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ENSAIO

Uma teoria crítica


dos novos meios
de comunicação PENSAR A TRANSFORMAÇÃO DAS IMPLICAÇÕES
da comunicação na sociedade, levando
em conta o desenvolvimento dos novos
RESUMO meios de comunicação, é a proposta de
Neste ensaio destacam-se não só as idéias do sociólogo Dominique Wolton em Internet, e depois?
francês Dominique Wolton sobre a Internet, os meios de – Uma teoria crítica dos novos meios de
co mu ni ca ção de massa e a sociedade, expressas em comunicação (Barcelona, Gedisa Editorial,
Internet, e depois? Uma teoria crítica dos novos meios de 2000). O debate sobre os principais tópicos
comunicação, mas também alguns aspectos contraditórios de referentes a essa questão foi proposto pelo
seu texto. autor no seminário Internet, e depois?,
proporcionado pelo Pro gra ma de Pós-
ABSTRACT graduação em Co mu ni ca ção Social da
In this essay the author points out some contradictions of PUC-RS, entre 01 e 04 de outubro de 2001.
Dominique Wolton in his last book about the Internet, society Este ensaio tem por ob je ti vo ex pli ci tar
and mass communication. estes tópicos, comentando-os sempre que
parecer necessário.
PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) Já na introdução de seu livro, Wolton
- Comunicação (Human communications) classifica a época atual como “uma nova
- Sociedade (Society) era da comunicação”, tendo em vista o
- Novas tecnologias (New technologies) ad ven to da informática e dos sistemas
mul ti mí dia. Com isso, o autor alerta
para o que considera o maior perigo
dessa nova era: a dimensão técnica da
comunicação subs ti tuir sua dimensão
humana e social. Assim, a comunicação,
centro da experiência individual e social,
teria evoluído em duas direções: a das
técnicas e a dos valores da sociedade
democrática. Desde já, cabe per gun tar
até que ponto a técnica e os valores da
sociedade democrática excluem-se entre
si. Ou, então, perguntar pelo indicativo de
que ambos os tópicos não se refiram ao
mesmo fenômeno.
Para o autor, a comunicação combina
tanto a luta pelos ideais de liberdade e
a democracia quanto os interesses e
os benefícios de uma lógica comercial,
principalmente com as novas tecnologias.
O interesse investigativo da comunicação
reside, jus ta men te, na mescla dessas
Sandra Montardo dimensões.
Doutoranda do PPGCom da FAMECOS/PUCRS
Quanto a esse ponto, cabe aprofundar
a questão posta anteriormente. Não

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teria sido justamente o ambiente social Além disso, o autor promete contrapor a
propício para o desenvolvimento da internet e televisão sob vários aspectos.
democracia o mesmo do qual se valeu Para acentuar o seu posicionamento
a lógica comercial para se colocar? E, crítico frente às novas tecnologias, Wolton
ainda, o aperfeiçoamento das tecnologias deixa clara a sua intenção de diferenciar o
de maneira geral não teria acompanhado seu discurso do discurso dos empresários,
esse mesmo processo? dos jornalistas e dos políticos, os quais
O papel da comunicação na questão da en dos sa ri am facilmente a lógica dos
emancipação do indivíduo e o surgimento interesses comerciais da comunicação. E
da democracia a colocam no centro da isso porque investigar significa ir além do
modernidade. Assim, Wolton aponta para que é visível e evidente. O que em ciências
a fundamentalidade da comunicação, sociais significa introduzir uma nova lógica
atualmente, pelas seguintes razões: à preponderante. No caso do livro em
pressupõe a existência de seres livres para questão, trata-se de investigar a existência
os quais a liberdade de comunicação e de de uma ruptura efetiva em termos de uma
informação constitui a égide de todas as teoria da comunicação, entre os meios de
relações sociais e políticas, deve gerir os comunicação e as novas tecnologias, bem
movimentos contraditórios entre a liberdade como verificar uma mudança substancial
individual e a igualdade de todos, além de na economia da comunicação.
também ser a condição necessária para Nesse momento do livro, o autor
que haja a democracia de massas. apressa-se em se colocar favoravelmente
Partindo desse ponto de vista, o às novas tecnologias. Afinal, um dos
livro pretende distinguir a lógica dos maiores objetivos do livro, segundo o seu
interesses (comerciais) da lógica dos autor, é justamente destacar a importância
valores (de mo crá ti cos) na questão da do posicionamento crítico frente às novas
comunicação nessa nova era, considerando tecnologias de comunicação, o que não
hipóteses precisas. Isso no sentido sig ni fi ca ria, necessariamente, negá-las.
de diferenciar normas de interesses, Esse co men tá rio parece, no mínimo,
frente ao posicionamento de ato res descartável e, no limite, estranho. A
políticos e industriais, em uma época de pergunta que fica aqui é: para quem o autor
instrumentalização da comunicação, dirige este comentário?
através de novas técnicas produtivas e da Para entender o papel da
abertura de mercados importantes. Com comunicação na sociedade, Wolton sugere
re la ção a esse ponto, a comunicação que se analise as relações entre os três
também deve gerenciar as diferenças entre aspectos fundamentais da comunicação:
as sociedades, as quais são destacadas o sistema téc ni co, o modelo cultural
em um mun do de tecnologias da dominante e o projeto social. Por mais
informação onipresentes. Frente a isso, o espetacular que tenha sido o avanço das
objetivo deste livro é compreender a força tecnologias de co mu ni ca ção, desde o
com a qual a ideologia técnica irrompe na surgimento da imprensa, no século XV,
comunicação, a partir do questionamento até o dia de hoje, o autor salienta que
sobre o “futuro da internet” e a “guerra dos não se deve reduzir a compreensão da
meios de comunicação”. E isso em termos comunicação de uma época à produção de
de verificar possíveis rupturas na economia tecnologias contemporâneas nessa área.
da co mu ni ca ção com o surgimento da Afinal, para o autor, não são os
internet e também relacionar a revolução re sul ta dos técnicos que interessam ao
tecnológica com alterações de conteúdo estudo da comunicação. Sua importância
observada com outras inovações técnicas está em verificar, por exemplo, as seguintes
significativas na história da comunicação. questões: se existe mesmo uma mudança

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real entre os meios de comunicação ao mesmo tem po que não o é pelas
de massas e a internet; se a inovação mensagens políticas.
das novas tecnologias está relacionada Assim, trata-se também de reconhecer a
com uma mudança nos mo de los de comunicação como uma grande questão
comunicação individuais e coletivos; se teórica da democracia.
existe, frente a essas inovações, outro Da mesma forma, o segundo objetivo
projeto de organização da comunicação, é insuficientemente assistido pela teoria,
assim como o de outro papel de sua tendo relação direta com uma teoria da
organização em uma sociedade aberta. comunicação e, logo, da sociedade, já que
A teoria do determinismo tecnológico, que se relaciona com comunicação de massa e
vem se confundindo com uma ideologia com democracia. O autor ainda realça que
técnica da comunicação é, dessa maneira, estes dois objetivos têm a ver não só com
descartada por Wolton. Ao contrário, o a dimensão tecnológica da comunicação,
autor pretende explicar por que o essencial mas também com as dimensões cultural e
em um sistema de comunicação não é a social.
técnica. Vale lembrar, aqui, que o autor Ao final desse capítulo de introdução,
con si de ra que não há uma teoria da vale ressaltar algumas dúvidas que o
co mu ni ca ção sem uma teoria implícita mesmo suscita e que acompanharão todo
ou explícita da sociedade. Ainda o autor o texto do livro. Em primeiro lugar, ao que
afirma que o objetivo das novas técnicas de pa re ce, os “três objetivos” (WOLTON,
comunicação é separar a comunicação do 2000, p.20, trad. por Sandra Portella
problema da produtividade. Montardo) a se rem perseguidos pelo
Os três objetivos visados pelo autor, postos antes dos “dois objetivos
autor neste livro são: contribuir para uma teóricos” (WOLTON, 2000, p.24, trad.
re va lo ri za ção teórica da comunicação, por Sandra Portella Montardo) descritos
tratando-a como um valor essencial do anteriormente, são igual men te teóricos.
nosso patrimônio cultural e não somente Afinal, o que não seria teórico em um livro
como uma ques tão tecnológica ou de que se destina a destacar a importância de
mercado; defender uma reflexão sobre a um posicionamento crítico frente às novas
televisão, devido ao seu papel central em tecnologias da comunicação?
uma teoria da comunicação na democracia Mais uma vez, parece necessário
de massas; e, finalmente, tocar o sinal de per gun tar-se para quem é endereçado
alarme para a Europa, no sentido de que este livro. Para os estudiosos na área, para
este continente tem todas as condições os políticos, para os jornalistas, para os
para tomar atitudes críticas frente às novas industriários, para quem utiliza os meios
tecnologias mas, assim mesmo, não se de comunicação, sejam eles de massa
diferencia da visão norte-americana sobre o ou não? Trata-se de um documento pela
tema, ao adotar o discurso ideológico de se defesa de um sistema de regulamentação
tornar “a primeira sociedade da informação dos meios de comunicação e das novas
e da comunicação” a qualquer custo. tecnologias de co mu ni ca ção? Ou de
Já quanto aos dois objetivos teóricos, um manual a ser des ti na do para o
Wol ton destaca o de restabelecer o grande público, mostrando-lhe a postura
vínculo en tre teoria da comunicação e correta frente às novas tec no lo gi as da
teoria da so ci e da de, bem como o de comunicação?
reavaliar a problemática das massas e da O mesmo acontece com a palavra
quantidade. O primeiro desses objetivos comunicação. Ainda que este capítulo de
diz respeito ao receptor, no sentido de que introdução sugira que comunicação tem
este é freqüentemente considerado como a ver com um conceito sociológico que
manipulável pelos meios de comunicação, combina a dimensão técnica, um projeto

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social e um modelo cultural, algumas vezes de comunicação de massas e o sufrágio
esse termo é reduzido apenas como uma universal na política.
dessas dimensões. O primeiro parágrafo Na recente história da comunicação,
do próximo capítulo demonstra esse ponto. Wolton destaca duas revoluções: a dos
Além disso, o texto também é obscuro meios de comunicação de massa e a das
quanto à uti li za ção do termo “novas novas tecnologias de comunicação, a
tecnologias da comunicação”, conforme multimídia. Enquanto a primeira atingiu o
veremos adiante. grande público, esta última individualiza
Com certeza, o esclarecimento dessas cada vez mais o seu acesso. Ao mesmo
questões facilitariam o entendimento de tempo que admite que a comunicação está
al guns termos utilizados, ampliando a em constante mudança, há um século, o
compreensão da obra como um todo. Ainda autor aponta para um “pacto” feito com as
que para isso, talvez, fosse necessário tecnologias e com a técnica que parece
re du zir o es pec tro de abrangência do obrigar a todos a entrarem em um ritmo
mesmo. Pois, por exemplo, alguns trepidante.
conceitos parecem referir-se a questões Vale notar, no entanto, que esse
diferentes em momentos diferentes do livro.“pacto” com a técnica deve ser o mesmo
Ocorre, dessa maneira, uma dispersão que deu origem ao aparecimento dos
acerca de assuntos relevantes para a meios de co mu ni ca ção de massa. E
nossa época, com relação aos quais se “pacto” faz referência a duas partes
Wolton demonstra apurada sensibilidade. interessadas, uma dela é o público, ou
melhor, o usuário dessas novas tecnologias
individualizantes. A outra, Martin Heiddeger,
1 A comunicação no centro da ao pensar a questão da técnica, parece ter
modernidade se arrependido de tentar nomear.
Segundo Wolton, a “história da
Da invenção do telefone à da informática, comunicação é tão antiga quanto a do
a comunicação tecnológica tem cerca de homem” (Wolton, 2000, p.36, trad. por
um século, sendo, atualmente, um setor Sandra Por te lla Montardo), enquanto a
vital nas sociedades contemporâneas. das tecnologias é mais recente. Dada a
Para o autor, a grande diferença entre a facilidade de adaptação dos homens às
comunicação do século XX, que é capaz de novas tecnologias, que deve acelerar-se
transmitir som e imagem, e a da imprensa ainda mais, o autor estranha a falta de
é a de ter atingido todos os públicos. Com discussões e mesmo de controvérsias a
isso, essa comunicação atingiu todos os respeito. E isso porque, para ele, criticar as
meios sociais e culturais. novas tecnologias soa como uma afronta
Considerando como símbolo da ao progresso.
sociedade atual o tríptico sociedade de Mais uma vez, surge a dúvida quanto
consumo, democracia de massas e meios à utilização do termo comunicação. Que
de co mu ni ca ção de massas, Wolton tipo de história da comunicação é tão
admira-se ao afirmar que se tem pensado antiga quanto a do homem? Se o homem
pouco a res pei to da quantidade e das é pré-histórico e a história teria surgido
massas. Daí a importância de incluir a com o aparecimento da escrita, do que o
questão das novas tecnologias em uma autor estaria falando? Afinal, comunicação,
teoria geral da comunicação e dos meios para ele, não teria a ver com a dimensão
de comunicação de massa, para que se técnica, com projeto social e com um
entenda seus limites e interesses. Até modelo cultural? Não seria uma questão
porque o autor admite, em uma mesma que está no cen tro da modernidade,
ordem cultural, o grande público dos meios conforme o título do capítulo indica?

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A tendência em identificar a de influência e de manipulação. Para que
“sociedade do amanhã” com a “sociedade o entendimento fosse facilitado, caberia
da informação ou da comunicação” reflete colocar quando e por quem exatamente a
a tendência de reduzir-se comunicação à comunicação tem sido identificada como
tecnologia. Quanto a isso, Wolton ressalta influenciadora e como manipuladora.
sua hipótese de que uma tecnologia O autor organiza esta desconfiança
de comunicação só ocupa lugar central quan to à comunicação em quatro
em uma so ci e da de “porque simboliza, mo men tos, os quais distribuem e
ou catalisa, uma ruptura radical que sugerem mais re fe rên ci as ao conceito
existe simultaneamente na cultura dessa de comunicação. O primeiro relaciona-se
sociedade” (WOLTON, 2000, p. 38, trad. com o descarte de atenção teórica sobre
por Sandra Portella Montardo). a comunicação em es ca la individual.
O autor francês ainda atribui à falta Esta teria sido sinônimo de qualquer
de reflexão sobre a televisão, os meios de experiência humana, da possibilidade de
comunicação e as novas tecnologias, a contato do homem com o próximo e com
continuidade das inovações tecnológicas. o mundo. Afinal, a comunicação começou
Com a evidência da falta de reflexão sobre a ser estudada há apenas um sé cu lo,
a comunicação, Wolton associa o fato de aproximadamente, tendo sido identificada
que esta tenha se tornado interessante para com o movimento de liberação do indivíduo.
a ideologia da tecnologia e a de mercado. O que todavia não veio a significar a sua
Ou seja, se as tecnologias de comunicação valorização efetiva, pro va vel men te, no
são destaque desta última, sua essência plano teórico.
é o modelo cultural que transportam, o Já a comunicação em grande escala,
projeto relacionado com este, e, assim, a a partir da comunicação interpessoal, tem
organização do sistema de comunicação como marco da desconfiança a tentativa de
de uma sociedade. manipulação e a influência de modo geral.
O resultado deste quadro, para Relaciona-se com a luta pela democracia
ele, é a entrada do setor privado nas e co in ci de com o aparecimento da
telecomunicações, os canais temáticos, a imprensa. Num terceiro momento,
televisão a cabo e a desregulamentação. tem-se os mei os de comunicação de
Frente a isso, o autor chega a afirmar massas, principalmente rádio e televisão,
que, em comunicação, é a técnica que no que se referem ao medo da manipulação
define o conteúdo. Uma afirmação assim e à desconfiança quanto à quantidade.
demandaria delimitação, contextualização O quarto momento seria o do
e, até mesmo, de mons tra ção, dado o sur gi men to das novas tecnologias,
contrato que o autor faz com o leitor de re pre sen tan do, mais uma vez, para
basear-se em hipóteses claras e precisas muitos, a solução para os problemas de
ao escrever o livro. Com isso, o autor comunicação in ter pes so ais, acentuando
reitera a pertinência em se perguntar a individualização do acesso às suas
pela posição da comunicação na cultura ferramentas.
ocidental. Tem-se, então, que o objetivo continua
Com relação ao já consagrado sen do o de mediatizar a comunicação,
de sin te res se teórico a respeito da que é sempre ambígua, no plano da
comunicação, Wolton ressalta o paradoxo experiência, com conhecimentos. O que
da comunicação: ao lado dos conceitos significa diferenciar comunicação normativa
de liberdade, igualdade e fraternidade, no da co mu ni ca ção funcional, separar as
plano da política, está a comunicação. No promessas e a realidade, bem como o irreal
entanto, esta nunca adquiriu legitimidade, da comunicação e suas promessas. Trata-
antes sendo identificada com transferência se, enfim, de investigar a comunicação

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como questão de valor na questão das Aqui, Wolton identifica mais um paradoxo:
quantidades em sociedades abertas. Para o do silêncio teórico frente à questão da
entender, assim, que comunicar mais e realidade e da realidade virtual, uma das
mais rapidamente não significa comunicar questões mais ruidosas concernentes
melhor. às novas tecnologias de comunicação.
Outro fator que colabora com Deve-se pontuar, en tre tan to, que essa
a ale ga da desconfiança frente à questão deve ser contemporânea desde
comunicação é a posição da imagem. Os o surgimento da imprensa, sen do que
trabalhos teóricos sobre a imagem, da o público desde então lida com essa
semiologia à an tro po lo gia cultural, nos possibilidade. O que garantiria, além disso,
últimos cinqüenta anos, parecem não ter que, principalmente na nossa época, o
sido suficientes para aproximar as reações virtual não seria, democraticamente, mais
contrastadas que esta suscita. Ou seja, a interessante para esse público?
de paixão desenfreada, pelos fabricantes Em seguida, Wolton relativiza o
de imagem, e a desconfiança das elites. si lên cio teórico sobre a comunicação,
Como se não tivesse ficado claro, por meio tendo em vista a falta de demanda pelos
destes estudos, que da imagem, que é muitos li vros e artigos já publicados a
heterogênea, extrai-se muitos significados. respeito. Em contraponto, o autor situa
Em tempo, pergunta-se se o autor os inúmeros dis cur sos que exaltam as
fala em elite econômica, cultural, intelectual novas tecnologias de maneira acrítica. De
ou todas ao mesmo tempo. E ainda, que advogados, juízes, passando por técnicos,
independente de qual dessas elites se trate, engenheiros, pu bli ci tá ri os, estrelas da
elas também devem ser apaixonadas pelas televisão, especialistas em audiência,
imagens. Afinal, os canais temáticos, bem jornalistas e empresários, o autor ouve
como as demais tecnologias acessíveis discursos muito próximos. Entre os quais,
individualmente, são dirigidos, mercadologi os que oscilam entre a defesa do setor
camente, para elas. privado de comunicação, bem como da
Para construir a distância teórica entre continuidade da desregulamentação desta,
o objeto, a imagem e a análise, Wolton assim como as duras críticas aos meios de
sugere a observação dos quatro seguintes comunicação de massas, acompanhadas
fenômenos: valorizar o contexto histórico, pela celebração à individualidade e
reconhecer a dimensão crítica do receptor, à interatividade de acesso às novas
compreender que a imagem não é única e, tecnologias.
finalmente, entender que sem imaginação Este não é o único capítulo em que
não há imagem. Em resumo, assim como Wolton falará da necessidade do fim da
em qualquer outro processo comunicativo, des re gu la men ta ção em comunicação.
o indivíduo é livre para interpretar a No entanto, é válido o questionamento
ima gem, na medida em que diversos que percebe a possibilidade de que os
fatores estão interligados. interesses comerciais, na visão do autor,
No entanto, com o advento das novas res pal da dos pela técnica, continuem a
tecnologias de comunicação, Wolton alerta estabelecer os critérios no caso de uma
para um perigo com relação à imagem. regulamentação do setor.
O autor sustenta que deve haver uma Para finalizar, o autor observa três
carta de regulamentação internacional ca rac te rís ti cas da comunicação que
que diferencie o que é realidade do que é fazem alusão ao contra-senso do qual foi
realidade virtual. Isso em todas as etapas objeto primeiramente a televisão e, hoje,
de pro du ção da imagem, da difusão as novas tec no lo gi as de comunicação.
até a recepção, sob o risco de obter-se Pode-se ob ser var, aqui, um curioso
conseqüências culturais e políticas graves. desmembramento da di men são técnica

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da comunicação com relação ao projeto que contraria os fundamentos das teorias
social e ao modelo cultural, aos quais a comunicativas que alegam a manipulação
comunicação também se refere. dos emis so res sobre os receptores do
Assim, tem-se que, da mesma processo de comunicação. Afinal, “olhar
maneira que a comunicação, a televisão não significa obrigatoriamente aderir ao
nunca ob te ve le gi ti mi da de cultural nem que se olha” (Wolton, 2000, p. 70, trad. por
intelectual. Por ou tro lado, percebe-se Sandra Portella Montardo).
que as práticas, em comunicação, mudam Nesse sentido, Wolton faz um
menos ra pi da men te que os discursos. elogio da banalidade quanto ao uso da
Afinal, o número de usuários da internet televisão. E isso no sentido de que esta
é inexpressivo fren te ao dos meios de assuma o papel de abrir ao mundo, tanto
comunicação de massa, ape sar do a experiência pessoal como o acesso
incentivo constante. Finalmente, o autor à história. No en tan to, esta abertura
reitera a idéia de pensar a comunicação ao mundo, se dá pelo espetáculo, não
em termos da proposição de um modelo devendo ser a televisão uma escola de
de comunicação que contemple uma imagens.
so ci e da de aberta com o problema das A distância tomada pelas elites
identidades debilitadas. Uma reflexão sobre cul tu rais e intelectuais da televisão
essa questão é posta no próximo capítulo. demonstrar , para o autor, a dificuldade em
2 – Meios de comunicação geralistas e compreender os três grandes problemas
grande público da modernidade. Problemas que são: a
A televisão geralista é um sucesso comunicação, a quantidade e a relação
popular. Por outro lado, não tem nenhuma entre esfera privada e esfera pública em
le gi ti mi da de cultural, nem intelectual, uma sociedade aberta.
junto às elites culturais. E isso devido ao Ligada a essa falta de reflexão sobre
fantasma da manipulação, bem como o de a televisão está a dificuldade em se pensar
baixar o nível cultural pela programação. a sociedade contemporânea, diz o autor. E,
Elites estas que sempre lutaram pela por conseqüência, entender que em duas
democracia, sem se dar conta de que a gerações passou-se de duas culturas, a de
televisão correspondia, em parte, ao ideal elite e a de massas, para quatro formas de
democrático. Isso na me di da em que cultura: a cultura de elite, a mediana, a de
permite o acesso de grande quantidade massas e a particular.
de público à informação, à cultura e à Pode-se dizer que há, realmente, uma
informação. ligação entre a dificuldade em se pensar
O sucesso da televisão pode ser a sociedade moderna e, com isso, as
tam bém percebido com os avanços tecnologias produzidas pela mesma. Muitos
surgidos com as novas tecnologias. Os pen sa do res, ao abordar essa questão,
aparecimentos do cabo e, mais tarde, dos a co me çar por Friedrich Nietzsche, de
canais te má ti cos dividem o público em uma forma ou de outra, apontaram para
três partes desiguais: o maior para a TV a fragmentação do indivíduo, da cultura,
geralista, o intermediário para serviços de da vida como fatores relacionados a
cabo e um ainda menor para os serviços tal dificuldade. O mais curioso é que o
multimídia. autor, logo em se gui da, faz menção à
O autor ainda identifica o duplo fragmentação. Isso ao tornar identificável
mo vi men to de uso da programação da quatro tipos de cultura.
te le vi são e decepção com a mesma, Evocar a questão da televisão
simultaneamente, com a liberdade crítica geralista é cada vez mais difícil sem haver
da recepção junto a sua deslegitimidade. o contraponto com a televisão temática.
Liberdade crítica esta apontada por Wolton, Esse contraponto, por sua vez, traz à tona

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aspectos referentes à lógica da oferta e receptor. Já a racionalidade e a eficácia
à lógica da demanda. Ao contrário dos da televisão temática não possibilitam esta
discursos correntes, Wolton considera mais constatação, ainda que sejam necessárias
importante ampliar a oferta e a qualidade as suas existências a título de contraponto.
da programação da televisão geralista para Ainda segundo o autor, privilegiar uma
que se constitua marcos de compreensão concepção de grande público da televisão
do mundo sobre os quais a demanda possa é inscrevê-la na questão da democracia.
se manifestar. E também identificar esse público com
Por outras palavras, a lógica da o sufrágio universal na política. Ou seja,
demanda, que também se relaciona com todo o julgamento de indivíduo passível
o acesso à internet, opõe-se diretamente de manipulação pela televisão conferido
à da oferta. E isso porque uma demanda ao telespectador deve ser estendido ao
segmentada, cada vez mais, tem significado cidadão que, por sua vez, escolhe os seus
um número maior de consumidores, o representantes na sociedade. Quanto a
que vem a contentar o mercado crescente esse ponto, caberia investigar mais a fundo
dos produtos e serviços tecnológicos da se a questão da quantidade ligada ao
comunicação. conceito de democracia não suscitou, em
É justamente por pensar que uma algum momento, a mesma impressão que
teoria do público pressupõe uma teoria da o conceito de grande público suscita hoje
televisão e, em seguida, uma representação para o meio intelectualizado.
da sociedade, que Wolton alerta para o Por fim, o autor também atribui à
papel social da televisão geralista. A esta te le vi são geralista o objetivo essencial
caberia, também, a prestação de serviços do “estar juntos de uma coletividade”, ao
públicos e da manutenção, ou até mesmo, con trá rio da interatividade individualista
do reforço das identidades nacionais. A das novas tecnologias da comunicação.
inscrição da televisão no setor privado, Com isso, o autor afirma que a televisão
que é orientado pela audiência e pelos serve para reunir indivíduos e públicos
investimentos publicitários, ameaça esse que em situações sociais normais estariam
papel social da televisão. separados, oferecendo-lhes, com isso, a
No entanto, é interessante para possibilidade de participar individualmente
os anun ci an tes que haja audiência em uma atividade coletiva. O que faz da
para os programas televisivos a serem televisão um instrumento de conversação.
patrocinados ou pela faixa de horário que Para finalizar, o capítulo sobre
se deseja anunciar. Pode-se dizer, então, os meios de comunicação de massa e
que audiência significa pessoas que se grande pú bli co destaca um manifesto
identificam com um determinado tipo de redigido pelo autor a respeito do papel
programação. Ou, por outras da televisão ge ra lis ta hoje, contando,
palavras, com uma determinada estética, também, com alguns alertas para o futuro.
com uma determinada visão de mundo Estes pontos orientaram o Comitê Francês
veiculada. O que, de um jeito ou de outro, de Audiovisuais, criado em 1993, com o
faz sentido quando se fala em assegurar objetivo de defender a televisão geralista
uma identidade nacional, segundo a lógica pública.
do autor. Nesse manifesto, Wolton destaca
Outro aspecto interessante da a res pon sa bi li da de de quem dirige e
te le vi são geralista é a sua capacidade produz para televisão, dado o seu papel
de de mons trar as dificuldades da social e cultural, além da importância
comunicação. Isso, principalmente, por da regulamentação do setor audiovisual
tornar constatável as diferenças entre as devido à abundância das imagens. O autor
lógicas do emissor, da mensagem e do defende o equilíbrio entre setor privado

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e público em televisão, sendo que em como se fossem o sinônimo de progresso
um ou outro sistema deve prevalecer, em e de desenvolvimento da “sociedade do
termos de audiência, o modelo geralista amanhã”. No en tan to, Wolton vale-se
de televisão. Assim, caberia aos canais de antigas promessas tecnológicas para
temáticos complementar a programação demonstrar que a sociedade muda menos
dos canais ge ra lis tas. Em todos os que os discursos sobre ela.
aspectos relativos à te le vi são, Wolton Ao invés dos termos “mudança”,
destaca a influência da ideologia da técnica“trans for ma ção”, “revolução” das novas
e do mercado. tecnologias, o autor associa a essa questão
Vale ressaltar que algumas dessas o termo de transferência. Ou seja, existem
me di das parecem pouco democráticas, atualmente novos suportes técnicos para
um valor defendido pelo autor. Determinar que se trate de símbolos e utopias que
que a audiência de um tipo de televisão sempre fizeram parte da vida social. O
deva prevalecer sobre o outro parece fato de que internet signifique autonomia,
problemático nesse sentido. No entanto, organização e velocidade é o que alimenta
a in flu ên cia do que o autor denomina a idéia de um espaço transparente, sem
a ideologia da técnica e a de mercado hierarquias ou exigência de competência.
sobre o setor audiovisual encarrega-se Assim, a internet torna-se a figura de uma
disso. Isso, na medida em que os canais sociedade onde os homens são livres para
temáticos atin gem e deverão continuar emancipar-se a si próprios.
atingindo uma parcela significativamente As novas tecnologias da comunicação,
menor do que a audiência da televisão entre as quais tem destaque a internet,
geralista. na verdade, exigem competência para a
se le ção das informações que dispõem,
2 As novas tecnologias, o indivíduo e a cor res pon dem a uma necessidade de
sociedade atuar dos indivíduos, além de animar a
Pode-se dizer que este capítulo capacidade de criação. Quanto a este
des ti na-se a relativizar a importância último aspecto, a rede lança a busca
e o alcance das novas tecnologias de por estilos e formas que expressam
comunicação, no sentido de apontar suas a modernidade. Por outro lado, a
limitações e seus interesses. Num primeiro rede alimenta a utopia de uma nova
momento, o autor aborda os triunfos das so li da ri e da de mundial, dizendo respeito
novas tecnologias de comunicação. à ecologia, por exemplo. Ou seja, a rede
Assim, o autor começa por situar as é também um suporte para quem deseja
novas tecnologias de comunicação em construir um mundo melhor, mostrando que
uma lógica da demanda, ao contrário da sociedade global possa não se relacionar
televisão, do rádio e da imprensa, que se somente com globalização econômica.
orientam por uma lógica da oferta. Em Ao falar sobre o conteúdo da internet
seguida, o autor observa que, ainda que (a rede, Usenet, o IRC, o FTP, etc.),
não haja uma hierarquia entre os meios Wolton esclarece o serviço que se destaca
de comunicação de massa e as novas junto ao grande público é a rede. A partir
tecnologias da comunicação, tampouco há dessa dis cri mi na ção, surgem algumas
uma equivalência entre ambos. dúvidas quanto à pertinência de utilizar-
Mais uma vez, Wolton critica os se rede e internet como sinônimos. No
dis cur sos dos políticos, dos meios de entanto, isso acontece. Entre a oferta
co mu ni ca ção e das elites relativos às organizada de serviços disponíveis pela
novas tec no lo gi as de comunicação. rede estão: aplicações de informações e
Principalmente pela exaltação que o autor de serviços de utilidade pública, aplicações
julga apressada dessas novas tecnologias, do tipo ócio (jogos interativos em rede

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e vídeos), in for ma ções-acontecimento Já sobre a informação disponibilizada
(disponibilizados por agências de pela rede, Wolton identifica o
notícias e por jornais e por profissionais re a pa re ci men to da desigualdade. Seja
especializados) e informações- social, pela segmentação dos conteúdos
conhecimento (bancos de dados acessíveis especializados, seja pelo dinheiro que se
por meio de pagamento). deve dispor para que se acesse muitas
O sucesso da rede deve-se ao fato de dessas informações. Já aqui, uma outra
que o campo da informação se amplia cada interpretação é possível. Por exemplo, o
vez mais, diversificando-se e integrando- percentual de pessoas que têm acesso às
se a novas dimensões. Junto a isso, os informações especializadas disponibilizadas
provedores potenciais são numerosos e pelas novas tecnologias de comunicação,
com pe tem por novos mercados. Pode- número pro va vel men te próximo ao do
se notar que o problema da rede não é percentual de alfabetizados no século XVIII,
a crescente oferta de informações, mas são tão ou mais livres do que os leitores
a criação da obri ga ção de estar bem da imprensa em sua origem, conforme a
informado vinte e quatro horas por dia. lógica do autor. A questão do conceito de
Dito isto, fica claro que, na rede, igualdade continua em suspenso.
a ofer ta supera a demanda do grande Frente à concentração das atividades
público. E, já que se conhece pouco das que antes eram possibilitadas por terminais
necessidades da demanda, a organização diferentes (televisão, rádio, telefone,
da oferta pode ser observada quanto à imprensa, etc.) apenas no computador, o
natureza dos serviços oferecidos. Por au tor comenta as diferenças existentes
outras palavras, observando-se uma lógica entre meios de comunicação de massa e a
técnica, por parte das aplicações, e uma rede.
lógica social, que visa a dar conta das Quanto aos meios de comunicação de
supostas necessidades dessa demanda. massa, Wolton observa o vínculo que deve
Provavelmente, Wolton sugeriu existir necessariamente entre emissor,
essa chave de análise sobre a oferta de mensagem e receptor. Desse modo, há
informações pela rede por ter constatado a pres su po si ção de que cada meio de
a falta de vínculo entre os quatro tipos comunicação de massa esteja vinculado a
de serviços mencionados. Nessa falta de uma comunidade de língua, de valores e de
vínculo, Wolton identifica, também, a falta referências. Com o que se torna necessária
de uma unidade teórica. a reflexão sobre a demanda e o público
Contrapondo os meios de ao qual se destina. Além disso, os meios
comunicação de massa e a rede, o autor de comunicação de massa promovem a
associa o ideal democrático aos primeiros. relação entre a escala individual e a escala
E isso porque, desde o século XVIII, a coletiva.
informação insere-se em um contexto que Já quanto à rede, esta se resume,
leva em conta o indivíduo e a democracia. em grande medida, a um sistema
Assim, em nome da igualdade e da de trans mis são e de acesso a um
liberdade, a informação deve divulgar a gigantesco número de informações. Por
realidade, cha man do o indivíduo à ter abrangência mundial e usuários com
atuação. Vale a pergunta que busca pela potencial de assim sê-lo e, ainda, por ser
recepção da imprensa dessa época. Por orientada por uma lógica da demanda,
outras palavras, qual era o per cen tu al a rede deixa de ser caracterizada como
de alfabetizados entre a população das meio de comunicação de massa. Enquanto
cidades que testemunharam o nascimento identifica os meios de comunicação de
da imprensa? E, também, a que conceito massa com uma preocupação acerca
de igualdade fazia referência a imprensa? da melhora das relações interpessoais,

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Wolton liga a rede mais a um interesse de único modo de salvar a rede, já que não
desenvolver a economia-mundo. vê relação imediata entre acesso direto à
Pensar a relação do indivíduo frente informação e democracia. Como solução
aos novos meios de comunicação é dar- desse quadro, o autor sugere a intervenção
se conta, basicamente, de que as novas de intermediários de qualidade que
tecnologias de comunicação não resolvem verificassem as informações que circulam
o pro ble ma da comunicação. Como pela rede, bem como a sua utilização.
exemplo, Wolton cita as solidões interativas Pelo contrário, ao perceber a
proporcionadas pela rede, que em nada in dis tin ção en tre consumidores e
garantem uma boa comunicação com o cidadãos na internet, o autor alerta para a
próximo. incompatibilidade entre a lógica comercial
Também a questão do tempo é tocada e os direitos do homem. Assim, cada vez
no que tange à falta de relação entre o mais deve ser levada em conta a defesa
presente eterno das novas tecnologias e da comunicação nor ma ti va frente à
a experiência humana. Já a transparência comunicação funcional, tão em moda com
das relações que supostamente seriam as novas tecnologias de co mu ni ca ção.
mais diretas, revela uma série de filtros, No entanto, vale destacar que uma
proibições ou signos de distinção para regulamentação da internet que significasse
proteção das relações no ciberespaço. segurança total quanto à veracidade das
No entanto, o pe ri go maior é uma informações talvez a identificasse ainda
provável vitória total da racionalidade dos mais com uma comunicação fun ci o nal,
sistemas técnicos que ani qui las sem o criticada pelo autor.
ruído da comunicação. Aqui sim ter-se-ia
uma substituição da co mu ni ca ção pela
informação, com todos os danos possíveis. 3 Escapar para a guerra dos meios de
Outro ponto ressaltado por Wolton comunicação
é o da relação dos novos meios de
comunicação entre comércio e democracia. Visando a descartar o desvio da discussão
O autor começa falando que a questão sobre meios de comunicação de massa e
do número sem pre incomodou quando novas tecnologias de comunicação para
relacionado com os meios de comunicação ve lhas problemáticas, Wolton propõe
de massa. No entanto, é motivo de festa duas pre mis sas para o tratamento do
quando se refere ao número de usuários da tema. A pri mei ra seria a de evitar a
rede. definição tec no ló gi ca de comunicação,
Para Wolton, pensar em grande privilegiando a definição que a contempla
pú bli co dos meios de comunicação como combinação entre as dimensões
requer recorrer a uma teoria da cultura, tecnológicas, sociais e culturais. A segunda
que se analise a relação entre política e declara que não há opo si ção entre os
cultura no seio da democracia de massas. meios de comunicação de massa e entre as
Isso tudo para que não se reduza a novas tecnologias de comunicação, já que
questão do grande público ao número de ambos os tipos de suportes técnicos lidam
consumidores, como acon te ce com os com a relação contraditória entre escala
usuários da rede, segundo Wolton. individual e a escala coletiva. Os primeiros
O autor também critica a falta de dirigindo-se ao grande público e as últimas,
re gu la men ta ção das informações que para o acesso individual.
abastecem a rede, situação que instala Entre os objetivos comuns aos
uma cons tan te insegurança quanto à meios de co mu ni ca ção de massa e
veracidade das mesmas. Wolton defende às novas tec no lo gi as de comunicação
o controle da informação como sendo o está a necessidade de reflexão sobre a

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comunicação, valorizando a importância da política audiovisual. Em seguida, os meios
regulamentação da mesma. Para o autor, a de comunicação de massa não deveriam
desregulamentação do setor pode significar deixar-se levar pela idéia da supremacia da
a regulamentação do mesmo pelo mercado. demanda em relação à oferta audiovisual,
No entanto, nada assegura que o mesmo defendida pelo discurso tecnológico. A
aconteça em nome de uma regulamentação regulamentação da televisão, em nome
do setor. do ideal democrático, também deve ser
Nesses termos, observa-se estabelecida, dado o impacto das novas
também a ques tão da relação entre a tec no lo gi as. E, finalmente, a televisão
comunicação funcional, que diz respeito deveria ser valorizada em termos de
à es tan dar ti za ção das aplicações qualidade na programação e por parte dos
tecnológicas pelo mundo, e a comunicação profissionais, por exemplo.
normativa, que concerne à preservação Já às novas tecnologias de
das identidades culturais. Segundo Wolton, co mu ni ca ção ca be ria pensar na
deve-se evitar que a mundialização da importância em se formular um projeto
comunicação, ao con fun dir tec no lo gia e um modelo cultural de comunicação,
e conteúdo, simbolize uma vitória da uma vez que tecnologia não basta para
comunicação funcional. criar a comunicação. Nesse sentido, deve
Da mesma forma, a reflexão sobre a prevalecer a preocupação no que toca à
sociedade individualista de massas, que comunicação internacional, visando à busca
deve gerir a contraditória relação entre da intercompreensão entre os homens. A
igualdade e liberdade, é questão que diz questão da regulamentação volta à tona,
respeito tanto aos meios de comunicação num alerta de que, tão importante quanto
de massa quanto às novas tecnologias poder acessar a todo tipo de informações,
de co mu ni ca ção. As duas gerações de é saber exatamente o que se está
tec no lo gi as da co mu ni ca ção também acessando. Por fim, deve-se contextualizar
não devem deixar de lado a questão da o surgimento das novas tecnologias na
concepção qualitativa da recepção. história dos meios de comunicação. Isso
Dentre estes objetivos comuns para que se possa entender melhor as
propostos por Wolton, um ponto que não razões de seu aparecimento, identificar
foi abordado até então é o quinto e último. suas forças e debilidades, além de tornar
Trata-se da utilização da televisão com pos sí vel com pa rá-las aos meios de
o fim educativo de sensibilizar o grande comunicação de massa.
pú bli co para as novas tecnologias da Frente a isso, Wolton esclarece que
co mu ni ca ção. Afi nal, se a televisão é pensar na comunicação é, antes de tudo,
privilegiada como sendo a mediadora do fugir do discurso que opõe a revolução
mundo para grande número da pessoas, das novas tecnologias da comunicação ao
não deve estranhar que o autor proponha arcaísmo dos meios de comunicação de
que ela também seja a grande mediadora massa. Para tanto, deve-se lembrar que
do mundo multimídia. Entretanto, com isso, comunicação não se reduz à tecnologia,
poderia haver uma certa perda quanto ao tendo a ver com experiência da duração,
seu caráter de banalização do seu uso, com distância, com silêncio e, também,
elogiado por Wolton, vale lembrar. atestando os limites da interatividade.
Em termos das preocupações das Pesquisar sobre os serviços
quais os meios de comunicação de massa oferecidos pela internet e quais destes são
encontram-se quatro pontos principais. Em realmente utilizados pelos usuários é outro
primeiro lugar, deveria ser afirmada a forte ponto destacado pelo autor. Isso no sentido
ambição da televisão pública na Europa, de verificar qual é a margem de manobra
apoiada em uma igualmente ambiciosa dos receptores das novas tecnologias de

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comunicação. Por fim, reexaminar a história representar um fator de desestabilização e
das utopias em torno da comunicação no de fragilidade das identidades pelas partes
decorrer dos séculos é outra alternativa envolvidas. O capítulo de conclusão do
para entender a conexão entre as mesmas livro, destaque no próximo item, reforça
e as inovações tecnológicas. esse ponto.

4 O deserto europeu da 5 Concluindo


comunicação
Após resumir os tópicos do livro em dez
A construção de uma “comunidade pontos, o autor aproveita o capítulo da
internacional”, tão discutida atualmente, conclusão para destacar os últimos três
e a re la ti vi za ção da “mundialização da itens referentes à comunicação nessa
co mu ni ca ção”, são os temas do último época de novas tecnologias.
capítulo deste livro. Mais especificamente, O primeiro ponto faz referência
o au tor utiliza o exemplo do projeto à fas ci na ção do Ocidente pelas novas
político europeu para ilustrar o papel que a tecnologias de comunicação, a ponto de
comunicação assume em termos de mediar acarretar o equívoco nas análises. Quanto
povos diferentes e culturas diferentes ao a isso, o autor fala da confusão que há em
pretender-se construir a União Européia. torno do alinhamento de praticamente todas
Trata-se de trezentos e setenta as tecnologias de comunicação até então
milhões de indivíduos, de quinze países em um único terminal de computador, por
di fe ren tes, que falam onze idiomas exemplo, com a pretensa equivalência de
diferentes, os quais devem se identificar, conteúdos veiculados. Nesses termos, o
mais efetivamente, com a União Européia. que importa realmente para o autor é o que
É certo que as medidas institucionais que permanece de diferente entre as culturas,
já estão em curso, no que dizem respeito apesar de todas as possibilidades técnicas
às questões econômica e política, por de alinhamento.
exemplo, ace le ram esse processo. No Ainda nesse sentido, Wolton
entanto, o sucesso do projeto europeu descarta a possibilidade da existência
depende da adesão dos povos ao mesmo, de qualquer tipo de comunicação sem
o que exige a to le rân cia mútua e a que haja ruído. Seja qual for a utopia que
cooperação entre eles. acompanhe as tecnologias em questão.
Nesse sentido, cabe à dimensão Por fim, o autor contraria a idéia de que
normativa da comunicação permitir que as tecnologias de comunicação obedeçam
se ponha em prática não a superação das à seguinte hierarquia: o telefone, o rádio,
diferenças das culturas que estão em jogo, a televisão, o com pu ta dor, os novos
mas a busca pelo meio de administrá-las meios de comunicação. Na verdade, essa
melhor. A comunicação, então, pode ser hierarquia refletiria a ordem cronológica de
uti li za da, si mul ta ne a men te, em termos aparecimento desses meios. Na opinião
da ma nu ten ção das identidades e no do autor, o telefone e o rádio seriam os
desenvolvimento de um projeto mais amplo meios mais importantes entre os demais,
que transcenda tais diferenças. pois fazem lembrar da im por tân cia do
Como sendo o maior paradoxo da som e da voz para toda troca. Além disso,
“revolução da comunicação”, então, o autor esses meios fariam os homens lembrarem
fran cês ressalta: somente a dimensão também de que é mais im por tan te
normativa da comunicação pode relativizar entenderem-se do que se verem.
os perigos de uma “mundialização Feito o resumo comentado dos cinco
da co mu ni ca ção”. Esta, que poderia capítulos do livro, além da sua introdução e

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conclusão, cabe que se exponha os últimos da modernidade tratados. Por exemplo,
comentários. classificar a seg men ta ção de acesso
proporcionada pelas novas tecnologias de
comunicação com a questão da técnica e
6 Mais alguns comentários com a ideologia de mercado e não fazê-lo
quando se trata de pontuar a passagem
Pode-se dizer que, no decorrer do livro, de dois tipos de cultura para quatro tipos
um ponto de destaque é o conceito parece conseqüência da falta desse
de co mu ni ca ção do autor, o qual deve esforço.
contemplar a dimensão técnica, um projeto Por outro lado, a dificuldade em se
social e um modelo cultural dominante. pensar a comunicação foi apontada por
Outro, é a tese de que a internet não é Wolton. Essa dificuldade até pode não estar
um meio de comunicação, por se orientar relacionada com a falta de reflexão acerca
pre do mi nan te men te por uma lógica da da televisão, como o autor sugere, mas
oferta, além de não se dirigir a um público certamente tem relação com a dificuldade
definido por região, por língua ou por de pensar em nossa época. Enfim, torna-se
valores específicos. Assim, a Internet é possível afirmar que todo pensamento que
identificada mais como um grande banco se queira formular quanto à comunicação
de dados e como uma grande viabilizadora deve levar em conta um horizonte mais
de serviços do que como um meio de vasto, que vem a ser a questão da técnica .
comunicação.
Frente a isso, o que causa estranheza
é o título do livro em questão. Ou, mais Referência
es pe ci fi ca men te, o subtítulo. Assim, a
que fa ri am referência os “novos meios WOLTON, Dominique. Internet, y después? Una teoría crítica
de comunicação” aos quais Wolton faz de los nuevos medios de comunicación. Barcelona: Gedisa
menção em “uma teoria crítica dos novos Editorial, 2000.
meios de comunicação”? Trata-se do papel
dos meios de comunicação de massa frente
ao aparecimento das novas tecnologias da
comunicação? Ou à internet?
Mais uma vez, faz-se necessário
o co men tá rio a respeito de algumas
con tra di ções presentes no texto. Vale
ressaltar que muitas delas poderiam ser
desfeitas por meio de um cuidado maior
na escolha dos termos utilizados. Com
isso, certamente o debate proposto pelo
autor seria enriquecido, na medida em que
seriam mais facilmente identificáveis os
principais tópicos tratados.
No mesmo sentido, um esforço maior
em compreender que os aparecimentos
dos meios de comunicação de massa e
das novas tecnologias de comunicação,
cada um em sua época, parecem fazer
parte de um mesmo processo ampliaria o
espectro de relações entre os problemas

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