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Faaaaala, meu povo!

Bem, cá estamos na última lição da nossa Semana do Português sem


Cagaço. Aposto que vocês estão dizendo “caramba, como o tempo passa
rápido!”

Pra vocês sim, né, que só pegaram o negócio de camarote e não


acompanharam os tropeços bêbados nos bastidores das lições e o fluxo
ininterrupto de choro amargo que regou a escolha dos temas.

Porque não escolhi o caminho fácil. Não escolhi o caminho dos


macetezinhos aleatórios e tchau e bença. Os assuntos foram escolhidos
com muito cuidado e todo o vocabulário foi controlado para equilibrar-se
na corda bamba e não cair nem no insuportável gramatiquês, nem na
superficialidade simplória e boboca.

Nosso último assunto é a tal da Concordância. Separei duas aulas para


as Vírgulas e mais duas para a Crase porque cheguei à conclusão de que
seria impossível ensinar-lhes algo que preste sobre esses dois temas em
uma só aula. Havia regras gerais que precisavam ser explicadas, mitos
que tinham de ser derrubados e exemplos concretos a torto e a direito. A
coisa ficaria inevitavelmente mutilada, apressada e errada.

Ora, em português as regras da vida não mudam: aqui também


promessas mirabolantes de simplificações milagrosas são
CHARLATANISMO.

Pois bem. Com essa história de Concordância a coisa já muda um pouco


de figura. Aqui não há, como no caso das crases, uma regra geral que eu
possa explicar a fim de iluminar numa só tacada quase todos os
exemplos específicos. Não existe muita incompreensão quanto à função
do negócio, como se dá com as vírgulas.

Há duas regras gerais para a Concordância, e são absurdamente


simples.

Primeiro: existe uma panelinha de tipos de palavras que existem em


função do Substantivo e estão sempre perto dele. São os adjetivos, os
artigos, pronomes e os numerais. Todos os quatro devem concordar
em gênero e número com os substantivos a que estão ligados. Eis
a Concordância Nominal.

Segundo: o verbo tem que concordar em número e pessoa com o


sujeito da oração. Eis a Concordância Verbal.
Aqui, porém, talvez alguns já esbarrem num problema: não sabem o que
são nem adjetivos, nem artigos, nem pronomes, nem numerais.

Se você abrir uma gramática agorinha, qualquer uma delas, logo verá
que a Dona Concordância só vai dar as caras lá pelo final, geralmente
sob um tópico chamado “sintaxe de concordância”.

E não é sem razão. Em rigor, a concordância é um tipo de relação entre


as palavras. Relações entre as palavras são estudadas pela Sintaxe.
Antes, porém, de estudarmos a fundo as relações entre as palavras
temos de estudar as palavras em si — eis a Morfologia.

Aqui, estou pulando tudo. Chutei o pau da barraca. Mas algumas coisas
são inescapáveis. Não tenho como encher esta aula de explicações,
ainda que curtas, sobre adjetivos, artigos e por aí vai. O que farei é
escolher alguns casos que mais enchem o saco e explicá-los com o
menor número possível de palavras técnicas.

Caso você esteja perdidinho da silva, recomendo-lhe enfaticamente a


leitura do meu Intensivão de Português 2020. Ali, explico por cima cada
uma das dez classes gramaticais. Caso você não tenha o meu
Intensivão, faça uma rápida pesquisa na internet.

Então bora lá.

O que é esse negócio de CONCORDAR? Em sentido geral, dizemos que


há concórdia quando existe uma harmonia. Que é um acordo comercial
senão a harmonia entre a vontade dos participantes? Um sujeito quer
vender sua motoca 150cc por 3 mil reais e o outro quer comprá-la por…
veja só: 3 mil reais. Harmonia. Um está de acordo com o outro.

Na Gramática, “concordância” quer dizer o seguinte: nós temos uma


palavra figurona, importante que só ela, e algumas outras palavras têm
de mudar sua forma para que ela entre em harmonia com a forma da
figurona.

Se o substantivo, por exemplo, é feminino e plural, nós temos de fazer o


adjetivo concordar com ele. O adjetivo, coitado, tem que baixar a cabeça
e também desmunhecar e se pluralizar. Tem que virar feminino e plural.
Nós sabemos disso instintivamente:

“As azeitonas pretas.”

Preto é adjetivo e está concordando com azeitonas.

“O Raul deu uma baita aula.”


Dar é verbo e está concordando com o Sujeito da oração — o Raul. Está
na terceira pessoa do singular. Não é “o Raul deram” ou “o Raul dei”.

Fácil, né? Moleza, bicho. Intuitivo. Mamão com açúcar.

“Então, Raul, por que esse assunto é um dos que mais foi pedido na sua
caixinha? Péra? Foi? Acho que é foram, né?

Caramba, tô perdido.”

Pois é, pois é, pois é. Aí vêm os problemas. O que a gente faz com


porcentagens? E “a maioria”? E Estados Unidos? É singular ou plural? E
se houver dois substantivos e um só adjetivo? E o inverso?

Porque o certo é “meio-dia” e “meia hora”? Existe plural de “bastante”? É


certo dizer “Muito obrigadas”?

A regra é simples e quase sempre a acertamos. Mas o português


é uma língua quase infinitamente flexível, e alguns verbos (o ser,
por exemplo) teimam em criar suas próprias regrinhas.

O que faremos, então, é repassar os principais casos de concordância.


Não serão todos, e nem a explicação será exaustiva. Mas será útil. Eu
lhe garanto que você nunca mais terá um belo bocado de dúvidas depois
desta aula.

Pronto? Então bora!

CASOS DE CONCORDÂNCIA NOMINAL


Vamos dar uma olhada nos casos chatinhos de concordância com o
SUBSTANTIVO. Aqui a conversa será simples e pá-pum.

Dois ou mais substantivos para um só adjetivo:

Dizemos “mulher e homem maduros” ou “mulher e homem maduro”?

A resposta é: depende. Se você quiser que tanto o homem quanto a


mulher são maduros, a escolha certa é pluralizar o adjetivo. Em vez de
sermos obrigados a repetir o adjetivo para cada um dos substantivos
(mulher madura e homem maduro), a língua nos dá uma alternativa
mais econômica e elegante: basta flexionar o adjetivo para indicar ao
leitor que a palavra abrange todos os substantivos.

Mas “mulher e homem maduro” não está errado. Apenas o sentido é


diferente. Aqui, o adjetivo está concordando só com homem. A mulher
está fora da jogada.

Agora, se o adjetivo vier NA FRENTE dos substantivos, o mais comum é


concordá-lo com o mais próximo:

“Que belas pernas e boca, minha nossa”, ou “Que bela boca e pernas,
minha nossa” (homens, aprendam).

Dois ou mais adjetivos modificando o mesmo


substantivo:

Aqui você tem de ficar esperto com os artigos. Se houver a repetição do


artigo, o Substantivo fica no singular:

“Eu amo a comida baiana e a gaúcha.”

Se não houver a repetição do artigo, ponha o substantivo no plural e


seja feliz com o acarajé e a churrasqueada:

“Eu amo as comidas baiana e gaúcha.”

Pessoalmente, eu prefiro mil vezes esta última forma à primeira. É mais


elegante, limpa e estilosa.
“Os presidentes americano e brasileiro se encontraram ontem.”
E… pronto. Não há muita coisa para confundir a cabeça por aqui. O
negócio fica mais interessante quando enfiamos verbos na história
[emoji do diabinho].

CASOS DE CONCORDÂNCIA VERBAL


“Fui eu que fiz”, “foi eu quem fez”?

Já vamos começar com as famosíssimas saladas que se fazem com o


verbo FAZER. “fui eu que fiz”, “foi eu que fiz”, “fui eu quem fez”? Qual é
a forma certa dessa desgrama?

Em todos os casos de concordância, o truque é você tentar descobrir


quais palavras estão concordando com quais. O problema do truque é
que em vários casos pode haver mais de uma concordância possível.

Vamos tirar já do caminho a forma errada, que não existe: “FOI EU QUE
FIZ” NÃO EXISTE. Chama o Padre Quevedo do português:

Non ecziste!

É sempre fui eu. Não interessa se depois vier um quem ou que. Cê já


viu alguém falar “Eu foi”? Se sim… bem, sinto muito pelos seus ouvidos.

Mas e agora? É que fiz, quem fiz, quem fez, como é isso aí?

Na verdade, é simples.

Com o que, o verbo tem de concordar com o pronome que vem antes
dele. Nesse caso, o eu. Logo, a solução é Fui eu que fiz. O primeiro
verbo concorda com o sujeito (fui eu) e o segundo concorda com o
pronome (eu que fiz).

O mesmo vale para o plural e demais pessoas: "Fomos nós que


fizemos", "foram eles que fizeram".

Lembre-se: quando houver o que, ignore-o e faça a concordância com o


pronome. Isso é obrigatório.

Mas… e quando houver o quem?

Vamos simplificar as coisas: até dá para concordar o verbo com o


pronome eu, como no caso do que. Mas é algo que pode gerar
controvérsia entre os gramáticos. E só quero ensinar-lhes o que é 100%
seguro aqui. Então é o seguinte: concorde o verbo com o pronome
quem.

"fui eu quem fez."


E por que, quando a gente concorda o verbo com quem, o fiz vira fez?
Porque o quem é um pronome de terceira pessoa. Logo, o verbo que
com ele concorda tem de ir para a terceira pessoa.

E o mesmo vale, de novo, para o plural e demais pessoas:

“Fomos nós quem fizeram”.

Beleza? A regra aqui é simples: ignore o que e concorde com o quem. E


não se esqueça de que “foi eu” NON ECZISTE.

UM DOS QUE:

“O Raul é um dos professores que mais manjam” ou que “mais manja”?


E agora, José?

Agora… depende. Vamos para a linguagem formal, gramaticalmente


careta e seguríssima: é no plural. O Raul estaria entre os professores
que mais manjam. É o lógico, como se vê.

O diabo e a glória da língua é que ela não é só lógica. É, antes de tudo,


força expressiva. Então você poderá encontrar por aí, em textos
informais ou literários, o verbo no singular:

“O Raul é um dos professores que mais manja."

Nesse caso, está-se enfatizando o Raul. Percebeu como? A concordância


acaba sendo puxada, arrastada pelo Raul. Na língua falada, é muitíssimo
comum que façamos isso.

VERBOS NO INFINITIVO FLEXIONADOS:

Não entendeu bulhufas? É fácil. Primeiro: o verbo no infinitivo está em


sua forma “pura”, aquela que a gente encontra no dicionário. Conversar,
fazer, dirigir, aceitar, obrigar, etc.

Segundo: sabe quando você tem mais de um verbo no infinitivo para o


mesmo sujeito? Por exemplo:

“Elas foram ao bar para conversar”.


Temos dois verbos. E um só sujeito: elas. Quem foi ao bar? Elas. Quem
vai conversar? Elas. Nesse caso, alguns de vocês podem ficar tentados a
escrever:

“Elas foram ao bar para conversarem”.

Flexionando os dois verbos em vez de um só. Fazendo com que os dois


concordem com seu sujeito. Afinal de contas, a regra é verbo concordar
com o sujeito, não é?

É. E seu raciocínio está perfeito. Sabe o que acontece nesse caso?


Ambas as formas estão certas. Existe, como no último caso analisado,
uma questão de ênfase.

“Elas foram ao bar para conversar” está enfatizando o ato mesmo da


conversa. O verbo.

“Elas foram ao bar para conversarem” está enfatizando as mulheres. O


sujeito.

OBRIGADO:

Já lhes expliquei isto no Instagram, né não? “Obrigado” ou “obrigada"


não tem nada a ver com a pessoa que recebe o agradecimento. Tem a
ver com a pessoa que o dá. É quase certeza que “obrigado(a)” originou-
se de uma frase inteira. Veio de “estou obrigado(a) a você”.

O sentido era este: por gratidão, a pessoa dizia-se obrigada a retribuir o


favor que recebera com algum ato. Obrigado, portanto, é o particípio do
verbo obrigar. O que fazem os verbos?

Concordam com o sujeito. Se você for mulher, diga obrigada. Se for


homem, diga obrigado.

Agora… e se você for uma mulher dizendo obrigado em nome de um


grupo inteiro de homens e mulheres? Como é que a coisa fica?

Fica “muito obrigados”.

Sim, “obrigados" e “obrigadas" existem. Nesse caso, com homens e


mulheres, prevalece o masculino com força generalizante. Mas se a
mulher estivesse agradecendo em nome de um público só de mulheres,
o certo seria “muito obrigadas.”
Sim, é bizarro. Mas é gramaticalmente certo.

O DIABO DO VERBO "SER":

Ser é um saco.

Não quero dizer que existir seja um saco (o que às vezes é). Quero dizer
que nessa história de concordância o verbo ser é um porre. É o
diferentão, o verbo que parece mudar de concordância como a gente
muda de cueca. Tão rebelde é o verbo que nas gramáticas geralmente
tem uma seção só sua.

Para finalizarmos essa aula em grande estilo, vamos analisar rapidinho


os principais casos em que o bendito do ser pode nos causar dores de
cabeça, shall we?

Por exemplo: você pode dizer um monte de coisas sobre um professor


barbudo qualquer, não é?

“O professor barbudo qualquer ensinou / falou / criou (memes) /


gesticulou / gritou / escreveu.”

O que há de comum entre todos os verbos? Sua conjugação. Estão todos


na terceira pessoa do singular. Concordando com o Sujeito. Afinal de
contas, estamos falando de alguém, não é? Agora, se o professor
barbudo qualquer quisesse faler de si mesmo, o negócio já ia mudar:

“O professor barbudo qualquer na verdade sou eu”.

Epa! O verbo quebrou a regra aí. Deixou de concordar com o Sujeito e


passou a concordar com eu. É errado, nesse caso específico, seguir a
regra.1

Mais um caso interessante (ou chato): você quer falar que a vida é uma
série de surpresas. Ou seja: de um lado, algo no singular; do outro, algo
no plural. E você quer dizer que o plural é o singular. Como fica?

“A vida são surpresas.” / “Nem tudo no Instagram são flores.”

Se houver coisa no singular com coisa no plural, prevaleça o plural.

1 Muito provavelmente porque soa ridículo dizer “é eu”.


Se, porém, o Sujeito for um ser humano… aí o verbo concorda com o
sujeito: “Raul era as alegrias dos alunos.”

VERBO SER COM QUANTIDADE

Quando houver quantidade na jogada, a concordância vai para o


singular:

“Cinco dias de Semana do Português é muito pouco.” / “Mil reais é muito


dinheiro.”

Cinco é? Mil é? Sim. Soa estranho, mas é a regra. Se houver quaisquer


quantidades, jogue o verbo para o singular e seja feliz.

VERBO SER INDICANDO DISTÂNCIA

Tasque um plural maroto:

“De São Paulo a São José dos Campos são X quilômetros” / “Aqui pelo
UBER vi que são 500 metros só até o McDonalds”.

VERBO SER COM HORÁRIO

O verbo concorda com o termo que lhe esteja mais próximo:

É meio-dia: o verbo concorda com meio, e meio é um adjetivo


concordando com dia.

São quinze para meio-dia: o verbo concorda com quinze.

E por aí vai: “É meio-dia e quinze”, “é uma e quinze”, “São quinze para


a uma”, “É meio-dia e 38”…

E… ufa! Concordância é um assunto mesmo chatinho, eu sei. E pior:


saber a regra geral aqui não é lá muito útil. Há casos de ênfase. Há
casos de mudança de sentido. Há casos facultativos. Há verbos
completamente malucos, como o ser. Há concordâncias inventadas por
gramáticos para que possamos aceitar novas formas de uso. Há de tudo,
tudo.

Tentei pegar as dúvidas mais frequentes e resolvê-las aqui. Não tenho


nenhuma pretensão de fazer duas coisas: 1) esgotar o assunto; 2) fazê-
lo decorar todas.

Eu mesmo não as sei todas de cor. Vira e mexe tenho que confirmar
algo. Portanto, NÃO SE SINTA MAL SE VOCÊ NÃO DECORAR TUDO. Na
verdade, vamos trocar esse “se”. Não se sinta mal por não ter
conseguido decorar tudo. É o normal, o natural, o esperado.

Aliás, já que estamos no final da última aula de nossa Semana do


Português, digo-lhe a mesma coisa em relação a todos os conteúdos.

É claro que você aprendeu muito nos últimos dias. Tenho certeza. Mas
também é claro que não reteve tudo o que aprendeu. Que já se
esqueceu de algumas coisas e não chegou a entender outras. Tudo isso
é natural. É assim que funciona o aprendizado: uma parte é
compreensão, a outra é repetição. A parte da compreensão eu fiz por
você, entregando-lhe tudo mastigadíssimo.

A parte da repetição e aplicação é sua. Seu cagaço pelo Português sofreu


um duro baque nos últimos cinco dias. Agora trate de continuar dando
chutes no desgramado.

Obrigadão por ter participado dessa jornada comigo!

Nos vemos na próxima.

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