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Constituinte quando?

Contribuições para o debate sobre a realização de


uma Assembleia Constituinte como saída política.

Magnus Henry da Silva Marques1

Depois de se passarem quase três anos da campanha dos movimentos populares,


de sindicatos e de alguns partidos de esquerda do Plebiscito Popular por uma Constituinte
Exclusiva do Sistema Político e, principalmente, após os eventos políticos que marcaram
a conjuntura política desde então, é preciso fazer um balanço sobre a proposta e,
principalmente, da tática adotada pelas organizações que iniciaram e puseram em
andamento a campanha pela constituinte. Para tanto, esse artigo abordará: a) o surgimento
do movimento constituinte em 2013; b) os impactos do golpe de 2016 para a ordem
constitucional vigente; c) o que pode significar um movimento constituinte no cenário
atual.
Antes de tudo, é preciso reconhecer o salto na discussão de 2014 pra cá. Se, em
2014, as discussões mais polêmicas sobre o tema se tratavam sobre a possibilidade de
convocação de uma constituinte, hoje, os debates giram em torno da oportunidade. É
inadmissível que a decisão por uma (re)construção constitucional esteja fora do leque de
decisão de uma comunidade política. Qualquer desenho institucional só ganha
legitimidade e durabilidade se assentada na decisão desse coletividade de mantê-la, desse
modo, faz parte da ação política a possibilidade dos agentes disputarem a hegemonia (e,
por consequência, a legitimidade) em torno da agenda de uma (re)construção
constitucional. Não por menos, a longevidade média das ordens constitucionais no mundo
todo é algo em torno de 19 (dezenove) anos, segundo estudo do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento2.
A proposta de realização de uma nova Assembleia Constituinte se apresentou
como pauta política no cenário político após as manifestações massivas que tomaram as
ruas do país em 2013 quando a presidenta eleita, Dilma Rousseff, defendeu a realização
de cinco pactos com a nação3. Dentre eles, o quinto pacto era o da reforma do sistema

1
Advogado, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília.
2
PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DESARROLO. Mecanismos de cambio
constitucional en el mundo: Análisis desde la experiencia comparada. Santiago: Programa de las Naciones
Unidas para el Desarrollo, 2015.
3
ROUSSEFF, Dilma. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante reunião com
governadores e prefeitos de capitais. Portal Planalto, Brasília, 24 jun. 2013. Disponível
político por meio de uma constituinte exclusiva. Após reação da base aliada de seu
governo e de alguns setores do Partido dos Trabalhadores, a presidenta recuou na sua
proposta4 passando a advogar pela realização de um plebiscito sobre o conteúdo da
reforma política. Ou seja, abandonou a agenda de realização de uma Assembleia
Constituinte e começou a discutir uma reforma do sistema eleitoral por meio da política
ordinária do Congresso Nacional.
Parte da sociedade civil viu na bandeira de uma Assembleia Constituinte exclusiva
para a reforma do sistema político uma janela para grandes mudanças no país e para
acertar as contas com a forma de transição para a democracia que assegurou a
permanência do poder de algumas oligarquias e de agentes que participaram ativamente
no regime que se depôs. Por isso os movimentos populares – como o MST e o MAB −,
certos partidos políticos de esquerda – como alguns setores do PT e do PSOL, a Consulta
Popular −, alguns sindicatos e centrais sindicais – como a CUT −, e alguns setores da
Igreja Católica assumiram para si a proposta da presidenta e construíram a campanha do
Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva da Reforma do Sistema Político. Os
detalhes dessa proposta e da campanha não nos interessam agora, uma vez que já foram
trazidos em outros textos e produções ao longo do biênio 2013-20145. Tão somente
necessitamos aqui pontuar em que contexto a proposta de uma (re)construção
constitucional surgiu na pauta política do país.
Ninguém compreendeu tão bem o que estava em jogo em nas manifestações de
junho de 2013 como a presidenta Dilma Rousseff, quando propôs o pacto pela reforma
política, e as organizações que construíram a campanha pelo plebiscito constituinte.
Naquele momento, a conjuntura dava sinais alarmantes do acirramento da luta de classes.

em:<http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-
rousseff-durante-reuniao-com-governadores-e-prefeitos-de-capitais>. Acesso em 23 nov. 2016.
4
COSTA, Breno; NALON, Tai. Dilma recua de assembleia constituinte para a reforma política após
críticas. Folha de São Paulo, São Paulo, 25 jun. 2013. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1300992-dilma-recua-de-assembleia-constituinte-paa-
reforma-politica-diz-presidente-da-oab.shtml>. Acesso em: 10 jan. 2015
5
Cf. MARQUES, Magnus Henry da Silva. O gingado na luta de classes: o plebiscito popular pela
constituinte exclusiva e soberana por uma reforma política. Consulta Popular, [s.l.], 10 fev. 2014.
Disponível em: <http://www.consultapopular.org.br/noticia/o-gingado-na-luta-de-classes-o-plebiscito-
popular-pela-constituinte-exclusiva-e-soberana-por>. Acesso em: 18 abr. 2017; DALMAU, Rubén
Matínez; SILVA JÚNIOR, Gladstone Leonel da. O novo constitucionalismo latino-americano e as
possibilidades da constituinte no Brasil. In: RIBAS, Luiz Otávio (org.). Constituinte exclusiva: um outro
sistema político é possível. São Paulo: Expressão Popular, 2014; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de.
Entendendo o poder constituinte exclusivo. In: RIBAS, Luiz Otávio (org.). Constituinte exclusiva: um
outro sistema político é possível. São Paulo: Expressão Popular, 2014.
Por mais que tenha havido pautas progressistas em algumas mobilizações naquele ano6,
o fascismo também marcava seu território com a expulsão de partidos políticos daqueles
atos. Há certo exagero em quem afirma de forma categórica que o impedimento da
presidenta Dilma Rousseff nasceu naquela ebulição social, assim como há uma
romantização daquele processo entre os que dizem ter sido aquelas movimentações fruto
do poder de convocação das organizações de esquerda. Os resultados dos movimentos
massivos de junho de 2013 estiveram até muito recentemente em disputa pelos agentes
políticos à esquerda e à direita.
Quando o partido orgânico da direita brasileira, a Rede Globo e demais empresas
da grande mídia, enxergou a possibilidade de girar toda a indignação que tomou as ruas
em 2013 contra a presidenta Dilma Rousseff e contra o Partido dos Trabalhadores,
organização que hegemonizou um ciclo estratégico da esquerda desde a
redemocratização, a direita passou a disputar corações e mentes dos que manifestantes7.
A proposta da constituinte cumpria exatamente esse papel de, em um cenário de
acirramento da disputa política, dar vazão às reivindicações daquelas mobilizações,
trazendo para o espectro político da esquerda os seus resultados. No entanto, por várias
razões − uma delas a vacilação de parte da esquerda com a proposta da constituinte, mas
não só −, fomos derrotados. Com isso, a direita findou ganhando a hegemonia na narrativa
sobre junho de 2013 o que fortaleceu o movimento pelo impedimento da presidenta.
Com essa trajetória recente, chegamos aos eventos políticos que puseram em
marcha o golpe de 2016 que tem como momento relevante a destituição da presidenta
eleita em 2014. Não nos cabe aqui pormenorizar as razões que nos fazem considerar o
impeachment de Dilma como um golpe, isso tanto merece um aprofundamento em outro
artigo como já foi abordado em produções anteriores8. Agora, nos interessa apenas

6
SINGER, André. Brasil, junho de 2013, classes e ideologias cruzadas. Novos estud. - CEBRAP, São
Paulo, n. 97, p. 23-40, nov. 2013. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
33002013000300003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 16 mar. 2016.
7
Fato relevante para identificar essa mudança tática da direita brasileira foi o posicionamento de Arnaldo
Jabor. Cf. HOJE EM DIA. Arnaldo Jabor muda de opinião e pede desculpas por comentário infeliz sobre
protestos. Hoje em dia, [s.l.], 17 jun. 2013. Disponível em: <http://hojeemdia.com.br/primeiro-
plano/brasil/arnaldo-jabor-muda-de-opini%C3%A3o-e-pede-desculpas-por-coment%C3%A1rio-infeliz-
sobre-protestos-1.160229>. Acesso em: 18 abr. 2017.
8 Cf. MARQUES, Magnus Henry da Silva. Um golpe da cabeça aos pés. Justificando, São Paulo, 23 mai.
2016. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2016/05/23/um-golpe-da-cabeca-aos-pes/>.
Acesso em: 18 abr. 2017; IOTTI, Paulo. Impeachment sem provas de conduta dolosa é golpe!.
Justificando, 20 mar. 2015. Disponível em:
<http://justificando.cartacapital.com.br/2015/03/20/impeachment-sem-provas-de-conduta-dolosa-e-
golpe/>. Acesso em 18 abr. 2017.
pontuar o impacto da consolidação do golpe e do seu projeto para a ordem constitucional
vigente. A simples destituição da presidenta Dilma Rousseff redesenhou a estrutura
institucional da ordem constitucional de 1988. O instrumento do impedimento foi previsto
da Carta Magna como um mecanismo de realização de um juízo político-jurídico em face
do cometimento por parte do mandatário do executivo dos fatos típicos estabelecidos em
lei. O impeachment sem crime de responsabilidade e o “lavar as mãos” do STF em todo
esse processo transformou esse instituto em uma espécie de recall antidemocrático, em
voto de desconfiança do parlamento sobre o executivo. Na verdade, com o golpe de 2016
se instituiu o poder de veto do parlamento à decisão popular. Se institucionalizou o
terceiro turno em face da perda de apoio parlamentar. Com isso, hoje, o parlamento tem
o poder de legitimar um mandato presidencial9, podendo, inclusive, ir na contramão do
voto popular.
Desse modo, se o parlamento eleito discordar do projeto escolhido para o
executivo pelas eleitoras e pelos eleitores, aquele passou a ter o direito de exercer o seu
direito ao veto. Hoje, com o desenho institucional inaugurado com o golpe de 2016, o
parlamento é quem tem o poder de escolher o projeto de país que guiará o executivo.
Trazendo isso para o que de fato vem ocorrendo com as forças sociais concretas da
política brasileira, está em curso um realinhamento de setores conservadores no Brasil
que decidiram por romper o pacto estabelecido na Nova República com a elaboração da
Constituição Federal de 1988. O rompimento desse pacto se projeta na tentativa de alterar
as instituições do país – com a consolidação desse poder de veto − e de findar pôr fim ao
programa político estabelecido na ordem constitucional. Sendo mais exato na
nomenclatura, não essa ruptura não reside na tentativa, mas na efetivação dos projetos do
golpe de 2016. Ou seja, não estamos falando em possibilidade, o fim do pacto político da
Nova República é um fato que está em curso. Cabe a nós apenas decidir como intervir
nele.
Em verdade, o impedimento da presidenta Dilma Rousseff, a instalação de uma
espécie de junta governamental que congrega o PMDB e a oposição ao antigo governo
derrotada nas urnas (vejamos o espaço do PSDB e do DEM no atual governo), e a
imposição do projeto de governo “Ponte para o Futuro” (este não passado pelo escrutínio

9
Isso fica muito claro na fala de Michel Temer em entrevista à Band quando ele afirma governar ancorado
no Congresso Nacional. Cf. BAND JORNALISMO. Entrevista Michel Temer – parte 2. YouTube, 15 de
abr. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FVjSQxIpqXc&t=2s>. Acesso em: 18 abr.
2017.
popular) inauguraram no país um verdadeiro processo destituinte. Ou seja, estamos
vivendo hoje um movimento de destruição da ordem constitucional por meio de uma
ampla reforma dos pilares da Constituição promovida por uma junta governamental que
destituiu uma presidenta eleita. Para tornar a situação mais grave: sem que a agenda da
construção constitucional ganhasse o cenário público, o que quer dizer que nenhum eleitor
e nenhuma eleitora delegou tamanho poderes para os agentes que estão pondo em curso
esse projeto. Desse modo, resta aqui consolidada a primeira tese desse artigo: os agentes
do golpe já estão fazendo a sua “constituinte” que é, na verdade, destituinte uma vez que
não tem se dado pela ativação do poder constituinte, ou seja, não está legitimada pela
decisão da comunidade política, o povo, de deliberar sobre a ordem constitucional.
Esse processo destituinte tem um dos seus ápices na aprovação da PEC dos gastos
públicos que, na prática, representa um subterfugio para não cumprir a vinculação
constitucional de investimento em saúde e educação10. A referida emenda constitucional
ainda cumpre o papel de esvaziar o poder de decisão do voto popular na eleição
presidencial ao assegurar que as/os próximas/os presidentes/as tenham tamanha restrição
nas suas opções sobre o orçamento. Inclusive, esse é outro projeto desse momento
destituinte: reduzir ao máximo o que está em jogo nas eleições presidenciais.
Em face disso tudo, alguns constitucionalista tem se posicionado pela necessidade
de uma constituinte em face do rompimento do pacto de 198811, e tem surgido
movimentações12 para a elaboração de uma nova ordem constitucional para o país à
direita13 − com o objetivo de realizar uma “lipo” na constituição e diminuir o rol

10
Cf. CONSULTORIA DE ORÇAMENTO E FISCALIZAÇÃO FINANCEIRA. Estudo técnico n.º
12/2016: Impactos do “novo regime fiscal” - subsídios à análise da proposta de emenda à constituição - pec
nº 241/2016. Câmara dos deputados federais, Brasília, Ago. 2016. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/et-12-2016-impactos-do-novo-regime-
fiscal-subsidios-a-analise-da-proposta-de-emenda-a-constituicao-pec-no-241-2016>. Acesso em 18 abr.
2017.
11
BERCOVICI, Gilberto; COSTA, José Augusto. A Constituição morreu. Chama o povo para fazer
outra!.Carta Capital, São Paulo, 15 mai. 2016. Disponível em:
<http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/A-Constituicao-morreu-Chama-o-povo-
para-fazer-outra-/40/36107>. Acesso em: 20 jan. 2016.
12
Cf. JORNAL DO BRASIL. Ex-presidente da oab defende assembleia constituinte “imediata”. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 14 abr. 2017. Disponível em <http://www.jb.com.br/pais/noticias/2017/04/16/ex-
presidente-da-oab-defende-assembleia-constituinte-imediata/>. Acesso em 18 abr. 2017.
JORNAL DO BRASIL. Juristas e ex-presidentes se reúnem para articular Assembleia Constituinte. Jornal
do Brasil, Rio de Janeiro, 14 abr. 2017. Disponível em
<http://www.jb.com.br/pais/noticias/2017/04/14/juristas-e-ex-presidentes-se-reunem-para-articular-
assembleia-constituinte/>. Acesso em 18 abr. 2017.
13 Cf. ESTADÃO. O desafio de uma constituição. [Editorial] Estadão, São Paulo, 31 mar. 2017.
Disponível em: <http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-desafio-de-uma-
constituicao,70001721171>. Acesso em 18 abr. 2017; ESTADÃO. Base para uma inadiável discussão.
[Editorial] Estadão, São Paulo, 11 abr. 2017. Disponível em:
“impraticável” de direitos − e à esquerda14. Nessa conjuntura, é compreensível a adoção
da postura conservadora com relação a ordem estabelecida de se preferir a preservação
da ordem constitucional vigente. Sobretudo se levarmos em conta que temos um dos
textos constitucionais mais democráticos produzidos em um momento histórico de
ascensão das lutas de massas do país. Mais que isso, o processo constituinte de 1987/1988,
contrariando todas as expectativas – seja pela composição conservadora do Congresso
Constituinte ou pela situação internacional após a queda do muro de Berlim, ascensão do
neoliberalismo e crise do Estado de Bem-estar Social −, criou uma Constituição de
conteúdo avançado no que tange à previsão de direito individuais e sociais. Mas a postura
conservadora em face da possibilidade de uma Assembleia Constituinte não se faz
compreensível apenas em face das previsões normativas da Constituição de 1988. Essa
ordem constitucional construiu seus sentidos principalmente no embate com as políticas
neoliberais da década de 1990, por isso, seu conteúdo se consolidou como progressista.
Desse modo, nada mais natural que surja, como reação a esses movimentos
constituintes, o medo de perder tudo o que já conquistamos. Mas, é preciso perguntar, o
que de fato a rigidez constitucional nos assegurou desde o impedimento da presidenta
Dilma Rousseff? Quem tem certeza sobre qual é o limite desse movimento destituinte
guiado sem a participação e decisão efetiva da comunidade política, o povo? É aceitável
a manutenção de uma ordem constitucional que, na organização do poder, permita o
surgimento desse poder de veto de projeto que se consolidou com o instrumento do
impeachment?
Não há como assegurar o resultado final de um processo constituinte, sem dúvidas.
Optar pela (re)construção constitucional como saída política traz o risco do retrocesso.
Mas esse não é uma possibilidade lógica da política? Ou alguém assevera que a rigidez
constitucional garantiu o impedimento dos retrocessos desde a consolidação do golpe de
2016? A escolha da tática dos agentes políticos progressistas passa necessariamente pela
opção entre a manutenção da ordem vigente como bandeira ou a consolidação de um
processo constituinte em contraposição ao destituinte promovido pela junta
governamental que tomou de assalto o palácio do Planalto.

<http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,base-para-uma-inadiavel-discussao,70001734018>. Acesso
em: 18 abr. 2017.
14
Cf. BRASIL DE FATO. Frente Brasil Popular atualiza plataforma política e convoca jornadas para 2017.
Brasil de fato, Minas Gerais, 09 dez. 2016. Disponível em:
<https://www.brasildefato.com.br/2016/12/09/frente-brasil-popular-atualiza-plataforma-politica-e-
convoca-jornadas-para-2017/>. Acesso em 20 jan. 2016.
É óbvio que se uma Assembleia Constituinte fosse montada hoje, de imediato, por
decreto ou qualquer instrumento normativo que produzisse efeitos automáticos, os
retrocessos não seriam um risco, mas seriam certos. Esse projeção se torna ainda mais
acertada se, como no processo de 1987/1988, permitíssemos que o atual congresso
Nacional desse cabo dessa construção constitucional. Frente a essa situação, a defesa da
ordem vigente seria um imperativo. No entanto, nunca foi isso o defendido pelo
movimento constituinte iniciado em 2013 nem muito menos, o advogado pela Frente
Brasil Popular ao colocar a convocação de uma Assembleia Constituinte como saída
política para a crise atual. É fato que a história não é um desenvolvimento linear do
presente, ou seja, não há como projetarmos a correlação de forças atual para o futuro sem
levar em conta a possibilidade de agirmos no sentido de alterá-la. Quem imaginaria que
uma Constituinte forjada em meio à transição brasileira, convocada por José Sarney, saído
dos quadros do regime que se depunha, composta por senadores biônicos e uma maioria
conservadora, fizesse nascer a Constituição mais democrática da nossa história?
A opção por defender uma campanha pela Constituinte representa a tentativa de
forjar uma meta-síntese, uma bandeira, que permita aglutinar amplos setores em torno de
uma agenda de transformações estruturais no país a longo prazo. Por isso, a Frente Brasil
Popular fala em constituinte no horizonte estratégico. É inegável que há uma parte
fundamental da ordem constitucional que permaneceu intacta mesmo no processo
constituinte de 1987/1988: a estrutura e a forma de organização do poder. Uns chamam
esse núcleo essencial de sala de máquinas da constituição. É fato que essa transformação
do impeachment em um poder de veto é reflexo disso. Desse modo, a tática de defender
uma constituinte como saída política a longo prazo se for bem executada pela esquerda
pode significar pôr em cheque o exercício do poder por elites e por oligarquias regionais
e iniciar um ciclo de reformas estruturais. Para isso, é imprescindível que os agentes
políticos progressistas iniciem uma mobilização ampla em torno dessa agenda. Mas,
repito, esse cenário é apenas uma potência, ou seja, não é um exercício da certeza e os
riscos precisam ser avaliados e ponderados pelos agentes políticos.
É inegável que, em frente à ofensiva que estamos enfrentando, precisamos optar
pela tática mais adequada. A adoção da postura defensiva tem nos levado a assistir
atônitos a junta governamental colocar um processo destituinte aterrorizante. Ou
defendemos a manutenção do dado e o retorno da estratégia possível da estrutura de poder
vigente, ou, partimos também pra ofensiva, convocando e, principalmente, mobilizando
o povo pra deliberar sobre uma (re)construção constitucional que nos permita mudar a
estratégia do ciclo passado. Partir pra ofensiva exige, porém, responsabilidade. Por isso,
ter como agenda uma constituinte urge que tenhamos como projeto a nova estrutura do
poder que queremos e, sobretudo, que passemos a desenhar como deve ocorrer o processo
de (re)construção constitucional principalmente quando à direita já há movimentação no
sentido de iniciar um processo como esse.
Um processo constituinte não tem regras pré-estabelecidas sobre seus ritos, ou
seja, um momento relevante para ele é a construção de acordos em torno de como deve
funcionar o momento de construção constitucional. É dizer, quem tem legitimidade para
decidir sobre a nova ordem constitucional, a necessidade ou não de um plebiscito
convocatório ou de referendo legitimador da ordem construída e o rito de elaboração da
nova ordem são elementos de disputa desse processo que podem definir seu resultado.
Destarte, não faz sentido os argumentos de quem, num exercício de futurologia,
categoricamente afirma que as bancadas x ou y cumprirão tal ou qual função.

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