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Suicídio pode ser evitado e o primeiro

passo é tocar no assunto


No Dia Mundial de Combate ao Suicídio é importante lembrar que um milhão de pessoas
tiram a própria vida no mundo - ou uma morte a cada 40 segundos - segundo dados da
Organização Mundial de Saúde. No Brasil, são 10 mil mortes ao ano. Ex-baixista da banda
Charlie Brown Jr. foi a vítima desta segunda-feira
por Valéria Mendes 10/09/2013 09:00

Precisamos falar sobre suicídio. Não apenas por que, a cada ano, um milhão
de pessoas tiram a própria vida no mundo segundo dados da Organização Mundial
de Saúde (OMS), mas principalmente porque é possível evitar essas mortes. A
semana começou com a notícia do falecimento do ex-baixista da banda Charlie
Brown Jr., conhecido como Champignon. Luiz Carlos Leão Duarte Junior foi
encontrado morto em seu apartamento na região do Morumbi, em São Paulo. Tinha
35 anos. Ia ser pai. Tirou a própria vida com uma arma de fogo. Cláudia Campos,
mulher do baixista, estava grávida de cinco meses e precisou ser levada a um
hospital em estado de choque.

Estamos diante de um problema de saúde pública e o Brasil ainda não


protagoniza campanhas ou ações para responder às estatísticas de aumento de
suicídios, que cresceram 30% nas duas últimas décadas, entre jovens do sexo
masculino. Amargamos o dado de 10 mil mortes por ano, mas estima-se que esse
número seja duas ou três vezes maior por causa da subnotificação ao registrar a
causa da morte.

Um mito que permeia esse assunto é a ideia de que se a pessoa tem um


comportamento suicida, ela vai ter sempre. "A gente trata e a ideia de morte
desaparece", afirma o psiquiatra Humberto Costa (foto: XV Congresso Mineiro
Psiquiatria/Divulgação)
“Quem quer suicidar não fala”. Esse é um dos mitos que envolvem um tema que é
tabu, inclusive, entre familiares, amigos e amores dessas vítimas que viveram a
situação. Fernando Neves, psiquiatra, professor da UFMG, coordenador do serviço
de psiquiatria do Hospital das clínicas da UFMG e membro da Associação Mineira
de Psiquiatria, diz que os estudos comprovam que a maioria das pessoas fala com
alguém próximo ou com o médico ou dá sinais de que está querendo se suicidar.
“Essa é uma porta de prevenção”, afirma.

Outro mito que permeia a questão é a ideia de que se a pessoa tem um


comportamento suicida em algum momento da vida, ela vai ter sempre. “A gente
trata e a ideia de morte desaparece”, afirma Humberto Costa, professor titular de
psiquiatria da UFMG, vice-presidente da Associação Mineira de Psiquiatria e vice-
presidente da Associação Latino-americana de Prevenção do Suicídio.
Desafios
A quase totalidade dos suicídios – 99% - está associada a um transtorno psiquiátrico.
“A melhor forma de prevenir é tratar o transtorno psiquiátrico de base”, explica
Fernando Neves. Dentro do espectro de transtornos mentais a depressão merece uma
atenção especial. “Infelizmente, a depressão muitas vezes não é identificada como
doença, mas como uma coisa da vida. Para você ter uma ideia, estudos nos Estados
Unidos mostram que apenas 25% das pessoas que precisam de tratamento por causa
de depressão estão fazendo. No Brasil é pior”, afirma o médico. Outro dado
desanimador do contexto brasileiro é falta de estrutura física. A OMS recomenda
quatro leitos psiquiátricos para cada 100 mil pessoas. No Brasil, tem-se 0,4 leitos
para cada 100 mil. “Dez vezes abaixo do preconizado pela OMS. É uma estrutura
sucateada”, pontua o psiquiatra.

Humberto Costa diz que organizar a rede de saúde para atender a população com
transtorno mental passa por disponibilizar ambulatórios, centros de atenção
psicossocial, serviços de urgência e retaguarda de leitos hospitalares.

A diretora mineira Petra Costa (no meio) retratou no cinema o suicídio da irmã
Elena (à direita). Manoela Costa (à esquerda) é irmã por parte de pai de Petra e
Elena: "Meu pai não consegue colocar para fora esse assunto. Ele se fecha. Todo
mundo comenta que meu pai era uma pessoa antes da morte da Elena e que hoje é
outra. São duas pessoas diferentes" (foto: Arquivo Pessoal e Reprodução do
documentário Elena)
Documentário brasileiro aborda suicídio
Manoela Costa, 22 anos, é estudante de economia e irmã da cineasta mineira Petra
Costa. A diretora retratou no premiado Elena um episódio familiar sobre amor e
perda. A jovem que intitula o longa-metragem é irmã de Manoela e Petra. Elena
viaja a Nova York com o mesmo sonho da mãe: se tornar uma atriz de cinema. As
coisas não ocorrem como o desejado e ela se suicida. Duas décadas depois, Petra
também se torna atriz, embarca para a cidade norte-americana em busca da história
da irmã e essa jornada é retratada em tela grande. Quando Elena partiu, Petra tinha 7
anos e Manoela ainda não tinha sequer nascido. “Eu nasci nove meses depois da
morte de Elena. O suicídio dela sempre foi tabu lá em casa. Ela é minha irmã por
parte de pai e ele nunca conseguiu falar abertamente dela. Eu fui descobrir que tinha
essa irmã [elas são quatro no total] quando já era mais velha”, relata.

Leia entrevista com Petra Costa: "É importante compartilhar a dor", afirma a
diretora de documentário brasileiro que aborda o suicídio

Manoela conta que em uma visita de Petra à sua casa sentiu uma tensão em uma
conversa da irmã com o pai. “A partir desse dia que começou a ter foto da Elena lá
em casa. Isso só aumentou a nossa curiosidade. Eu tinha 7 anos e Petra foi o nosso
elo com a história da nossa irmã mais velha”, conta.

A estudante de economia conta que foi entender que Elena tinha se matado quando
já estava mais velha. “Meu pai não consegue colocar para fora esse assunto. Ele se
fecha. Todo mundo comenta que meu pai era uma pessoa antes da morte da Elena e
que hoje é outra. São duas pessoas diferentes”, diz.
Manoela diz que o filme ajudou a esclarecer a história de Elena como a da própria
Petra. “É tão puro que qualquer um se identifica com o filme”, observa. A jovem diz
que conversar sobre o suicídio é uma forma de parar de inventar desculpa. “Omitir,
esconder não resolve nada. Ninguém tem culpa”, encerra.

Veja o trailer do documentário:

O pensamento
Muitas pessoas têm algum pensamento suicida ao longo da vida. “Não é raro. Entre
10 a 20% das pessoas pensa em se matar, mas a minoria vai fazer uma tentativa ou
mesmo se suicidar”, informa Fernando Neves. O suicídio por impulso, de acordo
com o especialista, geralmente está associado a um transtorno de personalidade -
principalmente borderline, narcisista e antissocial - ou transtorno bipolar. “Os seres
humanos tendem a estabelecer uma causa única para as coisas que acontecem na
nossa vida, mas nem sempre isso é possível diante da complexidade humana”,
pondera. O psiquiatra diz que os pesquisadores consideram que, nesses casos, não
existe uma causa única, mas uma variedade de fatores. Ele exemplifica: “um
problema financeiro gera estresse, pode virar uma situação traumática que leve à
depressão e ao suicídio”. Ele ressalva que pessoas naturalmente agressivas ou
impulsivas, em situações adversas, podem tomar imediatamente uma atitude contra
si.

A genética também tem papel preponderante na decisão. “50% do comportamento


suicídio tem a ver com fatores genéticos”, afirma o médico.

Nos países desenvolvidos tem-se registrado uma discreta redução nas taxas de
suicídio. Já nos países em desenvolvimento como o Brasil, nos últimos 20 anos
registrou-se um aumento de 30% na incidência da taxa de suicídio entre homens
jovens com idade de 15 a 30 anos. “O homem se mata três a quatro vezes mais que a
mulher”, afirma Humberto Costa. A idade também é fator de risco acima dos 60
anos, mas os principais são: ter feito uma tentativa anterior e a presença de um
transtorno mental. Em termos numéricos, a depressão é o principal deles.

Ainda não existem conclusões para explicar o aumento da incidência de suicídio


entre os homens jovens. “As especulações passam pelo conceito de laço social do
filósofo francês Émile Durkheim. Nas comunidades em que os laços sociais são
mais coesos, as taxas de suicídio são menores. Isso se aplica também para o
indivíduo. Famílias maiores, com mais filhos, têm menos incidência. Quem trabalha
se suicida menos que os aposentados ou desempregados. Pessoas envolvidas em
atividades esportivas ou religiosas também se matam menos”, explica o psiquiatra.

Transtornos mentais respondem por 99% das causas de suicídio (foto: ARTE:
Soraia Piva)
Tratamento
Uma vez detectado esse comportamento suicida - que passa pela ideação, o
planejamento, a tentativa e o ato em si - a pessoa precisa de medicação,
acompanhamento médico e, em alguns casos, vigília 24 horas. “O profissional avalia
a capacidade de a família observar esse paciente. Se não for possível, essa vigília
pode ser feita dentro de um hospital. O médico também faz um contrato verbal com
o paciente pedindo que mediante qualquer ideação, que entre em contato com o
especialista”.

Prevenção
Segundo Humberto Costa, ao contrário do Brasil, vários países têm estratégias
próprias para prevenção do suicídio. “Na Inglaterra, por exemplo, existe um esforço
para tratar o mais rapidamente e eficazmente possível as depressões”, cita. Outro
procedimento é dificultar o acesso aos métodos mais utilizados de suicídio. “Muitos
países, por exemplo, proibiram o uso de pesticidas e agrotóxicos letais aos seres
humanos. Ainda não fizemos isso. A estratégia depende da realidade do país”,
completa.

Segundo Humberto Costa um comitê da Associação Brasileira de Psiquiatria elabora


diretrizes considerando o que seria importante para o Brasil adotar. “O diagnóstico
dos quadros depressivos é importantíssimo”, elenca. Outra sugestão é a notificação
compulsória das tentativas de suicídio. “As secretarias de saúde precisam ser
comunicadas e precisamos garantir que a pessoa não vá sair do hospital sem um
tratamento e acompanhamento. Deveria ser obrigatório, mas a maioria dos serviços
de saúde não está preparada para isso”, enfatiza.

Todo mundo conhece alguém que se suicidou ou que fez uma tentativa grave.
“Precisamos lutar contra esse estigma e parar de achar que esse assunto não existe.
Temas que são tabus não mobilizam pessoas a estudar e pesquisar, mesmo sendo
assuntos de saúde pública”, completa Humberto Costa.

Ação publicitária de uma gigante coreana de eletrônicos que conseguiu reduzir


em 85% a taxa de suicídios na ponte Mapo, na capital Seul, Coreia do Sul (foto:
Reprodução: The Bridge of Life, campanha da Samsung)

Ações pelo mundo


Várias iniciativas surgem pelo mundo para tentar frear o suicídio. O psiquiatra
Fernando Neves cita uma ação no metrô da Áustria como exemplo. “Era um lugar
onde muita gente se matava, depois das mensagens direcionadas a quem tinha a
intenção de se matar, teve redução”, cita.

Outro exemplo que repercutiu recentemente na internet foi uma ação publicitária de
uma gigante coreana de eletrônicos que conseguiu reduzir em 85% a taxa de
suicídios na ponte Mapo, na capital Seul, Coreia do Sul. A campanha foi premiada
em Cannes e ajudou a reverter a situação do país, um dos que tem maiores
ocorrências de suicídio.
Conforme as pessoas caminhavam pela ponte, luzes com sensores se
acendem e aparecem frases inspiradoras como: “vá ver as pessoas de quem você
sente saudade” ou “Os melhores momentos da sua vida ainda estão por vir”.

Onde procurar ajuda

O Centro de Valorização da Vida (www.cvv.org.br ou 141) é um trabalho


voluntário que funciona muito bem de acordo com o psiquiatra Humberto Costa. “É
um atendimento por telefone principalmente para atender pessoas que querem se
suicidar”, explica. Clique a acesse cartilha do CVV sobre prevenção de suicídio.

Para quem desconfia que um amigo ou parente tem uma intenção de suicídio
deve procurar ajuda em um posto de saúde mais próximo ou nos Centros de
Referência em Saúde Mental (CERSAMs) da prefeitura.

1. Compreensão da relação entre suicídio e depressão

2. Respeito da Sociedade

3. Para as tentativas de suicídio de pessoas que chegam ao hospital, garantir possam ter apoio
e acompanhamento psiquiátrico.

4. Programas de Prevenção (nas escolas, nos meios de comunicação etc.)

5. Divulgação de ações do Centro de Valorização da Vida (141)

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