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Resumo
A cidade tem sido como campo fértil para os estudos sobre o imaginário social,
compreendido como sistema de ideias, imagens e representação coletiva, capazes de
engendrar realidades sociais. Nesse sentido, constitui-se também como referência para
essas abordagens, a partir do debate das práticas culturais cotidianas desenvolvidas num
determinado espaço urbano que está sempre em movimento, onde a população plasma
suas impressões e marcas de pertencimento. São esses espaços repletos de sentido que
estão na atualidade sendo objetos de investigação, onde se busca os limites do pensável,
trabalhando também nas margens e nas franjas em busca do conhecimento histórico.
Essas memórias afetivas são percebidas a partir das impressões, das pistas e dos
vestígios herdados de um passado e dessa forma, “habitar é deixar rastros”. (CARLOS,
2001, p. 5)
1
Mestre em História Social pela PUC/SP. Desde 2012 vem desenvolvendo pesquisas sobre sonoridades
urbanas em Aracaju nos séculos XIX e XX. E-mail: cosantanacleber@gmail.com
imagens/representações, encarando a cidade como problema a ser investigado. A vida
cotidiana é, em grande medida, heterogênea; e isso sob vários aspectos, sobretudo no
que se refere ao conteúdo, à significação ou à importância dos tipos de atividades que
são desenvolvidas, seja na organização do trabalho e da vida privada, nos lazeres e no
descanso, na atividade social, no intercâmbio cultural e na espiritualização das
expressões religiosas. (Cf. HELLER, 1985).
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Sobre sinestesia, considero os trabalhos de Maurice Merleau-Ponty (1994) como referenciais para esse
entendimento teórico. O referido autor defende a dignidade do corpo e de seus sentidos na apreensão do
mundo e do outro, onde visão, olfato, paladar, tato e audição estão em sintonia (unidade dos sentidos)
com as mudanças advindas da era moderna.
a partir da etnografia de rua, onde caminhadas, observação das práticas e dos
personagens, atenção às sonoridades, ao movimento da rua, percursos, descrição dos
ambientes, possibilitam interpretação das formas de vida social. (Cf. ECKERT &
ROCHA, 2005).
Podemos perceber então que toda cidade tem na sua constituição várias
sonoridades, já nasceu sobre o manto do som e mal conhece o silêncio. A historiografia
urbana e sensorial sobre cidades nos aponta que se trata de uma incongruência exigir da
cidade silêncio. O som natural ou mecânico já está inserido dentro do mundo e do
desenvolvimento tecnológico integrado à vida cotidiana, fruto do progresso e do
resultado das inserções de novos padrões mecanicistas e fugir da produção sonora torna-
se uma utopia. Ser cidade é ter diversos sons, adquiri uma nova cultura do sensível,
fazendo parte das camadas sonoras.
Dessa maneira a heurística dos sons urbanos do passado pode ser buscada
através de duas formas nos registros documentais ou nas lembranças dos habitantes. O
registro documental e a memória de longo prazo correspondem dois caminhos
substanciados de estímulo sensorial e sonoro. Ambos possibilitam promover a
reconstituição da história cultural auditiva.
nenhum documento pode nos dizer mais do que aquilo que o autor pensava – o que
ele pensava que havia acontecido, queria que os outros pensassem que ele pensava,
ou mesmo apenas o que ele próprio pensava pensar. Nada disso significa alguma
coisa, até que o historiador trabalhe sobre esse material e decifre-o. (CARR, 1982, p.
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Porém advertimos que não faz parte dessa proposta elaborar um inventário das
manifestações acústicas, tarefa ambiciosa e porque não dizer inócua e impossível,
propomos realizar uma discussão de maneiras de recuperar, através de pesquisa,
fragmentos histórico dos sons, observando as práticas culturais, descrição dos
ambientes, dos personagens e agentes, tendo uma atenção às sonoridades, ao
movimento da rua, aos percursos. Pois, mais que arrolar essas infinidades de vibrações
sonoras, cumpre-nos entender de que maneira esses sinais compuseram a tessitura
urbana de uma cidade.
Tentar reconstruir, em código escrito, fenômeno que por essência existiram de forma
imaterial e fugaz; assim como tentar recompor, em conjuntos interpretativos,
segmentários e particularizados (o som dos sinos, o som dos automóveis etc.)
manifestações sonoras que eram emitidas em múltiplas camadas difusas, sobrepostas
e perturbadoramente intricadas são correr o risco, aterrador e angustiante, de
aproximar-se mais do peso e das certezas que geralmente acompanham as idéias e
práticas do legislador, do que da leveza, bifurcações, questionamentos,
instabilidades, provocações e infinitas possibilidades de interlocuções que na maior
parte das vezes proporcionam as obras literárias. (APROBATO FILHO, 2008, p. 40)
Já os gritos dos vendedores ambulantes, nas ruas cidades, datam de época muito
antiga. Eles são a primeira forma – oral – da publicidade, além de promover
comunicação. “Num tempo onde a cultura era reservada a uma classe de privilegiados e
onde a proporção dos iletrados continuava considerável, a “gritaria” de suas
mercadorias era o único meio de que dispunham os comerciantes para informar a sua
clientela.” (MASSIN, 1978 apud LINDENFELD, 1999, p. 33).
Além disso, após os rituais religiosos fala-se que as pessoas “iam dançar nas
casas uma espécie de coco de parelha (...) O coco era tão animado que às vezes, ao fim
das noite, ou se quebrava o tamanco ou o tijolo da casa” (ALENCAR, 1990, apud
GRAÇA, 2005, p. 116).
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Sobre a existência de leilão nos festejos juninos, encontramos uma notícia no Jornal A Tribuna, de 27 de
junho de 1931, que informa que “a colônia de pescadores desta capital, festejará na sua sede, o dia de São
Pedro, realizando hoje a noite um animadíssimo leilão e mandando celebrar amanhã às 5 horas uma missa
campal”. Geralmente a realização de um leilão era para cobrir as despesas realizadas para a festa.
4
Sergipe-Jornal, Aracaju, 30 de junho de 1931.
5
Sergipe-Jornal, Aracaju, 23 de junho de 1932.
Nesse sentido vimos que a partir das fontes vamos extraindo as informações que
ela própria não pode formular no que diz respeito as sonoridades e modelos de
interpretação por meio do resíduo, transformando o pensamento histórico em ciência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIN ______________Rua de mão única. Obras escolhidas, vol. II. São Paulo:
Editora Brasiliense, 2004.
CARLOS, Ana Fani Alessandri ______. Habitar é deixar rastros. In: Espaço-tempo
na metrópole. A fragmentação da vida cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001. p.213-264.