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PASTORES TAMBÉM SOFREM

Pastors also suffer

João Rainer Buhr.1


RESUMO

Pastores também sofrem. Passam por situações de angústia ou medo como


qualquer outro ser humano. Essa verdade pode surpreender muitos membros
de igreja e pessoas da sociedade. A proposta neste artigo é mostrar que pastores
não são super-heróis, mas super-humanos como qualquer pessoa. A Bíblia
também ensina essa verdade. Quando os pastores assumem sua humanidade,
e a igreja aceita isso, há uma esperança para tratar do sofrimento dos líderes.

Palavras-chave: Pastores; Sofrimento; A humanidade dos pastores.

ABSTRACT

Pastors also suffer. They go through situations of distress or fear as any other
human being. This fact may surprise many church members and people
from the society. The proposal in this article is to show that pastors are not
superheroes but super-human as anyone. The Bible also teaches this truth.
When the pastors take their humanity and the church accepts this, there is
hope for dealing with the suffering of the leaders.

Keywords: Pastors; Suffering; The humanity of the pastors.

Um tema pouco mencionado nas comunidades evangélicas


é o sofrimento dos pastores. Provavelmente, uma parcela dos
membros das igrejas nem imagina que um pastor também passa
por angústias. Para esses, o pastor é o “ungido de Deus”, o que
lhe confere imunidade a sofrimentos. Ed René Kivitz, citado por
Marília César, argumenta: “Muitas igrejas evangélicas, em especial
as pentecostais e as neopentecostais, tratam hoje a sua liderança
como eram tratados os profetas do passado, com reverência

1 Mestrando em Teologia na Faculdade Teológica Batista do Paraná. E-mail:


joaorainer@gmail.com.

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intocável”.2 As ovelhas estão acostumadas a ver seu líder em
momentos bons como cultos, festas, congressos, reuniões e outros
eventos públicos, e o pastor parece sempre estar bem. Mesmo que
o encontro não tenha motivos para comemorações, como visitas
em hospitais ou funerais, lá está o pastor, aparentando muita
serenidade e calma, tranquilizando e expressando palavras de
conforto aos que sofrem. Poucos imaginam o que se passa nos
“bastidores”, na vida privada e familiar dos líderes. Parece que
o pastor não enfrenta as mesmas dificuldades que afetam os
membros. Ou se passa por problemas, eles não o abalam, afinal
de contas o pastor está muito mais próximo de Deus e treinado
para superar qualquer obstáculo que apareça em sua caminhada.
Todavia, a realidade não é tão bonita como parece. Assim
como médicos precisam de médicos, pastores também precisam
de pastores que cuidem deles, que os escutem e entendam.
Pastores estão sofrendo, muitos deles calados, enquanto tentam
ajudar as pessoas necessitadas à sua volta. Talvez essa afirmação
choque algumas pessoas. Nunca se imagina que um médico
cardiologista tenha um problema sério no coração, por exemplo.
Quando isso acontece, as pessoas ficam surpresas e abaladas.
Porém, o médico também é um ser humano sujeito a diversas
enfermidades, necessitado de cuidados. O mesmo vale para
pastores, que também são pessoas criadas por Deus, sujeitos aos
mesmos problemas e angústias enfrentados pelos membros e
pessoas da comunidade.
É verdade que ele é treinado para aconselhar pessoas

2 Apud CÉSAR, de Camargo Marília. Feridos em Nome de Deus. 1. ed. São Paulo:
Editora Mundo Cristão, 2009, p. 47.

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que enfrentam crises. Também se espera que ele tenha grande
intimidade com Deus e, por isso, esteja mais preparado para
enfrentar seus próprios desafios. No entanto, isso não garante que
o pastor nunca passará por dificuldades que o abalem. Também
não garante que sua família sempre estará em perfeita harmonia
e paz. A proposta deste artigo é mostrar que o sofrimento dos
pastores é algo real. Esse fato não pode ser ignorado.

Pastores sofrem?

Felizmente essa pergunta tem começado a intrigar pessoas


que convivem com pastores. Para estes, o sofrimento deles é algo
real, comprovado e soluções precisam ser buscadas. Uma das
pessoas que tem estudado o tema é José Cassio Martins, pastor e
psicólogo, que tem a seguinte opinião:

Cada dia se torna mais claro nas denominações em geral:


sim, o pastor precisa de um pastor; ele precisa ser pastoreado.
Cresce a cada dia o número de pastores com problemas
espirituais, emocionais e até mesmo físicos, problemas que
não ficam somente com eles, mas terminam por atingir a
família, a igreja local ou a instituição em que trabalham,
chegando ao âmbito da denominação. O pastor é uma ovelha
sem pastor! Algumas denominações já têm criado meios de
contato e espaços para ajudar pastores.3

Não é difícil constatar que há muitos pastores em igrejas


evangélicas que estão “‘enfaixando as próprias feridas’, ao mesmo
tempo em que são solicitados a cuidar de outros”.4 Sofrem,

3 MARTINS, C. José. Pastor precisa de pastor? Revista Ultimato 291, nov/dez 2004.
Disponível em: www.ultimato.com.br. Acessado em: 03.04.13.
4 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Cuidando de Quem Cuida. Um olhar de
cuidados aos que ministram a Palavra de Deus. 2. ed. São Leopoldo, RS: Editora
Sinodal, 2005, p. 55.

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mas não têm onde buscar ajuda. Não querem falar sobre seus
problemas com os membros para não chocá-los, porém, muitas
vezes não encontram ajuda. Roseli M. Kühnrich de Oliveira trata
deste assunto:

A necessidade da escuta terapêutica se reflete na vida dos


pastores. Sendo eles mesmos ouvintes de muitas situações de
angústia e dor, percebem-se por vezes aturdidos ou angustiados,
ou simplesmente somatizam suas dores sem se dar conta da
demanda emocional que enfrentam e quando procuram um
ombro amigo, nem sempre conseguem. Portanto, a pergunta
que se impõe é: há lugar para uma escuta misericordiosa, nas
estruturas eclesiais quando o confessante é um pastor?5

Pastores estão envolvidos com o sofrimento dos outros.


Muitas vezes, eles serão atingidos pela angústia do próximo e
necessitarão de apoio de alguém que os escute. Todavia, nem
sempre as pessoas ao redor percebem que algo não vai bem com o
líder. Muitas vezes, o problema só se torna visível quando é tarde
demais. Por isso, existem muitos pastores esgotados e doentes,
sofrendo, porém, sem saber onde buscar ajuda. Há também
os que têm medo de admitir que precisam de auxílio. Outros
negligenciam os primeiros sinais de alerta emitidos pelo corpo
e pela alma. Quando finalmente admitem o problema, já estão
em meio a graves crises. Também há aqueles que acham que
nunca precisarão de auxílio, afinal de contas, foram ensinados a
cuidar das suas ovelhas e acham que cuidam bem de si mesmos. A
realidade de angústias sem perspectivas de melhora muitas vezes
só aparece quando o pastor decide abandonar o ministério.
No Brasil, ainda não há muitas pesquisas sobre o assunto,

5 Ibidem, p. 112.

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porém algumas denominações já estão percebendo que algo está
errado. Cada vez mais pastores pedem licença do ministério
e vão atuar em outras atividades por não suportarem mais
tantas angústias, pressões ou problemas de saúde. S e g u n d o
Marcelo Brasileiro, em um artigo denominado Pastores Feridos,
“uma das maiores denominações pentecostais do país, a Igreja
do Evangelho Quadrangular (IEQ), com seus 30 mil pastores
filiados - entre homens e mulheres -, registra uma deserção
de cerca de 70 pastores por mês desde o ano passado (2011)
6
”. Outro exemplo é a Igreja Presbiteriana Independente. No
mesmo artigo, Marcelo Brasileiro informa: “A própria IPI,
embora muito menor do que a Quadrangular - conta com cerca
de 500 igrejas no país e 690 pastores registrados -, teria algo
em torno de 50 ministros licenciados, número registrado em
relatório de 2009. Pode parecer pouco, mas representa quase dez
por cento do corpo de pastores ativos”.7
Em países como os Estados Unidos, onde há mais estudos
sobre o assunto, os números são mais precisos. Segundo Brasileiro,
“O Instituto Francis Schaeffer, por exemplo, revelou que, no
último ano (2011), cerca de 1,5 mil pastores têm abandonado
seus ministérios todos os meses por conta dos desvios morais,
esgotamento espiritual ou algum tipo de desavença na igreja.
Numa pesquisa da entidade, 57% dos pastores ouvidos
admitiram que deixariam suas igrejas locais, mesmo que fosse
para um trabalho secular, caso tivessem oportunidade”.8 Outra
6 BRASILEIRO, Marcelo. Pastores Feridos. Revista Cristianismo Hoje de 03.05.12.
Disponível em: www.cristianismo hoje.com.br. Acessado em: 25.07.13
7 Ibidem.
8 Ibidem.

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informação preocupante é que os números de pastores esgotados
têm aumentado. Os números de 2011 são bem maiores do que
os observados em 1998 pelo autor Erwin Lutzer: “Certo estudo
mostrou que um terço dos pastores pesquisados tinham pensado
em abandonar o ministério por causa do esgotamento. Embora
este mal possa ocorrer em qualquer profissão, os ministros são
especialmente vulneráveis”.9
Esses dados comprovam que o problema existe, não é
pequeno, está aumentando e não está limitado ao Brasil. Mesmo
que algumas pessoas ainda não tenham conseguido enxergar, não
há mais como negar esse fato. Em seu livro, Pastores em Perigo,
Jaime Kemp compara a situação de alguns pastores com a de uma
pessoa que sofreu um acidente de trabalho e está sob 250 kg de
tijolos. A semelhança entre ambos é como se sentem: “Pastor, será
que acabo de descrever seu drama? Será você a pessoa caída ao
chão, músculos doloridos, ossos quebrados e dezenas de tijolos
sob seu corpo, ferindo-o sem nenhuma piedade? Saiba que, por
mais de uma vez, também me senti assim”.10 Apesar de não parecer,
muitos pastores estão destruídos, se sentindo completamente
desamparados e sem nenhuma perspectiva. Para alguns, a única
solução está sendo pedir o afastamento dos púlpitos. Outros
tantos continuam sua jornada. Muitos deles tristes, machucados
e se sentindo culpados por participarem de um teatro. Não estão
bem, mas precisam representar que tudo está em ordem. Precisam
convencer os membros que são fortes e inabaláveis, porque é isso
que se espera deles.

9 LUTZER, Erwin. De pastor para pastor. São Paulo: Editora Vida, 1998, p. 78.
10 KEMP, Jaime. Pastores em Perigo. 2. ed. São Paulo: Editora Sepal, 1996, p. 78.

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O autor David Fischer relata algo da realidade americana,
que não é diferente do contexto brasileiro. Lá como aqui, está
evidente que pastores estão sujeitos ao sofrimento:

Por toda parte os ministros evangélicos estão, segundo se


diz, desanimados, deprimidos ou frustrados. O consultor
Peter Drucker afirma que os pastores estão ‘na profissão mais
frustrante da nação’. Em março de 1995, no Clergy Journal
(Jornal do Ministério), o conselheiro pastoral Lloyd Rediger
resume seu estudo de vinte anos de ministério. Ele diz que
‘elevados níveis de estresse’ estão difundidos junto com um
‘nível crescente de depressão’, acompanhados da crescente ‘ira
internalizada’. Talvez mais significativamente, a igreja parece não
ouvir os clamores dos seus ministros, e todas as denominações
evangélicas são consideradas cada vez mais parte do problema
do que a solução.11

Pastores não pertencem a uma classe especial de seres


humanos. Eles são de carne e osso, sujeito às mesmas dificuldades
e angústias que qualquer pessoa. A família do pastor também
é como outra. Mesmo que na maioria das vezes a igreja não
reconheça isso e não faça nada para ajudar seus líderes. Jorge E.
Maldonado resume muito bem esta questão: “Nenhuma pessoa
ou família parece estar imune às crises, independente de sua
classe social, seu pano de fundo ético ou sua religião. As crises
são acontecimentos universais”.12 Essa realidade precisa ser
compreendida com urgência. Somente quando isso acontecer
é que soluções para esse fato poderão ser buscadas. Se isso não
acontecer, veremos cada vez mais líderes deixando seus ministérios

11 FISCHER, David. O Pastor do Século 21. Uma reflexão bíblica sobre os desafios
do ministério pastoral no terceiro milênio. 2. impr. São Paulo: Editora Vida, 1999, p.
170.
12 MALDONADO, E. Jorge. Crises e perdas na família. 1. ed. Viçosa, MG: Editora
Ultimato, 2005, p. 10.

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e migrando para outras atividades.

Algumas vezes o pastor é visto como um super-herói

Apesar das evidências de que pastores também estão


sujeitos a sofrimentos, percebe-se que, em algumas comunidades
evangélicas, os pastores são tratados como se fossem uma classe
superior de pessoas. Não são tratados como seres humanos
comuns, sujeitos a todos os sofrimentos e desafios que qualquer
pessoa tem. Parece que alguns membros veem no pastor da igreja
um ser especial, quase celestial, que está imune a problemas. Se
por ventura alguma dificuldade vem, ele a resolve sem sentir dor,
pois está tão preparado para resolver problemas e tão próximo a
Deus que nada pode afetá-lo.
Roseli M. K. de Oliveira escreve o seguinte sobre esse
assunto, após pesquisa respondia por 18 pastores da IECLB
(Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil): “Como o
pastor é visto no mundo de hoje? Em geral, como não sujeito
a dores e tristezas, mas como abnegado e disponível todo o
tempo. Ao pesquisar como as comunidades veem seus pastores,
depara-se com uma visão distorcida e idealizada da pessoa-pastor.
Nos questionários, 24,2% dos entrevistados acreditam que a
comunidade tenha uma imagem idealizada dos pastores”.13
A mesma autora percebeu e definiu o que está acontecendo
em muitos círculos evangélicos:

Visões distorcidas e idealizadas da figura do pastor têm sido


detectadas junto às comunidades cristãs, tanto as que têm séculos
de história quanto às de recente organização. Neste sentido,

13 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 97.

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pastores e pastoras por vezes não são percebidos como pessoas,
mas como semideuses, não sujeitos ao cansaço, enfermidades
e irritações, entre outras mazelas. O poder pastoral a que estão
expostos, as questões do tempo familiar e pessoal, as demandas
da comunidade religiosa na qual se inserem, podem gerar
estresse, visto que manter a imagem idealizada ou mostrar-se
como ser humano envolve tensão e ansiedade.14

Com certeza, este tipo de pensamento, esta crença de que


pastor não passa por angústias tem contribuído para as igrejas
não perceberem o sofrimento dos seus líderes. Enquanto essa
idealização da figura do pastor não for removida, há poucas
esperanças. Somente quando os membros e outros líderes
entenderem que o pastor precisa de cuidados, pois também é um
ser humano sujeito a dificuldades, pode haver alguma mudança.
Idealizar a figura do pastor não é saudável, pois não corresponde
à realidade. Sempre que isso acontece, tem-se a impressão de que
a igreja participa de uma encenação. Eugene Peterson comenta:
“Toda congregação é uma congregação de pecadores. Se isso não
fosse ruim o bastante, todas elas têm pecadores como pastores”.15
No entanto, parece que muitos frequentadores das igrejas
gostam da ideia de um pastor super-herói. Aquele que está sempre
disponível. Faça chuva ou faça sol, de dia ou de madrugada, em
seu dia de folga ou na hora do almoço em família, no domingo
após o culto. Não importa o momento, se algum problema surgir,
ligam logo para o pastor, que está sempre disponível e sempre
encontra uma solução para a dificuldade. Também conforta e
tranquiliza a ideia de ter um “representante divino”, uma pessoa

14 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 17.


15 PETERSON, Eugene. A Vocação Espiritual do Pastor. São Paulo: Editora Mundo
Cristão, 2008, p. 27.

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com acesso direto a Deus e com “poderes especiais” em meio ao
povo. Parece que as pessoas querem acreditar que o pastor é um
super-herói que traz alívio imediato a qualquer angústia. Por isso,
alimentam essa ideia, pois isso traz alívio a suas almas.
O problema só aumenta quando os pastores, influenciados
pelas ideias dos membros vestem a roupa de super-heróis. Esse
pensamento em algumas comunidades evangélicas é tão forte que
tem convencido muitos pastores. Marwa J. Dawn, explica: “Somos
tentados a nos esconder atrás de imagens brilhantes, na esperança
de que, assim, os outros nos aprovem. Preferimos não reconhecer
nossos seres quebrados, com problemas e falhas secretas porque
achamos muito melhor que ninguém mais conheça”. 16
Não é fácil resistir a pressão e manter uma visão saudável
de dependência de Deus quando constantemente é exigido que
você seja um super-pastor. Infelizmente muitos líderes de igreja
têm se sentido mais do que seres humanos. Provavelmente, alguns
estão sendo envolvidos inconscientemente. Não percebem o
perigo a tempo e quando finalmente se dão conta da situação,
não têm mais coragem de retornar e assumir que também são
frágeis seres humanos, dependentes de Deus como qualquer
cristão comum. Em algum momento da vida, perceberão que
estão pagando um alto preço por serem considerados super-
pastores. Todavia, a essa altura da caminhada, muitos terão
medo de demonstrar seus sentimentos, emoções e fragilidades
porque entendem que, se o fizerem, serão vistos como pastores
fracos e incompetentes que não conseguem nem cuidar da sua

16 DAWN, Marva J. e PETERSON, Eugene H. O Pastor Desnecessário. Rio de


Janeiro: Editora Textus, 2000, p. 22.

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própria vida. Muitas vezes, mesmo que queiram achar uma saída,
não a encontram. Não enxergam pessoas com quem possam
desabafar, contar tudo o que sentem. Isso seria uma saída, algo
imprescindível para todo pastor.
Roseli M. K. de Oliveira relata:

O desabafo é uma oportunidade de repartir o peso da alma.


Algumas pessoas que se confessam cristãs, e entre elas pastores,
relatam sua dificuldade de desabafar, por vezes pedem desculpas
por fazê-lo e questionam “o que a doutora vai pensar de mim”.
Aparentemente o desabafo soa como que um pecado, por
haverem sido ensinados a agradecer tudo a Deus. Ao relembrá-
los de relatos bíblicos de desabafos, passam a se dar conta da
humanidade dos “personagens” bíblicos e a partir daí, resgatar
sua própria identidade, num processo de integração.17

Será que muitos pastores teriam coragem e segurança em


desabafar com alguém que os conhece? Os que tentam muitas
vezes escutam como resposta: “o senhor precisa ler mais a Bíblia”,
ou “o senhor precisa buscar mais a Deus”. Essas respostas não
ajudam em nada e somente aumentam o sentimento de culpa
do conselheiro que procura auxílio. Também mostram que
realmente as pessoas enxergam o pastor como um ser humano
de classe superior, dando a entender que eles não aplicam em sua
vida o que muitas vezes falam para os aconselhados. Sendo assim,
muitos preferem continuar representando que estão bem, mesmo
que por dentro sua alma esteja doente e sofrendo.
Também parece que existem pastores que fazem questão de
manter a ilusão de que são super-heróis. Se sentem confortáveis
e orgulhosos com esse rótulo e fazem questão de preservá-lo.

17 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 116.

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Peterson mostra como surge o orgulho na vida do pastor:

A princípio, é quase invisível essa diferença entre nossa


necessidade do Salvador e nosso trabalho pelo Salvador. Sentimo-
nos tão bem, tão agradecidos, tão salvos. Essas pessoas a nosso
redor se encontram tão necessitadas! Lançamo-nos diretamente
à luta. No caminho, a maioria de nós acaba identificando nosso
trabalho com o de Cristo de tal maneira que o próprio Cristo é
deixado de lado, e nosso trabalho recebe toda a atenção.18

Esses o fazem conscientemente. Quando a dor aparece,


reclamam do título que carregam, porém gostam de ser fazer
passar por um ser especial, dotado de poderes quase divinos. Todo
esse processo acaba virando um círculo vicioso: pastores querem
ser mais que humanos e se alimentam da crença da membresia,
que gosta da ideia de que seu líder é superior aos mortais, dotado
de super poderes. Como geralmente são pouco valorizados pela
sociedade em geral, acabam cedendo o poder que lhes é oferecido
no púlpito da igreja.
A realidade é que a “mitificação” da figura do pastor não
é saudável para ninguém. Causa grandes desgastes e agonias
para os líderes que não desejam esse rótulo. Trazem enganos e
falsos sentimentos de conforto para os membros, porque eles
devem depositar sua confiança em Deus, e não em um pastor
que é totalmente humano e falível. Também é muito perigoso
para os que gostam do título de super-heróis porque quando
perceberem que também são suscetíveis a dores e problemas
pode ser tarde demais. Existe, ainda, o risco dos líderes se
aproveitarem da ingenuidade dos seus liderados e caírem na
tentação de manipularem as pessoas que os seguem. Do mesmo

18 PETERSON, Eugene. Op. Cit., p. 108.

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modo, isso não é desejável, porque o objetivo do pastor deveria
ser ajudar suas ovelhas a serem cristãos maduros e saudáveis, que
possam caminhar sem serem manipulados. Dawn sugere outro
comportamento: “É muito mais fácil – e mais proveitoso para
toda a Igreja – conseguirmos mostrar-nos como somos de verdade.
Essa honestidade é capaz, por si só, de levar ao crescimento e à
estabilidade genuínos”.19

O pastor é humano

Um caminho equilibrado e saudável, bom para o líder,


para a igreja e para os membros é que o pastor seja reconhecido e
tratado como um ser humano, sujeito a crises, angústias e medos.
Não é nenhum super-herói, e sim um super-humano. Sua função
de líder da igreja não lhe garante imunidade a sofrimentos. É uma
pessoa que tem suas responsabilidades e precisa ser respeitado
como líder da comunidade, porém continua ser tão humano
como qualquer ovelha. Antes de ser pastor é uma ovelha, que
precisa de atenção e cuidados. Novamente, a autora Roseli M. K.
de Oliveira nos ajuda a entender melhor essa questão:

O pastor não é uma entidade: cada pastor ou pastora tem suas


necessidades e características específicas, embora algumas sejam
comuns ou pertinentes a todos. O pastor enquanto pessoa é
sujeito a todas as questões humanas, tendo, por conseguinte,
necessidades, físicas, emocionais e espirituais, entre outras.
A busca pela realização pessoal, familiar, e vocacional (ou
profissional) é relatada por aqueles que se dedicam ao cuidado
de outros, mas nem sempre acontece das comunidades de fé
atentarem para as necessidades de seus pastores.20

19 DAWN, Marva J. e PETERSON. Op. Cit., p. 22.


20 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 56-57.

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A constatação e aceitação de que o pastor é super-humano
talvez choque algumas ovelhas e provavelmente alguns pastores.
Todavia, é uma verdade que não pode ser negada. José Cassio
Martins afirma:

O pastor é um ser apenas humano, e não sobre-humano.


Assim ele tem fraquezas e limites. Comete erros, equívocos e
confusões. Há falhas e imperfeições, assim como neste breve
artigo, inclusive. Há também a idealização do pastor e do
pastorado, ou seja, a noção de que o pastor ‘está perto de Deus
e assim não precisa de nada’. Por vezes o pastorado é visto como
sublime, muito elevado, imune às vicissitudes humanas. Isso já
se tornou cultura entre nós e acaba se chocando com a realidade
no cotidiano, deixando um rastro de frustração, quando não
de revolta, pessimismo e desânimo. Falta uma visão teológica
articulada do que é, de fato, o pastorado.21

O pastor não pode ser idealizado. Esse não é o caminho


correto. Seus limites devem ser respeitados. Quando isso não
acontece, mais cedo ou mais tarde haverá grandes prejuízos.
Pessoas serão machucadas. Pastores feridos e machucados ferem
suas ovelhas. Muitos estão cansados e irritados porque são mal
tratados e sofrem pressão dos membros. Se tornam agressivos e
vão deixando um rastro de destruição de pessoas pelo caminho.
Ficam desequilibrados, mas não admitem que estejam esgotados.
Ferem outros e, por fim, acabam ferindo-se a si mesmos. O
esgotamento acontece entre líderes que não respeitam os limites
do próprio corpo. Gary R. Collins escreve sobre este processo:

Muitos conselheiros ficam esgotados porque exaurem todas


as suas reservas. Dia após dia, despejamos nossas conclusões,
sensibilidade, compaixão, técnicas de cura e energias. Vemos as
necessidades e sentimos a dor das pessoas. Nosso desejo é vê-

21 MARTINS, C. José. Op. Cit.

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las curadas; nosso anseio é ajudá-las. Então nos damos cada vez
mais, com o mais nobre dos motivos, até que ficamos secos. Às
vezes, de uma hora para outra, quase sem aviso, descobrimos que
não temos mais nada para dar. O conselheiro cristão, que um
dia foi cheio de compaixão, descobre que está espiritualmente
vazio. Seus recursos interiores acabaram.22

Admitir que não são uma classe especial de pessoas é a


solução para os pastores. Mesmo que não seja fácil, reconhecer
isso é sempre melhor. Infelizmente muitos líderes ainda insistem
em fazer o papel de super-homens. Uma pesquisa realizada
por Paulo Ramos dos Santos, entre onze pastores masculinos,
com idades entre 30 e 55 anos, mostra que: “a maioria dos
entrevistados entende que o líder não deve mostrar sua
humanidade (fragilidade)”.23 Enquanto líderes continuarem tendo
essa postura, não há muito que fazer. Entendemos que o melhor
caminho é não esconder da igreja que o líder é de carne e osso. O
pr. Jaime Kemp apoia esta sugestão: “É muito fácil compartilhar
uma vitória dada por Deus, mas no tocante a empatia com seu
rebanho, é bem mais impactante relatar uma luta ou necessidade
que você esteja enfrentando. A plateia não gosta de ter no púlpito
pastores que são fortalezas inexpugnáveis, mas sim um igual, uma
pessoa de carne e ossos, emoções, necessidades, com acertos e
erros, humana, enfim”.24 Ser autêntico é a melhor alternativa. Os
liderados não deixarão de seguir seu líder porque ele admite algo

22 COLLINS, R. Gary. Aconselhamento Cristão. São Paulo: Editora Vida, p. 698.


23 SANTOS, R. Paulo dos. Cuidando da saúde mental e espiritual do pastor: uma
abordagem a respeito da necessidade do aconselhamento pastoral direcionado a
pastores da Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Anais da I Mostra de Pesquisa
em Teologia e II Jornada Científica da Faculdade Teológica Batista de São Paulo,
realizadas em 29 de agosto de 2009.
24 KEMP, Jaime. Pastores Ainda em Perigo. São Paulo: Editora Sepal, 1996, p. 99.

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que todos já perceberam ou vão perceber um dia: ele é humano.
Pelo contrário, um relacionamento autêntico, fundamentado
na sinceridade é muito mais forte do que um construído sobre
suposições falsas. Não é honesto por parte do líder tratar seu
relacionamento com as ovelhas de forma teatral, encenando
uma falsa superioridade. Além de não conseguir aprofundar seus
relacionamentos, porque sempre está acima das pessoas, ainda
corre sérios riscos de machucar as ovelhas e se autodestruir. David
Fischer resume bem a posição dos pastores: “Já não há mais
como fugir da óbvia verdade: somos exatamente tão humanos e
pecadores como o povo a quem servimos”.25

O que a Bíblia ensina

Além da constatação de especialistas, que acompanham


conselheiros espirituais, a Bíblia também deixa claro que pastores
e líderes não são uma classe superior de pessoas. Todos os
personagens bíblicos, que fizeram algo importante em prol do
reino de Deus foram pessoas comuns, cheias de erros e limitações.
Não é difícil citar alguns exemplos: Abrão, Moisés, Davi, Pedro,
Paulo, todos eles impactaram suas gerações, foram grandes líderes,
mas eram tão humanos quanto as pessoas que lideravam. A Bíblia
não esconde a humanidade dessas pessoas. Sendo assim, fica
difícil imaginar que atualmente Deus tenha criado uma categoria
diferente, dotada de superpoderes para liderar seu povo. Paulo é
um ótimo exemplo. Após sua conversão, foi uma pessoa muito
utilizada por Deus para pregar o evangelho, fundar e liderar igrejas.
Ele era o pastor de muitas pessoas. Nem por isso era um super-

25 FISCHER, David. Op. Cit., p. 170.

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homem. Tinha suas limitações e dificuldades, não era perfeito,
cometia erros. Sofreu muito por causa do seu comprometimento
com a palavra de Deus. O que chama a atenção é que a Bíblia e
ele próprio não procuram esconder sua humanidade.
Um episódio que mostra Paulo sujeito às mesmas emoções
que qualquer pessoa aconteceu no início da segunda viagem
missionária. Paulo, ao contrário de Barnabé, não queria levar João
Marcos e, por isso, houve uma forte discussão. Esse acontecimento
está relatado em Atos 15: 37-40:

Barnabé queria levar João Marcos. Porém Paulo não queria, pois
Marcos não tinha ficado com eles até o fim da primeira viagem
missionária, mas os havia deixado na província da Panfilia. Por
isso eles tiveram uma discussão tão forte, que se separaram.
Barnabé levou João Marcos consigo e embarcou para a ilha de
Chipre, enquanto que Paulo escolheu Silas e seguiu viagem,
depois que os irmãos o entregaram aos cuidados do Senhor.26

Essa passagem deixa claro que Paulo era totalmente humano.


Estava sujeito a todas as emoções que qualquer pessoa comum.
Ele não havia gostado que João Marcos não os acompanhou até
o final da primeira viagem e, por isso, não queria levá-lo para
a segunda viagem missionária. Barnabé, ao contrário, queria
dar uma nova chance a João Marcos. Essa diferença de opiniões
gerou uma forte discussão entre dois importantes personagens
do evangelho no Novo Testamento. A consequência desse atrito
foi a separação de ambos, seguiram diferentes rumos com novos
companheiros de viagem. Que bela demonstração de humanidade
a Bíblia nos mostra. Uma grande mistura de emoções puramente

26 Bíblia Sagrada. Nova Tradução na Linguagem de Hoje. 1. ed. Barueri, SP:


Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.

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humanas. João Marcos desiste de uma viagem importante. Paulo
não gosta, reprova essa atitude e lembra-se do fato no início da
viagem seguinte. Por isso não quer levar João Marcos. Barnabé
tem opinião diferente e insiste em levá-lo. Como ninguém abre
mão de sua opinião, a solução é a separação, com cada um
seguindo seu caminho. Muitos podem até ficar chocados por esse
acontecimento, porém percebe-se que Paulo, um líder útil para
Deus, tem um comportamento tipicamente humano. E nem por
isso é menos importante ou foi menos útil no projeto de Deus.
Aliás, foi Deus que criou os seres humanos e sabe muito bem que
ninguém é perfeito, nem os pastores, líderes ou atuais conselheiros
de igrejas. Nesse ponto, todos são exatamente iguais a Paulo.
A Bíblia também mostra que Paulo sofria. A carta que ele
escreve aos Filipenses não deixa dúvidas disso e mostra alguma
coisa do que ele passou por amor a Cristo. A carta é escrita de uma
prisão, provavelmente em Roma, como é indicado em Filipenses
1: 7: “Vocês estão sempre no meu coração. E é justo que eu me
sinta assim a respeito de vocês, pois vocês têm participado comigo
deste privilégio que Deus me deu. É isso que vocês estão fazendo
agora que estou na cadeia e foi o mesmo que fizeram quando eu
estava livre para defender e anunciar com firmeza o evangelho”.27
No versículo 12 do mesmo capítulo Paulo menciona “as coisas que
me aconteceram”.28 Quando vamos mais a fundo e pesquisamos
o que foi que aconteceu com ele, percebemos que passou por
enormes angústias. O apóstolo ficou quatro anos preso. O calvário
na cadeia iniciou em Jerusalém, passou por Cesaréia e, após uma

27 Ibidem.
28 Ibidem.

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viagem muito tumultuada, chegou até Roma. Nesse tempo, o
apóstolo foi acusado injustamente, açoitado, ameaçado de morte,
enfrentou um naufrágio e ficou o tempo todo preso. Quanto
sofrimento para um homem dedicado ao Senhor. Esse exemplo
deixa claro que pessoas dedicadas ao Senhor também sofrem.
Estão sujeitos às mesmas intempéries da vida que qualquer ser
humano comum. O mesmo vale para pastores, que continuam
sendo de carne e osso como eram os líderes do tempo bíblico.
Outro ponto interessante é que Paulo assumia sua
humanidade. Nunca escondeu suas fraquezas e dores das igrejas
que dirigia. Além disso, aceitava ajuda das suas ovelhas e ficava
muito agradecido quando isso acontecia. Isso fica claro em
Filipenses 1: 14 – 18:

Mesmo assim vocês fizeram bem em me ajudar nas minhas


aflições. Vocês, filipenses, sabem muito bem que, quando saí da
província da Macedônia, nos primeiros tempos em que anunciei
o evangelho, a igreja de vocês foi a única que me ajudou. Vocês
foram os únicos que participaram dos meus lucros e dos meus
prejuízos. Em Tessalônica, mais de uma vez precisei de auxílio,
e vocês o enviaram. Não é que eu só pense em receber ajuda.
Pelo contrário, quero ver mais lucros acrescentados à conta de
vocês. Aqui está o meu recibo de tudo o que vocês me enviaram
e que foi mais do que o necessário. Tenho tudo o que preciso,
especialmente agora que Epafrodito me trouxe as coisas que
vocês mandaram, as quais são como um perfume suave oferecido
a Deus, um sacrifício que ele aceita e que lhe agrada.29

Entendemos que esse deve ser o modelo a ser seguido por


todos os atuais líderes de igreja. Não adianta tentar ser o que não
se é. Não vale a pena manter a postura de um super-herói quando
na verdade todos são super-humanos. Paulo entendia muito bem

29 Ibidem.

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isso. Não tinha dificuldade nenhuma em mostrar que passava por
aflições e necessitava da ajuda de outros irmãos. Fazendo isso,
transmitia um ensino correto e não criava uma carga adicional
de tensão e estresse para si próprio, pois tentar manter o papel de
super-herói custa muito caro. O que impede os atuais pastores de
seguirem o exemplo de Paulo e assumirem sua humanidade?

Dificuldades para o pastor assumir sua humanidade

Provavelmente, o pastor que deseja seguir o exemplo


de Paulo sofrerá muitas pressões e objeções por parte da
comunidade. Existem alguns conceitos enraizados nas pessoas
que dificultam muito a aceitação do pastor como ser humano.
Pastores e conselheiros estão sempre em contato com pessoas que
sofrem. As pessoas que se aproximam esperam que o líder possa
ajudá-las. Todos querem uma solução para seus problemas e vêm
para buscá-la com o pastor. Erwin Lutzer enxerga esta questão:
“Como as pessoas procuram o pastor para receber e não para dar,
os recursos emocionais dele podem se exaurir rapidamente”.30 O
problema acontece porque muitas pessoas entendem que o pastor
é uma fonte inesgotável de soluções para suas dificuldades. Em
meio à ansiedade e desespero, acham que um pastor não tem
limites e esperam dele uma solução. Sempre que precisam, acham
que ele tem a resposta, mesmo quando o próprio pastor está
esgotado. O problema só fica maior quando os líderes também
não conhecem seus limites.
Ignoram que eles também necessitam de cuidados. A
Bíblia, em Atos 20: 28 recomenda que pastores cuidem de si

30 LUTZER, Erwin. Op. Cit., p. 78.

124 João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130 | Via Teológica
mesmos: “Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho que
o Espírito Santo entregou aos seus cuidados, como pastores da
igreja de Deus, que ele comprou por meio do sangue do seu
próprio Filho”.31 Se Deus por intermédio da sua palavra espera
que pastores cuidem não somente dos outros, mas também da sua
própria vida, é preciso respeitar essa recomendação. Os líderes
precisam levá-la a sério. Muitos “se doam por amor à Cristo” e
não atentam para seu próprio estado, não cuidando de si mesmo.
Isso parece bem espiritual, porém, não combina com o exemplo
do próprio Jesus. Ele muitas vezes se retirava em momentos de
grande tensão, consciente que ainda não havia chegado sua hora.
Sabia que por vezes é necessário se ausentar para sobreviver. Gary
R. Collyns observou este ponto:

Em meio a um ministério atarefado, Jesus também separou um


tempo para recarregar suas baterias. Às vezes ele usava mini-
retiros para orar. Outras vezes, aparentemente, conversava
com seus amigos, e talvez houvesse momentos em que ele só
descansava. As pessoas estavam procurando por ele, e muitas
precisavam de cura, mas ele fazia uma pausa para obter o
rejuvenescimento de que necessitava.32

Também é possível que a falta de cuidado de si próprio


entre líderes seja motivada por entendimentos equivocados
sobre os termos conhece-te a ti mesmo e cuide de si mesmo. Para
os gregos, “conhece-te a ti mesmo” significava: não pense que
és um deus. Esse termo estava associado a cuide de si mesmo,
que tinha o sentido de cuide da sua moral, se aperfeiçoe na
sabedoria e na verdade.

31 Bíblia Sagrada. Op. Cit.


32 COLLINS, R. Gary. Op. Cit., p. 699.

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Roseli de Oliveira, citando Foucault, explica:

Por sua vez, Focault salienta que, para os gregos da Antiguidade,


o preceito epimeleisthaí autou, ou seja, tomar conta de si mesmo
ou cuidado consigo ou preocupar-se, era “uma das regras de
conduta da vida social e pessoal, um dos fundamentos da arte
de viver”. Entende com isto que o conselho técnico conhece-te
a ti mesmo (princípio délfico que significa: não imagines que
és um deus) tão valorizado na atualidade, só tem sentido se
esta injunção estiver associada ao princípio moral cuide de si
mesmo, uma vez que, segundo Foucault, estes dois princípios
básicos da tradição neoplatônica precisam ser resgatados para
que haja uma ética de liberdade para o ser humano.33

Hoje em dia, houve uma inversão. De acordo com


Roseli M. K. de Oliveira: “o cuidado de si mesmo assume uma
expressão egoísta, que, se voltada apenas para as satisfações
pessoais, levantaria a suspeita de não ser condizente com os
princípios do cristianismo ascético”.34 Atualmente, em um
contexto parece que não é muito espiritual um pastor dizer
que cuida de si mesmo, chega a ser quase imoral ou egoísta.
Assim sendo, não é bom que ele cuide de si mesmo. Se ele
o faz, não renuncia a si mesmo, e não é bíblico. Afinal de
contas, ele serve ao Deus do impossível e deve deixar tudo em
suas mãos. Por isso, quanto mais espiritual, mais vai gastar-se
sem nenhuma preocupação com sua saúde. Parece que para os
pastores vale o seguinte ditado: “conhece-te a ti mesmo e cuide
do outro”.35 Novamente, percebe-se que para grande parte da
comunidade cristã pastor deve ter a postura de um super-herói.
Muito ativo quando se trata da saúde e problemas alheios,
33 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 26.
34 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 26.
35 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit.. p. 26.

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porém totalmente passivo e sem iniciativa quando sua própria
vida está em jogo. Sem dúvida alguma, essas interpretações
equivocadas pressionam os pastores, que acabam deixando
de se cuidar e se tornam vítimas em potencial de patologias
associadas à falta de cuidado próprio.

Concluindo

O principal objetivo deste artigo é não encontrar soluções


para esse problema. A proposta é demonstrar que o sofrimento
dos pastores é real. Todavia, só serão buscadas respostas quando
a dificuldade for reconhecida e aceita. Enquanto isso não
acontecer, alternativas não serão procuradas. O alarme já soa há
algum tempo. A notícia para líderes e igrejas é que pastores estão
sofrendo, algo precisa ser feito. Eugene Peterson define muito
bem a solução para o sofrimento:

Também não encontramos na Bíblia um programa criado por


Deus para eliminar as dores por meio de um plano quinquenal
(ou para usar uma escala maior, pelas dispensações). Não se
encontra um processo de diminuição do sofrimento ao percorrer
da história, indo da escravidão do Egito para a peregrinação
no deserto, à anarquia sem reis, daí ao cerco assírio, depois o
cativeiro na Babilônia, a crucificação romana, e o holocausto
sob Nero e Domiciano. O sofrimento sempre existiu e Deus
sempre está onde alguém está sofrendo.36

Peterson observa que o sofrimento atinge todos os seres


humanos, inclusive os pastores. Se nem Jesus foi poupado, não é
possível esperar que os líderes e conselheiros de igreja o serão. No
entanto, a boa notícia é que “Deus sempre está onde alguém está

36 PETERSON, Eugene. O Pastor que Deus usa. Rio de Janeiro: Editora Textus,
2003, p. 140.

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sofrendo”. Ele também está com os pastores. Por isso há esperanças,
pois, onde Deus está envolvido, as chances de sucesso são enormes.
Basta que os homens admitam o problema e resolvam agir.
Concluindo, entendemos que um processo de ajuda a
pessoas que sofrem, como é o aconselhamento que os pastores
fazem, só é eficiente quando os dois lados são beneficiados, tanto
conselheiros como aconselhados. Ou que pelo menos ambos
mantenham sua vida em equilíbrio e em paz. Gary R. Collis
novamente nos ajuda a compreender esta ideia:

Tanto para o aconselhando quanto para o conselheiro, a


verdadeira paz vem de Deus. Ela vem para aqueles que lançam
todas as suas ansiedades sobre o Senhor, que apresentam seus
pedidos a Deus com súplicas e ações de graça, que ocupam a
mente com pensamentos puros que glorificam a Cristo, que
resistem às investidas do diabo, e vivem de um modo que agrada
a Cristo. A paz duradoura vem do Espírito Santo, o consolador.
Como todos os traços da santidade, a paz se consegue através
do exercício espiritual e disciplina – ‘meditando na Palavra e
aplicando seus ensinamentos, sob a direção de nosso Mestre, o
Espírito Santo.37

O objetivo a ser alcançado é que tanto aconselhando como


conselheiros encontrem e mantenham a verdadeira paz que só
Deus pode oferecer. Quando isso for alcançado, pode-se dizer
que o processo anda por um caminho saudável. Enquanto uns
são beneficiados, mas outros, como os pastores, estão sofrendo,
o equilíbrio ainda não foi atingido. Que Deus possa dirigir essa
busca para se encontrar um ambiente de ajuda mútua saudável.
Um contexto onde tanto membros como pastores encontrem
alívio para suas angústias e sofrimentos.

37 COLLINS, R. Gary. Op. Cit., p. 697.

128 João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130 | Via Teológica
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Evangélica Assembléia de Deus. Anais da I Mostra de Pesquisa
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130 João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130 | Via Teológica

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