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- Este capítulo foi posto numa coletânea de escritos científicos, ao lado de nomes
como Albert Einstein, Alfred North Whitehead, Bertrand Russell, John Dewey e T.
H. e Julian Huxley.
- O primeiro ponto é que o idealismo não é coisa superável, própria a crianças que o
descartam assim que atingem certa maturidade para coisas mais "práticas". Não: "o
sonho é sempre concreto e confiável; o sonho é sempre um fato. A
realidade é que é, muitas vezes, uma fraude".
- Chesterton faz a digressão a fim de entrar no ponto com que começará a delinear
sua própria filosofia: a democracia.
- A democracia, segundo ele, pode ser estabelecida em duas proposições:
1)"as coisas comuns a todos os homens são mais importantes que as
coisas peculiares apenas a alguns." Cabe notar, aliás, que é precisamente
esta a base para Chesterton dizer que Dickens, tanto quanto
Shakespeare, Dante, Homero e todos os universais, eram democratas.
Ou, noutras palavras, "as coisas essenciais nos homens são aquelas que eles
possuem em comum, e não as que eles possuem individualmente".
2) "O instinto ou desejo político" é uma dessas coisas que os homens possuem
em comum. Certas coisas, como apaixonar-se, esperamos que os homens façam
sozinhos, ainda que façam mal feito. "Em resumo: a fé democrática pretende
que as coisas mais importantes sejam deixadas a cargo dos homens
comuns -- a procriação, a educação dos jovens, as leis do Estado. Isso é
democracia".
- Pois bem. Logo após definir, com sua genialidade costumeira, em duas frases
apenas, o espírito da verdadeira democracia, Chesterton desembesta a atacar outro
erro moderno: a oposição entre tradição e democracia. Ora, o escritor diz, "a
tradição é somente a tradição projetada através dos tempos", é o
"consenso de vozes humanas" contra a aristocracia implícita de um
"historiador alemão" qualquer (não seria forçar a barra enxergar uma alusão a
Lutero, aqui). A tradição é a "democracia dos mortos", o direito de voto
estendido "à mais obscura de todas as classes" -- a classe dos que já morreram.
- Chesterton afirma não poder separar uma ideia da outra, já que lhe
parecem ser, no final, apenas a mesma ideia. Inclinava-se pela tradição
justamente por inclinar-se pela democracia.
O mundo das Fadas está tão submetido às leis lógicas, e sobretudo à lei
da não-contradição, quanto está o nosso. É universo rigorosamente
aristotélico, e se seus silogismos voam como fadas, ainda são silogismos.
- Esta admiração, este maravilhamento espantado tem um quê de louvor (que nada
tem a ver com otimismo), um saber que a vida é tão "enigmática" quanto é
"preciosa". Assim, sabendo-se num mundo que tem lá sua boa quota de
males (mais dragões que princesas), ainda assim Chesterton estava
grato por ter nascido e entrado na aventura de viver. Afinal de contas, se
não estivesse vivo, não teria nem como agradecer por um charuto que
lhe dessem no aniversário. A vida é o primeiro bem, e é um bem, ainda que
tenha males sem conta.
- Pois bem. Chesterton deu-se conta de que o mundo moderno vinha na direção
exatamente contrária a que corriam estes dois princípios, o mundo romântico
(chocante porém familiar; selvagem porém aconchegante) e a moral que não
reclamava dos limites em vista da coisa limitada. Deste choque, "brotaram dois
súbitos e espontâneos sentimentos" que o tempo viria sedimentar em duas
convicções para o resto de sua vida.
INTRODUÇÃO - EM DEFESA DE
TUDO O MAIS
- O livro foi escrito em resposta ao desafio que lhe lançara um certo G. S. Street que,
ao ler Hereges, havia notado que Chesterton descia o porrete em todas as filosofias
modernas sem, contudo, jamais mostrar às claras do que, afinal de contas, era feito o
próprio porrete; sem dizer-nos qual era a sua própria filosofia.
- A obra tinha em mira, portanto, apresentar, ao modo chestertoniano, tanto qual
era a filosofia do escritor quanto o modo pelo qual ele se sentira compelido a tomá-la
para si.
- Aliás, a filosofia não erasua: era da humanidade tanto quanto de Deus.
- Assim, temos, logo na primeira página e em dois parágrafos apenas, muito da
personalidade chestertoniana: a pugnacidade, o bom porém amigável e espirituoso
combate; a obra direta, no mais das vezes reação direta a algum fato ou opinião --
direta ou indireta, próxima ou distante, grande ou pequena; a ironia solar, socrática,
sem malícia nem amargor, que lhe saia da pena tanto por método quanto por
vocação; a pessoalidade, enorme personalidade de que nem uma linha sua que fosse
jamais conseguiu safar-se ilesa; a Tradição...
- O principal problema do livro está (e, segundo o autor, o único problema que deve
ser enfocado) emcomo manter o romance; isto é dizer,em como manter a
qualidade romântica que surge da tensão contínua entre o
desconhecido, estranho e perigoso por um lado, e o aconchegante,
familiar e caseiro, por outro.É isto que, segundo Chesterton, o
cristianismo mantém, e é isto e apenas isto que o livro tem em mira
provar.
-"romance positivo", "combinação do inusitado com o seguro",
"combinar a idéia da maravilha do inusitado com a ideia da comodidade
do que já está estabelecido".
- A pessoalidade do livro iria safar Chesterton, ao menos, da acusação que mais
detestava: a de ser frívolo, e de dizer as coisas apenas por dizer, cunhando,
irresponsável, paradoxos apenas para ver como soavam ou, pior, para defender o
que, no fundo, sabia ser indefensável. A quem quer que tenha lido as críticas de
Chesterton à arte pela arte, e de como ligava a arte genuína a um fundo moral sólido,
o desprezo, aqui, tornar-se-á ainda mais claro.
- E, então, vem a lume a citação com que Alan Watts intenta descrever toda a
filosofia de Chesterton, sobre a entrevista com um grifo e o rinoceronte que parecia
não existir. Aqui, o que a frase quer dizer é o seguinte: Chesterton REALMENTE cria
no que dizia e jamais inventara mentiras em nome do "estilo" ou o que quer que
fosse. Seus escritos não nos contavam mentiras, seu estilo não hiperbolizava o que
não está lá.
- As "elefantescas aventuras em busca do óbvio". A descoberta de que sua
heresia própria nada mais era que uma pálida cópia da tradição cristã foi um "feliz
fiasco".
- A teologia central cristã, teologia do Credo, "é a melhor fonte de energia e
ética sã", que seria uma energia e ética que mantêm, precisamente, o romance em
pé. Que mantêm tanto o maravilhamento pelo desconhecido como a afeição pelo
conhecido.
- O livro é uma "mal alivanhada biografia", e não um "tratado eclesiástico",
daí que Chesterton não entre em bulhas teológicas e nada fale sobre a primazia
Papal, por exemplo. Mas, como não poderia deixar de ser, termina a introdução com
uma provocação: bastava o senhor G. S. Street lançar-lhe novo desafio que, de
pronto, escrever-lhe-ia outro livro.
I. OS MANÍACOS
RECOMENDAÇÕES DE LEITURA: Sobre os contos-de-fadas e a relação com a
sanidade, ler A Avó do Dragão e O Anjo Vermelho -- Tremendas Trivialidades; sobre
a razão causadora da loucura, ler "Ciência e Demência", do prof. Olavo de Carvalho;
sobre o que é, afinal, a razão, e qual é a sua relação com a verdade, ler "Inteligência e
justamente, por esta fixação maluca numa só ideia às custas de tudo o mais; sobre
como as filosofias modernas explicam sem explicar o importante, ler "Café, Chá e
Abstrações";
pág. 36: "O fato geral é simples... e é a cabeça que estoura". LER A PASSAGEM
- Os maníacos são, no mais das vezes, grandes pensadores. São grandes pensadores
pois lhes falta a força para, como o homem sadio, distrair-se: ficam fixados,
obsessivamente, num só ponto, e repisam-no e ruminam sobre até, literalmente, a
doidice. "É o homem são quem pratica atos inúteis, pois o doente não é
suficientemente forte para estar ocioso". O louco, como o determinista, "vê
sempre razão demais em todas as coisas" e não consegue entender os atos
mais banais. Isso é característica notável, também, da depressão. O
depressivo simplesmente não tem força para assobiar ou bater um pé no
outro enquanto espera o ônibus.
- "Se o louco pudesse, por um instante, praticar qualquer ato impensado,
estaria curado".
- Assim, com uma mente mórbida (como mórbida estava a mente de Chesterton na
escola Slade), o que temos de fazer não é tanto argumentar mas, por outra, borrifar-
lhe ar fresco pelos ouvidos, salvá-lo da asfixia de um só argumento ao mostrar
que o mundo é infinitamente maior do que ele mesmo -- isto é dizer, ao
humilhá-lo perante o espetáculo do universo. - Nos três exemplos dados por
Chesterton, do sujeito que se julgava perseguido por todos, do sujeito que se achava
o Rei da Inglaterra e do sujeito que tinha por certo ser Jesus Cristo, a solução era a
mesma: humildá-los. Para o primeiro, o remédio era fazer com que ele entretivesse a
possibilidade apenas de que as outras pessoas todas não viviam em função dele
mesmo, que havia vida própria para fora de seu próprio umbigo; no segundo caso, a
solução era fazê-lo desdenhar de ser um Rei, baixar-lhe a bola; no terceiro e último,
o tratamento era esmagar-lhe a doidice sob o peso cósmico da realidade.
- NA PRÁTICA (já que Chesterton irá tratar sobre a doutrina positiva da sanidade só
mais tarde), o que conserva os homens sãos é o misticismo: isto é dizer, o homem
que aceita que a vida é feita tanto de luz quanto trevas; tanto de coisas
compreensíveis quanto de coisas que não entendemos em absoluto.
- pág. 50: "É o misticismo que conserva os homens sãos:... é como um poste
indicador para os viajantes livres". LER A PASSAGEM
- Em suma: o mundo moderno, que não crê mais nem mesmo no pecado, ainda não
descrê nos manicômios e na doidice; a doidice só é poética para quem é são, pois
apenas o são tem como enxergar a ironia; a doidice, aliás, é perigo que espreita
muito mais os lógicos e matemáticos que os poetas e imaginativos; os doidos são, no
geral, excelentes argumentadores, e sua lógica é impecável; sua lógica é impecável
precisamente por deixar de fora tudo o mais que não é puramente lógico e que freia
o homem são; a cura para um doido, portanto, não é argumentar com ele mas
humilhá-lo, humildá-lo ao mostrar-lhe que o mundo é infinitamente maior do que
ele mesmo; o doente tem de parar de pensar a fim de não ficar doido: "o doido é o
homem que perdeu tudo exceto a razão"; tanto o materialismo quanto o ceticismo
exibem precisamente as MESMAS características de um doido: a mesma completude
lógica misturada à mesma estreiteza espiritual, a mesma razão exaustiva e expansiva
aliada a um limitado senso comum, a mesma completude teórica com a mesma
ineficácia prática; assim, a lógica, de si e por si, não garante coisa nenhuma. O que
garante, não apenas a verdade, mas mesmo a sanidade, são os primeiros princípios
corretos; o primeiro princípio correto, que sempre conservou aos homens a sua
sanidade é o misticismo: que "o homem pode compreender tudo com a ajuda
daquilo que não compreende".
Este capítulo quer provar, como nos diz o próprio Chesterton no
seguinte, que "o perigo da morbidez provém, para o homem, mais da
razão do que da imaginação".
VIII. A AUTORIDADE E O
AVENTUREIRO
- Chesterton começa este último capítulo com o melhor resumo que alguém poderia
ter feito do capítulo anterior. A ortodoxia, além de manter a moralidade e a ordem, é
a única guardiã lógica "da liberdade, inovação e progresso".
espírito precede a matéria e a ela dobra; despertar as gentes para a vigília constante
das instituições não será coisa que conseguiremos insistindo na imanência divina e
na Luz Interior, razões para contentamento e apatia; a Trindade fomenta e sustenta
a noção de um generoso equilíbrio em vez de uma "autocracia pavorosa"; para a
Europa ser tanto um ataque quanto resgate reais, há que se insistir na realidade do
perigo; e, sendo o próprio Deus um abandonado e revoltado, ateus e revolucionários
e desprezados de toda a sorte têm uma divindade que os entende.
- O próprio Chesterton dá uma resposta, que segundo ele abrange as três perguntas:
o Céu descera sobre a Terra duas vezes: primeiro, para povoá-la com Sua imagem, o
homem, e, mais tarde, para resgatar este mesmo homem sob a forma terrível de Um
Homem. Isso explicaria, primeiro, por que todo mundo olha para trás, para a Queda,
e por que todo mundo só olha pra frente no pequeno continente em que Cristo, o
Homem, assentou Sua Igreja.
- Porém, dá mais três argumentos a fim de cimentar sua tese. 1) Cristo era
criatura dócil e domesticada, de todo desligado do mundo e para ele incapaz de
oferecer qualquer atrativo; 2) o Cristianismo surgira e florescera em meio às
trevas da ignorância; 3) povos muito religiosos (ou supersticiosos) são fracos,
atrasados e carecem de praticidade.
- Primeiro, o Cristo dócil e domesticado. Em vez de ler livros sobre o Novo
Testamento, Chesterton foi ler o Novo Testamento, e longe de topar numa "pessoa
um "ser extraordinário, com lábios de trovão e atos de impressionante
decisão", que muitas vezes agiu como um deus irado -- e sempre como um Deus.
- Segundo, a noção de que o Cristianismo pertence à Idade das Trevas. É,
simplesmente, mentira. O Cristianismo foi a única coisa na Idade das Trevas que
não era sombria. Era, aliás, uma ponte brilhante que ligava duas civilizações
também brilhantes. Nasceu em pleno verão do Império Romano, e não em meio à
barbárie. Sobreviveu à morte do Império Romano, aliás. "...a Igreja Cristã foi a
última vida de uma sociedade velha assim como a primeira vida de uma
sociedade nova". Longe de querer arrastar-nos de volta para a Idade das Trevas, a
Igreja foi a única coisa que nos tirou de lá.
- Terceiro, os povos supersticiosos ou religiosos são fracos, e lhes falta
praticidade. Os irlandeses, porém, nada tinham de fracos e sempre souberam fazer
valer os seus direitos, além de sempre trabalharem ao máximo o que tinham e se
adaptarem muito bem a profissões penosas, como a serralheria, a advocacia e a
milícia.
- O cético, conquanto fizesse bem em guiar-se por fatos, esquecia-se de checar seus
fatos. Era por demais crédulo; cria até mesmo em jornais ou enciclopédias.
- Havia, porém, uma característica final deste mundo cristão, maior e mais
aventureiro. Conquanto difícil de se expressar, por óbvio Chesterton iria tentar.
Começa assim: "Todo argumento verdadeiro sobre a religião gira em torno
da questão de saber se um homem que nasceu de cabeça para baixo será
capaz de dizer quando encontrou a posição devida".
coração mesmo da religião é que "algo que nunca conhecemos num sentido
perfeito é não só melhor do que nós mesmos, mas ainda mais natural do
que nós mesmos". Como diz Sto. Agostinho, "Deus está acima do que em
mim há de mais elevado e é mais interior do que aquilo que eu tenho de
mais íntimo". O teste, aqui, não tem como ser outra coisa que não experimental.
Foi apenas após descobrir a Ortodoxia que Chesterton safou-se de vez da doidice.
- Para concluir, porém, há uma aplicação especial disso para a questão fundamental
da alegria.
- Depois de dizer o óbvio e mostrar, ainda pela quinquagésima vez, que não era o
otimista estúpido que seus críticos tanto gostavam de pintar ao afirmar que tudo que
é humano carrega seus quinhões de tristeza e alegria, importando apenas saber
"como essas duas coisas estão compensadas ou divididas", Chesterton faz
alguns comentários dignos de nota sobre o paganismo.
- A alegria do melhor paganismo está relacionada aos fatos da vida, e não à
sua origem. "Quando o pagão olha bem para o centro do cosmos, ele
gela. Por trás dos deuses, que são meramente despóticos, sentam-se os
destinos, que são fatais. Os destinos são, até, mais que fatais: são
mortos".
- Neste sentido, portanto, o paganismo é muito mais moderno do que o
Cristianismo, pois tanto quanto os mais recentes escritores sentia-se profundamente
infeliz com o todo, enquanto o medieval ao menos com isso estava contente. "Giotto
vivia numa cidade mais triste que Eurípides, mas vivia num universo
mais alegre".
- E chegamos no ponto nevrálgico, com que Chesterton haverá de encerrar sua obra-
prima: que a maior parte dos homens tenha sido forçada a ser alegre nas pequenas
coisas e triste nas grandes não é sua condição natural: "O homem é mais ele
próprio, o homem é mais semelhante ao homem quando a alegria é a
característica fundamental que se encontra nele, e a tristeza,
superficial... o louvor deve ser a constante pulsação da alma".
- Para o pagão ou agnóstico médio, porém, esta uma necessidade básica da alma
jamais pode ser de fato satisfeita, e é a isso que Chesterton chama "nascer de
cabeça para baixo". O Cristianismo, assim, vem para fazer com que o homem se
apoie nos pés em vez na cabeça, que é afinal um pedestal bastante precário.
Quando o faz, é de imediato que o homem apercebe-se do fato.
- E não apenas isso pois, por meio de seu credo, o Cristianismo torna a alegria algo
gigantesco, enquanto a tristeza apequena-se e vai ficar num canto, apenas por ora.
- "A alegria, que foi a pequena propaganda do pagão, é o gigantesco
segredo do cristão."
- Outra: o perigo que corre a alma. Dizer que a salvação é inevitável pode até
ser defensável -- mas não é lá de muita ajuda para a atividade ou o progresso. O
fatalismo transforma a vida numa ciência, equação matemática que acabará de uma
forma determinada. Para o cristão, a vida é uma história que poderá acabar de
qualquer forma. É perverso chamar um homem de "condenado", mas é religioso e
filosófico chamar-lhe "condenável".
- "Todo o Cristianismo concentra-se no homem nas encruzilhadas... A
verdadeira filosofia está preocupada com o instante. Seguirá o homem
este caminho ou aquele? Essa é a única coisa na qual temos de pensar, se
realmente gostamos de pensar. É fácil meditar sobre os milênios. O
muito de batalhas e, na teologia, ocupa-se muito do inferno. Está cheia
de perigo, como um livro juvenil de aventuras; encontra-se numa crise
imortal".
- Assim, é o livre-arbítrio teológico que fez sobressair o cristianismo na
literatura. Se vulgar é a ficção popular, tanto mais vulgar são, para uns e outros, as
imagens da Igreja Católica. A vida da fé assemelha-se muito a um seriado de revista:
termina sempre com a promessa ou ameaça de "continuar no próximo capítulo",
cessando num cliff-hanger excitante: a morte.
- Mais ainda: é o livre-arbítrio humano a objeção à doença moderna de
querer tratar o crime como uma doença. O mal é matéria de escolha ativa,
enquanto a doença, não. "Um homem pode permanecer quieto e ser curado
de uma doença. Não deverá, porém, permanecer quieto se deseja curar-
se de um pecado; ao contrário, tem de levantar-se e de se mexer
ativamente... "paciente" é uma forma passiva, ao passo que "pecador" é
uma forma ativa... Toda reforma moral deve partir de uma vontade ativa
e não de uma vontade passiva".
- Como não quer ainda falar de teologia, Chesterton começa a se perguntar quais
foram os princípios oferecidos pelos modernos.
- O primeiro é aquela dos que falam que a moralidade nunca "está em dia", está
sempre a evoluir e progredir e etc. Chesterton diz que é ridículo falar numa coisa
estar "em dia" -- o dia não tem caráter.
- Depois, fala sobre as metáforas materiais, e de como palavras como "elevado"
haviam tomado o lugar de filosóficas e substanciosas palavras como "BOM". É
daqui, aliás, que surge seu ataque a Nietzsche.
- Outras, ficam de todo passivas e, fatalistas, dizem que se algo aconteceu, era para
acontecer; se não, não era.
- O quarto tipo de gente são as que ligam o fim último da evolução ao que querem --
e por isso Chesterton chama-lhe sensatas. Suas metáforas, ao menos, se falsas ou
medonhas, fazem sentido, pois definem um ideal e a tudo o que se lhe achegar
chamam "evolução" ou "progresso". Daqui, faz a ponte para mais um princípio:
além de termos de gostar do mundo, ainda que queiramos mudá-lo,
temos de gostar de um outro mundo, real ou imaginário, à imagem do
qual queremos transformar este aqui.
- E já embica a questão que lhe vinha na rabeira: como fazer com que o homem,
pintor do mundo, jogue sempre os retratos imperfeitos pela janela em vez do
modelo?
- Sem dar-lhe resposta, porém, retorna à questão da regra fixa para a Revolução,
nesta esteira, entra a criticar escolas progressistas que falavam numa moralidade
que se ia desenvolvendo lentamente, apontando que a justiça, sob determinadas
condições, tem de ser rápida e não pode esperar alguns séculos. Se um homem esfola
um gato, eu tenho de detê-lo AGORA, e não amanhã ou daqui a cento e trinta e dois
anos: "O que é a moralidade corrente senão, literalmente, a moralidade
que está sempre a correr?" E torna a dizer o que já havia dito: o ideal, seja para
erigir um Império milenar, seja para suscitar revoluções mensais, tem de ser
imutável.
- Neste ponto, sussurrou-lhe aos ouvidos, ainda mais uma vez, a
estranha voz do Cristianismo, dizendo-lhe que seu ideal era tão imutável
quanto a eternidade que era antes de o mundo ser mundo. Para o
ortodoxo, a revolução é o seu pão diário, pois a restauração é sua missão.
- É a vez do darwinismo, que poderia ser usado para apoiar duas moralidades
insanas -- ou uma crueldade enorme ou um sentimentalismo retardado. O amor
sadio pelos animais não poderia surgir da doutrina sobre o parentesco e competição
de todas as criaturas vivas. Que nós e o tigre sejamos um só pode fazer com que
ensinemos o tigre -- ou com que o tigre nos ensine. Tratá-lo como um ser-humano
normal faria, porém, admirando-lhe as listras enquanto evitamos-lhe as garras, não
é coisa que possamos aprender com o evolucionismo.
- Assim, apenas o sobrenatural (que, aqui, é o Cristianismo) tem uma visão sã da
Natureza, por tratá-la como uma irmã, e não como mãe. Os cristãos podem admirar
a Natureza sem querer imitá-la; podem orgulhar-se de sua beleza, podem amá-la
como a uma irmã, mas não devem tomá-la por Mestre, pois Mestre há apenas Um,
Pai de ambos.
- Mas o ponto não é este, e sim aquele sobre a simplicidade estúpida trazida a cabo
por um progresso impessoal. O exemplo, agora, é sobre um nariz que, progredindo
impessoalmente, pudesse ficar mais longo a cada geração. Mas ninguém QUER isso.
Queremos narizes bem comportados, proporcionais a um rosto interessante, que por
sua vez depende de uma combinação desesperadamente complexa: "A proporção
não pode ser um acúmulo de coisas: ou é um acidente, ou um projeto".
- Assim, na moralidade, poderíamos cegamente evoluir para gente que, amando
insanamente tudo ao seu redor, não se atrevesse a mexer para não incomodar uma
pergunta de Chesterton é simples: QUEREMOS isto, como queríamos narizes
longos? Não, é a resposta óbvia. O que queremos é uma combinação proporcional
de ambas, delicadeza e desprezo, amabilidade e pugnacidade, paz e guerra. "Tudo
depende [de sermos] suficientemente humildes para admirar e
suficientemente altivos para desafiar"; tudo depende de estabelecermos um
equilíbrio saudável entre as duas tendências que, se deixadas ao léu, haverão de
alargar-se a despeito de tudo o mais.
"A felicidade perfeita do homem na Terra (se ela alguma vez vier) não
será uma coisa plana e sólida, como a satisfação dos animais. Será um
perigoso e rigoroso equilíbrio, como o de um romance desesperado. O
homem deve alimentar em si fé suficiente para experimentar aventuras,
e duvidar suficientemente de si para ter prazer nessas aventuras". Eis o
romance!
- Aqui, como não é de espantar, há uma digressão: o Cristianismo era a única coisa
que restara capaz de contestar o poder das classes superiores. Ao ouvir socialistas e
democratas dizendo que pobres iriam necessariamente virar uns diabos, e homens
de ciência dizendo que se tão-só conseguíssemos fazer os pobres subir de vida todo o
vício e mal haveriam de desaparecer, Chesterton fez notar uma coisa apenas: ambas
as doutrinas eram perfeitamente antidemocráticas. Se os pobres estavam assim
desmoralizados, então não deviam, por óbvio, ter nas mãos o poder do voto. Os
socialistas mais fervoroso, ansiosos como estavam por provar que os pobres não
eram confiáveis, estavam dando aos ricos a chance de dizer-lhes: pois bem, então
não confiaremos nos pobres. Não há nada melhor para estabelecer a aristocracia do
que o socialismo. Os argumentos sobre a hereditariedade e sobre o meio-ambiente,
tão característicos dos socialistas, eram um tiro no pé: se tanto mais apto a votar
estará o pobre quanto melhor forem suas condições, então a única conclusão lógica
é que infinitamente mais apto estará o milionário que lhe for infinitamente mais
rico.
- Da página 176 até a 178, está a melhor exposição que já vi sobre a relação
chestertoniana com os ricos. O que ele diz é, simplesmente, isto: não é
necessariamente errado submetermo-nos aos ricos, assim como certamente não é
errado rebelarmo-nos contra eles. Não é necessariamente anti-cristão botar-lhes na
cabeça uma coroa ou arrancar-lhas com a guilhotina. Anti-cristão é dizer que
os ricos são moralmente mais confiáveis que os pobres. Anti-cristão é dizer que
"aquele sujeito não se deixaria jamais subornar", pois o Adão em todos nós jamais
estará de todo livre do perigo do suborno. Chesterton só o que faz é ecoar a
advertência evangélica quanto aos ricos, o camelo e a agulha. Chesterton só o que faz
é ecoar a doutrina cristã de que, se há algum ambiente perigoso ao homem, tanto
mais perigoso ser-lhe-á o ambiente quanto mais confortável.
- Aliás, a digressão não é bem digressão. Chesterton trata dos ricos apenas para
deixar claro que, numa Utopia que houvesse logrado criar um Éden na Terra, seus
habitantes ainda seriam Adões e Evas.
- Outra: Chesterton tem nada da ingenuidade que lhe atribuem alguns críticos. Diz,
com todas as letras, que "o simples processo de votação não é democracia",
conquanto reconhecesse que estava difícil para arranjar um outro menos pior. A
coincidência cristã com a democracia não era assim superficial, ia mais fundo. A
convergência estava no sentido prático da coisa, "na tentativa de obter a
opinião daqueles que seriam demasiadamente modestos para oferecê-la.
[Tratava-se] de uma aventura mística: confiar especialmente naqueles
que não confiam em si mesmos".
- Daí, dispara a falar sobre como a força de fato é leve e não pesada; como o orgulho
arrasta todas as coisas para uma seriedade fácil. Ser sério e levar-se demasiado a
sério é apenas deixar-se levar pelo orgulho que, como a força da gravidade, está
sempre a querer derrubar-nos como outrora derrubou Satanás. Faz isso a fim de
dizer que a aristocracia numa Europa cristã jamais fora considerada, no mesmo
sentido sagrado e absoluto, melhor espiritualmente do que o resto da população.
V. OS PARADOXOS DO
CRISTIANISMO
- "...o mundo é quase, mas não totalmente, sensato. A vida não é uma
negação da lógica: é uma armadilha para os lógicos [...] sua exatidão é
evidente, mas sua inexatidão está oculta, e sua fúria selvagem está à
espreita".
- "A liberdade mental e a liberdade emocional não são tão simples como
parecem. De fato, ambas requerem um equilíbrio de leis e de condições
quase tão cuidadoso como a liberdade social e política". É por isso, aliás,
que Chesterton irá sempre dizer que a sanidade é mais poética que a
doidice, assim como a ortodoxia é mais romântica que a heresia -- são,
ambas, equilíbrios delicados.
- A grande, enorme realização da ética cristã foi trazer ao mundo o novo equilíbrio
de um rochedo aparente e romanticamente disforme, por vezes grotesco como uma
gárgula gótica, mas por isso mesmo ereto há dois milênios.
- O próprio patriotismo europeu era prova disto: o instinto cristão, em nada
parecido com o instinto pagão, romano ou grego, foi o de deixar soltas as
características individuais dos povos, a fim de que o "absurdo alemão" pudesse
balancear a "insanidade francesa".
- O erro de toda esta coisa de otimistas contra pessimistas está no fato de que um e
outro criticam o mundo como se fora uma casa entre muitas outras disponíveis; um
novo apartamento. Isto é rematada mentira: "O homem pertence a este mundo
antes mesmo de ter tempo de perguntar se é bom ou não pertencer a ele".
- A relação de Chesterton para com todas as coisas não é otimista (termo que o gordo
rejeita por demais simplório e estúpido); é patriótica. O mundo exige certa
"lealdade primordial".
"A questão não é que este mundo seja triste demais para se
amar, ou alegre demais para não se amar; a questão é que,
quando se ama algo, a sua alegria é uma razão para esse
amor, e a sua tristeza é uma razão para um amor ainda
maior".
- Após dizer que todas as grandes cidades surgiram ao redor dum poço ou árvore
sagrada, Chesterton parte a provar que a própria moralidade surgira apenas como
efeito colateral, por assim dizer, deste amor sacralizante, e nada tinha que ver com
as teorias contratuais do século XVIII. Os homens não acordaram entre si para um
não bater no outro e, voilá!, eis a moralidade: acordaram em não se bater naquele
ponto sagrado; lutara para defender o santuário e descobriram a coragem; ficaram
limpos para seus deuses e descobriram o banho. Aliás, muito das críticas
chestertonianas ao, por exemplo, higienismo moderno vinham daqui: os
modernos queriam a moralidade apenas, sem o sagrado, sem o
transcendente que primeiro lhes deu vida. A moralidade surgiu como efeito
colateral, por assim dizer, desta "primordial dedicação a um lugar ou a uma
coisa", que aliás é "uma fonte de energia criadora".
- O pessimista é o "amigo" que tem um prazer secreto e mórbido em dizer que tudo
está uma merda, e que estamos arruinados. Anida que apresente apenas fatos,
apresenta-os a fim de fazer com que os homens larguem a bandeira do mundo; diz a
verdade para dispersar homens e enforcar lealdades: seu problema "não é o fato
de ele castigar deuses e homens, mas o fato de ele não amar aquilo que
castiga". O otimista, por sua vez, no afã de defender a honra do mundo acabará por
defender o indefensável. Andará por aí com respostas prontas na língua para todos
os ataques e perplexidades; em vez de lavar o mundo, quererá caiá-lo.
- Ou, ao menos, este é o problema com o "otimismo ruim", que
surpreendentemente é o otimismo "natural", ou "razoável". O patriota que ama
um lugar por alguma razão específica é o mais propenso a destruí-lo, pois acabará
por defender uma parte sua em detrimento do todo. O patriota místico, por outro
lado, ainda que derrube a favela abaixo para fazer dela "uma Nova Jerusalém",
estará a reformá-la. Amar a Inglaterra por ser um Império seria não a amar um
outro Império a subjugasse; amar a Inglaterra por uma teoria da História qualquer
(como Hegel e o seu Estado Alemão) haverá de desembocar no falsificar da História.
"Os piores jingoístas não amam a Inglaterra; amam uma teoria qualquer
sobre a Inglaterra".
- Ler desde o penúltimo parágrafo do capítulo até o seu final. É lá que Chesterton
descreve como as duas enormes máquinas do mundo e do cristianismo, que até
então ele havia carregado separadas, cada uma no seu lado, ajustaram-se nesta
questão do princípio filosófico da criação cristã com as necessidades espirituais do
patriota cósmico. Depois, "instinto após instinto foi respondido por doutrina após
doutrina".
- E é no último parágrafo que Chesterton demonstra como o cristianismo, acima de
tudo, redimiu-lhe o otimismo ao falar-lhe sobre como NÃO estava tudo certo com o
homem, sobre como éramos todos deuses caídos, imagens apagadas do Deus
supremo. Deuses, sim, mas caídos; criados para o Éden, expulsos do Paraíso.
- Não fora apenas Chesterton, segundo o próprio Chesterton, que havia ligado a
doidice à "razão desvairada". Outra escola também o percebera, e apresentara seu
próprio remédio: se a razão destrói, a vontade cria. É a filosofia da vontade
de Schopenhauer e Nietzsche: o primeiro dizendo que tudo o que há é
"representação da consciência" apenas e pregando um ascetismo da vontade, força
infinita num mundo de finitos, e o segundo dizendo que por o mundo não ter
sentido algum, o único valor é a vontade do homem que "deve aceitar a vida tal como
ela é".
- O que importa não é o porquê de um homem procurar algo (já que este algo é
apenas representação que ecoa na consciência e não tem sentido algum em si
mesmo) mas, sim, o FATO de que ele procura algo.
- Exemplos modernos Chesterton encontra em Bernard Shaw e H. G. Wells: o
primeiro atacando a idéia do padrão do desejo de felicidade; o segundo, dizendo que
deveríamos avaliar as coisas não como pensadores, mas como "artistas".
- Glorificar o ato volitivo em si acaba na mesma cobra a comer o próprio rabo: o
teste da felicidade é um teste; o teste da vontade, não. Como todo ato é ato
voluntário, não haveria, assim, modo de distinguir um do outro e,
portanto, não haveria modo de ESCOLHER: "O culto da vontade é a
negação da vontade. Admirar a simples escolha é recusar-se a escolher".
- Os adoradores da vontade sempre falam em termos expansionistas quando a
verdade é, claro, que a escolher é limitar-se: você se fecha para todo o universo de
ou limitativo da vontade que converte em quase tolice a maior parte das
afirmações dos anárquicos adoradores da vontade". O poeta John Davidson
dizia que não tomava parte no "tu não farás": Chesterton diz-lhe, amável, que não
pode haver escolha sem o "tu não farás".
- O mundo dos fatos é o mundo dos limites. A arte é limitação, e a essência de toda a
pintura é sua moldura. "O artista ama seus limites: eles constituem a coisa
que ele está fazendo".
- pág. 68: "Mas o novo rebelde é um cético... revoltar contra alguma coisa".
- Que a sátira andasse a escassear na literatura de então era prova que as coisas mais
ferozes e combativas minguam se se lhes arranca o porquê: sem um padrão fixo,
nem sarro dos outros temos como tirar. Não temos como aloprar alguém por
ser gordo ou erguermos uma sobrancelha de espanto perante uma
mulher barbada. Aliás, corolário interessante disso é como a comédia,
em nossos dias, está pobre. O viva à diversidade é um golpe na jugular
da comédia, que vive de tirar sarro PRECISAMENTE DA DIVERSIDADE.
- "Nietzsche podia zombar, mas não rir".
- Nietzsche e Tolstoi, um e outro, ambos estão imobilizados, o primeiro por crer que
toda ação é boa por não ser especial e o outro que toda ação é má.
- Estes dois capítulos foram o exame breve das principais correntes de pensamento
modernas. Chesterton chama-as "pilhas de ingenuidades e futilidades", "os
inteligentes, admiráveis, enfadonhos e inúteis livros modernos". O ponto
final de todas estas filosofias era o manicômio, pois "a loucura pode ser definida
como o uso da atividade mental até se ter atingido a debilidade mental".
- Joana D'Arc foi a camponesa que Tolstoi admirava e a guerreira a que Nietzsche
prestava reverências. Foi algo e fez algo, porém, enquanto os dois "não passaram
de estranhos especuladores que nada fizeram". É aqui que Chesterton alude,
pela primeira vez, a "algum segredo de unidade moral e de utilidade que se
perdeu".
- "O amor de um herói é mais terrível que o ódio de um tirano. O ódio de
um herói é mais generoso do que o amor de um filantropo".
Sobre Ortodoxia
"Ortodoxia é o tronco do qual saem todos os ramos chestertonianos. Tudo o mais
que ele escreveu, de uma forma ou de outra, retorna a este livro". - Dale
https://www.youtube.com/watch?v=2i7wIJComxA
Ahlquist:
"romancear consiste em tomar algo por mais agradável por ser mais perigoso. Isso é
uma idéia cristã". - HEREGES