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PODE SER QUE A ALGUNS este livro lhes pareça não ter quê nem por quê. O Sr. G. K.

Chesterton é ainda jovem, e apenas há pouco passou dos trinta. Bastante provável é que muito
do que lhe há de melhor ainda esteja no futuro. As opiniões que mantém podem mudar
consideravelmente antes de sua morte; o seu estilo pode desenvolver-se; toda a sorte de
experimentos artísticos lhe estão às mãos. Por que, então, pode alguém perguntar, tentar
sumarizá-lo num estágio que à força mesma de sua natureza repele e proíbe semelhantes
sumários? Por que não esperar até ele estar morto, quem sabe até vinte anos passados de sua
morte, quando o mundo já se houver decidido, enfim, quanto a se vale a pena devotar-lhe um
livro que seja?

Não nego a força de tais argumentos. Ainda assim (passando ao largo do fato de que, tivesse eu
de aguardar até o Sr. Chesterton estar morto, quase certo é que morto eu também estaria), creio
haver algo a ser dito a favor do outro lado, e sobretudo no caso de um escritor como o Sr.
Chesterton.

Se um escritor for artista puro e não quiser outra coisa senão dar à luz coisas belas, ou -- para
não incorrermos na controvérsia da "arte pela arte" -- representar as coisas eternas em formas
deleitosas, antes de julgarmos-lhe a arte sem prejuízo precisaremos de tempo à larga. Mas o Sr.
Chesterton não é, nem diz ser, tal artista. É, antes e acima de tudo, um propagandista, o
pregador de uma mensagem precisa à sua própria época. Está a usar todo o poder que lhe dá a
sua capacidade literária a fim de guiar o seu tempo numa certa direção. O que é, pois, por certo
vital a se considerar é se, primeiro, ele tem o poder para liderá-lo e, segundo, se está de fato a
liderá-lo, se é mais provável que o haverá de liderar para o lado certo ou errado.

Quando o homem em questão não é apenas desta natureza como exerce, demais, uma influência
tremenda sobre muito cérebro jovem e a desenvolver-se, sugerir que devamos adiar discuti-lo
até o tempo haver-lhe assentado a permanência da fama é francamente absurdo. Assim fosse,
alguém poderia muito bem sugerir que o Sr. Balfour não deve replicar a um discurso do Sr.
Asquith até que o tempo tenha desvendado se este haverá de ser classificado junto de Fox ou
Addington. Discutir o Sr. Chesterton não é uma questão de crítica literária; é uma questão de
política prática.

Eu, de minha parte, no livro não entrei em especulações sobre a durabilidade da reputação de
que ora goza o Sr. Chesterton. O indiscutível é que, agora, está a influenciar, e profundamente,
muita gente. O quanto as está influenciado para o bem ou para o mal é sem dúvida uma questão
que vale a pena ser discutida.

Valia a pena discutir o Sr. Kipling nos anos noventa à parte de sua eventual posição na literatura
(na qual eu creio profundamente) pois o literato defendia o imperialismo -- uma força que não
se pode ignorar. O Sr. Chesterton defende o anti-imperialismo e muitas outras coisas: o
catolicismo com suas costas contra a parede; a fome de uma época desnorteada pela vida mais
lúcida das Épocas de Fé; a revolta contra a modernidade -- em suma, aquilo a que podemos
chamar, legitimamente, "reação." Esta palavra, que aqui utilizo por expressar exatamente o que
quero dizer, pode muito bem ser usada sem qualquer viés moral. Não se pode dizer se uma
reação é boa ou má até que se saiba contra o quê reage. Distinguir o que há de bom do que há de
mal na violenta reação do Sr. Chesterton à sua época é parte do objetivo a que visa este livro.

Outro fito é estimar-lhe o valor enquanto artista literário. Natural é que este fim seja abrangido
por aquele, vez que os talentos artísticos do Sr. Chesterton são apenas as armas de que se vale na
guerra que declarou a seus controversos inimigos. Sem dúvida, há grandes porções de sua obra
que podem ser apreciadas de si e por si mesmas, sem qualquer referência a seus ensinamentos.
Pouco, porém, conhece G.K.C. quem imagina ele mesmo a apreciá-las de si e por si mesmas.

Penso ser importante, a estas tantas, que o mundo moderno decida o que pensa sobre G. K.
Chesterton. Quando alguém entra a proclamar, enfática e sinceramente, uma visão de vida que
nada tem a ver com as outras defendidas pela maioria de seus contemporâneos, é tolice fantasiar
que para livrar-se do incômodo bastará chamar-lhe "paradoxal". O homem pode ou estar certo,
ou errado, ou (o mais provável) parcialmente certo e parcialmente errado. Se estiver certo,
façamos o que pudermos para fortalecer-lhe o braço e abracemos-lhe o bom humor e o fascínio
não apenas por nos divertirem, mas, também, por serem armas usadas na luta contra os males
de nosso mundo. Se estiver errado, denunciemo-lo. Queimemo-lo, se se quiser, como um herege.
O que não podemos fazer é aplaudi-lo como a um bufão. Se estiver parcialmente certo e
parcialmente errado, teremos aí a questão urgente de se lhe distinguir as verdades dos erros.
Caso contrário, pode ser que os joios desenfreadamente cresçam e acabem por sufocar o trigo.

Buck, ao lidar com Adam Wayne n'O Napoleão de Notting Hill, mostrou ser mais ajuizado do
que muito leitor do Sr. Chesterton. "Pode ser que ele seja Deus. Pode ser que ele seja o Diabo.
Muito mais plausível é que ele seja doido." Se isto fosse o que as gentes dizem sobre Chesterton
eu haveria de respeitá-las. Melhor, por certo, do que lhe chamar "paradoxal."

Ainda outro ponto a que posso dedicar uma ou duas palavras elucidativas: a liberdade que tomei
de usar tanto as características pessoais quanto a vida privada do Sr. Chesterton para ilustrar a
minha visão sobre a sua posição. Não creio que isto precise de ser justificado a pessoas sensatas.
Pode ser que homens os há nos quais a arte lhes está completamente desligada da
personalidade. Eu não sei. Não consigo imaginar como são; mas podem existir. Uma coisa é
certa. O Sr. Chesterton não é um deles. O pensamento tanto quanto a conduta são-lhe
expressões da personalidade humana. Havendo, pois, caído-me nas mãos quaisquer fatos sobre
o Sr. Chesterton que possam lançar luz à origem ou desenvolvimento de suas idéias, foi sem
escrúpulos que os usei, desde que lhe não violassem a bondade ou a honra. Ao "bom gosto", o
nome moderno para o esnobismo, espero ser indiferente. Bem sei que uns e outros haverão de
culpar-me por isto. Bem sei, porém, que uma pessoa não irá me julgar, e esta pessoa é Gilbert
Keith Chesterton.

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