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na Psicanálise e na Arte
KALIMEROS
(Escola Brasileira de Psicanálise - Seção Rio)
Apresentação:
Stella Jimenez
facebook.com/lacanempdf
Para esta edição:
Copyright© 1995, Contra Capa Livraria Ltda.
Todos Direitos Resevados.
A reprodução não autoriz.ada desta publicação, no todo ou em parte, constitui
violação da Lei 5988
Organização Gera):
Stella Jimenez e Gloria Sadala
Coordenação de Edição:
Elisa Monteiro
Conselho Editorial:
Elisa Monteiro, Helolsa Caldas Ribeiro, Maria Aparecida Telles Bueno, Rosa
Guedes Lopes, Vera Avellar Ribeiro, Vera Pollo.
Capa:
Jorge Marinho.
Revisão:
Maria Judith Azevedo Vieira
Tânia Maria Cuba Bittencourt
Editoração:
Jorge Marinho.
Impressão: Tavares e Tristão Ltda.
COO - 150.195
7
Capítulo 1
O Outro falta
As formas de amor na partilha dos sexos 1
Antonio Quinei
Psicanalista, membro da Escola Brasileira de Psicanálise
11
,f Mullrer
menos,, com uma menos valia qualquer, enfim, tem de estar marcada
pela castração de alguma fonna, como por exemplo!A mulher pobre,
de Léon Blois, que mostra a mulher que não tem nada, representando
aquilo que falta.
,·
-. (filho)
falta-a-ser clitóris novos desejos
-+
falta-a-ter desejo (- (j))
14
Antonio Qumct
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L.
Por que Lacan chama isto de fonna fetichista de amor? Porque este
revestimento fálico qüe o homem faz da mulher vela o horror~-ª
castração, impedindo que o homem se depare com a mulher como
~ a n t e do Outro sexo. Ele a faz falo fetichisticamente para
poder desejá-la e gozar dela, pois se não houvesse este artificio não
haveria possibilidade de um homem abordar uma mulher.
16
Anionio Quinei
:·o homem serve aqui de relais (conector) para que a mulher se tome
'~ie Outro para ela mesma, como ela é parã el~'! A mUlher- não· é
um 'eu mesma' para si própria, ela é (e não-o1iomem) um Outro
para si mesma. Lacan chega a dizer que a mulher na dialética
falocêntrica representa o Outro absoluto.
.- para si mesma -
17
,t( Mulhtr
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· ; DHlfO MnJal ""1of"
18
Antonio Quinei
aqui por Lacan de o incubo ideal: ·'por trás do véu do parceiro sexual
vai se perfilar o íncubo ideal".
Termo utilizado na Qemonologia da possessão, o incubo é um tipo
de demônio que vem possuir as mulheres à noite, durante o pesadelo.
incubo vem de incubare, que significa estar deitado sobre, tomar
posse de, usurpar. Em latim, este termo também quer dizer pesadelo,
ou seja, Q pej9_do gozo.do Q11tr.9_ s_QQte_.Q._p_e.i!o do s_Ejeitot que é
c~mo Lac~~- d~fi_ne a angústia do pesadelo no~eminário X. 1
Este ín~ubo ideal é uma figuração do pai morto como guardião do
gozo, instaurador da lei e do desejo, sendo também o a ente da
~traçã2_: a figuração do Nome-do-Pai, do lugar da exceção, do
pai da horda primitiva de Totem e tabu, que é por um lado o pai da
lei e, por outro, também o pai do gozo - aquele que seria o guardião
do gozo. É deste lugar do pai que vem uma ameaça de castração,
que para ela é inoperante. O efeito disso, diz Eric I .aurent é "uma
irrealização da função paterna"'º· A figura paterna se desdobra na \
·-figura do pai impotente, aquele que é inoperante na castração e na
Qgu~a co~P.e~satória do pãiicle-al, que é ~nstruí~ par~-~~~~!~~~- __
sua 1mpotenc1a. ,
--
Esta expressão narcisismo do desejo é um paradoxo, pois narcisismo
se refere ao eu, ao amor pela imagem, e o desejo é sempre do Outro.
Lacan propõe o recurso ao narcisismo do desejo para resolver esta
20
Antonio Quinei
-
deslocamento do que Freud chamou de 'enüuna da mulher' para o
que Lacan, nos anos 70, chama de 'enigma do gozo feminino': a
mulher se encontra no gozo fálico, mas não apenas.
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21
,.f Mullttr
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A( Mulher'" .
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NOTAS
24
Stclla J1mcnez
Algo faz com que isso seja mais claro do lado das mulheres. O além do
significante, a relação com a falta, a percepção do indizível, o imaginário
do ego corporal dando uma unidade de engodo ao corpo despedaçado
pelo simbólico, é certamente mais óbvio do lado das mulheres. Nos
homens é mais freqüente a tendência a dar conta de tudo com raciocínios,
de tudo explicar, de ignorar as repetições inconscientes com argumentos
que os tranqüiliz.am.
25
,(M11lher
já que desde Freud se sabe que elas podem passar algum tempo
como mulheres3 e outros como homens), nem todas se enganam sob~e
a ficção significante. Mas se queixam disso sem saber o que dizem.
Esse materna mostra que a histérica tenta recaJcar aquilo que está no
26
StcOa J~ncz
---
O mesmo temor as leva a não quererem ser tomadas por um~e
delas mesmas. Parte remete também ao objeto. Também costumam
dizer: "não quero que ele goste de mim só porque tenho um corpo
.
lindo", "não quero que ele goste de mim só por causa de minhas
pernas". Exigem ser amadas pelo que não são, na tentativa de serem
amadas como falo.
Gostem ou não, as mulheres estão mais perto do real. Não foi por
acaso que o inconsciente (o Outro) foi descoberto graças às mulheres,
como também não é casual que elas procurem mais a análise.
maior para esse lado. Não todas, posto que muitas histéricas tentam
estar todas do lado do significante.
3x <I>x
Vx ll>x
real, assim como não teme a perda que implica apontar para o lugar
vazio do desejo. Entretanto, uma diferença se impõe: o ato da
'verdadeira mulher' é o sujeito que o produz. Madeleine Gide
confessa ter percebido que precisava fazer algo para se vingar do ser
amado. No caso do analista, não é bem ele quem produz o ato, mas
algo dentro dele, algo que tem a ver com seu desejo de analista,
frente ao qual ele se sente tão tomado e tão ultrapassado como seu
analisando.
Para finalizar, posso dizer que a única queixa que até o momento
escutei como específica das mulheres é a de não serem entendidas
pela mãe, sem que precisem se explicar. O que recriminam na mãe,
em última instância, é dela se ter e as terem submetido à lei do
significante.
NOTAS
33
j(Mullltr
No Mais, ainda, ele diz que quando uma mulher entra na relação
sexual enquanto mãe, e um homem enquanto castrado, seus objetos
não são simétricos1. Um homem busca uma mulher, e uma mulher
um filho, fazendo do homem apenas o procurador desta petição. O
homem, que busca uma mulher, encontra I).ela outro sujeito no lugar
do suposto objeto de complemento, o objeto a de sua fantasia. O
mesmo se passa do lado dela. Ela obtém a criança, mas só pode
viver com seu pequeno filho as desilusões cotidianas de perdê-lo a
cada dia, já que ele também não poderá encarnar o complemento.
34
Hcloisa Cal das Ribeiro
35
AM11lhtr
36
Heloisa Caldas Ribeiro
37
,,(Mu/Mr
Por que será, no entanto, que Lacan vai nos dizer nesta passagem
que uma mulher recusa uma parte essencial da feminilidade, em
especial todos os seus atributos, nessa operação de mascarada?
Chama atenção à idéia de que pudesse haver algo de essência da
feminilidade. Que atributos são estes que caracterizariam uma
mulher?
NOTAS
40
O Falo e a Outra: um estudo sobre a
feminilidade
Cristiano Facchinetti
Psicanalista. mestranda em Teoria Psicanalitica, UFRJ.
Ela fica então numa posição de ser aquilo que Lacan vai chamar de
objeto causa do desejo do Outro - em sua fantasia, mas também na
experiência de dependência. Que fique claro que este 'ser gozado'
inicial é a expressão de um gozo não sexual, uma vez que o sujeito
ainda não passou pelo recalque - ou como diria Lacan, a intervenção
do significante do falo ainda não se deu.
42
Cristiana Facchinctti
Mas isso não quer dizer que esse Outro gozo s_eja o traço feminino
por excelência, pois dele nada se sabe. A posição feminina serve de
metáfora para o Outro por este último ser sempre inatingível,
43
A Mulhu
De modo que nada resta para 'a querida mulher' a não ser fazer
semblante de homem, por urna questão estrutural,já que a linguagem
a situa fora daquilo que se pode dizer. Corno pode urna mulher se
acomodar nesta posição, que à falta de urna essência significável, só
pode se firmar através do artificio?
44
Cristiana Facchineni
45
tf Mulher
46
Cristiana Facchineni
NOTAS
48
Rita Maria Manso de Barros
Foi levada com sua mãe e innã à sala da psicologia pelo residente
responsável, já que este diretor requisitara acompanhamento
psicológico da criança e de seus pais, anterior ao ato cirúrgico. "Agora
depende só da senhora para que minha filha seja internada aqui e
este problema seja resolvido", me diz a mãe. Vejo que estavam com
sacolas; esperavam deixá-la internada naquele mesmo dia.
49
A.Wulh~r
50
Rita Maria Manso de Barros
51
A Mulher
NOTAS
52
Capítulo 2
55
lf Mulhtr
II
Vamos tentar entender melhor essa questão com a ajuda do quadro
proposto por Lacan no seu seminário A Relaçao de Objelo 1 , sobre
as modalidades da falta de objeto:
60
Romildo do Rtgo Barros
corpo da mãe, mas a algo que, embora possa oferecê-lo, a mãe não
tem. Ou, se o tem, é em referência a uma lei que não é sua.
Ili
O supereu é um resíduo. Isto pode ser entendido tanto no sentido de
que é wna interiorização, que no texto freudiano tem por origem a
pura angústia diante de uma punição eventual até se constituir em
uma instância intra-psíquica, quanto no de um resto não assimilável,
de um imperativo sem palavras que guarda, no entanto, traços de
sua origem simbólica, expressa na caricatura de lei através da qual
determina ações, ou, ao contrário, impede qualquer movimento. O
supereu é uma lei reduzida à simples voz de comando, que Freud
expressou com um 'Farás!' ou 'Não farás!', e que Lacan traduziu
com um 'Goza!': o supereu é um imperativo de gozo9 , e neste sentido
61
,(Mulhu
• ora, o que o pai daria é paradoxalmente o que ele não tem, isto é, o
objeto simbólico do qual a mulher é privada. Simbólico no sentido
de que o bebê, cujo dom supostamente anularia a privação, não se
pode reduzir ao pênis, que efetivamente o pai possui, mas não pode
transmitir. É portanto pela negação do real do pênis - o que indica
precisamente a castração do pai - que o bebê pode aparecer como
objeto simbólico, e, por conseguinte, como dom de amor, que L~can
definiu algumas vezes 12 como "dar o que não se tem". Talvez se
possa formular desta maneira a questão do amor na lógica ~a
privação: o que o Outro tem, não pode dar, e o que ele dá, não tem.
A partir deste paradoxo, a menina é levada, segundo Freud, a
renunciar à sua demanda de um bebê no lugar do pênis faltante, e se
identifica ao ideal do eu paterno. Catherine Millot se pergunta, em
um artigo sobre o supereu feminino, se o que leva à renúncia é a
decepção da menina ao descobrir que não recebe o dom do bebê, ou
se pelo contrário, é o próprio amor pelo pai que a faz renunciar, já
que "ela sentiria que esta última (a sua demanda) constitui uma
ameaça de castração para o pai" 13 .
NOTAS
64
Romildo do Rego Barros
14. Idem, Ibidem, p.112: "Esta diferença entre o supereu nas mulheres.
e no homem é articulada por Freud ao complexo de Édipo. As
restrições de Freud a respeito do supereu nas mulheres concerne
ao supereu pós-edipiano e não ao supereu precoce".
65
,( M11I/Ju
"Nilo me parece outra coisa senão um mo"er quase totalmente a todas as coisas
do mundo e ficar gozando em Deus. Nilo conheço outros termos para o expressar
Nilo sabe entilo a alma o que fazer: se fala, se fica em silêncio, se ri, se chora. É
um glorioso desatino, uma celestial loucura onde se aprende a verdadeira
sabedoria. Para a alma é uma maneira muito deliciosa de gozar. "
"Essas jae11lações místicas. não é lorota nem falação, é em suma o que se pode
ler de melhor. Podem por em rodapé. nota - Acrescentar os Escritos de Jacques
Lacan, porque é da mesma ordem".
1
i masculinidade inicial, ou seja, seu falicismo na relação com a mãe.
Destaca que o "tomar-se mulher" é um processo longo e ·não realizado
, totalmente. A fem~nilidade para ele se resumiria nwn "tornar-se
' mãe" 2 , ou seja, numa substituição do penisneid pelo desejo de filho,
que implicaria na aceitação da mediação do homem.
Outro gozo
68
Elisa Monteiro lnh Autr11n Dourado Darbosa
3x <I>x
Vx <I>x
S()()
Com o seu aforismo "A mulher não existe", Lacan quer marcar que
69
AMulllu
Com o conceito de privação, Lacan tenta dar conta desse gozo que o
sujeito pode experimentar no despojamento do ter, fabricando-se
um ser. T~to mais Teresa abre mão dos bens mundanos, mais..ela.é..
_A noção_ de ex-sistência toma aqui todo seu sentido. É o .que está
_fora da medida fâlica que se busc_a.
73
/f M11lller
74
Elisa Monteiro Ines Autran Dourado Barbosa
Esposo
_
Teresa
... ---·
não
.
compreende seus arroubos.. Só sabe que goza .
75
,<Mulh~r
toda abrasada em grande amor de Deus. Era tão intensa a dor que
me fazia soltar gemidos; e tão excessiva a suavidade que me deixava
aquela dor infinita, que não podia desejar que me deixasse nem se
contenta a alma com menos do que Deus. Não é dor corporal, mas
espiritual, embora o corpo não deixe de ter participação e bem grande.
t t11!1 trato ~e amor entre Deus ~ a alma que, suplico eu à Su_a
~o~~_de, f~ça-o gozar a quem pensar__9ll_e.__J?into." 1;
Em sua fala desatinada sobre este êxtase, ela meio-diz um gozo vivido
nesse encontro, em sua união com este Outro, Eros divino. Em seu
desamparo a alma clama o desejo do amor infinito do pai: 'Oh! pai,
,não me abandone'. E nesse momento de ilusão de amparo, goza ...
NOTAS
76
Elisa Monteiro lnes Autran Dourado Barbosa
77
.<Mullltr
78
Sonia Alberti
1. A castração e o S (A).
O que vela o desejo é o amor, donde a relação entre amor e desejo (cf. o
materna de Lacan, i (a)). Isso pode tornar o amor metáfora, uma das
fonnas da sublimação. A mulher, que sabe que por trás da falta não há
nada e que, como Dora na Capela, se depara com o Outro como barrado,
só pode desejar através de um homem. Talvez por isso esse temor do
abandono de que Freud jâ suspeitava O homem, por sua vez, por aí não
poder identificar-se, já que há um significante que o representa, coloca
A mulher neste lugar.
Essa relação entre amor e desejo foi exemplificada por um sujeito aos
dez anos de idade, quando trouxe a estorinha que resumo a seguir: "O
rei trancou a princesa em seu quarto e foi donnir. O feiticeiro, que estava
dormindo, acordou e pegou o dragão e enfiou grampos (clips) no dragão
- o dragão aqui representa o isso da princesa - lugar da libido. Aí o
dragão foi ao poço dos desejos onde jogou uma moeda".
NOTAS
3. Por isso mesmo, ela pode ser causa do desejo do homem, já que
todo desejo se sustenta da própria falta.
84
Do iídiche, do Witz e da mulher
Sara Pero/a Fux
Psicanalista, membro da Escola Brasileira de Psicanálise.
A razão subjetiva para que Freud se dedicasse aos Witzn teria sido
uma queixa de Fliess de que os sonhos relatados na Interpretação
dos Sonhos 3 estariam por demais carregados de chistes. Esta
observação pode ter atuado como fator para que Freud dedicasse
mais atenção ao tema, mas, seguramente, não foi a origem de seu
interesse.
85
,< Mulhtr
86
Sara Perola Fux
Para aqueles pegos pela cultura, que a têm nas costas como pulgas,
'futucando' e despertando, a leitura do livro de Freud tem um efeito
'familionário': ao mesmo tempo, familiar e rico de prazer e surpresa.
87
A Mulher
Será que foi o Witz que abriu para Freud_ a percepção da questão
histérica?
NOTAS
3. Idem, "A Interpretação dos Sonhos" (1900), op. cit., vol. IV-V.
91
,,< Mulher
Diz Gennie Lemoine: "A mulher é bela por definição; uma vez que,
se ela se sabe ou se declara feia, não é mais uma mulher" 2. Por outro
lado sabemos que é o brilho do olhar de desejo de um homem que
pontilha a noite do continente negro de estrelas que brilham.
95
A Mulher
96
Mana Anita Carneiro Ribeiro
97
~Mullttr
NOTAS
1. LORD BYRON - The /ove poems o/Lord Byron, New York, St.
Martin' s Press, 1990, p.48, tradução nossa
Assim é necessário não confundir este prazer com o gozo que cria a
fixidez da fantasia, porque ele está na fórmula freudiana da fantasia,
sendo a moldura dessa satisfação paradoxal. A inércia fantasmática
propicia tal reencontro doloroso, de maneira que o gozo que lhe é
próprio situa-se 'mais além do princípio do prazer'. De onde se deduz
que o desejo articulado à demanda e à necessidade não pode ser
articulável senão ao nível ético, porque ao desaparecer a demanda,
ou o grito como a forma que lhe antecede, resta ainda o corte como
o que precisamente distingue a pulsão da função orgânica que a
habita. Isto se pode compreender se pensamos nas zonas erógenas e
na delimitação que delas faz a pulsão, demarcando aí a borda onde
se dá o metabolismo do gozo.
que crê ter acesso a si mesmo, aquele que diz Eu em seu enunciado,
não diz na enunciação mais que seu objeto.
bem, se faz ouvir - "sob o pretexto que conhecemos seus dejetos, que
mostra suas folhas mortas nas vozes extraviadas da psicose, e seu caráter
parasitário sob as formas dos imperativos do supereu". 3
Esta metáfora da voz que mostra 'suas folhas mortas' nos fenômenos
alucinatórios, nos serve também para falar da particularidade da
constituição da fantasia na mulher e para aproximá-la da estrutura
paradigmática da psicose. Nesta estrutura, a foraclusão de um
significante primordial cria o modelo de toda estrutura da linguagem
como delirante, onde o enunciado não responde à enunciação. Na
mulher a não-inscrição do significante Falo conduz ao delírio de
não poder haver o conjunto das mulheres.
A voz como objeto, aquela que não tem significação, aquela sem
som, elide a casn·ação. A fantasia feminina é ainda constituída de
um outro objeto, que não é senão uma mancha, o olhar, cuja projeção
da imagem elide, fazendo como se a castração não existisse. Para
aproximar olhar e voz é necessário estabelecer um ponto de interseção
entre o ponto de angústia e o ponto do desejo, e afirmar que ambos
não coincidem. O desejo é sempre ilusório e a angústia nunca é sem
objeto, de maneira que a interseção é um lugar onde não há nunca
103
,< Mu/htr
Neste ponto pode ser feita uma pergunta: onde pode ser franqueado o
beco sem saída do complexo de castração? A resposta estaria centrada
no ponto de angústia e do desejo, colocando o objeto voz como o objeto
que toma explicita essa mostração da angústia de castração.
104
MinaZbrun
NOTAS
1. LACAN, J. - "Subversion du sujet et dialectique du désir dans
l'inconscient freudien", Écrits, Paris, Seuil, 1966, p.815.
107
Capítulo 3
Horsexe
De mãe para ftlha
Maria do Rosário do Rêgo Ba"os
fsicaNJlista, membro da Escola Brasileira de Psicanáll.fe. Membro do CEPPAC.
112
Maria do Rosário do Rfgo Barros
113
,,f Mulhtr
ela tenha que lidar com o que Lacan chamou de gozo suplementar.
114
Maria do Rostrio do R!go Banos
115
A Mulhtr
como marca de sua virilidade. Tanto não tem, que o busca na mulher
que tomou seu sintoma Quando essa mulher é uma mãe, ele permite,
com isso, que seus filhos se dêem conta da hiância intransponível
entre ela e eles.
NOTAS
118
"Não quero que ela seja como eu"
Maria Luisa Durei
Psicanalista. membro aderente da Escola Brasileira de Psicanálise.
O que quer uma mulher? Freud diz que a psicanálise não responde a
essa questão, apontando assim o enigma que representa a alma
feminina. No entanto, ela não cessa de insistir, causando seu desejo,
a partir do desafio lançado pelas histéricas. Não cessa de causar
também o nosso, enquanto analistas, nesta incansável busca de querer
fazer falar aquilo que não se pode dizer.
119
/f Mulh~r
no que toca a relação dessa criança com o pai que, segW1do a mãe.
repelia a filha constantemente, sendo definido por estas palavras:
"( ... ) é um homem rude, com pouco contato fisico e às vezes
violento". Essas inquietações não se manifestam em relação ao filha,
repetindo várias vezes esta frase: "para ela eu quero o melhor, não
quero que seja como eu".
120
Maria Luisa Durei
121
inspira a descoberta do feminino, na medida em que alguma coisa
da feminilidade permanece absolutamente fora da palavra.
Uma das vertentes deste sonho aponta para um inferno, mas não se
trata de um inferno em chamas, e sim de um inferno colorido. A cor
sugere o olhar. Ela associa o colorido à visão do sangue expelido
por sua mãe quando tossia. Ela sofria de tubercúlose.
Quando sua mãe aponta para o fato de que o pai pode violentá-la, na
verdade faz wna enunciação: "eu não sou nada para ele", tomando-o
sedutor e devorador. No caso Dora, lembremo-nos da cena do lago
quando o Sr. K. diz: "minha mulher não é nada para mim". Lacan, no
Seminário 4, nos aponta que"( ... ) ele não diz que sua mulher nada é
para ele, e sim que, pelo lado de sua mulher, não há nada"'.
Coragem que lhe falta, segundo suas próprias palavras para continuar
a análise, alegando que "antes não se sentia triste assim". Queixa-se
de depressão, afirmando: "há quinze anos, não há um dia que não
ouço a palavra puta. Não é possível mais. Tenho que descobrir, o
que vem a ser a mulher... ". Descoberta que a leva a wn confronto: o
furo enigmático, a falta de significante.
124
Maria Luisa Durei
NOTAS
1- LACAN, J. - O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise, Rio
de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1991.
125
Capítulo 4
131
~Mullttr
apenas falar que gosta dela na palavra de Deus. Antes de ficar nua
na Igreja, eu estava pensando em Sansão. Ele era um homem forte,
grande. As mulheres gostavam dele. Ele amava e protegia. Dalila
era a rainha. Mas houve uma traição entre Dalila e Sansão".
O que acontecera antes com Francisca? Como fora sua vida até então?
Francisca trabalhava como empregada doméstica desde os doze anos.
Era a quinta filha entre onze irmãos; nascera em wna região muito
pobre. Seu pai, desde que era bem pequena, vinha para o Rio de
Janeiro trabalhar. Retomava quando conseguia juntar algum dinheiro.
A cada vez, deixava grávida sua mulher.
Francisca, aos doze anos, resolve acompanhar seu pai quando este,
mais uma vez, veio para o Rio de Janeiro. Muito breve, ele retomou
para o vilarejo. Francisca ficou, não regressando mais a sua casa.
Aos treze anos, após uma tentativa de sedução de um patrão,
132
Graça Pamplona
goste como homem". Assinalo: "casar com Pedro não era sua
palavra?" Ela continua: "quando vim trabalhar no Rio, o patrão queria
me namorar. Uma noite, eu já estava deitada, ele foi no meu quarto,
co_meçou a me fazer carinho. Eu também fiz nele. Ele queria ter
relação sexual comigo, mas eu não queria. Ele me acariciava e eu
dizia: não, não faça isso, não faça isso, eu gosto de você como um
pai. Mas ele insistia, insistia. Aí eu pensei que só ficando parada
como se fosse morta, não fazendo mais nada nele, ele ia parar. Fiquei
toda parada, pensando: meu Deus me salve, meu Deus me salve, até
que ele foi embora". Digo-lhe: "Jesus Cristo salva? Casar com Pedro,
irmão defé, não era sua palavra!" Francisca conclui: "é preciso buscar
a palavra de outro modo. Eu não tinha pensado isso antes. Mas aqui,
com você, eu encontro uma outra palavra".
A frase inicial "o sol nasce", tomada pelo psiquiatra como para-
resposta, era entretanto a resposta própria à pergunta sobre o motivo
da internação: "O sol nasce" - alívio que o significante traz, barrando
o gozo que ameaçava invadi-la. A fricção das mãos, nada mais que
um traço de identificação à mãe. Traço que marca o nervosismo
mas que não responde à questão d' A Mulher.
Seu sonho fala do desejo: gata no cio deseja o desejo dos gatos.
Mas, não fala da questão que, vislumbrada no espelho, lançara-a na
crise que emulava o surto psicótico. Nua, surge a pcrgwlta: o que a
137
mulher mascara sob o véu? "Eu nasci nua da barriga de minha mãe
e vou voltar nua para a barriga dela. Isso é morrer, não é?"
NOTAS
1. Trabalho realizado a partir de caso atendido no Instituto Philippe
Pinel, Rio de Janeiro.
2. FREUD, S. - "Rascunho K", in: Correspondência Completa de
Sigmund Freud para Wilhelm Fliess, Rio de Janeiro, Imago, 1986.
138
Quando a máscara cai: a devastação
Elizabeth da Rocha Miranda
Psicanalista, membro aderente da &cola Brasileira de Psicanálise.
Quanto a esse ponto de falta é o significante fálico que vem dar wna
significação sexual onde reina o fora do sentido do gozo.
No texto La signi.ficación dei Falo de 1958 sobre a sexualidade
feminina, Lacan coloca a relação entre os sexos como o que gira em
tomo do ter ou ser o falo.
139
AMulha
Inicialmente a criança imagina que a mãe tem o falo, mas a mãe não
o tem pois ela também está submetida à função do significante.
Ainda nesse texto, Lacan nos diz que "o significante fálico tem o
efeito de dar realidade ao sujeito nesse significante", ou seja, ele
pode se nomear a partir daí. É a partir da dialética dos desejos (da
mãe e do pai), que o sujeito pode ser brindado com o significante
fálico, mas Lacan continua dizendo "que por outro lado ele irrealiza
as relações entre os sexos"', pois do que se trata é de um 'parecer', é
de fazer semblante.
Já que os seres falantes não são seres naturais, desde que não são
seres da necessidade e sim do desejo, não podem ser homens e
mulheres no sentido instintivo, e a ambos os sexos, o que o resta é
'parecer'. Parecem homens e mulheres.
Mais adiante, Lacan diz que é pelo que a mulher não é que ela quer
ser amada e desejada. Lembro aqui, a fala de algumas jovens
analisantes que no seu afã de buscar um ser que as defina como
mulher dizem: "eu quero que ele me ame pelo que sou e não pelo
meu corpo"; ou ainda: "cu sei que ele não me ama por mim, mas
porque eu sou a melhor aluna da turma". Até chegar a pergunta: "o
que ele ama em mim? O que é uma mulher para um homem?".
Marco uma primeira entrevista com M., que passa a falar sempre
142
Elizabcth da Rocha Miranda
M., ao se lançar pela janela, ou para cima da mãe, se toma puro ato. Ou
cai como a 'jovem homossexual', ou cai contra o corpo da mãe,
espancando-a. Cai como objeto não falicii.ado. Como objeto é colocada
no lugar da falta de um significante que lhe diga de seu ser.
Em Televisão, Lacan nos diz que"( ... ) as mulheres são loucas( ... ).
É justamente por isso que elas não são todas, isto é, não são loucas
de todo, antes conciliadoras: a tal ponto que não há limites às
concessões que cada uma faz para um homem: de seu corpo, de sua
alma, de seus bens. (... ) Ela se presta, antes, à perversão que eu
sustento como sendo a d'O homem. O que a conduz à màscarada
que se conhece e que não é a mentira que os ingratos (... ) lhe imputam.
144
Eliubcth da Rocha Miranda
M., nas suas concessões feitas ao namorado, não se presta, como faz
a mascarada, usando de seus semblantes. Ela dispõe seu ser nas mãos
do outro, desde que ele lhe dê a ilusão de amor no ato sexual. Isso
falha e ela cai como puro objeto.
Colette Soller nos diz que "a devastação surge quando saímos da
145
A Mulller
A mulher não-toda faz ve/ da falta. Não vela a falta nem se identifica a ela
Oculta na falta o gozo feminino heterogêneo à ordem castração-falo.
NOTAS
1. LACAN, J. - "La significación dei falo", Escritos, vol. 2, México,
Siglo Veintiuno Ed., 1975, p.673.
Seria o 'âmago do ser' que visava Felfcia nos seus atos suicidas?
Esse mais além do sujeito apoia-se no gozo, constituindo assim o
objeto de reencontro - o nada. Embora podendo ser recoberto pela
identificação, essa menina-mulher não encontrava wn significante
onde se apoiar.
Traz da escola uma folha de papel com uns pontos que, se fixados
num olhar, revelavam uma imagem de Cristo que dizia amedrontá-
la. ''Na minha casa, ninguém está no seu lugar. São muitas mulheres,
minha mãe, eu e mais três innãs. Todas tomam conta umas das outras,
vigiando-se mutuamente. Meu pai sempre pede a opinião de minha
148
F.I ianc Schcrmann
mãe para decidir qualquer coisa. Ela é que é a dona da casa. Quando
ele tem raiva, ameaça-nos com abandono, dizendo: 'não posso morar
sob o mesmo teto com vulgaridades". O que seria uma vulgaridade?
Um nome de mulher? Esperar em vão do pai um signo de Amor,
deixava-lhe como única opção permanecer no ser, uma vez que ficava
impedido o acesso ao ter.
Felícia estava presa na posição de rebatalho à hora do Outro. 3 No
mais além da vertente homem, e aí colocamos a mãe fálica,
evidenciava pela amenorréia, decorrente da anorexia, sua captura
por um gozo assexuado, desatado de um véu. Assim, emprestava-se
ao sacrifício, aprisionada à fantasia da mãe fálica. Do real que resistia
a passar pelo corpo, tentava reconstruir, ao enquadrar pelo olhar a
imagem de Cristo, um possível nome de seu gozo, não mortificado
pelo significante.
Desde Freud sabemos da indiferenciação entre o corpo da mãe e da
filha, não aparecendo de imediato o emblema do traço delimitador
de separação corporal entre as duas. Como ser falante - pari 'être -
, a mulher está inserida tanto quanto o homem no gozo fálico, mas
sem acesso a um traço distintivo que a diferencie como mulher. O~de,
então, irá a mulher encontrar algo, se o pai falha? A que sintoma irá
se agarrar se não há uma insígnia que a diferencie como mulhe~?
Uma mulher pode preferir ficar col_ada a uma Outra na busca desse
traço ou de um nome, como fonna de se questionar sobre o gozo
Outro - gozo este vinculado à apreensão da inconsistência e
incompletude do Outro.
Decifra-me ou te devoro. A demanda que alcança um bom ponto é a
que obtém, não a satisfação do gozo, mas um signo da presença
simbólica do Outro. Demanda esta que teria chegado retroativamente
a um limite, ao ponto de impossibilidade do Outro em responder.
Felícia poderia obter desse Outro matemo um signo daquilo que
não tem, isto é, de sua impossibilidade como A. Mas, sua mãe sabia
149
j( Mulhtr
150
Eliane Schmnann
·'Minha mãe tem um grilo muito forte com peitos. Diz que sair com
blusa colada é vulgar. Ela não me amamentou e quer que eu use
soutien, mesmo em casa ou para dormir. Peito eu não tenho". Fabricar
um ser com o nada é a questão feminina cuja solução não estaria em
tamponar o furo, mas sim metabolizá-lo através dos semblantes. Ao
ser o esquálido falo, essa menina-moça ensaiava reduzir o ter do
Outro a um semblante. Se Felícia, com sua anorexia dava consistência
ao furo, por outro lado atacava a cor1~plctude do Outro - mãe fálica.
151
A Mulher
função fálica não absorveu completamente mas que, por outro lado,
é o inevitável da condição feminina. Essa devastação refere-se a
esse gozo enlouquecido que faz da mulher uma ausente dela mesma.
Sua dor de existir não se refere totalmente ao destinatário da letra do
sintoma A espera ou sofrimento sem sujeito revela um outro registro
para além do imaginário. Se as mulheres têm o privilégio de uma
maior intimidade com o real do gozo que lhes permite levantar o
véu da castração, então, estão prontas a tudo sacrificar para ser o
falo, realizando-se no não-ter.
NOTAS
Ato Analítico
e Não-Todo
Mulher e interpretação: adeus significante
Gloria Sadala
Psicanalista, membro aderente da Escola Brasileira de Psicand/ise. Coordenadora,
professora e supervisora do Curso de Psicologia da Universidade Santa Úrsula. Mestre
em Psicologia - UFRJ.
Freud sugere perguntar aos poetas para se saber mais sobre o que
não se sabe. Cecília Meireles, em Encomenda, dá sua resposta:
Esta mulher, que chamarei Márcia, diz não ter mais nada: não tem
mais o marido, a casa onde mora não é mais sua, não tem filho.
Durante os vinte anos de casamento, dominava falicamente a cena.
157
A Mulhtr
Num segundo momento, diz não ter opção. Não lhe interessa o porquê
da situação em que se encontra. Análise, só para "desencargo de
consciência". No entanto, aí aparecem sinais de uma transferência
em jogo. Ao convite para deitar-se, responde de duas maneiras: por
um lado, a indiferença e, por outro, já no divã, passa a falar
principalmente da sua adolescência.
O terceiro momento marcou-se pelo aparecimento do desejo de
reconciliação com o marido, mas ainda prevalecendo um não querê-
lo mais. A partir daí passou a vir sempre para dizer: "não querq
nada. Não, não e não". Até dizer que não iria continuar. Interrompe
e só retoma algumas semanas depois.
Na retomada da análise houve um momento crucial que considerei como
wna escansão: não q~er mais nada. Quer morrer. Após o relato de wna
tentativa de suicídio, digo que volte nesse mesmo dia. Reage com
enérgica negativa e na hora marcada, lá estava ela Ao voltar, Márcia
questiona sobre dar a si própria uma possibilidade. Conta da inf'ancia,
da relação conjugal conflituada e decide deixar a porta aberta.
Nestas duas vertentes, a da mulher e a do analista, aquilo que falta
faz enigma. A mulher tenta recobrir a falta pelo amor. Na psicanálise,
surge a interpretação.
Não há como compreender o amor, wna criação. Do lado do analista,
quer ele se cale, quer fale, não compreende os efeitos do que faz e nem
sequer sabe quando seu ato foi wna interpretação, a não ser por retroação.
O ato de mandá-la voltar naquele mesmo dia, foi urna interpretação?
E o que caracteriza urna interpretação analítica, se não é compreender
os seus efeitos?
Lacan diz que "urna interpretação da qual se compreende os efeitos
158
Gloria Sadala
NOTAS
162
Medusa: castração e ato apotropaico
Ne/isa Guimarães
Psicanalista, membro da Escola Brasileira de PsicQlld/ise.
ELE&ELA
.. (. ..) ela acha ele tarado
ela acredita no amor ele a coloca de lado
ele sente muito calor ( ..)
ela quer ir ao cinema ela diz que ele é um número
ele já viu esse filme ele prefere ela de quatro
ela só quer agradá-lo ela se descabela C(?m o despreza
ele toma coca no gargalo ele se penteia com arrogância
ela diz que corta os pulsos ( ..)
ele apresenta a gilete ela diz que se rasga toda
ela quer prova de amor ele diz que isso não é justo
ele não sai do arpoador ela chora
ela diz que ele sonha acordado ele é duro".
ele sonha com ela no escuro
ChacaP
Atualmente, muitas mulheres atribuem o afastamento dos homens
ao medo de se envolver. Muitos homens admitem o medo de não
corresponder às expectativas das mulheres, que fazem muitas
cobranças e parecem sempre insatisfeitas. Eles se distanciam, não
estão nem aí para o sofrimento delas. Sem o tabu da virgindade como
fator de valorização no mercado sexual e de ocultação da castração
- valor substituído por um belo corpo exposto ~ pela capacidade
pessoal de ser independente-, e ainda sem a estabilidade da instituição
matrimonial para respaldar uma definição da prática da sexualidade
e de um lugar de co-responsabilidade no desempenho das funções
sociais, as mulheres livres são sedutoras e assustadoras. É impossível
escapar e manter tal posição. O medo de não ser assim e de continuar
163
A Mulhtr
assim revela o medo dos homens que com elas se defrontam - medo
do que vêem de próprio nelas, e do que não suportam ver porque os
ameaça. A atualidade do mito de Medusa e o ritual de recontá-lo
reabrem os impasses deste desencontro sexual contemporâneo, e de
tantas situações clínicas que podem ser evocadas.
A Mulher e a Castraçãt.
O Mito
A expenência que os gregos tiveram do Outro absoluto, da alteridade
radical (por oposição ao Mesmo; em Platão: to héteron), expressava-
se no indizf vel, impensável, puro caos, confronto com a morte em
representações que a evocavam': máscara monstruosa de Gorgó
(ref~rida à Górgona Medusa), mascarada e disfarce na embriaguez
de Dioniso, fronteira entre selvagem e civilizado na eterna virgem
Ártemis. São três modos dessa experiência da alteridade radical entre
os gregos, em sua mitologia antiga.
• seu escudo polido serviu como espelho para ver Medusa sem fitá-
la e para que ela se visse na sideração do horror, desviando seu olhar
no instante de matá-la.
167
A Mlllhtr
Um Encontro Impossível
Perseu, com seu ardil, operou um corte, rompendo o fascínio que mata.
;'No fundo, quem olha o sexo de uma mulher nua, coxas abertas,
está diante de Medusa, da eflgie terrível, da cabeleira de serpentes,
desse rosto que é uma boca sem mentira e sem verdade, boca de
sombra mortal, rosto em abismo, olhar encarado". 1º
"( ... )vi exatamente na vagina felpuda de Simone, o olho azul pálido
de Marcelle, que me olhava chorando lágrimas de urina". 11
Ato apotropaico:
Notas
170
NcliJa Guimarlcs
171
Capítulo 6
A Mulher na Arte
"Dorotéia"
Elza Marques Lisboa de Freitas
Psicanalista, membro aderente da Escola Brasileira de Psicandlise.
"Donc, dis-je, /'intérét pour /'ánamorphose esl décril comme /e point tournant
ou, de cette il/1,sion de / 'espace, l 'artiste retourne completement / 'úlilisation, et
s 'ejforce de /afaire entrer dans le hui primitif. à savoir d'enfaire comme tel/e /e
support de cette réalité en lant que cachée - pour autant que, d'une certaine
façon, il s 'agir toujours dans une ouevre d'art de cerner la Chose ".
Jacques Lacan 1
175
Escolhi entre autores de textos literários, no entanto, o olhar ~e um
homem sobre a vida e principalmente sobre as mulheres, na tentativa
talvezdecon-tinuar-na diferença.lnurnera:S- foramas-abordagens de
Freud em relação à literatura. Seus seguidores tampouco se privaram
da letra, nem das letras. Da tragédia grega a Shakespeare, de Sade a
Claudel, de Dostoievsky a lbsen, um grande número de referências
de fundo, para nós psicanalistas, veio do texto para teatro. Talvez
porque na dramaturgia temos a cena evidente. Do papel ao palco os
personagens se materializam. A exigência da exposição ao olhar -
cm alguns trabalhos mais modernos apenas aos ouvidos, pois temos
atualmente peças que se desenrolam em parte no escuro - , da imagem
em ato, enxuga a própria letra da trama de tal forma que a estrutura,
que velada seria subjacente, sobrepõe-se em sua constância.
Para nós psicanalistas, rico prato do qual escolho uma porção. Nas
cores fortes, o mote: sexo, vida e morte. Os temas da psicanálise.
Freud com Lacan: desejo, vida e morte - e em muitas peças o incesto
explicitado e deslizante.
"Aquela casa de chão frio, sem leito, é bem o símbolo da morte, que
se tomou a herança da estirpe, desde que a bisavó traiu o amor. Ela
amou um homem e se casou com outro, e, na noite do matrimônio teve
a náusea - fatalidade familiar que passa de uma mulher a outra, (... )"3•
Não é esta a única fatalidade a atingir estas mulheres. Todas têm um
defeito de visão que as impede de ver homem. Elas se casam com
maridos invisíveis - assim como o noivo de Das Dores -, a
adolescente também é invisível. Esta invisibilidade da presença
masculina se manifestará pela materialização de um jarro iluminado
no palco, sempre que as personagens são tocadas pelos impulsos do
desejo, evocando as abluções de Dorotéia antes e·depois do pecado.
Também se fará presente pela referência a Nepomuceno, portador
dos meios de castigo e redenção para as mulheres mas que não surge
em cena. E surgirá, como pivô da ação e de seu desenlace, pelas
botinas desamarradas que 'são' o noivo de Das Dores e que, desde o
momento em que entram em cena, exercem efeito pertubador e
sedutor sobre todas as personagens. D. Flávia, a mais velha, toma
177
A Mulhtr
Em enlevo com seu noivo invisível, Das Dores afirma a sua mãe
que não vai experimentar a náusea e nem a quer. Quer estar com
o noivo. ''Diante desta obstinação só resta a D. Flávia revelar à
filha que ela não existe, pois nasceu de cinco meses e morta."
Manda-a embora. A filha no entanto não deseja voltar para o seu
nada, e sim para a mãe: "não existo mas quero viver em ti".
Pretende nascer viva e ser mulher. Estando morta, não precisa
ser destruída pela mãe. Apenas coloca sua máscara sobre o corpo
de D. Flávia. Esta máscara da filha, agora presa à carne da mãe,
tenta atraí-la, arrastá-la para as botinas.
178
Elza Marques Lisboa de Freitas
m.Ülh.~re.s
---- p.orq_u~ -~ !!!!,llher
- .
não se _pode de~c~}?rif.
---··--- - De tal maneira
·que há que inventá-la. Neste sentido chamamos mulheres a estes
sujeitos que têm uma relação essencial com o nada. É uma expressão
prudente, de minha parte, porque todo sujeito, tal como Lacan o
define, tem uma relação com o nada. Mas de cef!.9~~~<?? es_~~s
sujeitos que sã__Q_.!!!..l!!h.~res
•---::.. _______ --
. -
·--,.,_.
têm -·-·
urna·- relação mais essencial, mais
- · - - - - ---· - - - ... ·------
próxima, com o nac!.~'~ _
----------··· . --·
As botinas e o jarro são ainda semblantes do homem, este invisível.
Uma vez banidos de cena, restam as mulheres, sustentando com a
máscara inscrita na carne, pelas chagas e pelos furos, este nada.
Botina, jarro, máscara e palavra ocupavam ainda o lugar apontado
por Jacques Lacan como o do Outro barrado. Como todos os seus
personagens, nesta<; mulheres Nelson aponta, na mediocridade de
um cotidiano, o mesquinho, o patético e, nos melhores momentos, o
trágico. Em sua cultivada cegueira, em seu horror cravado na carne,
a elas não é dada a saída mística. Apodrecerão sem remédio na falta
de um Outro absoluto por cuja mediação a degradação da palavra
lhes salvaria a vida. Repudiam, junto com a visão do homem, até
mesmo aquilo que sendo nada poderia cindi.-las. Ka frase
ªf!..odreceremosjun~f!!...E.ãO há mais gozo, nem de~~jo.
179
..r Mulhtr
O amor e o desejo
a fidelidade que se faz ver e que se opõe ao não visto. Budião, seu
homem, "preferia sempre chegar de noite e currichiar como um
pássaro noturno junto ao portãozinho dos fundos, até que ela viesse
atendê-lo". Amavam-se às escondidas.
Merinha, por outro lado, diz saber: "ah, eu sei, eu sei, a mulher sabe
dessas coisas, é uma coisa que vem no peito, uma sensação que dá
de noite, um negócio que vem de manhã cedo, um apertume que
ataca no meio do dia, uma vasca que chega na hora de dormir. Eu
sei! Eu sei que ele nem está morto e nem me largou!"
Não importa que 'o vulto' lhe diga estar chegando naquele instante.
185
A' Mulher
Tampouco que fique de pé sem saber como, que apure a vista e não
enxergue "nenhum dos traços do homem, cobertos pela sombra do
chapéu". Nunca ouvira aquela maneira de falar, aquelas ''palavras
pronunciadas como se tivessem mais sons". Um sentimento a afeta:
~ O caminho da feminilidade
Em seus últimos textos sobre sexualidade feminina, Freud ponderou
186
Vera Pollo
l
ele, como a interpretação analítica, con~~uz "d.~ue perdura de Pl:l.!}l.
perda ao que só aposta do pai ao pior'0, 1
NOTAS
188
"Mulher é desdobrável" - a mulher e o
semblante
Ana Martha Wilson Maia
Psicanalista, correspondente da Seçdo Rio - Escola Brasileira de Psicanálise.
Mestrando em Psicologia Clinica, PUC-RJ
189
tf Mulher
191
A'Mulll~r
impossibilidade
- - --
-· .
de se recobrir
- - - ----- - --
. .
.
o real com o simbólico,
-- - - - . --· --·· . .
de encobrir a
falta, já que por trás do véu pennanece o buraco. Uma outra definição
de Miller: "o semblante é aquilo que tem função de velar o nada''6. E
no caso da mulher,a relação com o nada é mais estreita porque a
mulher necessita ser coberta, velada; não se pode descobrir A mulher,
somente inventá-la. A melhor solução para a mulher está do lado do
ser: ser o buracQ,_ fabricar wn ser a partir do nada, saída que se
dist~cia da matemi~po~~e~plo, que está do lado do ter, a
saí<lac:Tássica paraFreud. - --- - - - - . -- - - -- - -
195
A Mulhu
Clarice Lispector
Marguerite Duras
NOTAS
201
A'Mullltr
202
Entrevista
Gennie Lemoine
Paris. outubl"J dt! 1995
P -Após ter dito que as mulheres quase não têm supereu, Freud, em um
texto dei 932, afirmou: "( ..) Uma mulher da mesma idade (30 anos),
ao contrário, nos assuta pelo que nela encontramos de fixo, de imutável;
sua libido - tendo adotado posições definitivas - parece. doravante,
incapaz de mudá-las. Aqui, nenhuma esperança de ver se realizar
qualquer evulução; tudo se passa como se o processo estivesse
concluído, abrigado de toda influência, como se a dolorosa evolução
para afeminilidade tivesse exaurido por completo as possibilidades do
indivíduo". Gostaríamos que a senhora comentasse este trecho e nos
falasse um pouco sobre o supereufeminino.
GL - O supereu feminino deve ser posto em relação com sua libido.
(ver segunda resposta)
Capa: