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MINI AULA 01

A INSUS-
TENTÁVEL
LEVEZA
DO SER
MILAN KUNDERA

Raul Martins - suporte@oraulmartins.com.br - IP: 177.12.49.199


Introdução e comentários

Fala, pessoal do Clubão, tudo bem?

Sem bem-vindos à primeiríssima miniaula sobre A Insustentável Leveza do Ser,


escrito por Milan Kundera, um autor tchecoslovaco naturalizado francês.

Devo confessar que fiquei positivamente surpreso com a leitura dessa obra,
porque é um livro muito fácil e fluído, ao mesmo tempo em que permanece
profundo.

A dicotomia constante entre o peso e a leveza — que vou explicar nessa


miniaula — ironicamente também se encontra na própria composição do livro.

O livro é leve de ser lido, mas ao mesmo tempo tem um conteúdo pesado, com
muita substância, e creio que isso tenha sido premeditado pelo autor.

Sem mais delongas, vamos à aula!

Ínicio da aula

Como praticamente todos os aplendizes estão conseguindo evoluir nessa leitura


de forma tranquila, não será necessário fazer todas aquelas introduções e
explicações, como fizemos nos últimos livros, para auxiliar você com a leitura.

Em relação às informações biográficas de Kundera: 1) elas não se mostraram


relevantes para esse livro; 2) é quase impossível encontrar tais informações
sobre o autor.

Entretanto, vou dar um pequeno esboço de sua vida a seguir.

Brevíssima biografia

Kundera se considera um escritor inserido na tradição francesa da literatura,


tendo aberto mão de sua pátria original, a Tchecoslováquia, e abraçando a
França.

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O autor é extremamente recluso e recusa-se a dar entrevistas. Além disso,
ODEIA que tentem adaptar sua obra; inclusive, detestou a adaptação
hollywoodiana deste livro — a única que existe — lançada em 1987.

Embora tenha acompanhado o processo de produção do filme, dando pitacos


aqui e acolá, Kundera abominou o resultado final, dizendo que aquilo nada
tinha a ver com o espírito do livro, e que não mais permitiria que adaptassem
nenhuma obra sua.

A Insustentável Leveza do Ser é seu livro mais famoso. Quando mais jovem,
Kundera se filiou ao comunismo, e mais tarde parece tê-lo renegado; tanto que
nessa obra, o autor mostra como era viver sob esse regime em Praga.

Kundera era filho de um musicólogo. Caso não saiba, leitor, um musicólogo


estuda a música cientificamente. Logo, não se trata de um músico, um cantor,
um instrumentista ou tampouco um crítico musical.

Um musicólogo analisa como a música funciona: como se monta uma sinfonia?


Como a organização dos sons funciona? O intuito é desvendar a matemática por
trás desse negócio.

Quando novo, Kundera também estudou musicologia e mais tarde tocou jazz
nos bares afora, por um tempo, até, enfim, voltar-se para as artes, especialmente
a literatura.

Esse é um dos motivos por que, logo no começo do livro, Kundera faz uma
relação direta e explícita entre Tomas, quando este decide voltar à Praga e ficar
com Tereza, e o último quarteto de violinos de Beethoven.

Então, com o que temos de informação sobre Kundera, sabemos, em suma, que
ele é um quase musicólogo, um instrumentista de jazz e posterior estudioso das
artes e da crítica literária; mais tarde se torna, ele mesmo, um artista; é
naturalizado francês e crítico severo do comunismo, muito recluso, e um autor
que tem como influências declaradas, em especial Miguel de Cervantes e
Thomas Mann.

A ideia por trás do livro

A Insustentável Leveza do Ser é um romance dito filosófico.

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Trata-se de um romance diferente, pois é como se fosse uma expansão
imaginativa das ideias filosóficas do eterno retorno de Nietzsche e da teoria dos
opostos, de Parmênides.

Em vez de responder essas teorias por meio de um tratado filosófico, quer


criticando-as ou as aprovando, Kundera decide escrever uma história para
mostrar as complexidades contidas naquelas filosofias.

É por isso que Kundera inicia o livro escrevendo dois pequenos capítulos falando
sobre o eterno retorno — o lado positivo e negativo — e mais tarde sobre
Parmênides.

Nesse início, o intuito de Kundera é nos apresentar um problema. Quando você


entende o questionamento, começa a se perguntar: “Ora, essa é uma boa
pergunta! Eis aí um problema difícil. Como resolver isso?” Então Kundera conta
uma história, mais para mostrar a complexidade e as ambiguidades das
ideias do que para nos fornecer uma resposta definitiva.

Kundera inclusive chega a dizer, em uma das poucas entrevistas que deu, que é
a tarefa do romancista mostrar para o leitor a ambiguidade da vida. O romancista
deve nos mostrar como a vida é complexa e complicada, e como nem sempre é
fácil dizer o que é certo e errado.

Nesse sentido, Kundera é o oposto de Jane Austen, por exemplo, que mostra
muito claramente o destino de quem faz escolhas boas ou más. Com Kundera
ficamos como que no lusco-fusco: ou seja, não sabemos direito se é dia, se é
noite; não conseguimos distinguir direita de esquerda. Ficamos numa espécie
de estupor, onde nada é muito claro e definido. É isso que Kundera quer que
sintamos.

Kundera quer que você veja como as coisas são ambíguas.

O eterno retorno

Mas como o livro começa?

“O eterno retorno é uma ideia misteriosa e, com ela, Nietzsche pôs muitos
filósofos em dificuldade: pensar que um dia tudo vai se repetir como foi vivido
e que tal repetição ainda vai se repetir indefinidamente! O que significa esse
mito insensato?”

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Boa pergunta. O que significa, afinal, essa ideia do eterno retorno? E o que isso
tem a ver com o livro?

Se você ler esse parágrafo sem saber o que é o eterno retorno, acaba por não
entender bulhufas do que se segue, e vai perder de vista o que o autor quer
mostrar com toda a história.

Então, o que é o eterno retorno de nosso amado bigodudo sr. Nietzsche?

Essa ideia perpassa a obra de Nietzsche, portanto é possível encontrá-la em


vários lugares. Porém, o local em que surge de forma mais explícita e
condensada é num livrinho seu chamado A Gaia Ciência, livro este de aforismos
em que Nietzsche joga várias ideias sem as desenvolver muito.

É, digamos, mais um brainstorming filosófico do que um tratado completo.

No aforismo 341, que se chama “o maior dos pesos”, em inglês encontrado como
“the unbearable weight”, ou o peso insuportável, Nietzsche diz o seguinte:

“E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua


mais desolada solidão, e dissesse…”

Você está sozinho, dormindo, e aparece um demônio, que sussurra no seu


ouvido:

“Esta vida como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma
vez, e por incontáveis vezes, e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada
prazer, e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e
pequeno em sua vida terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma
sequência e ordem. E assim também essa aranha, e esse luar entre as
árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir
será sempre virada novamente, e você com ela, partícula de poeira. Você não
se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou?
Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: ‘você
é um deus. Eu jamais ouvi coisa tão divina.’ Se esse pensamento tomasse
conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria, talvez. A
questão em tudo e em cada coisa ‘você quer isso mais uma vez e por
incontáveis vezes?’ pesaria sobre o seus atos como o maior dos pesos! Ou o
quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar
nada além dessa última, eterna confirmação e chancela?”

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Vamos analisar tudo isso com calma agora.

Nietzsche apresenta o seguinte experimento mental: e se nossa vida,


exatamente como ela é, como foi e como será, se repetisse indefinidamente, na
eternidade, sem tirar nem pôr, exatamente nos seus mínimos detalhes?

E se a minha vida tivesse um começo, um meio e um fim e, quando acabasse,


repetisse a si mesma, tendo os mesmos começo, meio e fim?

E se um demônio te abordasse e lhe dissesse que essa é a estrutura da


realidade? Que é assim que funciona a existência e, logo, é assim que vai
acontecer com você?

O modo como você viver agora será eternamente repetido.

Qual seria sua reação? Ficaria desesperado? Absolutamente fora de si?


Apavorado? Profundamente entristecido? Ou, por outro lado, experimentaria um
instante imenso, respondendo ao demônio que ele é um deus e que você jamais
ouviu coisa tão divina?

Percebeu qual é a ideia da coisa, leitor?

Nietzsche diz que esse aforismo é o maior dos pesos porque se você pensa
seriamente nessa possibilidade, sua existência — cada ato e pensamento
seus — tornaria-se algo eternamente pesado.

Sua existência teria peso porque se repetiria indefinidamente. Ganharia o peso


da eternidade.

Para que você possa compreender isso melhor, preciso que exclua de sua
mente, por um momento, a ideia geral que temos de uma vida linear vivida aqui
na terra, para que no final das contas haja dois cenários possíveis: céu ou inferno.
Nesse caso, a vida seria um rascunho para a vida eterna. A ideia de Nietzsche é o
inverso: inclusive, Nietzsche quer atacar o que enxergava como uma negação da
vida de agora pelo cristianismo. O filósofo achava que o cristianismo desprezava
a vida do agora em prol da vida eterna.

Sua ideia centrava-se em amar esta vida de agora com o máximo amor. Essa
filosofia tem a ver com o “amor fati”, expressão latina que significa “amor ao
destino”, termo que Nietzsche pegou emprestado dos estóicos.

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Esse é o ponto central da coisa.

Se as coisas fossem assim, onde tudo o que você faz fosse se repetir
eternamente, então todas as suas ações teriam um peso eterno. Por outro lado,
se a vida é uma só, acontecendo uma vez para se apagar no fim, ela se torna leve
demais por tornar-se efêmera demais. É sobre isso que Kundera está falando no
começo do livro, leitor. Vejamos os trechos em detalhes:

“O mito do eterno retorno, afirma, por negação…”

Ou seja, não é isso que o mito afirma. Trata-se de uma consequência do que ele
afirma.

“...que a vida que desaparece de uma vez por todas, que não volta mais, é
semelhante a uma sombra…”

Pois Nietzsche afirma: “esse é o maior dos pesos; que a vida seja sempre esse
eterno retorno sobre si mesma.” Se a vida começar e findar sem nunca mais
acontecer nada, ela é leve, a maior leveza concebível.

“...não tem peso, está morta por antecipação, e por mais atroz, mais bela,
mais esplêndida que seja, essa atrocidade, essa beleza, esse esplendor não
têm o menor sentido. Essa vida é tão importante quanto uma guerra entre
dois reinos africanos do século XIV, que não alterou em nada a face do mundo,
embora trezentos mil negros tenham encontrando nela a morte depois de
suplícios indescritíveis. Será que essa guerra entre dois reinos africanos do
século XIV se modifica pelo fato de se repetir um número incalculável de
vezes no eterno retorno? Sim. Ela se tornará um bloco que se forma e perdura,
e sua brutalidade não terá remissão.”

Kundera questiona sobre uma guerra entre reinos africanos em que morreram
trezentos mil negros de forma horrível. Caso exista somente uma existência, em
que não há retorno sobre si mesma, então essa guerra de nada serviu pois o
tempo irá apagá-la.

Se, porém, as coisas fossem como o demônio de Nietzsche as apresenta, elas


seriam diferentes? Sim, porque nesse caso a guerra se tornaria um bloco que se
forma e perdura, ou seja, repetindo-se infinitas vezes. Tornaria-se algo fixo, por
assim dizer, na eternidade. E essa brutalidade não teria perdão, pois não seria
atenuada, apagada ou esquecida.

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A seguir, Kundera dá mais um exemplo, dessa vez sobre a Revolução Francesa:
se as coisas se repetissem eternamente, essa revolução não seria tão louvada,
porque houve ali muitas atrocidades.

Então o autor fala sobre Hitler, numa ocasião em que tinha se surpreendido,
experimentando uma sensação incrível ao folhear livros sobre o ditador e ficar
emocionado com algumas fotos porque “lembravam-lhe o tempo de sua
infância”, já que a vivera durante a guerra.

Mesmo que vários membros de sua família tivessem sido mortos pelos
nazistas, as fotografias de Hitler tinham lhe feito praticamente ir às lágrimas.

Ou seja, ele tinha apagado da memória as atrocidades, inclusive as cometidas


contra sua própria família, porque Hitler as havia perpetrado apenas uma vez,
caso em que se apagariam pela eternidade.

“Essa reconciliação com Hitler trai a profunda perversão moral inerente a um


mundo fundado essencialmente sobre a inexistência do retorno, pois nesse
mundo (em que não há retorno) tudo é perdoado por antecipação e tudo é,
portanto, cinicamente permitido.”

Se tudo acontece uma vez e some, não existe peso nas coisas, de forma que ele
olha para a foto de Hitler e pensa não no que Hitler foi, mas sim em sua infância.
O tempo de vida de apenas um ser humano já foi capaz de atenuar as
atrocidades que tinham acontecido a três ou quatro décadas.

Logo, segundo Kundera analisando Nietzsche, as coisas seriam leves demais


sem esse retorno.

Esse é o primeiro problema que o autor nos propõe. Mas tem um segundo.

Leveza e peso

“Se cada segundo de nossa vida deve se repetir um número infinito de vezes,
estamos pregados na eternidade como Cristo na cruz. Essa ideia é atroz. No
mundo do eterno retorno, cada gesto carrega o peso de uma responsabilidade
insustentável.”

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Foi como eu disse no início da aula: se tudo se repete e vai repetir-se
indefinidamente, cada milésimo de segundo carrega em si o peso da
eternidade. Isso nos deixa com uma responsabilidade insustentável e um peso
insuportável.

“É isso que levava Nietzsche a dizer que a ideia do eterno retorno é o mais
pesado dos fardos.”

Ora, se o mundo não se repete infinitamente, ele é leve demais, e vivemos,


portanto, num mundo cínico. Se as coisas se repetem indefinidamente, o mundo
é pesado demais, e ninguém aguenta.

Então que fazer?

É aí que Kundera lança outro questionamento:

“Mas será mesmo atroz o peso e bela a leveza?”

Esse é o cerne do livro, leitor. O mais pesado dos fardos nos esmaga, nos verga,
nos comprime contra o chão. Porém:

“...na poesia amorosa de todos os séculos, a mulher deseja receber o fardo do


corpo masculino. O mais pesado dos fardos é, portanto, a imagem da
realização vital mais intensa.”

No exemplo de Kundera, a mulher deseja o corpo masculino. Ela quer o peso. E


esse peso, ao mesmo tempo que esmaga, frutifica, por ser a realização vital mais
intensa imaginável.

“Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais
real e verdadeira ela é. Em compensação, a ausência total de fardo, leva o ser
humano a se tornar mais leve do que o ar, leva-o a voar, a se distanciar da
terra, do ser terrestre, a se tornar semi-real, e leva seus movimentos a ser tão
livres como insignificantes.”

Então a leveza não carrega em si o sofrimento do peso, mas também não tem
sua realidade.

“O que escolher, então? O peso ou a leveza?”

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Nesse momento Kundera cita Parmênides, dizendo que este filósofo dividia o
universo em opostos, em pares: luz e escuridão; grosso e fino; quente e frio; o ser
e o não ser.

Para Parmênides, um desses opostos era positivo e o outro, negativo. Kundera,


então faz outra pergunta, também um dos pontos centrais do livro:

“O que é positivo, o peso ou a leveza?”

Esse é outro modo de dizer: será que o peso é a coisa atroz e a leveza é a coisa
bonita?

“Parmênides respondia: o leve é positivo, o pesado é negativo. Teria ou não


teria razão? A questão é essa. Só uma coisa é certa. A contradição
pesado/leve é a mais misteriosa e mais ambígua de todas as contradições.”

O primeiro capítulo do livro chama-se O Peso e a Leveza. E é, de fato, possível


perceber que esses dois fenômenos vão se mostrando claramente em vários
níveis ao longo da história.

A aplicação dos conceitos na história

O primeiro nível, obviamente, é quando Tomas deseja a “leveza” de sua vida de


várias amantes, ao mesmo tempo em que deseja — e não deseja — o peso que
lhe traz Tereza, pois Tereza torna-se parte de Tomas.

Tornando-se Tereza parte de Tomas, ele é obrigado a carregá-la junto consigo. É


daí que vem a ideia, também enfatizada por Kundera, de que Tomas, às vezes,
sente o que Tereza sente.

Quando carrega Tereza consigo, Tomas sente dor e sofrimento, pois isso é um
peso, e esse peso lhe traz dificuldades. São as dificuldades de ficar escondendo
as merdas que faz, de ficar dissimulando, fingindo, mentindo e se
estressando.

Por outro lado, a leveza de uma vida de solteiro, em que Tomas pode escolher
amantes a seu bel-prazer, não lhe traz uma boa noite de sono, pois o peso que o
faz desligar e adormecer de verdade vem com Tereza, que é a única mulher com
quem consegue dormir.

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A leveza não traz a Tomas um sono profundo; ela lhe traz um sono leve,
assustadiço, frágil. Traz a Tomas insônia.

Existe também a contradição entre Sabina e Tereza. Aquela simboliza a leveza, e


esta, o peso. Mas Sabina começa a se insinuar de uma forma mais intensa no
coração de Tomas, o que significa que ela começa, também, a virar um peso.

Então perceba, leitor, que Kundera está pegando a doutrina que eu expliquei no
começo da aula — que você pode até achar abstrata — e aplicando-a à história.

Hoje em dia fica ainda mais fácil entender esses conceitos porque Jordan
Peterson — e o Italo Marsili, aqui no Brasil — enfatizam muito a ideia de dever; a
imagem mais clara de dever é a de alguém levando algo nas costas.

E a imagem suprema do dever é, obviamente, Cristo carregando a cruz.

Outra imagem parecida ocorre na mitologia grega, com Atlas. Atlas é o titã que é
condenado por Zeus a carregar o universo nas costas.

Então veja que o dever vem sempre com a ideia de peso, de fardo. Ao contrário,
a ideia de leveza é a famosa “deixe a vida me levar”, que traz a ideia de samba, de
dançar, pois não se dança carregando um peso nas costas, não é mesmo?

Esse é o problema que o livro propõe: o que é positivo e o que é negativo? O


que é bonito e o que é terrível? É o peso ou é a leveza?

E Kundera vai colocando, ao longo da história, peso e leveza em vários níveis, de


modo que algo que num determinado nível é peso, em outro é leveza.

Um outro exemplo: quando Tereza está ficando cada vez pior com sua situação,
e a União Soviética invade Praga, para ela os tanques de guerra e soldados
inimigos são leveza, pois fazem-na esquecer da vida de merda que tinha com
Tomas.

Quando se descobre como fotógrafa, e encontra uma paixão patriótica e, de certo


modo, intelectual, Tereza se vê disposta a morrer por aquilo. Tereza fica leve pois
percebe que não é uma inútil e que possui algum tipo de força dentro de si que
não depende de Tomas.

Isso é leveza para Tereza.

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Conclusão

É isso que Kundera quer enfiar em nossa cabeça em A Insustentável Leveza do


Ser, leitor.

Existem outras ambiguidades e oposições na obra, como a questão da alma e do


corpo, por exemplo, mas o livro sempre segue nesse ritmo.

Como eu disse no início da aula, esse é um romance filosófico. Kundera chega,


de vez em quando, a quebrar a quarta parede em sua narrativa e te diz: “Olha,
esses são personagens que eu criei.”

Então aqui não existe aquela imersão em outro mundo como acontece em
romances comuns.

A Insustentável Leveza do Ser é um romance moderno, mais experimental,


que mistura filosofia e música, com um diálogo metalinguístico em que o
autor nos diz que estamos lendo personagens criados por ele, que são assim
e assados.

E devo dizer que a leitura tem sido uma experiência muito boa, da qual estou
gostando muito.

Encerramento da aula

Então é isso, leitor. Creio que isso seja o suficiente para que você entenda do que
se trata o livro, o que vai facilitar o aprofundamento de sua leitura para que, quem
sabe, no final, você possa responder:

“O que é preferível, o peso ou a leveza?”

Muito obrigado, espero que você tenha gostado, e nos vemos na próxima
miniaula!

Um forte abraço do Mestle!

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