela crescente pesquisa
da psicologia e biologia da criança e da antropologia pedagógica, abarcam copiosas
pedagogias e didáticas diferentes entre si, compreendendo modelos conceituais (teóricos), não
afastados da realidade, e modelos práticos de observação, experimentação e reflexão.
Didáticas como a de Johann Bernhard Basedow (1724-790), Johann Heinrich Pestalozzi
(1746-1827) e Frederico Froebel (1782-1852)4, além de inúmeras escolas expoentes
denominadas como novas, criadas, principalmente, na Inglaterra no final do século XIX.
3 Para saber mais sobre o conceito de educação negativa, ver: (ROUSSEAU, 1999 p. 99); (FORTES, 1996 p. 94)
4 Para saber mais sobre Johann Bernhard Basedow, Johann Heinrich Pestalozzi e Frederico Froebel ver:
(FILHO, 1967 141-154).
(FILHO, 1967 p. 159)
Inicialmente, essas escolas inglesas eram de domínio privado, somente na primeira
metade do século XX, devido a certas transformações5 que o pós-primeira guerra ajudou a
desencadear, como a nacionalização e democratização do ensino, as ideias da escola nova
permearam o sistema de ensino público da Inglaterra. Foi no século XX, com a difusão
benquista dos princípios da escola nova, alastrando-se internacionalmente nos diversos
sistemas públicos de ensino, que essa educação inovadora passou de personalidades isoladas
para se tornar tendências e correntes gerais.
Um dos principais fundamentos das pedagogias progressistas é o conceito de liberdade
na educação que, em cada uma delas, assume determinadas configurações. De fato, há
contradição entre a liberdade idealizada como princípio da escola nova e a sua aplicação real
por diversas didáticas, justamente por conta de que estamos lidando com pessoas de diferentes
idades e gostos, que vieram de criações familiares distintas, e agora convivem em
determinado ambiente escolar, sem falar na influência do meio social, muitas vezes
tradicional, do qual vivemos. A liberdade representava uma condição inalienável de expansão
de vida, pura e simples, da criança. Se a vida é desenvolvimento, educar será permitir esse
desenvolvimento, e a condição para isso é que haja liberdade. Liberdade e não licenciosidade!
Ancorada nessa perspectiva de liberdade na educação como direito indivisível da
criança, busca-se explicitar qual é a liberdade que Alexander Sutherland Neill valoriza e
emprega em sua escola Summerhill e, além disso, intrinsecamente a essa liberdade, de modo
recíproco, outros princípios são indispensáveis para desenvolvimento de uma criança feliz
como a ausência do medo, o amor aprovatório, a sinceridade e o respeito mútuo nas relações,
a valorização do emocional em relação ao intelectual e a austera crença na bondade natural da
criança e no seu poder de amar a vida. Fundamentos que promovem o desenvolvimento dessa
liberdade e, assim, uma atmosfera propícia ao medrar de uma criança autorregulada e feliz.
DESENVOLVIMENTO
Muitas vezes, a ideia de liberdade empregada nos sistemas educacionais, nega a si
própria. Não existe liberdade com a presença do medo. Ele existindo de maneira explicita,
como na “autoridade manifesta”, ou de maneira velada, com a falsa ideia de consentimento
5 A Lei de 1944 – democratização e nacionalização do ensino inglês; Criação do Ministério da Educação. Para
mais, ver: (LUZURIAGA, 1971 p. 215-217).
coletivo, como na “autoridade anônima”.6 A sociedade, a escola e o lar, com grande força,
ceifam o princípio de autorregulação da criança, impondo-as paradigmas de ordem moral e
ética, gerando o sentimento de culpa, se não acatar, e medo para obedecer. A culpa serve
somente para a manutenção da submissão da criança à autoridade, um “empecilho ao seu
crescimento”. (NEILL, 1976, p. 11) O sentimento de culpa gera medo, e medo gera
hostilidade, hipocrisia e inúmeros traumas e barreiras nas crianças, sendo que maioria desses
temores vem das famílias. Inúmeros fatos podem gerá-los, como diz A. Neill, respondendo a
carta de um pai procurando auxílio, pois diz ser seu filho introvertido demais, muito medroso
e receoso a experiências novas:
Tantas coisas podem te acontecido! Os senhores talvez não tivessem
desejado tê-lo. O pai pode ser um disciplinador severo. O menino pode ter
sido pôsto à sombra por um irmão ou uma irmã extrovertidos. A atmosfera
geral do lar talvez seja responsável por muito do que fica sob a superfície.
(NEILL, 1973b, p. 154)
Logo após, A. Neill cita o caso de um menino com grande timidez que ingressou em
sua escola:
Há dois anos, um aluno nôvo veio ter a Summerhill, menino tão tímido e tão
apavorado diante de tôda gente, que falava, literalmente, em sussurro. Certa
noite abri a porta do meu escritório e gritei para êle: 'Tom, pára com êsse
barulho infernal! Eu não posso conversar com a minha visita!' Com a
atmosfera modificada, o mêdo desapareceu da psique do rapaz. (NEILL,
1973b, p. 155)
6 A “Autoridade Manifesta” é exercida direta e explicitamente. A consequência por desobediência são punições
de privamento e castigos corporais. A “Autoridade Anônima” tende a esconder a força de coerção, mascarando a
autoridade, fingindo haver um falso consentimento entre a criança e quem emprega a força. A consequência por
desobediência se encontra no fator psicológico da criança; passar por um ser desajustado, inferior, perante outras
crianças consideradas corretas e ajustadas. Para mais, ver: (FROOM, 1983).
às 15 horas, somente às 19 horas comerá; se quer correr e brincar em sua visita ao parque, não
poderá, pois irá sujar sua roupa nova, além disso, outras pessoas estão reparando nisso...
Nesses lares, as crianças são doutrinadas a manterem compostura e obediência na frente de
outros, servindo para os pais como medalhas de uma educação bem sucedida – os “partidários
da antivida” como diz Neill (1976, p. 96)–, sendo prestigiados pelo bom comportamento,
reforçando ainda mais essa doutrina cega perante a sociedade, substanciando ainda mais as
tradições, veladas, entrincheiradas no seio dessas famílias tradicionais que criam e foram
criadas odiando a liberdade e o amor de fato. Grande parte dos problemas e medos das
crianças vem da família e da tradicionalidade de nossa sociedade: “Nunca há uma criança
problema: há apenas pais-problemas. Talvez fosse mais certo dizer que há apenas uma
humanidade problema... pois que pessoa cujos braços foram atados desde o berço não será
contra a vida?” (NEILL, 1976, p.96, grifo autor)
Deixar que a criança se regule por si só, significa acreditar na bondade natural da
criança. Nos extremos dessa liberdade, há o “lar disciplinado”, no qual a criança não tem
direitos, e o “lar estragado”, no qual elas tem todos os direitos. (NEILL, 1976 p. 101) Dar
liberdade para a criança, não significa deixá-la fazer o que bem quiser. É aqui que a maioria
do bom senso das pessoas falha. A diferença de liberdade e licença é bem nítida. Deixar uma
lareira ou uma janela sem proteção, não significa estar criando o seu bebê em plena liberdade,
isso é insanidade! Achar que seu filho é um legitimo “Neilliano” (NEILL, 1976 p. 101), como
diz uma mãe para A. Neill, por deixar a criança destruir o piano e o sofá de sua casa, é ser
totalmente contraditório à ideia de liberdade:
Devemos insistir sempre em que dar liberdade não significa arruinar a
criança. Se um garotinho de três anos quiser andar em cima da mesa
devemos dizer-lhe, simplesmente, que êle não deve fazer isso. Êle precisa
obedecer, isso é verdade. Mas, por outro lado, nós o obedecemos, quando fôr
necessário. Eu saio do quarto das crianças pequenas quando elas me
mandam sair. (NEILL, 1976 p. 101)
O lar apropriado é aquele em que as crianças e adultos tem direitos iguais. Summerhill
é exatamente assim, as crianças vivem em liberdade. Ninguém diz o que devem vestir;
ninguém do pessoal7 vistoria seus quartos ou arrumam sua bagunça. Há aulas diariamente,
mas só para aqueles que escolherem ter. Ninguém é obrigado a frequentar aulas, somente
aqueles que tem interesse em aprender o que será ensinado. O mesmo vale para brincar o dia
inteiro, ou não; ter na oficina de carpintaria, ou não e assim por diante. Não há métodos
7 Corpo de funcionários de Summerhill. Professores; cozinheiros; mães da casa, as quais tutelam os grupos de
crianças mais novas. Tutelar no sentido da segurança e integridade física das pequenas crianças.(NEILL, 1976 p.
4).
inovadores no ensino de Summerhill, justamente por A. Neill não acreditar que o ensino em
si, tenha grande importância no aprendizado da criança. “A criança que quer aprender a
dividir, aprenderá, seja qual fôr o ensino que receba”. (NEILL, 1976 p. 5, grifo autor.)
A educação em Summerhill se regula através do princípio do livre desenvolvimento da
criança. A escola possui a estrutura necessária e professores capacitados para ensinar, desde
matérias regulares à trabalhos manuais, mas ninguém é obrigado a nada. O indivíduo é livre
para desenvolver suas próprias áreas de interesses, sendo isso fundamental, não só para a
aprendizagem em si, mas principalmente para a sua felicidade. A parti do momento que a
criança, por si só, livre da imposição familiar e da pressão da sociedade, decide o que quer,
tendo como base os livres anos que viveu em Summerhill, descobrindo e explorando o quanto
quis suas áreas de interesse, almejando tornar-se um mecânico, ou passar nos exames da
faculdade, ela vai se esforçar plenamente para alcançar seu objetivo. Não como uma
obrigação, nem como um martírio, e muito menos de modo leviano, mas com a simples
vontade de realizar um objetivo criado e lapidado por si mesma. É simples pelo fato de que,
seguir em frente em seu próprio objetivo, traz felicidade. (NEILL, 1976 p. 22)
A educação tradicional das escolas regulares, impede esse livre desenvolvimento.
Somente cria jovens com cabeças de velhos, extirpam sua juventude e o seu direito de brincar.
Não se é desconsiderado a importância de ensinar as matérias curriculares em Summerhill,
contanto que haja interesse em aprendê-las. Forçar esse ensino à criança, literalmente, a mata,
sufoca sua capacidade criativa, obstruindo a natural busca pelos seus interesses, forjando
crianças adultas, empanzinadas de conhecimentos levianos com relação à vida que lhes
causam indigestão, conseguindo usá-los somente em prol de objetivos oriundos dessa
educação, dessa avalanche de informações livrescas, pois o desenvolvimento de seu poder de
escolha, de seus gostos e de criar seus próprios objetivos, lhes foram negado devido a esse
ensino padronizado. Esse tipo de crianças...
...sabem muito, brilham em dialética, podem citar os clássicos, mas em sua
maneira de encarar a vida muitos dêles são crianças. Porque foram ensinados
a saber, mas não lhes ensinaram a sentir. Tais estudantes são amistosos,
agradáveis, animados, mas algo lhes flata: o fator emocional, o poder de
subordinar o pensamento ao sentimento. Falo-lhes de um mundo cujo
conhecimento lhe foi negado, e que êles continuaram a desconhecer. Seus
livros escolares não tratam do caráter humano, do amor, da liberdade, ou da
autodeterminação. Assim, o sistema continua, tendo por alvo apenas os
padrões do ensino livresco: continua separando a cabeça do coração.
(NEILL, 1976 p. 23-24, grifo autor)
Summerhill está no polo oposto não somente em relação à educação regular, mas
também a vários sistemas da educação progressiva, por exemplo o de M. Montessori. 8 Para A.
Neill (1976, p. 24), o ensino deve vir depois do brinquedo, justamente por acreditar na
capacidade de autorregulação da criança em um ambiente livre. Endossar o ensino com jogos
é somente uma...
...nova forma de acolchoar a teoria de que o ensino [tradicional] é de alta
importância... Se um professor vir seu aluno brincando com lama, e
pretender melhorar o esplêndido momento falando em erosão das margens
dos rios, que fim tem êle em vista? Que importa à criança a erosão dos rios?
Muitos dos chamados educadores acreditam que não importa o que uma
criança aprenda, desde que lhe ensine algo. E, naturalmente, com as escolas
tais como são – apenas fábricas de produção em massa – que pode um
professor fazer senão ensinar algo e chegar a acreditar no ensino, julgando-o
em si mesmo, coisa importante? (NEILL, 1976 p. 25-26, grifo autor)
8 Maria Montessori compartilhava do ideal progressista de liberdade na educação, porém sua didática negava
profundamente esse ideal. Para a didática montessoriana, a criança se forma de fora para dentro, através de
elementos externos, sendo dever da escola preestabelecer e direcionar esses elementos. A criança é livre, mas
livre apenas na escolha dos elementos que a escola lhe permite agir. Esses elementos traduzem-se nos conjuntos
de jogos, ou material didático criado por Montessori, baseado e diversos estudos biológicos e psicológicos de
mecanismos cognitivos de aprendizagem. Ora, se suas opções já são preestabelecidas, a liberdade da criança se
reduz a uma falsa escolha daquilo que já foi imposto a ela, extirpando assim, todo o processo de autorregulação.
(FILHO, 1967 p. 182).
A propósito, para que departamento disse que gostaria de ser transferido?
(NEILL, 1976 p. 5-6)
Jack pode ter fracassado nos exames universitários porque detestava o ensino dos
livros, mas além de ter se tornado um ótimo mecânico, sua personalidade e caráter se
construíram fortemente ao longo dos anos em Summerhill, e o fracasso nos exames não lhe
prejudicou a vida.(NEILL, 1976 p. 6) Aprender as matérias regulares na infância não é mais
importante que o ato de brincar. A diversão em Summerhill é de maior importância, digo, a
diversão inventiva. Em Summerhill, as crianças de seis anos brincam o dia inteiro, imaginado
serem quadrilheiros, ou construindo casas nas árvores e trincheiras no chão. A imaginação da
criança vai além da imaginação adulta, não sabemos qual é a fronteira entre realidade e
fantasia para a criança. Para os pequenos, “realidade e fantasia estão muito próximas uma da
outra” (NEILL, 1976 p. 57), e trazê-los de volta à realidade significa destruir sua capacidade
criativa. Pais e escolas proíbem ou restringem ao máximo a diversão, pois não acreditam, de
fato, na criança, e muito menos em seu direito de brincar. Temendo o futuro dos jovens, os
adultos restringem a diversão por acreditarem que o ato de brincar é desperdício de tempo.
Ser livre para brincar, é ter sua mente livre para criar. “Criadores aprendem o que desejam
aprender para ter os instrumentos que o seu poder de inventar e o seu gênio exigem. Não
sabemos quanta capacidade de criação é morta nas salas de aula.” (NEILL, 1976 p. 24)
Essa liberdade existente em Summerhill, é inconcebível para a maiorias dos pais e
educadores. Argumentam que a vida é dura e, para vencê-la, é necessário ter disciplina; como
uma criança, que tem o direito de fazer o que quiser, tem chance de vencer na vida? Para A.
Neill (1976, p. 103), a suposição de que a criança só se desenvolverá se promovermos isso
através da outorga do livro e da repressão é totalmente infundado:
...todos os trinta e nove anos de experiência em Summerhill desaprovam essa
suposição. Observem, entre uma centena de outros, o caso de Mervyn.
Estêve em Summerhill dez anos, entre as idades de sete e dezessete e durante
todo êsse tempo não frequentou uma só aula. Com dezessete anos mal sabia
a ler. Ainda sim, quando saiu da escola, Mervyn resolveu tornar-se
ferramenteiro, aprendeu a ler sòzinho, e bem depressa absorveu todo o
conhecimento técnico de que precisava. Através de seus próprios esforços,
preparou-se para seu aprendizado. Hoje, êsse mesmo camarada está
vastamente educado em letras, ganha excelente salário, e é um líder em sua
comunidade. Quanto à autodisciplina, Mervyn construiu uma boa parte de
sua casa com as próprias mãos e está educando uma bela família de três
filhos, com o fruto de seu trabalho diário. (NEILL, 1976 p. 103)
As crianças são sensatas, respeitam sua própria democracia e criam boas leis. Por
exemplo, é proibido tomar banho de mar sem a supervisão de um adulto; é proibido subir nos
telhados; horas de recolher devem ser respeitadas e assim por diante. Além da lealdade com a
decisão do grupo, as crianças não abusam do poder de punição. Certa vez Jim, um dos alunos,
tirou os pedais da bicicleta de Jack, que já não a usava por semanas. Foi julgado em
Assembleia e o veredito foi o de ter que devolver os pedais além de ser proibido de fazer certa
viagem de bicicleta com os demais alunos. Jim recorreu dizendo não ter problema em
devolver os pedais, mas que era um abuso ser proibido de viajar. A Assembleia voltou atrás de
sua condenação e além de permitir que Jim faça a viagem, os integrantes reuniram dinheiro
para comprar novos pedais para Jim, pois este estava sem dinheiro e não recebia sua mesada
há semanas. (NEILL, 1976 p. 45) O culpado sempre tem o direito de se defender, porém
nenhum culpado “dá sinais de hostilidade contra a autoridade da comunidade a que pertence”
(NEILL, 1976 p. 45) A criança regulada, pertencente a um ambiente livre como em
Summerhill, aflora um grande senso de justiça e lealdade à sua comunidade, apresentando
grande capacidade administrativa. “Como educação, a autonomia tem grande valor.” (NEILL,
1976 p. 46)
Como a gestão em Summerhill é democrática, as minorias não são favorecidas em
primeiro momento. Mas, precisamente por acreditar e desejar a autonomia do indivíduo, essas
minorias lutam por seus direitos, suas propostas, de assembleia em assembleia, para
conseguirem serem ouvidos e valorizados, tantos as crianças como os adultos. No entanto, o
princípio de autonomia só é “possível numa escola quando há certa mescla de alunos mais
velhos que... lutam contra a indiferença ou a oposição dos que estão na idade de mocinho e
bandido.” (NEILL, 1976 p. 48) Geralmente esses alunos são vencidos, mas eles que mantêm o
equilíbrio democrático, pois continuam lutando por direitos das minorias, as quais estão
inseridas, pois as crianças menores “mostram interêsse medíocre em governos”, isso porque
seus valores e maneiras são diferentes dos mais velhos, isso “por ainda não haverem atingido
a idade social.”(NEILL, 1976 p. 48)
“Em Summerhill acredito têrmos provado que a autonomia funciona.
Realmente, a escola sem autonomia não devia ser chamada escola
progressiva. É uma escola que faz concessões. Não podemos ter liberdade a
não ser que as crianças sintam livres para governar sua própria vida social.
Quando há um patrão, não há liberdade real. Isso se aplica ainda mais aos
chefes benévolos do que aos disciplinadores. A criança de espírito pode
rebelar-se contra o chefe áspero, mas o chefe que usa de brandura apenas faz
a criança sentir-se frouxa, e insegura quanto aos seus sentimentos
reais.”(NEILL, 1976 p. 47-48, grifo nosso)
CONCLUSÕES
Estamos acostumados a aceitar como premissa para uma vida de sucesso, ter bons
estudos e garantir um diploma universitário... Mas quem garante que esse é o caminho? E o
que é o sucesso? Para muitos, significar formar uma família estável, bom trabalho e boa casa
para possibilitar um bom futuro para seus filhos... recomeçando o ciclo que viveu. Sucesso,
para poucos, é ser uma pessoa feliz e realizada. Sendo um acadêmico ou um mecânico. O
problema não é almejar ter uma família estável ou um bom emprego, mas sim, quais foram os
motivos que te levaram a isso: o legado de uma tradição ou sua própria vontade? O primeiro
está mergulhado em medo e castração, o segundo em liberdade e autoconfiança, assim como
em Summerhill.
A concepção de liberdade que Alexander S. Neill aplica em Summerhill, põe a sua
escola em uma posição radical perante a sociedade de sua época 9. Contudo, mesmo
acreditando fielmente em seu ideal, A. Neill não é intolerante com relação à sua aplicação
efetiva. Soube conciliar seus fortes ideais com a realidade prática, estabelecendo
“meios-termos na aplicação de suas ideias, pois tem plena consciência de que os moços que
saem de sua escola não se destinam a outro planeta nem a ser guerrilheiros... mas pura e
simplesmente ao próprio meio em que nasceram.” (NEIIL, 1976 p. 16) Alunos que foram
criados em liberdade e autogoverno, tendo que se articular, sem atritos, com uma sociedade
que lhes tolhem a liberdade, se desvencilhando de convenções totalmente contraditórias em
relação à sua criação, sem assim, se constituir em um elemento perigoso para a sociedade.
Isso A. Neill conseguiu. A atitude compreensiva de seus alunos só pode decorrer de adequado
ajuste emocional que, mesmo em face à preconceitos e criticas desprezíveis, são tolerantes e
respeitosos. Não digo apáticos, mas sim, tolerantes. Não é por acaso que Summerhill continua
viva, em toda significação da palavra, desde 1921 até hoje, no mesmo lugar, em Leiston,
Suffolk, na Inglaterra, porém, assumindo o lugar de A. Neill (1883-1973), sua filha Zoe Neill
Readhead, continua propagando os ideais de liberdade, com muito amor e sinceridade 10.
Summerhil começou como uma escola experimental em 1921 e em trinta anos, já não
mais era. Sua experiência e sucesso provam isso. Quando foi fundada A. Neill e sua esposa,
possuíam uma única ideia: “fazer com que a escola se adaptasse às crianças, em lugar de fazer
com que as crianças adaptassem à escola.” (NEILL, 1976 p.4) O objetivo principal era dar
liberdade para as crianças serem elas próprias. Para fazer isso eles renunciaram inteiramente à
disciplina, à autoridade que gera medo, ao condicionamento moral e até mesmo parte de suas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FROMM, E.; VELHO, O. A. (Trad.). “O Medo à Liberdade” 14. ed. Rio de Janeiro:
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RÖHRS, H.; ALMEIDA, D. D. M. (Org. e Trad.); ALVES, M. L. (Org. e Trad.). “Maria
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Educadores)