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Antropólogo, Professor Adjunto da UFMS/CPAN/Corumbá
uma estratégia política adotada principalmente do lado boliviano da fronteira (ainda
que comerciantes brasileiros possam participar dessas manifestações).
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Arroyo Concepción é um distrito do município de Puerto Quijarro.
que não são necessariamente questões fronteiriças - são feitas através de uma
performance que utiliza carros e ônibus atravessados e bandeiras da Bolívia (como
notamos nas fotografias abaixo). A repetição e a forma desses eventos nos indicam
um padrão e um sentido neste tipo de ação, que nos levam a indagar as seguintes
questões: o que está em jogo no fechamento da fronteira para os manifestantes?
Por que esta e não outra manifestação política coletiva se cristalizou como ação
efetiva para requerer demandas na fronteira? De acordo com Sigaud (2005), estes
são atos que tornam legítimas as pretensões dos manifestantes, o que reforça a
crença na eficácia desta forma de manifestação, explicando sua recorrência.
Entender o “fechamento” da fronteira representa muito mais do que observar a
reunião de pessoas para reivindicar situações concretas de demandas conjunturais,
pois esta ação compreende técnicas ritualizadas para realizar o “fechamento”, uma
organização espacial, um vocabulário próprio e possui elementos dotados de forte
simbolismo como a bandeira da Bolívia dependurada nos ônibus, os automóveis e
ônibus cruzados na pista, demonstrando que “ninguém passa”, como marcos
distintivos deste ritual político.
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Não se deve deixar de notar também, de acordo com os valiosos comentários da professora Suzana Mancilla
da UFMS/ DHL/ CPAN, que não há um consenso no lado boliviano sobre essas paralisações, que estão associadas,
como coisa de “collas”, por alguns setores sociais, identificados como “cambas” de Puerto Quijarro e Puerto Suarez,
apontando para conflitos internos (camba x colla, oriente x ocidente) que se manifestam de forma extrema no
departamento de Santa Cruz e na própria Bolívia como um todo e que escapam aos objetivos deste artigo (ver
SOUCHAUD e BAENINGER, 2008).
reportagem do jornal, afirmaram que não havia, no momento, mais espaço para
concorrências. Ruben Flores, presidente da Cooperativa de Transporte Pantanal,
deu a seguinte entrevista: “Não somos contra, porém, este não é o melhor momento.
A estrada de acesso até Santa Cruz ainda não está pronta e por isso não temos
ônibus mais confortáveis. Assim que as obras terminarem vamos comprar novos
carros, mas precisamos de um compromisso formal do Governo dizendo que não vai
deixar outras empresas atuarem no departamento”, revelando ainda que as
empresas, que querem se instalar na região, não seriam do departamento e que
uma de suas demandas seria a de “valorizar as pessoas que já estão trabalhando
aqui”. Flores afirmou ao Diário de Corumbá que a decisão de fechar a fronteira foi
feita em conjunto com outras instituições de transporte do departamento de Santa
Cruz. “Este é um ponto muito importante porque nós pertencemos a um corredor
bioceânico, que aglutina mais de 27 instituições de transporte que levam de El
Pailón até Arroyo Concepción, está tudo paralisado. Esperamos que o governo nos
escute. Não estamos impedindo que outras empresas venham atuar aqui, mas hoje
temos oito empresas que estão querendo trabalhar”.
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Art. 1º Os bens de viajante procedente do exterior, a ele destinado ou em trânsito de saída do País
ou de chegada a este serão submetidos ao tratamento tributário estabelecido nesta Portaria.
Art. 2º Para os efeitos desta Portaria, entende-se por:
I - bens de viajante: os bens portados por viajante ou que, em razão da sua viagem, sejam para ele
encaminhados ao País ou por ele remetidos ao exterior, ainda que em trânsito pelo território
aduaneiro, por qualquer meio de transporte;
II - bagagem: os bens novos ou usados que um viajante, em compatibilidade com as circunstâncias
de sua viagem, puder destinar para seu uso ou consumo pessoal, bem como para presentear,
julho de 2010, que modificou as regras para a declaração de mercadorias adquiridas
em viagens ao exterior. Em sua fala se referiu ao prejuízo também aos “turistas”
brasileiros que fazem compras em Arroyo Concepción, especialmente no comércio
de roupas. Destacamos que a categoria “turista”, não se refere exatamente aos
turistas que visitam Corumbá ou o Pantanal e que, eventualmente, fazem compras
na Bolívia. Esta categoria de compradores, a que se referem também os
comerciantes locais, corresponde, de fato, aos comerciantes brasileiros (ditos
“sacoleiros”) que vêm em ônibus fretados, para a fronteira especificamente para
adquirir roupas com menor custo para revender no Brasil. Esses compradores é que
sustentam e justificam a existência do comércio em Arroyo Concepción, como
afirmaram alguns lojistas.
Foi este o principal motivo que levou os manifestantes a pedirem, durante a
reunião, às autoridades bolivianas uma negociação e revisão desta Portaria 440,
especialmente em seu parágrafo 3º, que diz que a Receita Federal Brasileira (RFB)
“poderá estabelecer limites quantitativos diferenciados tendo em conta o tipo de
mercadoria, a via de ingresso do viajante e as características regionais ou locais”.
Este parágrafo abre uma importante prerrogativa para negociações específicas
locais e que considerem a condição específica de comércio em fronteiras,
entendendo as dinâmicas locais. A principal questão da Portaria 440, que afetou o
comércio em Arroyo Concepción, se refere aos seguintes itens referentes à isenção
de tributos por parte dos viajantes que são: “os bens não relacionados nos incisos I
a IV, de valor unitário inferior a US$ 10,00 (dez dólares dos Estados Unidos da
América): 20 (vinte) unidades, no total, desde que não haja mais do que 10 (dez)
unidades idênticas; e VI - bens não relacionados nos incisos I a V: 20 (vinte)
unidades, no total, desde que não haja mais do que 3 (três) unidades idênticas.”.
sempre que, pela sua quantidade, natureza ou variedade, não permitirem presumir importação ou
exportação com fins comerciais ou industriais;
III - bagagem acompanhada: a que o viajante levar consigo e no mesmo meio de transporte em que
viaje, exceto quando vier em condição de carga;
IV - bagagem desacompanhada: a que chegar ao território aduaneiro ou dele sair, antes ou depois do
viajante, ou que com ele chegue, mas em condição de carga;
V - bens de uso ou consumo pessoal: os artigos de vestuário, higiene e demais bens de caráter
manifestamente pessoal, em natureza e quantidade compatíveis com as circunstâncias da viagem; e
VI - bens de caráter manifestamente pessoal: aqueles que o viajante possa necessitar para uso
próprio, considerando as circunstâncias da viagem e a sua condição física, bem como os bens
portáteis destinados a atividades profissionais a serem executadas durante a viagem, excluídos
máquinas, aparelhos e outros objetos que requeiram alguma instalação para seu uso e máquinas
filmadoras e computadores pessoais.
Todas as pessoas entrevistadas durante a reunião em Arroyo Concepción,
afirmaram que a quantidade de três peças idênticas seria insuficiente para atrair os
“turistas” a fazer compras na fronteira, o que vem causando a diminuição do fluxo
dos compradores e uma crise no comércio local.
Em vários momentos durante a paralisação, ouvimos manifestantes e
autoridades bolivianas (inclusive no discurso proferido pelo Cônsul da Bolívia em
Corumbá durante a reunião) afirmando que o governo boliviano deveria fazer um
acordo igual “ao do Paraguai” com o Brasil. Além deste parágrafo 3º, que prevê
acordos específicos locais ou regionais, os manifestantes estavam se referindo à
“Lei dos Sacoleiros”, Lei nº 11.898/09, cuja Instrução Normativa RFB nº 1.098, foi
publicada pela Receita Federal, no dia 15/12/2010. Pela normativa em questão, fica
determinado que a partir de 1º de janeiro de 2011, os “sacoleiros” interessados em
aderir ao Regime de Tributação Unificada (RTU), criado pela nova lei, poderão
cadastrar suas microimportadoras junto à RFB. Além disso, podem fazer parte do
novo regime, que prevê alíquota de 25% para a importação de mercadorias de
extrazona (de fora do Mercosul), ofertadas no comércio do Paraguai, microempresas
aderidas ao SIMPLES Nacional. O teto anual para importações é de R$ 110 mil, tal
como disposto em normativa anterior. Esta lei estabelece, também, as regras para
credenciamento de representantes e cadastramento dos veículos para o transporte
de mercadorias entre Ciudad del Este e Foz do Iguaçu, ou seja, inicialmente apenas
a fronteira Foz do Iguaçu - Ciudad del Este foi habilitada ao trânsito das mercadorias
adquiridas sob este novo regime.
Considerações Finais
Este evento também joga por terra qualquer análise que suponha um
enfraquecimento ou desaparecimento das fronteiras nacionais. O capitalismo
sempre dependeu e se estruturou a partir da forma de governo do Estado Nacional,
como uma forma de associação política que detém um território soberano,
fetichizado em seus mapas e limites. Podemos considerar o comércio entre
fronteiras nacionais, (e não apenas nas zonas fronteiriças), como um dos elementos
chaves da acumulação capitalista ao longo de sua história (COSTA, 2010b). Desde
sua gênese, comerciantes e industriais, assim como os governos nacionais se
beneficiaram da existência dos vários sistemas de valor entre as nações para
acumular riquezas (MAGALHÃES FILHO, 2003; PIJNING, 2001). Os estudos em
áreas de fronteira tornam visíveis, neste sentido, as relações intrínsecas entre a
expansão do Capital e do Estado como forma de governo historicamente construída
e que garante a ordem pela coerção física e pela instituição das leis, dependendo de
um aparato burocrático para gerir e administrar este território.
Bibliografia:
GRIMSON, Alejandro. 2000. Pensar Fronteras desde las Fronteras. Nueva Sociedad
n.170. Noviembre-Deciembre. Honduras.
MAGALHÃES FILHO, Francisco B. 2003. Origens da Integração no Cone Sul:
Comércio e Contrabando. Economia, 28/29, p. 185-214, Curitiba: Editora UFPR.
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