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TRANSCRIÇÃO MINI AULA 01

MEMÓRIAS PÓS-
TUMAS DE BRÁS
CUBAS
MACHADO DE ASSIS

Raul Martins - suporte@oraulmartins.com.br - IP: 191.23.108.157


Introdução e comentários

Fala, galera do Clubão 2022!

Sejam muito bem-vindos à primeiríssima miniaula de um 2022 em que


estaremos juntos e lendo só o que há de melhor na literatura mundial.

Espero que você goste dessa miniaula, leitor, e que ela seja útil para você. Os
alunos do miniclube que já estão acostumados às miniaulas sempre elogiaram
muito seu conteúdo porque elas ajudam muito o aluno, geralmente, a entender
de cara algumas coisas difíceis no livro.

Onde o autor queria chegar? Quais recursos narrativos usou? Quais são as
chaves de leitura para esta ou aquela obra?

Essas são algumas das perguntas que costumo responder nas miniaulas. Logo,
as miniaulas “iniciam” o leitor, preparando-o para sua leitura.

Porém, tem mais: conversei com muitos alunos meus, participantes de outros
clubes de leitura, e vários me disseram que, embora muitos desses clubes
sejam bons, se resumem a apenas uma aula no fim do mês.

No resto do tempo, esses alunos ficam perdidos, à deriva, e a ideia original de um


clube de leitura, que é o de ser uma força que te puxa e te dá um ânimo diário
para, de fato, começar uma vida de leitura, se perde.

É por esses motivos que eu quero te acompanhar de perto, leitor. E, olha, você
vai perceber que assunto não falta!

Então optei por três miniaulas mensais e duas aulas ao vivo — em vez de uma —
para realmente te presentear com uma verdadeira experiência didática.

Entretanto, preciso fazer uma ressalva: não é estritamente obrigatório que você
assista as três miniaulas para então assistir às aulas ao vivo.

As informações das miniaulas são mais contextuais, às vezes históricas ou


biográficas. Elas evidentemente irão ajudá-lo a entender melhor o livro, te
aprofundando na leitura e facilitando sua vida, mas não são “degraus” que você
precise subir para chegar às duas aulas ao vivo.

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Ínicio da aula

Estrutura do livro

Os primeiros capítulos de Memórias Póstumas são, digamos, um pouco


complicados. Ao lê-los, nos deparamos com páginas repletas de digressões,
que não parecem chegar a lugar nenhum. O vocabulário é extravagante;
citações surgem a torto e a direito.

Não são os primeiros capítulos com os quais leitores de livros mais simples
estão acostumados.

A obra não começa com uma narração de um personagem fazendo X, Y ou Z,


com frases simples e um vocabulário reduzido que não nos causa estranheza.

Pelo contrário:

“Que no alto do principal de seus livros confessasse Stendhal havê-lo escrito


para cem leitores, coisa é que admira e consterna.”

E você se pergunta: quem diabos é Stendhal? O que isso tem a ver com o livro
que comecei a ler?

Mas Machado continua:

“O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não
tiver os cem leitores de Stendhal, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez
cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se
adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe
meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi-a
com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que
poderá sair desse conúbio.”

Já dá para ver aqui que essa não é uma introdução muito comum, não é
mesmo? Podemos ver algumas palavrinhas difíceis aqui como, por exemplo
“consternar”, que não é uma palavra extravagante mas, que para o brasileiro
médio, pode causar estranheza.

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“Difuso”, que significa “algo vago, espalhado”, talvez também cause essa
estranheza.

“Galhofa”, “conúbio”... Fora os nomes que Machado solta logo de cara: Sterne,
Maistre…

Vê-se por aí que a coisa não é tão simples.

Porém percebi — e isso me deixou muito feliz — que grande parte dos alunos
acompanhando o Clube passou empolgada por esses primeiros oito ou nove
primeiros capítulos, até de fato entrarmos na história, que é quando tudo fica
mais fácil, pois tudo adquire um caráter mais linear.

Porém, mesmo essa linearidade é pontuada com digressões, pois Machado


tinha uma verdadeira mania de intercalar digressões humorísticas no meio de
suas histórias. E é sobre essa primeira parte que irei falar na miniaula de hoje,
leitor.

Os primeiros capítulos

Em primeiro lugar, vale dizer que Machado de Assis escreve capítulos


minúsculos neste início de livro o que é um ponto muito bom para você, leitor,
que desse modo consegue acompanhar mais facilmente a leitura.

Com esses capítulos curtos, temos a sensação de estar avançando na leitura


sem fazer um esforço gigantesco — como em Cem Anos de Solidão, por
exemplo, e seus capítulos de 25 páginas — mesmo que a leitura de Memórias
Póstumas também não seja simples.

Machado tinha esse hábito porque, de acordo com críticos, era antes de
romancista, um contista.

No caso deste livro, que é um romance meio experimental, você pode ver várias
intercalações. Tanto que, quando entrarmos na parte linear da história, não se
espante se der de cara com um capítulo aparentemente sem pé nem cabeça.

E às vezes tal capítulo não tem muito pé nem cabeça mesmo; Machado, em
alguns momentos, adiciona capítulos simplesmente porque achou a ideia legal,
e essas adições não necessariamente alteram o curso da narrativa.

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Stendhal

Bem, nós já sabemos que a leitura começa com uma citação a Stendhal.

Stendhal foi um escritor francês, autor de O Vermelho e o Negro, um livro que


conta a história de um sujeito que sai do nada e se eleva socialmente por meio de
tudo o que é safadeza e traquinagem.

Essa é a maior obra de Stendhal.

Mas o autor escreveu um outro livro intitulado Do Amor, uma obra filosófica um
tanto complicada. Em seu prefácio, Stendhal diz que aquela obra se dirigiria a
apenas cem leitores.

Ele diz isso justamente pelo fato daquele ser um livro complicado; não era uma
obra para as massas, e sim para os de fato inteligentes, pessoas que quisessem
mesmo entrar a fundo na ideia do amor.

Então repare que Machado está sendo irônico.

Após citar Stendhal, o narrador Brás Cubas diz que se seu livro não alcançar nem
cinco leitores… ora, tudo bem, já que suas memórias eram uma obra vaga,
difusa.

Sterne

Desde o começo temos somente a voz de Brás Cubas, o narrador, portanto


Machado não aparece de forma alguma na narrativa.

É Brás Cubas quem está escrevendo.

Brás Cubas diz que adotara a forma livre de alguns escritores, especialmente
Sterne, um escritor humorístico, que gostava de escrever para tirar sarro, na
qual Machado de Assis se inspirou bastante.

Só que Brás Cubas diz que sua diferença em relação a esses escritores é que ele
tinha colocado “algumas rabugens de pessimismo.”

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Por quê? Porque era uma “obra de finado.” E então Brás Cubas nos dá um
resumo do tom da obra.

E aqui vem um aviso, leitor: você não deve ler este livro com um tom sério,
pois seu tom sempre é irônico.

Então o narrador diz que escreveu o livro com “a pena da galhofa e a tinta da
melancolia”; “galhofa” significa zombaria, tiração de sarro.

Brás Cubas, porque já morto, escrevera o livro com pessimismo. Temos,


portanto, de um lado a ironia e do outro a tristeza.

Defunto autor

E a grande particularidade desta obra, como talvez você já tenha notado, é a de


que Machado de Assis imagina que o narrador está morto.

O narrador diz que não era um “autor defunto” e sim um “defunto autor”. E qual é
a diferença?

Um autor defunto é alguém que escreveu algo em vida, e morreu.

Um defunto autor é alguém que escreveu algo na morte.

Brás Cubas tem esse pessimismo e zombaria completos e irrestritos, além de


um cinismo cortante, porque já está morto.

E é interessante fazer um paralelo aqui entre Dom Casmurro e Memórias


Póstumas.

Bentinho é o narrador de Dom Casmurro. Quando escreve a obra, Bentinho está


velho, mas vivo. Sua intenção é que a obra seja publicada. Bentinho quer que o
livro seja publicado e que as pessoas o leiam, muito provavelmente porque
queria pintar uma imagem de si mesmo antes de morrer.

Bentinho queria partir para morte, talvez deixando na cabeça do leitor a ideia
de que Capitu estava errada.

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Logo, Bentinho é um narrador na qual não podemos confiar porque ele quer criar
uma imagem positiva de si mesmo para nós, leitores.

Brás Cubas é o inverso. Morto, diz que a “campa tinha sido um outro berço”.

“Campa” significa cova. Brás Cubas é um defunto autor, cuja cova é um outro
berço. Ou seja, Brás Cubas renasceu na morte, porque na morte conseguiria
aquela sinceridade brutal e falta de esperança total que caracterizam
Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Memórias Póstumas é um livro engraçado, porém desesperançoso, e o narrador


já diz isso no começo do livro.

Aposto que você passou meio por cima desses detalhes, não é?

Sarcasmo, tristeza, desesperança…

Esse é o tom do livro, porque temos um autor do além nos contando a história, já
não mais preocupado em manter as aparências e sem ilusões de que em
alguma época ou período futuro seus problemas serão resolvidos.

Brás Cubas já morreu.

É por isso que Brás Cubas diz para o leitor, na introdução, que não iria contar o
processo extraordinário de criação de seu livro no outro mundo, já que isso não
era importante. O que tem no além? Não importa. O que vem depois da morte?
Não interessa. O que importa é Brás Cubas contar sua história:

“Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao


entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor,
pago-me da tarefa; se não te agradar, pago-te com um piparote, e adeus.”

Ou seja, se você gostar do livro, maravilha; se não gostar, Brás Cubas te dá um


chega pra lá e fica por isso mesmo.

Brás Cubas está dizendo aqui que não está nem aí para sua opinião. É por isso
que ele mais tarde vai dizer que essa obra fora escrita com “pachorra”, que
significa fleuma, calma, tranquilidade.

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Já que está morto, o autor não tem pressa: pode escrever seu livro com
pachorra.

E você, leitor, se estiver com pressa, pode se dar mal e perder a história. Quer
ouvir a história? Então vai precisar seguir o ritmo do sujeito, porque afinal de
contas, Brás Cubas não tem nada a provar a você ou a mim.

Agora vamos dar uma olhada nos primeiros capítulos.

Óbito do autor

No primeiríssimo capítulo, temos o funeral de Brás Cubas.

Quando faleceu, Cubas era um solteirão bem de vida, e tinha 64 anos.

Onze pessoas comparecem a seu funeral e um sujeito faz um discurso


inflamado, absurdamente ridículo porque exagerado e hiperbólico, dizendo que
a própria chuva que caía era a natureza se revoltando contra a morte daquele
grande homem.

E Brás Cubas diz que não se arrependia de ter pagado para o sujeito fazer o
discurso.

A seguir, Brás Cubas diz que lá havia três mulheres: sua irmã, a sobrinha de sua
irmã — da qual fala com empolgação demais, diga-se de passagem — e uma
terceira mulher anônima.

E é isso. Sem preâmbulos, o narrador diz que morreu, ditando o tom do livro. De
acordo com ele havia uma “orquestra da morte”, que era a chuva tamborilando
tristemente nas plantas, e os outros sons que compunham a cena.

E o curioso é que Brás Cubas não se mostra desesperado com a própria morte.
Ele relata essas coisas com certa satisfação.

Então o narrador volta no tempo e começa a falar de uma ideia que tinha se
pendurado em seu cérebro: a criação de um emplasto.

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Emplasto

Brás Cubas diz que tivera a ideia de criar um emplasto — um remédio — porque,
obviamente, renderia dinheiro e, claro, ajudaria as pessoas.

Porém, sua real motivação fora o “amor da glória”. Queria ver, nas prateleiras, o
nome Emplasto Brás Cubas. Brás Cubas diz que o amor da glória, segundo os
cristãos, é a perdição da alma. Mas segundo outros — que Cubas não diz quem
são — “seria a feição mais genuína do homem.”

Mas o que isso significa?

O amor da glória é um pecado ou é a essência mais básica do homem? Não há


resposta para isso: em suma, você que se vire, leitor.

Perceba que com isso o narrador vai construindo uma imagem: Brás Cubas está
cagando para a própria morte e faz piadas com isso; paga para um sujeito falar
bem dele em seu funeral; diz abertamente que quis criar um remédio só porque
tinha amor a glória; põe em cheque que o amor da glória seja algo ruim.

A imagem vai se delineando, e ela é bem clara.

Genealogia

Neste capítulo Brás Cubas fala sobre o nome de sua família. De onde veio Brás
Cubas? Brás Cubas diz que o fundador da família fora um tanoeiro — alguém que
faz vasilhas. “Cuba” é o nome de uma vasilha, portanto “Cubas” vem de um
homem chamado Damião Cubas.

Damião, um tanoeiro, resolveu virar lavrador, subiu na vida, enriqueceu e deixou


dinheiro para o filho.

É a clássica história do sujeito que vem do nada, chega a uma posição


confortável, cria um filho e este já nasce em berço de ouro, sem ter feito um
peido de esforço.

A família, sendo tipicamente brasileira, simplesmente ignorava Damião e dizia


que a linhagem começara com Luís, que era o filho que já tinha ido à faculdade,
conhecido gente famosa, e tinha status social.

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Inclusive, o pai de Brás inventa uma história, dizendo que o sobrenome Cubas,
que vinha das vasilhas, na verdade fora herança de um herói que, na África,
arrebatara não sei quantas cubas aos mouros — muçulmanos.

Logo depois de dizer que o pai inventara essa história — ou seja, seu pai era um
mentiroso — Brás Cubas relata:

“Meu pai era um homem de imaginação; era um bom caráter; era digno; era
leal.”

Isso acrescenta mais uma camada à história. Brás Cubas não tinha um caráter
lá muito bem formado, se é que você me entende, leitor.

A ideia fixa

No quarto capítulo, Brás Cubas dá vários exemplos e referências, basicamente


para dizer que uma ideia fixa pode matar alguém.

Cubas usa personalidades controversas da história como exemplo,


justamente para provar que a história era “uma eterna mulher dada.”

A história não era uma coisa lá muito fixa. Alguém poderia, digamos, defender X
com o Bismarck, enquanto outra poderia defender Y com o mesmo Bismarck.

Brás Cubas está nos dizendo que não se pode confiar na história, pois ela é um
troço volúvel, como uma mulher dada, que ora senta no colo de um, ora no de
outro.

“Viva a história, a volúvel história que dá para tudo…”

Por quê? Porque nada no mundo é realmente muito fixo, leitor.

Cubas diz que sempre havia, ao pé de uma grande bandeira, um homem com
uma grande visão, um sujeito desejoso de defender uma causa muito nobre,
mas que nesses casos haviam “bandeiras menores”, simbolizando outras
intenções não ditas. Brás Cubas põe em xeque a noção de herói. Para ele essa
figura não existe.

Trocando em miúdos, Brás Cubas é um sujeito extremamente cínico.

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Em que aparece a orelha de uma senhora

No capítulo cinco, Brás volta a seu leito de morte e diz que estava criando o
remédio com o qual iria salvar a humanidade, quando chega uma corrente de ar
que o deixa doente para depois matá-lo.

Todo o gênio humano poderia ser vencido por uma ventania.

Então, além da história ser volúvel, de Brás Cubas supostamente admirar um pai
mentiroso; além de tudo o que falei aqui até esse momento, uma brisa poderia
matar um homem, matar um gênio que salvaria a humanidade.

E aí chegamos à cena em que Virgília aparece.

Chimène, qui l’eût dit?


Rodrigue, qui l’eût cru?

Eu gostaria de explicar um pouquinho melhor essa cena, leitor.

É o seguinte: Brás Cubas estava no leito de morte, quando surge Virgília.

Virgília era um antigo amor de Brás Cubas, com o qual ele não falava há dois
anos.

Ao vê-la, Cubas dá a seguinte descrição:

“Havia já dois anos que nos não víamos, e eu via-a agora não qual era, mas
qual fora, quais fôramos ambos, porque um Ezequias misterioso fizera recuar
o sol até os dias juvenis. Recuou o sol, sacudi todas as misérias, e este
punhado de pó, que a morte ia espalhar na eternidade do nada, pôde mais do
que o tempo, que é o ministro da morte. Nenhuma água de Juventa igualaria
ali a saudade.”

Esse trecho é simplesmente maravilhoso.

Porém, o interessante aqui é a referência a Ezequias, um personagem bíblico.


Ezequias era um rei que, no leito de morte, faz uma oração pedindo a Deus que
prolongue sua vida.

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Deus então ordena que um profeta mande o sol retroceder. Isso acontece, e é
como se o tempo voltasse para trás. Isso acrescenta à vida de Ezequias mais
alguns anos.

Brás Cubas encontra-se na mesma situação, também no leito de morte.

Só que Brás Cubas não crê em Deus. Não crê em milagres.

Brás Cubas não crê nem que haja sentido na vida.

Então, ao ver Virgília, o “milagre” em seu caso, é sua memória, pois esta evoca
a imagem da Virgília que Brás Cubas conhecera anos atrás.

Sua memória puxa de volta para o centro de sua atenção como ambos tinham
sido no passado.

E a Juventa a qual Cubas se refere é uma ninfa da mitologia romana, que


basicamente fora transformada na fonte da juventude, dando origem ao nome,
inclusive.

Portanto Brás Cubas quer dizer que nem se Virgília fosse até a fonte da
juventude, bebesse de suas águas e voltasse para ele, de fato, nova, nem mesmo
isso seria capaz de se igualar a simples saudade.

Isso é lindo!

Com a memória, às vezes, algo é lembrado como melhor do que de fato tinha
sido quando aconteceu. Mas, embora a saudade possa ter um elemento de
ilusão, ela também possui nostalgia.

Depois Brás Cubas diz que a felicidade presente não se iguala à passada, já que a
passada ninguém tira de você, mas a presente pode mudar de uma hora para
outra.

Brás Cubas é cínico, desesperançoso, e acha que a melhor parte da vida está
no passado, porque este é fixo e ninguém pode roubá-lo de você.

Leitor, sei que essas coisas parecem completamente aleatórias, mas acredite,
não são.

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O delírio

Com essas cenas, Machado vai criando a psicologia e o caráter do narrador para
que você saiba com quem está lidando. A pessoa que vai contar a história tem
essas características.

Mais a frente, quando Brás Cubas relata seu delírio, podemos ver a confirmação
disso. Cubas vê um desfile de tudo o que aconteceu: tragédias, amores, impérios
que sobem e caem, ciência, filosofia, as religiões…

"Desfilando o século, vejo desde a glória até a miséria. Cólera, cobiça, inveja,
amor, melancolia, vaidade…”

De acordo com Brás Cubas, todos esses elementos chacoalhavam o homem, e


eram as formas várias de um único mal. Ou seja, o amor é basicamente igual à
inveja, à cobiça. Por chacoalhar o homem, o amor também era um mal. E esses
males todos vinham de uma força que rodeava a humanidade, vestida de
arlequim.

Em outras palavras, vestida de palhaço.

Após ver o desfile dos séculos e tirar sarro de tudo, Brás Cubas alega que tudo o
que acontece, seja bom ou ruim, na verdade são apenas males que um palhaço
— demônio — infringe aos homens para nos chacoalhar.

E quando está prestes a chegar à consumação dos séculos, para talvez


encontrar algum sentido para essa existência, Brás Cubas desperta do delírio.
Então a razão enxota a insanidade e ficamos, nós e o narrador, sem a chave do
universo.

E depois disso entramos, de fato, na história.

Conclusão

Esses primeiros capítulos servem, portanto, para estabelecer o caráter do


personagem de Brás Cubas.

Embora possamos ver uma ou outra digressão na narrativa, esses capítulos não
são aleatórios.

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E eu espero que você, leitor, não sinta que perdeu tempo lendo aquilo. Se você
reler esses capítulos agora, vai perceber que foi, diante de seus olhos, construída
cristalinamente uma personalidade bastante problemática.

Essa personalidade irá desde além — desde a eternidade — narrar para você a
história dele.

Encerramento da aula

Leitor, essa foi nossa miniaula de hoje!

Espero que você tenha gostado e que o que vimos aqui seja útil para você.

Nos vemos na próxima miniaula, pois ainda há muita, mas muita coisa a ser dita
sobre esse livro maravilhoso.

Nos vemos em breve, um abraço do Mestle!

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